Edição 674

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QUARTA-FEIRA 04 de janeiro de 2023 ano III

Nº 674

NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU

Diário da Cuesta EMBAÚBA

A visão mais conhecida do GIGANTE DEITADO é a vista da CUESTA/Munícipio de Pardinho. Mas, na descida da CUESTA, a caminho de PIAPARA, a visão parece maior e mais nítida! É a visão que traz o outro lado do GIGANTE DEITADO, marca registrada da CUESTA DE BOTUCATU! A ilustração do prof. Vinício foi feita na descida da escarpa a caminho de PIAPARA (Alambari). É uma visão MAGNÍFICA !!!

O GIGANTE MUDOU DE LADO ?!?

MODERNO COMO VOCÊ!

Diário da Cuesta


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Diário da Cuesta

“O grande teatro”

Maria De Lourdes Camilo Souza

Tudo estava pronto. Os atores vestindo seu melhor figurino. O cenário montado para a peça. Teria que parecer real. O público veio para assistir no horário previsto. E foram então dadas as chamadas e veiculadas as propagandas com várias chamadas contando a estória da peça, querendo dar um ar de grande evento. Fantasiando a vida do personagem, narrando o enredo da peça e pintando a estória como bem queriam. O primeiro ator estava pronto em seu terno e estava impaciente. O joelho não parava de tremer e o salto do sapato batia o chão como martelo. O segundo ator enxugava a careca lustrosa com o lenço, andava de um lado para o outro nos bastidores do grande teatro e estudava as falas para o caso de ter que substituir o primeiro ator. A primeira atriz estava maquiada e vestida, só faltava dar um último retoque no batom. A costureira ainda fazia a barra do vestido. Terminado o arremate cortou a linha com os dentes, e soltou o tecido. Saiu como entrou, lentamente, sem chamar a atenção. Ao terceiro toque a cortina subiu e começou a grande peça. Os presentes se empertigaram nas suas cadeiras e um grande silêncio se fez para ouvirem o texto. O primeiro ator se empertigou e começou a falar o texto. No centro do palco sorria animado, cercado pelos outros atores. Passava a imagem de muita segurança e lia o texto copiado nas palmas das mãos, pois como grande ator que era e se julgava, na verdade e era sabido nos bastidores, tinha dificuldade para decorar. E tinha que ter cuidado para não trocar o r pelos s. E com a idade, e os goles de bebida camuflada numa garrafa de água que sempre carregava nas mãos, e o deixava trôpego e corado, precisava ler o texto garatujado com maior atenção. O diretor o acompanhava atento, para o caso dele se perder, no primeiro ato. Mas extraordinariamente, naquele dia ele conseguiu se superar e dar a entonação correta. As câmeras seguiam cada gesto atentas e próximas. A cada sinal de suor em suas têmporas, enxugava nervosamente. Terminada a peça os atores saíram aliviados agradecendo o aplauso do público fiel. E foram se despedindo e saindo. A quem assistia de casa, lembrou-se dos atores ingleses de uma peça num teatro durante a 2a guerra mundial, onde o público era o alto comando da SS. Hitler penteava o bigode. O público saia sorrateiro para a noite, buscando sua liberdade nas ruínas de Londres.

EXPEDIENTE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU WEBJORNALISMO DIÁRIO

DIRETOR: Armando Moraes Delmanto EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes Contato@diariodacuesta.com.br Tels: 14.99745.6604 - 14. 991929689

O Diário da Cuesta não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção do jornal. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios.


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ARTIGO

A MULA BAIA...

José Maria Benedito Leonel A tropa tava na mangueira. Mangueira grande de pau a pique, palanque de ipê no meio, com marcas de laço. Então o véio me disse ---- Tá tudo aí. Escolha à vontade, o gosto é do senhor. Tinha burros xucros, animais de 4 a 5 galopes, com marcas de barbicacho e animais vaqueanos e mansos. Chamô minha atenção uma mula ruana, um burro preto e uma mula baia. A mula ruana tinha uma pisadura na cerneia. O burro preto tinha, pra lembrá meu avô tropeiro, “zóio de porco”, ou seja, pra nóis da lida, gênio ruim. Restô a mula baia. Peguei, pus a traia nela e montei. De boca, um relógio, ou seja, perfeita, bem domada. Esbarrei pra lá, pra cá. Atropelei, manejei laço, vesti capa. Nada, ela atendia tudo, ligeira, esperta, de confiança. Eu me perguntava: onde tá o defeito da mula baia? Não demoro muito pra mim sabê. O véio do passeio da casa, ao lado de uma moça morena, mais bonita que rosa amarela, de olhar morteiro, me disse que a mula baia era dela, sua filha. Disse que escolhi a cabeceira da tropa, mas que tinha preço, que era de negócio. Terminô ali a prosa, o negócio. Meu dinheiro, por mais que fosse, era pouco pra sê dono

Ilustração de Vinício Aloise para o livro “Uma história desenhada”

da mula baia e era uma miséria pra entristecê a moça morena que nunca mais esqueci. Ela soube a vida toda que eu podia tê comprado a mula. Se me deixô saudade, também deixei. Então, como a mula ruana tinha sua pisadura também tenho minhas cicatrizes. Até explico as cicatrizes que tenho, visíveis que são. Elas são marcas minhas, trazidas de onde venho, herança do sol, dos tombos e das artes. Eu as mostro, falo delas com serenidade e não as lamento. Tenho um taio na testa e um enxerto visível que também tem uma história. Eu diria que minhas cicatrizes são acidentes de percurso ao longo de uma vida. Ah, se fossem tão somente elas, expostas, contundentes, agressivas até. Há outras, aquelas que carrego no coração e na alma. Quem não as tem? Suas histórias não são contadas. Lembrar delas já dói, já machuca, já sangra. Não há como trazê-las na prosa... Elas retratam o que precisa ser esquecido nos porões da consciência. Por estranho que seja, elas vivem em nós, queiramos ou não. São vivências tristes escondidas nos versos do cateretê que a viola toca. Em mim, faz parte da história que eu não conto. Pisaduras, cicatrizes... Às vezes me lembro da mula baia e da morena sua dona, que ficô lá no passado. Simples assim.


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ARTIGO

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CRONISTAS DA CIDADE

Olavo Pinheiro Godoy Da ABL – Academia Botucatuense de Letras

A chamada crônica jornalística é entre nós, nos dias que passam, uma forma literária quase desligada do jornalismo. Muita gente a considera perfeitamente alheia ao jornal e, quando muito, mais própria da estrutura menos “quotidiana” dos diários, semanários e revistas. E não poucos acharão que a crônica possui a natureza estável, não circunstancial, dos artigos dos suplementos literários e dos rodapés de crítica. Tenho para mim, entretanto, que esse carinho que vai cercando os nossos melhores cronistas botocudos e essa homenagem que se presta antes ao escritor que ao jornalista, está fazendo um grande mal à essa forma. Promo-

vê-la de peça de jornal a peça literária é transformá-la de material funcional em coisa de adorno, em jogo lúdico. E é que a crônica funciona no jornal - no jornal de hoje, imediatista, trepidante, volúvel, apaixonado e combativo – como uma espécie de centro de furacão, oferecendo ao leitor que precisa resistir ao “turmoil” dos acontecimentos, à vertiginosa velocidade das “naves espaciais”, a oprimente desumanização da cibernética, um pouco de calor humano. E é que, ao suplemento literário, de onde pouco a pouco vão desaparecendo as peças de criação – o conto, o poema, as reproduções e clichês de artes plásticas – e dominando as de ciências literárias - a critica de métodos rígidos, os estudos impessoais, o leitor cada vez tem menos acesso. Sebastião da Rocha Lima, Elda Moscogliato, Oswaldo Minicucci, Ion Ramos de Bastos, Eduardo Guedes Casimiro, Tasso Nunes da Silva, Milton Marianno, Bahige Fadel, Armando Delmanto, Benedito de Almeida, Sebastião de Almeida Pinto Filho, João Carlos Figueiroa, Raymundo Penhaforte Cintra, Renato Vieira de Mello e tantos outros – alguns deles decididamente escritores e poetas – são na crônica decididamente jornalistas. Jornalista no sentido de membros de equipe, de peça do complexo noticioso e comentador. Sem dúvida há literatura no que escrevem, as suas crônicas possuem linguagem estética, mas a maneira de tratar o assunto é sempre jornalística, isto é, existe o interesse de focar o acontecimento e deixar em “background”, atenuado pela distância, o que se pode denominar de floreio literário. A habilidade do cronista, diga-se de passagem, está aliás em atenuar o jornalístico, o que interessa ao homem da rua, e deixar que o elemento literário não se perceba demais. Elda Moscogliato é uma cronista que utiliza do “floreio”, e sua literatura obtém êxito devido ao facilismo redacional e o estilo “art nouveau”. O calor humano resulta do fato de ser o cronista pessoal, subjetivo, em meio do mundo impessoal, seco e direto que são as colunas densas do jornal. Antigamente existia o “Correio de Botucatu” jornal quase centenário que, ao lado da “Folha de Botucatu” do mestre Pedro Chiaradia, lideravam a imprensa botocuda. Hoje, os artistas da crônica, vão ocupando os cantos de página, desmunicipalizando com facilidade, que logo faz sua a cidade em que não nasceu e penetrando ativamente, efetivamente na intimidade do espírito urbano que foi alheio à sua meninice e à sua adolescência. Urge a união dos cronistas da cidade em torno de um só ideal. Valorizar os jornalistas que utilizam dessa forma literária que constitui um exercício estético dos mais altos, estando mesmo a exigir que se lhe empreste maior autonomia no sentido de não submete-la à vida de satélite dos periódicos.


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