Edição 487

Page 1

Diário da Cuesta NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU ANO II Nº 487 TERÇA-FEIRA, 31 MAIO DE 2022

FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO 2022

Festa do Divino de Anhembi ocorrerá entre os dias 7 e 9 de junho Um dos mais tradicionais eventos religiosos do Estado de São Paulo, a Festa do Divino Espírito Santo de Anhembi, ocorre de 07 a 09 de junho. O espetáculo, com mais de 150 anos de história, é o maior do calendário da cidade e reúne milhares de

turistas e devotos. O auge das festividades, o Encontro das Canoas, ocorre no sábado, dia 08, às 16 horas, às margens do Rio Tietê. À beira do rio, na velha ponte, e em qualquer outro espaço ao redor, o público vibra com o momento. Ainda no sábado tem atividades logo cedo no salão paroquial, e às 18 horas ocorre a missa campal, em frente à Igreja Matriz. No domingo, dia 09, às 10 horas, tem missa com a Irmandade, comes e bebes no salão, e o encerramento das festividades, com a procissão, seguida de Santa Missa e Coroação de Nossa Senhora dos Remédios.


2

Diário da Cuesta

FESTA DO DIVINO!!!

Anhembi é um pequeno município paulista e tem o rio Tietê como a sua maior atração turística e importante vetor para sua economia. O rio Tietê foi importante na construção do Estado de São Paulo. Isso, graças a sua particularidade geográfica: normalmente os rios nascem no interior e correm para o mar, mas o Tietê faz o caminho contrário: nasce no município de Salesópolis, na serra de Paranapiacaba, forma-se nas vertentes da Serra do Mar, próximo ao oceano, mas foge dele rolando suas águas para o interior... até lançá-las na margem esquerda do rio Paraná (rio parecido com o mar) no ponto Urubupungá (urubu inchado). É o maior rio paulista. Nascendo e acabando em solo bandeirante, com 1.120 Km, dividindo o Estado em duas partes iguais. O Tietê é pobre de afluentes de vulto. O rio Piracicaba é o único afluente que apresenta grande atributo de água. O Tietê banha a capital paulista e algumas cidades do interior, entre elas, ANHEMBI. Por ele desceram os conquistadores em busca de ouro. O nome mais usado pelos sertanistas e aventureiros era ANHEMBI (rio dos Inambus), nome usado pelos indígenas. Por muitos anos esse nome prevaleceu: Rio Grande de Anhembi. Os colonizadores do planalto paulista ficavam impressionados com seu volume de água em relação aos demais rios da região. ANHEMBI nasceu de uma pequena aldeia fundada pelos bandeirantes, à margem direita do rio TIETÊ, caminho usado para a conquista do sertão pelas Entradas & Bandeiras que marcaram importantes capítulos de nossa história. (AMD)

BANDEIRA DO DIVINO Os devotos do Divino vão abrir sua morada Pra bandeira do Menino ser bem-vinda, ser louvada Deus vos salve este devoto pela esmola em vosso nome Dando água a quem tem sede, dando pão a quem tem fome A bandeira acredita que a semente seja tanta Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa Que o perdão seja sagrado, que a fé seja infinita Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva Assim como os três Reis Magos, que seguiram a Estrela Guia A bandeira segue em frente atrás de melhores dias No estandarte vai escrito que Ele voltará de novo E o Rei será bendito, Ele nascerá do povo. (Ivan Lins e Vítor Martins) É tradicional a FESTA DO DIVINO em Anhembi, acontecendo há 150 anos! Reúne cerca de 30 mil turistas nos meses de maio ou junho, conforme o DIA DE PENTECOSTES do ano. São três dias de festividades em devoção ao ESPÍRITO SANTO, celebrando a sua vinda sobre os apóstolos e sobre a VIRGEM MARIA durante a última ceia. Este ano as comemorações acontecem nos dias 7 e 9 de junho. A cidade se prepara para receber os milhares de turistas e, principalmente, a Irmandade do Divino. ANHEMBI possui, hoje, porto de navegação fluvial que faz parte da importante Hidrovia

Tietê-Paraná. Esta matéria sobre o nosso folclore regional tão bem trabalhada pelo saudoso prof. José Antonio Sartori, então vice-presidente da Academia Botucatuense de Letras – ABL, foi publicada na revista PEABIRU nº 5, 1997, com ilustrações do prof. Vinício. E essa publicação foi motivo de um feliz reencontro: há 54 anos atrás, eu organizei uma excursão de universitários da FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA para a Festa do Divino, em Anhembi. Conseguindo um ônibus da Secretaria Estadual do Turismo, fizemos a sua lotação, em 1968, com os universitários interessados em conhecer o nosso interior e uma de suas mais expressivas festividades populares: a FESTA DO DIVINO. Fomos recepcionados pelo prefeito de então Wadih Jorge e pela família Morato do Amaral. Sucesso total e a certeza de que esse tipo de divulgação ganha o interesse e consegue a participação do pessoal acostumado apenas à “selva de pedra” das grandes capitais. Praticamente depois de 30 anos (agora republicado 15 anos depois), o artigo do prof. Sartori consegue, em detalhes, reviver a envolvente festa popular de Anhembi. E, grata surpresa e coincidência, era nosso mestre de Antropologia na ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA, o prof. Alceu Maynard Araújo, Membro Efetivo da Academia Paulista de Letras – APL e que viria a ser, muito tempo depois, meu Patrono na Academia Botucatuense de Letras – ABL. Famoso folclorista paulista, o prof. Alceu despertou nos universitários o interesse em conhecer as nossas tradições culturais e, hoje, do nosso turismo-raiz, fazendo a divulgação de nosso folclore. Anhembi é um dos municípios do bem estruturado PÓLO CUESTA ( + Areiópolis, Bofete, Botucatu, Conchas, Itatinga, Paranapanema, Pardinho, Pratânia e São Manuel). “O Pólo Cuesta é um consórcio turístico criado em 2001, com o objetivo de desenvolver o turismo de forma regional e sustentável através da integração e trabalho em conjunto dos municípios.” A FESTA DO DIVINO é uma grande atração turística a valorizar o folclore regional. RIO TIETÊ : RIO GRANDE DE ANHEMBI!

EXPEDIENTE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU WEBJORNALISMO DIÁRIO

Comentários: - Delmanto disse... Festa do Divino. Essa é a grande festa popular/religiosa mais importante da região do Pólo Cuesta! Na cidade de ANHEMBI será realizada nos dias 7,8 e 9 de junho a FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO! São 150 anos de tradição do nosso folclore e que retrata com fidelidade toda a religiosidade de nosso povo. Comparecem mais de 30 mil turistas. Nos 3 dias de festividade, Anhembi se engalana para recepcionar os visitantes e a Irmandade do Espírito Santo. Quem ainda não foi, deve ir. E quem já foi algumas vezes, como eu, deve voltar. É a nossa tradição. É o FOLCLORE vivo e encantado do Pólo Cuesta! - Ludmila Cunha disse... Eu me lembro bem dessa festa em 1968. Entre tantos de Botucatu, estava o saudoso Padre Augusti. E tinha muitos jovens de Botucatu. A família do deputado federal Pacheco Chaves também estava presente, já que são descendentes do irmão do Conde de Serra Negra, Dr. João Batista da Rocha Conceição, e herdaram a famosa Fazenda Nazareth, em Piracicaba, município vizinho de Anhembi. O deputado Pacheco Chaves tinha uma filha cursando a Sociologia e Política e que viria a casar com um Lunardelli, grande e poderoso fazendeiro no Paraná. (ludmila. cunha@yahoo.com.br) 14 de maio de 2016 - Sonia Mereu disse... : Eu conheço a Festa do Divino desde 1975 , é uma festa de uma religiosidade que deixa, quem participa , com uma declaração da prática da fé, muito grande e emocionante . 15 de maio de 2016 - Nelson Gasparini Junior disse... Nelson Gasparini Junior (Facebook): Uma maravilha da fé sertaneja, dos habitantes ribeirinhos. Curti essa festa no Anhembi na década de 60. Vale a pena participar. 15 de maio de 2016 - Jô SantÍago disse... : Toda vez que leio sobre essa festa, fico com muita vontade de ir. Quem sabe na próxima. 15 de maio de 2016 07:15 - Maria Oliveira disse... : Que o Divino Espírito Santo abençoe e ilumine a todos os participantes dessa maravilhosa e abençoada festa!!! - Barbosa disse... A festa é maravilhosa!!!! Meu avô, Durvalino Barbosa, foi presidente da Irmandade do Divino. Hoje um bisneto continua sua tradição!!! Festa de fé, emoção, pedidos e muuuuitos agradecimentos!!!! - Marcelo Delmanto disse... Não foi fácil montar esse post e o site, mas valeu a pena. É um importante registro histórico. Ainda não fui à Festa do Divino, mas conheço Anhembi de passagem. É um programa que merece ser feito. É o que pretendo. Valeu! Marcelo Delmanto (adv.marcelo.delmanto@gmail.com) 16 de maio de 2013 13:55 - Eunice Lima disse...: Maravilhosa aula de geografia, história, etc. 16 de maio de 2013 14:55 - Luiz Sagin disse... : Eunice. conheço esta festa ia muito p. São Manuel , tenho mtos parentes lá ,,,muito linda festa do DIVINO 16 de maio de 2013 14:56 - Joana Sant’Iago disse... : compartilhou sua foto. muito interessante... é um assunto que me interessa muito. Na Bocaina as festas do Divino, pipocam o ano todo. Gostaria de ir a essa de Anhembi, porque envolve o rio Tietê. Um dia voltando da praia fui conhecer a nascente do Tietê, muito interessante o caminho que ele percorre. Ler o Blog do Delmanto é informação e cultura. Valeu. 16 de maio de 2013 17:14 - Ana Maria Nogueira Pinto Quintanilha disse... : Esta festa é linda! Todo mundo deveria conhecer! 16 de maio de 2013 23:02 Anônimo disse... I absolutely love your blog and find the majority of your post’s to be just what I’m looking for. Do you offer guest writers to write content for you? I wouldn’t mind publishing a post or elaborating on many of the subjects you write related to here. Again, awesome weblog! Look into my webpage - http:// www15.tok2.com/home/salt/g_book.cgi 17 de maio de 2013 01:07 - Regina Marques da Costa disse... Que festa! Lembro-me bem de ter ido qdo estudava na Sociologia. Infelizmente, foi a única vez. Sou daquelas que vive na selva de pedra. Quando organizar a próxima, pode me incluir. Seus artigos, sempre excelentes... Abs Regina 17 de maio de 2018.

DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689

O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


3

Diário da Cuesta

FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO! Verdadeiro documento histórico relatado em seus detalhes pelo saudoso Mestre, prof. JOSÉ ANTONIO SARTORI, na revista PEABIRU, nº05, de setembro/outubro/1997: Essa matéria sobre o folclore religioso de nossa região captou toda a magia da festa e contou com a ilustração do professor Benedito Vinicio Aloise. É uma preciosidade!

FESTA DO DIVINO!!!

Festa em Louvor ao Divino Espírito Santo de Anhembi - trabalho do saudoso prof. José Sartori com ilustrações do saudoso mestre Vinicio Aloise

O ano 1939 - Na fazenda

Uma brisa amena ondulava a superfície da água do rio, numa tarde de maio em que o sol poente ensanguentava no horizonte. Apinhada na barraca do Tietê, muita gente - o pessoal da fazenda, da vizinhança, da cidade - aguardava a chegada da canoa com os devotos do Divino. O rio é um caminho que anda e com eles, vêm descendo de Anhembi. A espera é grande e a expectativa maior, pois a tarde agonizava lentamente, ofuscando todo o esplendor do arrebol e o reflexo do sol na espelho das águas. Na hora em que pernilongos começaram a importunar os espectadores da natureza, um cântico de louvor ao Divino, cadenciado pelo barulho de remos na água, se fez ouvir seguido de um estrondo, fogo e fumaça produzidos por um tiro de bacamarte. A canoa azul com bordas vermelhas se aproximava conduzindo os irmãos do Divino, que anunciavam sua chegada com mais um disparo do bacamarte. À margem, o povo silenciou e, a seguir, aplaudiu com entusiástica e crescente salva de palmas numa demonstração de boas vindas, alegria e fé no Divino Espírito Santo, igualmente festejado por um belo espetáculo de fogos de artifício. Foguetes subiam ao céu desfazendo-se em lágrimas de luzes e cores; rojões estouravam no espaço e bombas e bombinhas explodiam por todos os lados. Então, a canoa presa à margem, os romeiros uniformizados de azul, gorro branco ou azul na cabeça, faixa vermelha à cintura, cerca de quarenta, foram desembarcando em fila dupla, levando seus remos aos ombros, verticalmente, com as pás para o alto. Presa a um pequeno mastro, de cuja extremidade pendem fitas brancas e vermelhas, a Bandeira do Divino era conduzida por um dos peregrinos, o alferes da Bandeira, precedendo a Irmandade e um grande número de fiéis. A Bandeira é vermelha. Exibe, na parte central, uma coroa de luz cintilante enfeitada com línguas de fogo, cingindo uma pomba branca que emite sete raios luminosos resplandecentes. Esse rutilante emblema - a Coroa do Divino - representa os sete dons com os quais o Espírito Santo ilumina seus fiéis devotos. São dons de Espírito. Espírito de Sabedoria, Entendimento, Conselho, Ciência, Fortaleza, Piedade e Temor de Deus. A procissão seguiu o caminho da sede da fazenda ao cintilar da Vésper, a primeira “estrela” a surgir dezenas de pessoas deitadas no chão, cobertas cada qual com uma manta, atravessavam o caminho. Eram os amortalhados. Amortalhados porque, envolvidos em mortalha, desesperados ou deprimidos, só viam na morte a solução de seus problemas. Porém, desapegados das coisas mundanas, sob a direção do próprio Espírito Santo aguardavam a passagem da Bandeira do Divino sobre eles. Promessas feitas, agradecimentos por graças recebidas ou talvez por esperar merecê-las. A procissão parou. Então, o alferes ladeado por dois confrades, transpunha cada devoto e, to-

cando-o com a Bandeira e as fitas, dava a benção proclamando a jaculatória: - Vinde Espírito Santo iluminar os corações de vossos fiéis! Ao que respondiam os dois acompanhantes: - Senhor, tende piedade de nós! E a imagem da fé infinita! Tocados pela luz e força do Espírito Santo, a esperança de se renovar, de se salvar. Suas palavras me penetravam e me tocavam lá no fundo. Tendo na mão uma sacola, um dos religiosos ia à frente fazendo a coleta de esmolas em dinheiro depositadas sobre o peito dos amortalhados. Na varanda da casa, o Sr. Pérsio e familiares, observando o ritual tradicional da festa, acolheram os dois violeiros. Esse momento é emocionante. Dedilhando as cordas das violas, tiravam sons harmoniosos e plangentes. Na beleza da música e na simplicidade dos versos, revelavam a fé que ilumina a alma cabocla e fortalece a esperança desse povo oprimido, alegre; a gratidão pelo pouso naquela morada que será sempre abençoada pela Bandeira do Divino. Para que possamos avaliar o significado de tal instante, “A Bandeira do Divino” que aqui transcrevo é de autoria de Ivan Lins e Vítor Martins. BANDEIRA DO DIVINO Os devotos do Divino vão abrir sua morada Pra bandeira do Menino ser bem-vinda, ser louvada Deus vos salve este devoto pela esmola em vosso nome Dando água a quem tem sede, dando pão a quem tem fome A bandeira acredita que a semente seja tanta Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa Que o perdão seja sagrado, que a fé seja infinita Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva Assim como os três Reis Magos, que seguiram a Estrela Guia A bandeira segue em frente atrás de melhores dias No estandarte vai escrito que Ele voltará de novo E o Rei será bendito, Ele nascerá do povo. (Ivan Lins e Vítor Martins) Para que Deus seja sempre louvado, um quadro com a estampa da “Coroa do Divino Espírito Santo” deverá permanecer no topo do mastro a ser fincado no solo daquele rincão sertanejo. 1 Para isso, o capitão do mastro ordenou a seus correligionários de fé, emparelhados ao lado da haste, que a elevassem verticalmente com o auxílio das pás de seus remos, a fim de fixá-lo no lugar pré-determinado. Novo tiro do bacamarte em direção ao chão, ao meu lado, estremeceu meu corpo da cabeça aos pés e, além de nos envolver numa nuvem de fumaça, deu início


Diário da Cuesta

4 a outro belo espetáculo pirotécnico animando mais aquela festa ruidosa. Após a reza o pessoal se preparou para a comezaina. Churrasco, pão, bebidas, licores e doces caseiros foram saboreados pelos participantes. Além do conteúdo religioso, o evento teve seu lado profano. Função é a dança rural. Na sala da casa houve baile animado por uma sanfona. Cateretê, cururu, danças com desafio na viola, bem regionais, foram observados perto das fogueiras. Os violeiros são os poetas do sertão. Improvisam trovas ao som das violas. Cantam as belezas da natureza, as lidas no sertão, a fibra nas incertezas, a tradição, a fé e a religião. A felicidade e os seus amores soam em versos bem delicados. A menina lá na dança Olhares românticos Tão faceira, tão benquista. Abraços afetuosos No meu coração lança Na vida há encantos O amor à primeira vista. Nos encontros amorosos. Algumas pessoas, reunidas no pátio da casa, se salientavam gritando durante o jogo de cartas ou dados. E faziam suas apostas. Outras se divertiam contando ou ouvindo “causos” e piadas. O “causo” teve grande repercussão naquelas bandas do sertão. Seu Jacó e o compadre Chico Pinto foram caçar capivara na mata ciliar do rio Alambari; e, por milagre, mataram uma enorme onça pintada. Toda vez que narra o fato, com os olhos inundados de lágrimas e a voz embargada pela emoção, lastima a perda do Pajé, dilacerado pelas garras e dentes do felino. Jamais trocaria o dócil e fiel cão de caça por um troféu, apenas um tapete na sala de sua casa! Sempre há alguém no violão para acompanhar um cantor ou uma dupla nas suas canções sertanejas. O correio “sem selo” - comunicação boca-a-boca - tão romântico quanto espirituoso (Isaura mandou dizer que gosta de você!), interessava aos jovens namorados e aos assanhados. A comemoração entrou pela noite e chegou até ao sereno da madrugada. Vendo a lua, recordei Angelino de Oliveira: Como é lindo este luar, Lá no céu do meu sertão. Vai até de madrugada. Essa lua em disparada, Prateando a solidão. Ao clarear o dia, servido o café bem reforçado, partiram cantando a Alvorada do Divino para outra jornada.

O ano é 1997 - Na cidade de Anhembi

A festa do Divino Espírito Santo tem início na véspera da Ascensão e termina no Domingo de Pentecostes e ritualiza a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. O evento dura cerca de 10 dias mas sua preparação leva meses. A origem da comemoração é atribuída à rainha Isabel de Portugal (séc. XII); tudo teria começado com a construção da Igreja do Espírito Santo, em Alencar. A devoção difundiu-se rapidamente, tornou-se popular, ganhou o além-mar chegando ao Brasil com os colonizadores no séc. XVI. As Festas do Divino permanecem ainda em vários estados do Brasil; persistem em Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Maranhão. Na cidade de Anhembi (SP), a Festa do Divino se realiza há mais de um século. O povo glorifica a Deus, pagando promessa pelas graças alcançadas quando da erradicação de terrível doença que dizimava a população. Atualmente, no mundo, a malária ou maleita, mata 1,5 milhão de pessoas por ano. Malária (do italiano mala, mau e ária, ar) não é produzida por “miasmas” (exalações de águas podres dos pântanos) como se supunha. A malária é causada por protozoáríos chamados plasmódios que se multiplicam no sangue da vítima. Se a fêmea de um certo pernilongo (anofelino) pica o maleitoso, ao sugar o seu sangue, aspira também os plasmódios; e, depois de certo tempo, ao picar outra pessoa, transmite-lhe a malária. Outrora, muitos dos amortalhados certamente eram maleitosos. Mesmo ardendo em febre e com acesso de violento tremor de frio, esperavam na benção do Espírito Santo a cura dessa doença. Tratar dos doentes e proteger os sãos destruindo os mosquitos vetores são medidas permanentes para eliminar essa endemia hoje, em muitas regiões brasileiras. Mesmo assim temos que contar com a proteção Divina. Pois, os pernilongos anofelinos que escapam da pulverização nos aviões, barcos, ônibus, carros, podem ser aqueles passageiros que espalham a malária pelo mundo. A Irmandade do Divino Espírito Santo conta com a colaboração de novos festeiros escolhidos para o ano, fiéis devotos, cantores, violeiros, alguns recursos da municipalidade, para angariar donativos (prendas, dinheiro) tanto na cidade como na zona rural, e organizar os festejos. A roupa com a qual se apresentam vestidos, o jeito alegre e festivo de

pedir, agradecer, rezar, os violeiros e cantores que acompanham os cortejos entoando cânticos em louvor ao Divino, caracterizam os foliões. E a folia se realiza nos pousos que são marcados no dia da “Derrubada das Canoas” nos fins de março. O Tietê é a via natural de comunicação. Subindo e descendo o rio os devotos chegam aos sítios e fazendas onde são acolhidos com satisfação pelos fazendeiros que dão o pouso. Com características profanas e religiosas a Festa do Divino em Anhembi - com programação distribuída para todas as cidades circunvizinhas - por ser tradicional, é ponto de convergência, não somente dos fiéis devotos do Espírito Santo mas também de milhares de turistas que procedem das mais distantes cidades do Estado, quiçá do Brasil. De acordo com a Secretaria de Turismo e Cultura, a cidade, neste ano de 1997, acolheu cerca de 30.000 pessoas, centenas de carros e mais de 400 ônibus de turismo. A população cresceu cinco vezes na véspera do Domingo de Pentecostes porque no Sábado, a festa religiosa tem como ponto alto o Encontro das Canoas da Irmandade do Divino Espírito Santo no rio Tietê. Com o repicar de sinos e fogos de artifício anunciando o início dos eventos, o povo se dirigiu para o rio, às quatro horas de uma tarde ensolarada sob um céu anil. Uma enorme multidão foi se compactando ao longo da margem esquerda do Tietê. Um alto-falante no porto de areia, transmitia orações e cânticos entoados pelas Irmandades da igreja da cidade cuja padroeira é Nossa Senhora dos Remédios. O povo aguardava ansioso o cortejo da Irmandade do Divino sobre as águas do Anhembi (primitivo nome do rio Tietê). Em breve tempo, a primeira canoa apontou rio acima. Marcou sua presença com um tiro de bacamarte e navegou suavemente sob salva de rojões e de palmas. Todos em pé, vestidos de branco com adornos vermelhos nos punhos e na gola, faixa vermelha à cintura, gorro branco ou azul na cabeça, os irmãos do Divino, em uniforme de gala, remavam a sua canoa azul com bordas vermelhas trazendo a Bandeira do Divino na proa ao lado do artilheiro. Subindo o rio, ao mesmo tempo, a outra canoa impulsionada pelos remos dos outros irmãos do Divino, respondeu com tiros de bacamarte. As canoas foram se aproximando cautelosamente. Cruzam-se e, quando emparelhadas, uma surpresa: em meio às nuvens de fumaça dos tiros, surgiu um bando de pombos brancos voando para o céu, simbolizando a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos e os dons de espírito com os quais ilumina seus fiéis devotos: fé, paz, amor, liberdade... A cena emoldurada pela beleza do céu e a manifestação ruidosa da massa popular foi muito fotografada e gravada pelas câmaras de vídeo de profissionais e amadores. No porto, os irmãos desembarcaram perfilados em fila dupla com as pás dos remos para o alto seguindo as Bandeiras do Divino até atingir a rua, onde se organizava a procissão. Após a bênção dos amortalhados que aí se achavam cumprindo promessas, a Irmandade do Divino integrou-se ao séquito que conduzia o andor de Nossa Senhora dos Remédios, estandarte da Coroa e Bandeiras do Divino, até a Igreja, acompanhados por uma multidão de fiéis. A cerimônia de levantamento do mastro com o emblema do Espírito Santo foi completada com a celebração da Santa Missa. No dia seguinte, a Alvorada do Divino, executada pela banda municipal, marcou o início das festividades no Domingo de Pentecostes. Depois da missa festiva, às 10 horas, na igreja, em louvor ao Divino Espírito Santo, os participantes e pessoas carentes foram saborear churrasco, pão, bebidas ao som de um conjunto musical, no salão de festas da cidade. Para coroar de êxito a festa, grandiosa procissão religiosa se realizou à tarde, finalizando com a escolha dos novos festeiros para o ano seguinte. De acordo com a tradição histórica, a Festa do Divino estabelece o “Império do Divino” que tem como elemento central um “Imperador”, sua “Corte” e figuras típicas. Com o passar do tempo surgiram diversas variações de acordo com usos e costumes. Isso nos leva a pensar quem seria escolhido “Imperador” do Divino em Anhembi? - O presidente da Irmandade? - O alferes da bandeira? - O capitão do mastro? - O devoto que soltou os pombos? - O irmão que benzeu os amortalhados? - Uma das crianças, pois elas por sua inocência representam os apóstolos? Eu sei: - Imperadores foram todos os que traziam no coração o Pai, o Filho e o Espírito Santo: Deus! JOSÉ ANTONIO SARTORI – Foi Professor de Ciências do Estado, Autor de livros didáticos e Membro Efetivo da ABL –Academia Botucatuense de Letras, onde exerceu a vice-presidência. (Revista Peabiru nº 5 - setembro/ outubro/1997)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.