Edição 432

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Diário da Cuesta NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

ano II Nº 432

SEGUNDA-FEIRA, 28 de MARÇO de 2022

100 ANOS DO BAURU!!!

Ponto Chic, local onde nasceu o Sanduíche Bauru, faz 100 anos Bar da Capital Paulista completa um século de funcionamento nesta quinta-feira

Por Guilherme Tavares O lugar onde nasceu o Sanduíche Bauru comemora uma marca histórica. Na quinta-feira passada, o Ponto Chic, no Largo do Paissandu, completa 100 anos. Foi lá que o bauruense Casimiro Pinto Neto inventou o famoso lanche que acabou se tornando patrimônio cultural e imaterial do Estado de São Paulo. A receita, criada em 1937 e mantida fielmente até hoje pelo bar paulistano, ajudou a projetar a imagem da cidade do Interior no restante do País e também em muitos lugares do mundo. Além de ser a “maternidade” do famoso sanduíche, o Ponto Chic, foi frequentado por intelectuais, artistas e modernistas, como Mário de Andrade e Anita Malfatti, assim como por alunos de Direito do Largo do São Francisco. Entre eles, estava o bau-

ruense que carregava o nome do município como apelido. O LANCHE A receita do Bauru leva fatias de rosbife, tomate, pepino em conserva e quatro tipos de queijos fundidos em banho-maria (queijo prato, estepe, gouda e suíço), preparados no pão francês. Os chapeiros são treinados para manter o sabor e a originalidade. Algumas lanchonetes adicionam elementos inspirados na receita original, difundindo ainda mais a fama do sanduíche ao redor do Brasil. A combinação original foi sugerida em 1937 por Casimiro ao chapeiro do Ponto Chic, conforme depoimento publicado enquanto vivo. Os amigos frequentadores passaram, então, a pedir um sanduíche “igual ao do Bauru” aos garçons do bar, eternizando o apelido do colega no nome do lanche. O bauruense morreu em dezembro de 1983, aos 69 anos.

LEITURA DINÂMICA Notícias de Botucatu e sua gente

Hoje, há outras três unidades do Ponto Chic na Capital Paulista: Perdizes, Paraíso e Brooklin, esta exclusiva para delivery. Juntas, comercializaram 140 mil unidades do Sanduíche Bauru em 2019.

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Um domingo antigo em Botucatu

Crônica de Luiz Carlos Casemiro

Recuo muitos anos para reviver um domingo perdido no passado. Opto pelo mês de junho. Faz frio. O sol de inverno aquecerá o dia somente à tarde, mais ou menos na hora do jogo entre a Ferroviária e o São Bento de Sorocaba pelo campeonato paulista da segunda divisão. Neste domingo, como em todos eles, ocorrem fatos previsíveis. A começar pela missa das oito, a da família, aonde mães e filhos certamente irão, embora eles, na marra. Nem todos os pais participam do culto; têm tarefas caseiras ou... a cervejnha no bar do boche. As crianças menores, após a missa, ficavam para a aula de catecismo. Os que já tinham a primeira comunhão eram obrigados, no sábado à tarde, se confessarem ajoelhados perante o padre João, ou Giovanni para alguns, pois italiano de Taranto possuía este nome de batismo. Escondido numa cabina enorme de madeira escura o vigário ouvia, por detrás de pequena janela treliçada, os pecados da infância: “briguei com meu irmão”; “xinguei as meninas”; “desobedeci minha mãe”; “roubei mangas no pomar do Seu Ambrósio”. Subindo o nível de gravidade dos pecados, de venial para mortal: “falei nomes feios” -- pausa – e, finalmente o indefectível: “pequei contra a castidade”. Confessado isto, o padre de pança volumosa afeito ao vinho tinto, santo, e ao pasto oferecido pelas beatas, farto, até então saciado e relaxado desperta da modorra e se mexe no trono (pode-se ouvir o seu sério Hum! Rum!). No seu português macarrônico, mesclado com o idioma italiano sentencia: “Figlio! Questo é pecatto mortale”. Sim. No entanto como evitar a isso? Moleques fantasiam bobagens quando veem a professora, dona Deolinda, um “pedaço” de mulher, com sua silhueta, trajando saia justa em seu corpo de cintura fina, com adereço (fetiche) de meias de náilon arrematadas em filetes. Ainda mais, calçando salto alto, tamanho dez. Visão, sonho... Toma pecado de novo...! Sinal da cruz! Ora-pro-nóbis! Três ave-marias pelos pecados leves e dez pai-nossos para os pecattos mortales. Figlio! Não se esqueça do jejum para comungar e receber a hóstia sagrada na missa de amanhã. Os homens, muitos ainda de pijamas e chinelos nesta manhã, desincumbiam-se dos serviços pesados do lar. Uns rachavam lenha para o uso do fogão na semana que entrava; outros tiravam água do poço e a armazenava numa grande tina para lavar roupas. Enchiam moringas e corotes para uso mais nobre: beber e cozinhar. Não havia a semana-inglesa, trabalhava-se nos sábados. Nos bancos até ao meio-dia, nas escolas: aulas regulamentares. Os que molhavam jardins e hortas com regador de folhas de Flandres juntavam duas tarefas: serviço de poço e aguar as plantas. Menos trabalho era exigido dos homens que faziam a limpeza das gaiolas dos passarinhos e cuidavam dos galinheiros: jogar milho, apanhar ovos e cercar um frango para o almoço dominical. Aqueles que enceravam as tábuas do assoalho utilizavam escovão de ferro muito pesado, articulado em cabo de madeira, de modo a esfregar o chão com palhas de aço e, posteriormente, brilhar o piso com cera e flanelas. O cheiro ruim de querosene perdurava por horas a fio. Nesse dia nem moscas, nem pernilongos, entravam na casa. Economizava-se o Flit. Casados menos ligados à família procuravam os bares onde jogavam sinuca, palitinho, truco, bilhar, bocha, malha. Bebia-se muito. Moços solteiros esperavam o fim da missa postados na calçada defronte da igreja para flertar as moças filhas-de-maria, quando estas desciam as escadarias do portal do templo. Os rapazes faziam fiu-fiu quando elas retiravam os véus brancos da cabeça e a fita azul, do pescoço. Todas se fingiam tímidas como se fosse pecado esse assédio. Para elas (verdadeiramente) ir à missa incluía esta motivação. Tanto é que deste procedimento surtiram muitos namoros, noivados, casamentos e novas famílias que povoaram a cidade serrana. O futebol sempre esteve associado aos dias de domingo. Vitórias e derrotas. Alegrias e tristezas. Alguns rebuliços, discussões e até brigas. A partir de dez e meia, antes da macarronada da mama, aconteciam os jogos do campeonato varzeano da cidade. Clubes representativos de bairros e de algumas empresas disputavam troféu oferecido pela Rádio Emissora. De suas sedes partiam três ou quatro caminhões lotados na carroceria de jogadores já uniformizados e os mais fanáticos torcedores. Os campos eram de terra. Havia somente três gramados: o do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) no bairro Lavapés, o da Ferroviária e o da Botucatuense. Estes dois últimos, além da várzea, disputavam com atletas profissionais o campeonato estadual da segunda divisão. Dizem que o distintivo, estrela solitária, da Associação Atlética Botucatuense é anterior à do glorioso Botafogo do Rio de Janeiro. A cidade detinha as mais importantes funções ferroviárias da Sorocabana. Mais de mil e seiscentos funcionários, fora o expressivo número de aposentados e pensionistas. Pela estação passavam dezesseis comboios de passageiros todos os dias. Aos domingos transitavam lotados. Como aqui substituíam locomotivas, trocavam a tripulação e, dependendo do horário, engatavam ou retiravam carros dormitórios, essa demora permitia aos moleques pularem uma mureta da gare e entrarem nos vagões a procura de embalagens vazias de cigarros para colecionarem em cadernos grandes, como álbuns. Nesse tempo era raro homem que não fumava. Domingo à tardinha, o Trem de Aço, luxuoso, era o alvo preferido. Nele era possível achar marcas novas, como o “Que Tal” (primeiro cigarro longo do Brasil), o Winston (primeiro com filtro), o Negritos (enrolado em papel preto com sabor de alcaçuz), o Cônsul (novidade, fumaça ardida, com gosto mentolado), o Fulgor, o Lord, o Oceania, o Petit Londrinos (estes, estoura peitos, cigarros volumosos, ovais, embalados em caixinhas de papelão), o Automóvel Club (curtinho, a metade de um lon-

go), o Rialto, o Alhambra, o Urca (motivos turísticos), o Yolanda, o Odalisca, o Dalila (antigos e raros, com fotos ou desenhos de lindas mulheres). O bom dos colecionadores: ninguém fumava. Não raro essas incursões ousadas terminavam em safanões desferidos pelos chefes-de-trem quando estes flagravam os invasores. Nas fugas, do alto da mureta, mirando o comandante do trem, os moleques com gestos obscenos xingavam-no de FDP. Sebo nas canelas. Pior de tudo: muitos desses senhores alvos da investida frustrada eram vizinhos das famílias dos traquinas. Nem todos delatavam o ocorrido aos pais, mas quando feita reclamação, meninos acabavam no corretivo das cintadas. A televisão ainda não havia chegado por aqui. As estações de rádio do Rio de Janeiro: Nacional, Tupi, Tamoio e Mairinque Veiga e as de São Paulo: Record, Piratininga, Bandeirantes e Pan-Americana proporcionavam um domingo cheio de atrações. Diversão com musicais, programas de calouros, humorísticos, radionovelas, o Repórter Esso. Irradiavam jogos de futebol. No domingo à noite os três cinemas da cidade: Paratodos, Cassino e Vitória ficavam lotados. As sessões se iniciavam às vinte horas, após o “footing” na principal rua do centro. Terminadas as sessões pouco depois das vinte e duas horas, reiniciava-se o passeio e o jogo de sedução, pois era costume aos rapazes e às moças no primeiro turno da paquera passar recados de se encontrarem após o filme. Com o advento dos aparelhos de televisão nos domicílios... Babau! Foi-se o “footing”. Saudoso, esperado, razão de vida, fermento dos namoros. Agora os três cinemas estão fechados, meio sucateados, apenas o Paratodos, ainda de pé, transformou-se em bonito teatro, ali na Praça Coronel Moura, cutucando a nossa saudade quando passamos em frente dele. As matinês de domingos nesse cine, das 14 às 16 horas, voltadas para a garotada exibia filmes de faroeste e aventuras: Zorro e Tarzan. Comédias leves. Quando o herói beijava a mocinha levava estrondosa vaia da plateia mirim ainda não enfronhada em assuntos amorosos. Na expectativa do início das sessões os ansiosos meninos batiam fortemente os pés no assoalho de tacos. Sossegavam quando no alto-falante soava a música (inesquecível) “O Cinema vai Começar” e lentamente as cortinas se abriam na enorme tela panorâmica abaulada. Na última meia hora a esperada fita do seriado. Cada domingo um capítulo. Tenho a certeza de que a TV de hoje copiou esta antiga diversão para suas novelas e folhetins. No seriado a última cena terminava sempre em suspense, assim do tipo: mocinho aprisionado pelos bandidos é amarrado numa tora longa que vai ser serrada ao meio, de comprido. Motor ligado ele vai se aproximando da lâmina mortal. Tam! Tam! Tam! ... assistam ao próximo capítulo no domingo que vem... será que nosso herói se salvará? Sim, pois ele é o sal que tempera nossas ilusões. São sete dias para a criançada refletir e projetar de como o mocinho se safará dessa esparrela. Nesse tempo de domingo antigo a vida se desenvolvia quase num casulo, restrita à região onde nascíamos. O cinema, os jornais, os livros, os interurbanos e o trem foram capazes de mostrar que havia vida além de nossa cidade. O rádio operou milagres de comunicação. Os ingênuos – também os disfarçados espertalhões - não se conformavam do milagre de como aquela caixa falante... falava sem ter nenhuma pessoa ali dentro dela. A expressão “No Ar” foi criada para não dar muitas explicações aos incrédulos de que a voz se propagava em ondas sonoras nos céus. Iniciava-se aí a era da globalização. A televisão ainda adotou o termo “No Ar”, no entanto, a Internet usa o mesmo espaço, porém com outra designação: “Na nuvem”. O infinito é o limite das nações. E o domingo do passado também ficou na nuvem. Na nuvem da saudade. Nota: Fotografia da Estação Ferroviária de Botucatu. Inaugurada em 1934, construída por “Camargo & Mesquita Engenheiros”, estes mesmos que de 1939 a 1947 edificaram o prédio do Banespa, em São Paulo, com 161 metros de altura, por quarenta anos a maior estrutura em cimento armado do mundo.


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PRIMAVERA

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Eduardo J.R. Santos Universidade de Coimbra

Chamam-te de primavera. Eu bem sei que esse teu nome é falso, aquele com que todos te corrompem e violam. O teu nome é sabedoria, de juntares o gelo dos invernos à loucura dos verões incendiários e à nostalgia das outonais folhas caídas, misto de prazer e choro. Contigo aprendi a lição das feiras populares: tem pipocas salgadas e tem pipocas doces, duas estirpes de lágrimas. Coloca-as-as sobre a mesa velha: depois decidiremos como vamos querer enlouquecer! Pai, flutuas hoje tranquilo na minha memória. Na praia do Amor flutuei eu muitas vezes nos teus braços. Quando um dia o tempo estiver maduro, talvez num Verão, irei abraçar-te para sempre. Até lá, vou cerzindo rugas e sauda-

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des… Obrigado por nós os três, éramos mais jovens, tinhas partido há pouco, mas já eras eterno. Fica aqui o nosso afeto e olhar, obrigado para sempre!

DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689

O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


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São Paulo dos anos cinquenta... Maria De Lourdes Camilo Souza

Hoje o cenário das memórias pandêmicas é a São Paulo dos anos cinquenta. Íamos muito a São Paulo de trem, nos encantava o bilheteiro anunciando cada parada. Ainda escuto em minha memória, sua voz gritando ao entrar no vagão e gritando: “Cerquilho” ( uma das paradas) eu me divertia muito a imitá-lo, gostava de fazer imitações. Sabia de cor cada parada. O cheiro dentro do trem ainda está em meu nariz. O vendedor de biscoitos de polvilho gritando “bixscoito” carregando no xis. Ao chegarmos na Estação Júlio Prestes, descíamos em meio a uma multidão e rumávamos para a pensão da Tia Nancy, irmã do meu pai. Naquele tempo, andávamos muito a pé. Lembro das suas ruas e peculiaridades. A pensão da Tia Nancy era especial. O refeitório e suas mesas, com toalhas quadrilhadas branco e vermelho. O cheiro do café e o pão fresco nas cestinhas sobre as mesas, manteiga e geléias. Bolo de fubá, biscoitinhos feitos em casa. Hóspedes chegando e saindo. Mas o ápice para mim era ouví-la tocar a sua sanfona nas noites, após o jantar. Era linda parecendo madrepérola lilás, cujo som me encantava. E cantávamos as canções acompanhados dos sons que dela saíam. Tia Nancy a deixou de presente para mim. E depois, lá fui eu, até a Rua Curuzu, à casa do Professor Moscogliato, que com muita paciência, tentava me ensinar a fazer sair algum som das teclas brancas e combinar o ritmo dos botões pretos, sem esquecer de abrir e fechar o fole. E tem mais, acompanhando cada nota da partitura Afff ...Era um tremendo esforço tal empreendimento. Sua dedicação não foi em vão, visto que logrei aprender uma música. Que foi a primeira e única registrada na minha mente. Eu tocava apaixonadamente: “O Luar do Sertão”. Fechava os olhos e ia sentindo a música sair do coração passando pela mão direita para as teclas acetinadas e dando o ritmo na mão esquerda apertando os pequenos botões pretos, e balançando o corpo abrindo e fechando o fole numa grande harmonia. Tararán rán rán....pan pan no vai da valsinha sincopada. Combinava muito com o barulhinho do trem na volta para casa. Chegávamos sempre com aquela fumaça, o apito do trem, anunciado pelo bilheteiro andando pelos corredores, tentando se equilibrar e gritando: Botucatu.. Botucatu ..na sua voz forte. Nunca esqueço que quando descia do trem, olhava encantada a nossa estação, assim de “cabo a rabo”, começo, meio e fim respirava profundamente com muita amor os nossos “bons ares” desta boa terra, que amo, e pensando: finalmente em casa! O toque final da chegada nos dava o Pitoco, nosso cachorrinho, que aguardava ansioso e abanando o rabinho, dando-nos as boas vindas com muitas lambidas na cara.


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