Edição 60

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Diário da Cuesta NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

ano I Nº 60

SEGUNDA-FEIRA, 18 de janeiro de 2021

RAÍZES LITERÁRIAS HISTÓRICAS DE BOTUCATU E DA REGIÃO NO ENTORNO DA CUESTA No livro “AS BOIADAS PASSAM...AS LEMBRANÇAS FICAM...”, de Agostinho Minicucci com ilustrações de Vinício Aloise, temos o retrato da Botucatu rural com todo seu romantismo no século XX... PÁGINA 4

SAINDO DE PORTO MARTINS PÁGINA 3

EVITE AGLOMERAÇÃO FAÇA DISTANCIAMENTO SOCIAL


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Diário da Cuesta

ARTIGO

Vinício Aloise

AGOSTINHO MINICUCCI Deram-me uma difícil tarefa, falar do Vinício. Dele não se fala. Admira-se. Ele é tão facetado de atributos que você tem a impressão que, ao retratá-los, vai esquecer de muitos que ficam esperando na fila da memória. Vinício foi uma criança que nasceu com os olhos bem abertos, já desenhando o ambiente na retina recém-nata. Como criança rabiscava paredes e desenhava, nas calçadas, o distintivo do Palmeiras. Os professores da escola de 1º Grau gostavam muito dele. Tinha letra bonita e usava lápis de cor como ninguém. Foi para o ginásio. O seu caderno de rascunho tinha mais desenhos e rabiscos que matéria de escola, principalmente ilustrações relacionadas com a vida campeira vivida no Alambari. Um dia apareceu ele à minha sala de orientador educacional, �mido e envergonhado, com uma folha de papel na mão. - Professor, trouxe um presente para o senhor. Era o desenho de um cavalo de pelagem luzidia, com exuberância de detalhes na imponência de garanhão fogoso. Tinha-se a impressão de vê-lo ao galope cortando as campinas. Vi o desenho. Olhei-o. Vinício mantinha-se imóvel, os olhos de adolescente faiscando, na ânsia de uma apreciação. - Foi você que fez, Vinício? - Pergunte pra minha mãe. Dali para adiante, Vinício e desenho não se separaram. Eram um conjunto matemático. Não se podia entender Vinício sem desenho ou desenho sem Vinício. Foi para o Normal. Alguns professores o entendiam, outros, não, mas essa saga é de todo o estudante, principalmente aqueles que tem a pinta de gênio. E ele passou a desenhar e a valorizar os meus livros. As pessoas liam o que eu escrevia e, ao final, perguntavam: - Como desenha bem o Vinício! Quem é esse rapaz? O Vinício é, no momento, uma cultura polimorfa. Se você conversa com ele sobre Itália, por exemplo, ele lhe desfila, numa linguagem quente, vívida e fluente, a história, a política italiana, a sua geografia e, principalmente, a culinária. Dá a impressão de que viveu por anos e anos na terra de Dante. E não se espante quando ele começa a falar no idioma de Leonardo da Vinci. Conhece a história de Botucatu como ninguém. Cita nomes, lembra fatos e descarrega eventos. Fala da cidade de São Paulo, de sua arquitetura, da sua história, de seus restaurantes e do seu Palestra Itália, como palmeirense convicto. Diz, com precisão, a escalação do quadro de 1923, quantos gols foram marcados, o juiz que atuou e a renda do jogo. Parodiando Euclides da Cunha, pode-se dizer que Vinício é, antes de tudo, um botucatuense. Tem para com sua terra um Complexo de Édipo que ele faz questão de não resolver e Freud que se dane. Tivesse ele vindo para São Paulo, como desenhista de uma revista ou de uma agência de publicidade, seria hoje um. Renome nacional ou internacional. Tem, no entanto, um vínculo botucatuense preso ao seu umbigo nascido naquela serra. Ele não apenas desenha, mas cria no processo de criação, é original, fluente, flexível.

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Acompanha-o sempre um senso de humor à Chico Anísio em que você precisa interpretar para entender. Ele é um desses amigos que, com o tempo, acabam sendo irmãos com os quais vocês se vincula fraternalmente. Discutimos e analisamos os desenhos, que vocês, vão ver, por horas sem fim num tempo célere. No convívio com Vinício a gente aprende muito, ri bastante, conhece a história e vive a estória, esquecendo, às vezes, o presente e entrando nos tempos que foram e ficaram na sua pena. Este é um livro que vive a imagem e fala por si, na eloquência dos traços que revivem pessoas, relembram fatos e concretizam eventos. Poder-se-ia perguntar: - Que seria de Piapara sem o Vinício? As imagens feitas desenho, estão, no entanto, dizendo: - Obrigado, Vinício, por nos reviver e tornar-nos imortais. AGOSTINHO MINICUCCI (prefácio do livro)

UM REGISTRO HISTÓRICO DA IMPORTÂNCIA DAS REUNIÕES DA COLÔNIA ITALIANA EM ALAMBARI (PIAPARA) “...Pino Filliponi, que trabalhava na chave da estrada sorocabana, animava as festas de Pietro Aloísi, com sua chorosa e romântica sanfona. Ela falava, no seu gemido, muito da saudade da Itália. - Vamos, Pino, o sole mio... Os italianos de Botucatu estavam chegando, eram os Martin, os Pedre�, os Delmanto, os Minicucci, os Guadanini, os Alfredi, os Tortorela, os Simone�, os Losi, os Lunardi, os Blasi, os Bacchi, os Pompia- ni, os Molini, os Mori, os Monteferrante. Cada encontro era saudado com gritos, palavrões, corteses gesticulações na- politanas, esbravejamentos calabreses e risadas de Campobasso. A comida farta e generosa, regada pelo melhor vinho, esquentava os ânimos, es- parramava alegria, esfuziava gestos, ex- plodia gargalhadas. Alambari revivia a Itália. Esses almoços em Alambari, constituíam um prolongamento dos encontros italianos na conhecida “Pensão Franchino” em Botucatu (baixada), famosa pela qualidade de suas massas e de propriedade de Francesco Aloisi, “fratello” de Pietro. E falava-se de tudo, desde Vitório Emanuelle até Il Duce, da Revolução de 24 ao Prefeito Cardosinho de Botucatu. Era proibido falar italiano, pois a diversidade de dialetos impedia o entendimento. Também não se podia falar o português. Mas todos se entendiam na alegria, no vinho, nos abraços e nos apetitosos quitutes de Dona Antônia e suas filhas que não paravam o dia todo na faina de bem servir. Vado Tonin, com sua máquina fotográfica, tipo caixão, comprada no Progresso Garcia, ia imortalizando as cenas daquela província da Itália, chamada Alambari. - Qui é la própria Itália... Qualquer giorno, o Vesúvio começa a vomitar bra- sa ali... E mostrava a Serra de Botucatu... Guarda, Dr. Aleixo, não parece próprio a nostra Itália?!? A festa ia pela madrugada afora...” ( “As Boiadas Passam...As Lembranças Ficam...”, 1992, págs. 83/85, de Agostinho Minicucci e ilustrações de Benedito Vinício Aloise).

DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689

O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


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Diário da Cuesta

ARTIGO Domingo sim, domingo não, Nilo atravessa o rio de balsa, em direção a Porto Martins. Levanta-se cedo. A Nona já tinha matado o frango, fervido o leite, preparado a polenta, esquentado o pão feito em casa para o neto querido. Quando se sentava à mesa, a Nona solicita vinha servi-lo. - Que horas a senhora se levantou, Nona? - Quatro horas, figlio. Já separei as coxinhas e as asas do frango que você gosta. Tomada a refeição, polenta misturada com leite quente na tigela e o café com leite, pão e calabresa, Nilo despedia-se da da Nona. - Tchau, Nona. - Cuidado, figlio mio. Pega o capelo e a malha... No seu italiano aportuguesado, a avó de Nilo dava-lhe as carinhosas recomendações e ficava à porta esperando o neto querido tomar a balsa. A balsa, que fazia o itinerário da margem esquerda do rio à estação Porto Martins da Sorocabana e vice-versa, trazia burros, verduras, legumes, frutas e vez em outra um animal de corte. Os sitiantes, na sua maioria se aboletavam na barcaça. Falavam da lavoura, do tempo, dos animais, dos filhos, de doenças e não raro, de Botucatu, a cidade grande. Nilo, moço, dezoito anos, sizudo, ouvia tudo em silêncio. Recebera do pai o sítio Pedra Verde. Acostumado à lavoura e pecuária lutava no sustento de três irmãos, a mãe, o Nono e a Nona. O pai, italiano de Larino, Campobasso, morrera vítima de uma infecção fatal. Sua única diversão, além da pesca e caça, erro o passeio a Vitória, onde se encontrava com os amigos. Sonhava com Botucatu, mas a cidade grande deixava-o apavorado. Às seis horas a barcaça saiu, com o ronco de um motor a vapor. Em Porto Martins, o trenzinho já os esperava. Uma locomotiva número 222, de cabeça grande, um vagão bagageiro, onde ia o chefe de trem, o auxiliar e o agente do correio. Um vagão de carga e um carro de passeio dividido ao meio, metade primeira classe, metade segunda classe. Nilo dirigiu-se à segunda classe com os outros sitiantes. Era comum, no entanto, que se reunisse todos na primeira classe, a convite do chefe de trem, para colocar em dia as conversas. Seu Américo, chefe de

Saindo de Porto Martins

trem, sempre recebia dos passageiros um frango, um queijo, linguiça calabresa, frutas e outros que tais. O maquinista alertava a todos, primeiro badalando os sinos e depois com dois silvos longos que ele ia repetindo a estrada toda, principalmente ao passar pelas fazendas ou sítios conhecidos. Os conhecidos acenavam ao maquinista que levantava a mão satisfeito, em cumprimento. Às vezes parava no meio da estrada para apanhar passageiros. Não tinha muita pressa, pois a baldeação para São Paulo era às onze horas e para Botucatu às doze horas, de misto, que sempre atrasava. Na paisagem predominavam os cerrados, com vegetação rasteira, entremeada com cafezais. As árvores raquíticas, cascudas, retorcidas, mostravam um solo pobre, vez ou outra um oiti soberbo dominava o campo. Arbustos, samambaias, joás bravos, coqueirinhos indaiás se misturavam. Gado modorrento e tranquilo não se assustava mais com o trem e às vezes levantava curiosamente a cabeça. As cercas de arame farpado e as porteiras marcavam os sítios. A porteira trazia imagens agradáveis a Nilo. Ele balançava nela e gostava de ouvir

seu chiar resmunguento, gemendo com o peso do menino. Assim que abria a porteira de Terra Verde, sua Nona corria recebe-lo. Pelo barulho da porteira e o ladrar carinhoso dos cães sabia que Nilo estava chegando. Seu Nono sempre o esperava com uma ave, um coelho que tinha caçado na sua esparrela ou com seu bodoque. Não raro, um lobo guará surgia, fugidio, arisco, temeroso carregando um ovo à boca. Zé Trabuco, do sítio vizinho, se vangloriava de ter matado mais de cem lobos. - É uma peste dos demônios, dizia, eles comem os ovos das galinhas. São atrevidos, devoram pintos e frangos. Mas comigo não tem conversa. Apareceu, meto fogo. Conheço a eles pelo cheiro. No caminho, já próximo a Vitória, um sítio semiabandonado com um casebre rústico, o gado magro raspando o capim nativo. Um caboclo anêmico, acompanhado de um cão raquítico, caminhava lentamente numa besta triste. Com certez ia também a caminho de Vitória (Vitoriana). Já, na última curva, a riqueza da fazenda do Conde de Serra Negra, com as casas dos colonos italianos, bem arrumadas, com moinho d’água, o gado gordo e sadio. Na entrada da Vila, a venda do seu Quim, local onde Nilo costumava passar às vezes, quando ia à casa do administrador da fazenda Serra Negra, o Senhor Fernando Camino, amigo de seu pai e companheiro de viagem no navio de imigtantes. (do livro “As Boiadas Passam...As Lembranças Ficam...”, de Agostinho Mincucci e ilustração de Bendito Vinício Aloise)


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O LENDÁRIO TROPEIRO LAURO BRANCO...

Para que se tenha o perfil real da época com suas comitivas é preciso que busquemos, no texto do livro acima citado, o retrato-verdade da época tropeira: “...Lauro Branco retornara do Pantanal. Estava na cabeceira da balsa, do lado de São Paulo, contando os bois. Contava um a um. De cada cinqüenta que passavam, colocava uma moeda no bolso. Ao final contou as moedas. São dez. - Quinhentos bois. - Quatrocentas e noventa e oito, quatrocentas e noventa e nove...quinhentas cabeças. Confere. - Certo. Lauro Pereira Branco era boiadeiro escolado e vivido naquelas lides difíceis de capataz de comitiva. Corria no seu sangue a impetuosidade, a alegria, o destino da aventura. Filho de João Branco de quem herdara a comitiva, nutria grande admiração por outro dono de comitiva, Zico Alemão, lendário laçador. Conhecia todas as fazendas, as vilas, os lugarejos, rios e grotões, caminhos e pastagens desde Mato Grosso até Oiti ou Remédios, em São Paulo, onde o gado embarcava nos vagões da Sorocabana. Descrevia todos os sessenta e nove pousos de Porto Quinze a Alambari. Entendia as interpéries do tempo, previa as chuvas e sentia as tempestades. Protegia o gado com o mesmo carinho com que cuidava dos seus peões, filhos adotivos. Os peões o admiravam e obedeciam-no com respeito. Sem Lauro Branco não havia boiada. Seu nome era pronunciado com a boca cheia do Paraguai a Botucatu. Os homens de Lauro lotam as mangueiras do Coronel Alípio, onde vão passar alguns dias. Dois peões se revezam no cuidado da guarda dos animais. Duzentos bois devem embarcar, em Porto Epitácio, pela Sorocabana. É uma viagem de três dias, sem água nem comida e os animais chegam magros e abatidos em Oiti. Alguns não agüentam e morrem. Foi escolhido o gado manteúdo, que resiste mais. Em Oiti ou Alambari, passam um mês para a engorda e depois vão para os frigoríficos de São Paulo. Os outros trezentos vão caminhando. A viagem dura três meses, no mínimo, se o tempo correr bem.

Zico Alemão

A caminhada começa na madrugada, quando ainda o sol nem nasceu. - Seu Lauro, tem uma pessoa querendo falar com o senhor. Chegou a pouco de trem. - Manda entrar. - Rosalvo ! - Lauro ! - Quando pretende sair ? - Daqui uma semana, Deixa o gado aquietar-se. Ainda está meio aluado da caminhada. - Já providenciei tudo em Oiti pro gado que segue de trem. - E como foi a viagem ? - A gente tem que agüentar o banzeiro das dificuldades. Perdemos duas reses. Daqui pra diante com vossa ajuda, a ajuntação vai melhorar. Vamos deixar um boi aqui. Está com uma escalva no lombo. Os peões dormem em redes armadas em velhos ranchos. Preparam antes sua tralhas, os arreios de montagem, a barrigueira, a chincha, as rédeas, o buçal e o cabo de buçal. Os peões não se esquecem também do bacheiro, a carona, o porta-capela, o pelêgo, a baldrana e o laço de doze braças. Carregam na guaiaca um trinta e dois para quando tem que armar o fojo e outros bregueços. - Você vai conduzir uma metade e parte antes, eu vou atrás. Procure o ponteiro, os fiadores, os meeiros, os chaveiros. Os peões, escudeiros da boiada, estão prontos para qualquer atividade. É só o capataz mandar. É preciso ajudar o patrão, senão perde o trabalho. Ajeitam a sua traia e a rede de dormir. Dormem numa barraca improvisada, coberta de bacuri. Geralmente eles levam de companhia um cachorro. Tratam bem dele. Costumam lambuzar os pés dos cães com fezes de gado para que não se firam ao andar. - Providenciou o berrante, Rosalvo ? - Sim, Lauro. - E quem é ele ? - É o Zé Trombeta. Ele é o melhor destas redondezas. À frente da comitiva vai o ponteiro com seu berrante, um instrumento de sopro, trabalhado com chifre de boi Ele é o responsável pelo caminho da boiada. - Já providenciou os fiadores, Zé ? - Já , patrão. - São bons ? - Os melhores na cabeceira. O ponteiro conta com dois auxiliares, os fiadores encarregados de evitar que os bois se adiantem demais. Se acontece de se espalharem os ponteiros apelam aos cães para juntá-los à manada. - Ôi, ôi, pega Bingo... - Veja também os meeiros e os chaveiros, Zé. Cuidado para não levar um esbreque do Lauro. Você sabe que ele é difícil de enjabuar-se, mas quando acontece... - Deixa, patrão pelo baco-baco do gado eu controlo a andança deles e o gadame todo. Nas laterais, no ondular do corpo da boiada, vão quatro boiadeiros, dois mais na frente, os meeiros e dois mais pra trás, são os chaveiros. Os quatro tem que alinhar os bois a fim de que a boiada não se abra para os lados. - Vois mecê vai de culatreiro, seu Rosalvo ? - Não sei, ainda, Zé. Vou conversar com Lauro. O culatreiro fica atrás. Sua função é não só tocar os bois, como verificar se alguma rês não está ficando pra trás, babujando o capinzinho de vereda. - Zé, vamos experimentar o teu berrante tocando na tua vaidade. Zé apanha o berrante, todo trabalhado com marcas e sinais. - Agora, seu Rosalvo, o toque grosso e longo para chamar os bois. -Gostei desse.Vamos ver os outros. - Agora, outro mais fino...

Diário da Cuesta

Lauro Branco - Bom, esse é para chamar os meeiros, os chaveiros e o culatreiro, se você precisar dele. Bom, tá bom. Daque uma semana, a gente sai. Preciso resolver um negócio ali no Porto Tibiriça. - E o cozinheiro. Você conhece o Feijão Preto? - Sim, senhor. Posso falar com ele ainda hoje. - Gosto muito dele. Ele cozinha muito bem. Convide ele. Mas que não cozinhe mais fessura. O cozinheiro é um dos homens mais simples, porém mais importante da bioada. O cozinheiro vai com duas ou três bestas, com o mantimento e as trempe para cozinhar. É um perito em comida de boiadeiro - arroz, feijão, macarrão, carne seca, carne de sol, a gordura é a de boi. Para a comida não ficar com mau gosto carrega na pimenta malgueta. Ele vai na frente da boiada, adianta-se e, de comum acordo, com o capataz, fica preparando o velho grude de sempre. - Ô, Feijão, você carregou hoje na pimenta. Tinha muito sebo e fressura, seu malandro. Agora, o jeito é apretar o mate. Feijão Preto é rigoroso na ordem, na hora das refeições. Não perdoa nada. Exige educação ao comer. Quem não se comportar não come. Nisto o capataz o apoia. - É preciso ordem. Essa boiada de peões é mais brava que o gadão de bois. - Quem não lavar as mãos, não come. Nada de tirar o chapéu e derrubar cabelo na comida. Nada de derrengo comigo. Tão pensando que vão hacer tatuyá, seus bandidos. O regulamento do cozinheiro é o mais rigoroso da boiada. E a fome é a melhor lei do respeito. Todos obedecem. Os boiadeiros não comem todos de uma só vez. Enquanto uns almoçam, outros ficam vigiando os animais. Normalmente deixam o gado pastando por mais uma ou duas horas. Deitam, então, na grama, tirando uma soneca. Alguns aproveitam o descanso para salir a lo largo com uma cuñare-covaí. Quando soa o berrante do Zé, eles se aprontam para a partida. Depois que todos comeram é que Feijão Preto se serve. Depois lava a louça, arruma a tralha, panelas, bacias, talheres. Coloca tudo nas bruacas. Depois de tudo pronto, põe as bagagens nas mulas. E vai seguindo o seu caminho com a companhia das bestas, já pensando na janta e no que vai arrumar para os peões esfaimados.” (“As Boiadas Passam...As Lembranças Ficam...”, de Agostinho Minicucci, Desenhos de Benedito Vinicio Aloise, págs. 89,98,103 e 111, Edição 1992)


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