Edição 737

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Diário da Cuesta

NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU ANO III Nº 737 SÁBADO E DOMINGO , 18 E 19 DE MARÇO DE 2023

DO FILME “O GUARANI”, DIRIGIDO POR

NORMA BENGUEL A GRANDE ÓPERA POPULAR?!?

Uma ÓPERA na passarela do samba?

É possível?!?

Conheça o importante trabalho literário de Elda Moscogliato – a Cronista de Botucatu!

– sobre Carlos Gomes e sua obra “O Guarani”, apresentada com sucesso na Europa, em 19 de março de 1870.

PÁGINAS 3 e 4

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“O GUARANI” no Sambódromo?!?

GRANDE ÓPERA POPULAR !

“Seria difícil imaginar um auditório com 60 mil pessoas assistindo a uma ópera, mesmo num palco a céu aberto. Mas não numa ópera popular. Nesta, o palco é móvel e múltiplo. Os atos são móveis e múltiplos. Cada ato desliza com seu cenário e seus figurantes nesse palco móvel. O libreto conta o enredo que é cantado por um coro de milhares de vozes junto aos tenores populares, em carro próprio de som. Assim é o desfile das escolas de samba: uma ópera popular...” César Maia.

Claro que há uma leitura de uma obra para o teatro e outra leitura, com outro ritmo, uma outra linguagem para o cinema. Imaginem então para o Grande Palco Móvel com milhares de pessoas na platéia. O grande brasileiro e maestro Carlos Gomes poderia ter a sua obra “O Guarani” levada no sambódromo do Rio ou de São Paulo. Adaptada, claro. A grande abertura com a imagem do grande maestro e compositor, com os demais carros alegóricos destacando os principais momentos da ópera famosa, com toda a ambientação devida. Seria uma “leitura” dinâmica de “O Guarani” e, garanto, seria de fácil compreensão para o público presente e para todos conectados pela internet ou que assistissem pela televisão. Uma grande ideia. Seria um resgate da obra clássica de Carlos Gomes com uma leitura poética e visionária de um carnavalesco competente. É isso: a Grande Ópera Popular!

O Carnaval das Grandes Escolas de Samba, do Rio e de São Paulo, é a Grande Ópera Popular. Com mais de 60 mil pessoas assistindo ao vivo e milhões de outras pelo mundo todo assistindo, através do “flash” do melhor momento do desfile de cada escola, pela televisão e pela internet. Nessa Aldeia Global, consolidada pela revolução da informação, o carnaval das grandes escolas é o grande espetáculo: é a Grande Ópera Popular!

nova “cara” à cidade maravilhosa.

Pois bem, na administração de Leonel Brizola, havia um gênio raro: Darci Ribeiro. Foi o sociólogo brilhante que se especializou no estudo do Brasil e conseguiu captar a verdadeira “alma” do que temos, hoje, como “a raça brasileira”. Surgiram da imaginação de Darci e da arte de Niemeyer os famosos CIEPS (prédios das escolas de tempo integral) e o Sambódromo, que viria realmente formar e consolidar o carnaval como a Grande Ópera Popular! Hoje, é a Passarela Professor Darci Ribeiro, localização do Sambódromo, na avenida Marquês de Sapucaí.

À partir do Sambódromo do Rio, vieram o Sambódromo de São Paulo (no Anhembi, o Espaço Cultural “Grande Otelo”), também criação de Niemeyer, e muitos outros com menor proporção e destaque por todo o Brasil...E o carnavalesco Chico Spinoza, da Tom Maior, definiu bem a diferença entre os carnavais de São Paulo e do Rio: “Carnaval no Rio é cultural (tem o ano todo) em São Paulo é lazer de verão... ” Mas ambos, com certeza, são grandes e inesquecíveis shows!

O SUMIÇO E O RETORNO DO CARNAVAL DE RUA NO BRASIL

Se a nova realidade das Escolas de Samba – com muito dinheiro e organização empresarial --, num primeiro momento, sufocou o carnaval de rua do Rio de Janeiro passaria, quase 3 décadas depois, a contar com o ressurgimento forte dessa manifestação popular na Cidade Maravilhosa. Primeiramente, a movimentação popular se concentrou e foi crescendo na Bahia e em Pernambuco. Com verdadeira multidão (média de 1,5 a 2 milhões de foliões) seguindo os trios elétricos e os blocos carnavalescos. E, nos últimos anos, a explosão po- pular tomou conta do carnaval de rua do Rio e sem atritar com o grande show das Escolas de Samba. O famoso Bloco da Bola Preta (do Rio) já disputa com o Bloco do Galo da Madrugada (do Recife) a liderança de público...

A INFRAESTRUTURA PÚBLICA TEM QUE DAR ASSISTÊNCIA AO POVO

Essa nova realidade do carnaval de rua nas grandes capitais, especialmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife/Olinda, precisa que as respectivas administrações públicas dessas cidades, com planejamento prévio, providenciem a indispensável higienização das vias por onde circulam os blocos, trios elétricos e a população, ou seja, a colocação de banheiros químicos suficientes para que não ocorra mais o que vem sucedendo: após a grande festa popular o mal cheiro e a sujeira transformam esses logradouros públicos no caos de cada comunidade.

A VOLTA DAS MARCHINHAS E DOS BAILES DE SALÕES

E César Maia conseguiu definir com maestria essa grande festa popular... E ele vem de uma linhagem política que teve acertos e erros, marcando por muitas gestões o Estado do Rio de Janeiro. Começou como assessor e depois Secretário de Leonel Brizola, de quem depois se afastou. E foi sucedido pelo atual prefeito Eduardo Paes, que começou com ele, como assessor, depois Secretário e depois se afastou. É a vida...

Mas a ele, César Maia, o Rio deve a criação da Cidade do Samba e da Cidade da Música. Além de uma administração que deu

A outra grande vítima do crescimento gigantesco dos desfiles das grandes escolas de samba foi o tradicional baile carnavalesco de salão, com as suas marchinhas populares, em cada cidade de nosso imenso país. Acabou? Não, não acabou... Estava adormecido e, sem atritar também com o espetáculo da Grande Ópera Popular, vão ressurgindo aos poucos os concursos de marchinhas e a participação popular nos bailes de salão, especialmente no interior do Brasil. Isso é bom. Isso faz com que o povo participe também, além de assistir ao grande show carnavalesco da Grande Ópera Popular! Carnaval é a Grande Ópera Popular!

Mas o Carnaval sempre foi a maior manifestação popular do povo brasileiro! (AMD)

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O GUARANI

ELDA MOSCOGLIATO

O Brasil artístico, especialmente São Paulo e, dentro dele – Campinas, celebra este ano o primeiro centenário da apresentação da ópera: “O Guarani”, de Antonio Carlos Gomes, no Teatro Scala, de Milão – Itália, levada à cena em 19 de Março de 1870

A mais culta e exigente platéia do mundo, até hoje assim considerada na arte do “bel canto”, aplaudiu de pé, em vibrantes ovações, a belíssima e surpreendente encenação.

Até então a Europa milenária, detentora do mais alto nível de civilização, exportara cultura, ciência e arte para todos os quadrantes da terra. A América, e principalmente o Brasil ligado a latinismo atávico, sofria a grande influencia literária, cientifica e cultural irradiada dos grandes centros acadêmicos europeus. A transmigração da família real portuguesa no começo do século, trouxera a nossa Pátria grandes sábios. A grande cultura de nossa primeira Imperatriz estabelecera, através de seus familiares e amigos da Europa, um intercâmbio admirável entre os intelectuais da época. A França, através de Portugal, era o expoente literário e por ela se fizeram os nossos grandes escritores. Muitos deles, entre os quais, Machado de Assis e José de Alencar, já eram traduzidos inclusive no italiano.

Não obstante, no setor musical ainda colhia-se, em toda a parte, os reflexos do eixo-musical Alemanha- Itália-França

Antonio Carlos Gomes, o gênio musical de Campinas, foi estudar na Europa. Credenciava-o carta autografada do próprio Imperador D.Pedro II, grande intelectual, que lhe garantira, a expensas próprias, a subvenção e os melhores mestres. Percorreu o artista Portugal, França e, fixou-se como era seu destino, na Itália, recebendo aulas particularmente, do grande maestro Lauro Rossi, então Diretor do Conservatório de Musica de Milão Nos seus muitos anos na Itália essa última frase cantava aos ouvidos do artista como um estribilho, encorajando-o a vencer as saudades da Pátria e transformar seu honroso exílio em algo que dissesse ao mundo da grandeza de seu país. A amizade e a gratidão que o ligava ao bem feitor tornava-o exigente e sempre insatisfeito quanto as suas criações musicais. Suas cantatas eram executadas com agrado no ambiente musical em que vivia. Compôs, a convite de Antonio Scalvici, a revista “Se as minga” ( Não se sabe ) que foi um verdadeiro sucesso. Encenada em vários teatros no gênero, na Itália, foi um brilhante êxito de bilheteria. Com a segunda revista musical : “Nella Luna”, nosso compositor tornou-se popularíssimo. Os realejos e orquestras, levavam ao povo a linda mazurca e a valsa final dessa obra. Suas composições ganharam os grandes salões e a aristocracia começou a indagar curiosa quem era o seu autor.

Mas algo de melhor, de mais profundamente artístico e brasileiro exigia de si mesmo, o já renomado compositor.

Algo que revelasse à Europa e ao mundo, as belezas da terra ameríndia, o sentimento profundo e romântico de sua gente, os tesouros incontáveis de sua Pátria, na epopéia musical. Uma tarde, contam os seus biógrafos, estava Carlos Gomes no terraço de um café, na Piazza Del Duomo. Dele se aproximou um desses tipos populares vendedor ambulante de livros, oferecendo-lhe as últimas publicações, entre elas, várias traduções. O artista relanceou indiferentemente os olhos para os volumes quando um deles chamou-lhe a atenção : “I Guarani”- Romanzo brasiliano –

José de Alencar. O compositor sentiu-se subitamente emocionado. Ele conhecia o autor do livro pessoalmente. Já lera o romance. Seu tema era exatamente o que ele procurava.

A corrente literária indianista até então revelada à Europa intelectual, era o que se traduzia por orientalismo, propriamente dito. Na prosa, no verso, nas Artes e, principalmente, na musica; os temas eram puramente orientais. Rimsky – Korsakov inspirara-se nas “Mil e Uma Noites”, para compor a “Sherazade”; Verdi compusera a ópera “Aida”, ainda oriental; “Madame Butterflay”, de Puccini, assim também o era.

Mas o indianismo de José de Alencar tinha, num definido romantismo, um cunho extremamente nativista. Seus romances: Iracema, Ubirajara e o Guarani enalteciam o índio brasileiro dando-lhe nobreza e varonilidade. Os personagens desses livros emolduravam-se no luxuriante cenário das selvas brasileiras

Tudo o que procurava Carlos Gomes, para compor algo que revelasse à Europa, a grandeza de sua Pátria. Delineava-se, pois, a grande ópera. O maestro procurava incontinenti, o libretista D’Ormevilla. Submete-lhe a leitura do romance e pede-lhe a composição do poema operístico. Dois anos, poeta e musico, estudaram o libreto.

Só depois de conhecido e decorado todo o texto, compõe o grande maestro a sua musica: linda, rica, cheia de colorido exuberante, fiel paisagem em sons, do cenário brasileiro.

Grandes foram os trabalhos de encenação. O maestro era exigentíssimo. Na orquestra foram introduzidos todos os instrumentos primitivos selvagens: imbuias, maracás, e outros tantos, necessários e indispensáveis, segundo a concepção artística do compositor. Os acordes riquíssimos e descritivos retratam fielmente a paisagem selvagem brasileira onde se distinguiam inclusive, os cantos dos pássaros.

Os ensaios foram demorados. A escolha dos artistas foi esmerada.

Por fim, em 19 de março de 1870, representava-se, pela primeira vez na Europa, uma opera genuinamente brasileira.

Ao final do espetáculo, a platéia, coisa rara aplaudiu de pé, em grandes ovações, ao brilhante maestro. Lembrando-se então, de seu grande protetor, D. Pedro II, a quem prometera o maestro fazer grandes coisas pelo Brasil, repetia Carlos Gomes, num delírio de febre e de alegria : - Venci!. . . Venci! . . .

Depois de ter ocupado o programa lírico da temporada, “O Guarani”, foi levado à cena na Áustria, na Rússia, em Portugal e na Holanda, e ainda no ano de sua estréia.

Sempre fiel ao Imperador a quem se ligara pelos tríplices laços de submissão respeitosa; afinidades intelectuais – pois que D. Pedro II foi sobejamente conhecido como sábio e grande esteta – e ainda por profunda gratidão, Antonio Carlos Gomes destacou, na primeira pagina da partitura “O Guarani”, a seguinte dedicatória :

“A S. Majestade D. Pedro II, Imperador do Brasil. Homenagem de gratidão de seu súdito . a Carlos Gomes”

Mas essa bela oferenda não satisfazia aos anseios do artista. Sua maior aspiração era representar a ópera no Brasil, na presença de D. Pedro. Após seis longos anos de ausência, retorna o maestro à Pátria trazendo o nome aureolado pela melhor critica musical do mundo, agraciado com grandes honrarias e cheio de justo orgulho.

No seu regresso recebeu grandes homenagens em todos os portos do litoral brasileiro onde o paquete atracava. A sua chegada ao Rio de Janeiro foi uma verdadeira apoteose. A Corte Imperial reclamava a representação do “O Guarani”. Foi contratada uma Companhia Lírica Italiana que fazia “tournée” artística no Prata. Seus membros eram excelentes e renomados cantores.

Enquanto faziam os ensaios da ópera, que dura-

ram dois meses, a Filarmônica Brasileira organizou um recital brilhante onde, sob a batuta de Carlos Gomes, se ouviram os principais trechos do “O Guarani”. Graças a cooperação dos músicos da Filarmônica, dos coros, dos amadores aficionados à musica e à esmerada educação musical da maioria das senhoras da sociedade fluminense, foi esse espetáculo que primeiro proporcionou, no Brasil, a audição da grande ópera.

O escritor Taunay retratou a gala da apresentação como um dos maiores espetáculos realizados no Rio de Janeiro. Finalmente em 2 de dezembro de 1870, dia em que o Imperador completava quarenta e cinco anos de idade, a opera é levada à cena no Teatro Provisório, situado no Campo de Sant’Anna no Rio de Janeiro. Além da família imperial, de toda a nobreza, do corpo diplomático e da presença de José de Alencar, como convidado de honra, encontrava-se no teatro uma delegação dos mais altos nomes da sociedade campineira. O Rio de Janeiro que na época já tinha iluminação à gás, ardia em luzes feéricas para homenagear o grande musico brasileiro

Essa foi a mais alta distinção a que ambicionara o maestro; corresponder com a extraordinária obra musical a tanto que, em distinção, proteção e auxilio recebera da parte de seu imperador e soberano.

No final do espetáculo, entre os aplausos incontidos do público seleto, abraçaram-se emocionados, no camarote imperial: D. Pedro II, Antonio Carlos Gomes e José de Alencar

Analisada e apreciada segundo seus biógrafos, a opera “O Guarani” é genuinamente brasileira. A opera, de acordo com os padrões clássicos compõe-se de quatro atos.

Seu tema é o romance platônico vivido por Peri, índio da tribo dos guaranis e Ceci, filha de um fidalgo português – D. Antonio Mariz

A ação desenrola-se nos arredores pitorescos do Rio de Janeiro de 1560. D. Antonio Mariz, rico proprietário rural, vê-se envolvido na trama criminosa de aventureiros conquistadores; chefiados por Gonzáles, que incitam contra a herdade, os ferozes índios aimorés. Guarani que se enamora da deusa loura, a meiga Ceci, é o herói guerreiro que a salva das maquinações dos aventureiros e ainda, da sanha dos aimorés.

O texto inteiro do libreto é em italiano, idioma que pela sua flexibilidade e harmonia mais convém à composição operística. A música, riquíssima de melodias e acordes originais, exigiu uma instrumentação especial, acrescida de instrumentos típicos como borés, tembis, maracás e inúbias. Tão rigoroso foi o maestro que ainda durante os ensaios da ópera, procurou em Bergamo, onde existia uma famosa fabrica de órgãos, um instrumento capaz de produzir em alguns registros os tons de que necessitava para reproduzir os típicos ruídos da floresta. As cadencias, as dissonâncias estranham embelezam de originalidade os mais ricos trechos da ópera. Malgrado firmado nos moldes clássicos do gênero dramático, o inteiro contexto musical é tipicamente brasileiro. Suas melodias tem um sabor agreste, evocador das selvas. Encantam pelo misterioso ruído da majestosa natureza tropical.

Sabido é entre os apreciadores do “bel canto” que alguns trechos melódicos, algumas árias, perpetuam, às vezes, a glória da ópera. Assim, no “O Guarani”, destacam-se “Sento uma forza indômita”; a balada do soprano: “C’era una volta un príncipe”, Há o “Coro dos Caçadores”; a “Ave Maria”, e o majestoso concertante: “O Dio degli Aymoré”. As fotografias da época mostram a riquíssima montagem dos vários cenários em que se desenvolve a ópera. Para tanto, muito lutou Carlos Gomes para incutir no cenarista, a idéia fiel do vivo colorido do céu brasileiro, do ímpeto das águas e da luxuriante selva brasileira. Para o recém-diplomado maestro Carlos Gomes, famoso aluno de Lauro Rossi, Diretor do Conservatório de Musica de Milão, foi “O Guarani” ópera “d’obbligo”, destacada para abrir a temporada lírica italiana de 1869-1870 Nada mais justo para confirmar o talento genial do extraordinário músico brasileiro.

Ao espetáculo de estréia, compareceram mais de duzentos maestros compositores, entre eles, Verdi Uma multidão de mais de três mil espectadores, aglomerou-se duas horas antes, em frente ao Teatro Scala Ao final de cada ato, o teatro inteiro aplaudiu, chamando

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Carlos Gomes à cena 15,16, 18 vezes, aclamando- o sempre, em verdadeira ovação. O poeta brasileiro Luiz Guimarães Junior, então Secretario da Legação Brasileira, em Roma, esteve presente na gloriosa estréia do “O Guarani”. E através de seu relato circunstanciado, pode se saborear, com justo orgulho, o que foi, para Carlos Gomes e o Brasil, aquela apoteótica noite de Arte.

Fiel à comemoração centenária da estréia da ópera “O Guarani”, fato pelo qual a musica lírica brasileira está em festas, e Campinas especialmente, se engalana durante todo o ano, é interessante complementar-se o presente modesto estudo, com as seguintes notas originais e interessantes sobre a obra musical e seu grande e imortal autor :

I- O libreto do “O Guarani” foi iniciado pelo poeta Antonio Scalvini, amigo e colaborador de Carlos Gomes, para quem já escrevera : “Se as minga” e “Nella Luna”. Foi, porém, citado libreto, ultimado e com formas diferentes pelo poeta Carlo D’Ormeville, libretista oficialmente aceito pela Casa Editora de Lucca.

II- A estréia da ópera, como já se mencionou, foi em 19 de março de 1870, no Teatro “Alla Scalla” de Milão, sob a regência do maestro Terziani. III- Durante os meses de ensaio, os próprios atores tanto se empolgaram com a dramaticidade do enredo e com a beleza da musica que indiscretamente propalaram a obra, e de tal forma, que viva ansiedade dominava os três mil espectadores que acorreram à estréia.

IV- Os primeiros intérpretes do “O Guarani”, foram célebres artistas da época, rigorosa e pacientemente escolhidos por Carlos Gomes. Nos principais papéis, estavam: Villani – Peri; Maria Sass – Ceci ; Storti – o Aventureiro; Victor Maurel – Cacique.

V- Entre os duzentos maestros e compositores presentes à noite de estréia, encontrava-se Giuseppe Verdi que, entusiasmado veramente, com o êxito do espetáculo, cumprimentou Carlos Gomes com a frase que, malgrado contestada posteriormente por alguns historiadores, tornou-se celebre:

“Questo giovane cominciada dove finisco io”.

Traduzida: “Este jovem começa por onde eu acabo”.

VI- Como artista, Carlos Gomes jamais prendeu-se à especulações e a interesses materiais. Seu incorrigível desprendimento foi a causa de muitas amarguras e de muitas dificuldades pelas quais passou. Eis um grande erro seu: num dos entreatos da representação ele assinou um contrato com a Editora Lucca, vendendo-lhe por uma bagatela a partitura do “O Guarani”. No final do espetáculo, ele estava consagrado. Mas pobre. A ópera rendeu para a Editora milhões de liras.

VII- Contam os historiadores que ao aceitar o papel de Peri, o cantor Villani negou-se a raspar a belíssima e bem cuidada barba. Nada o demoveu a cortá-la. E Carlos Gomes, rendido pela famosa voz do cantor, teve que aceitá-lo. Assim, malgrado os disfarces dos cosméticos e das luzes da ribalta, o primeiro Guarani, longe de ser imberbe, apareceu em cena de barbas louras. . .

Coisas de teatro . . .

Num mais minucioso estudo sobre a ópera de que vimos nos ocupando, poder-se-ia encará-la ainda, sob dois aspectos diferentes : primeiro a sua representação no exterior, e o que ela significou de promoção de seu autor e de projeção do Brasil nos mais cultos círculos artísticos e intelectuais da Europa. Depois, poder-se-ia encarar e estudar a sua apresentação e a sua aceitação na sua própria pátria e ainda as consequências dessa estréia.

Carlos Gomes que já anteriormente impusera-se dentre os artistas da Itália firma o seu grande prestigio e revela-se um gênio, após a apresentação do “O Guarani” na memorável noite de cujo centenário vimos tratando. Vencendo as mais severas criticas, apenas diplomado pelo Conservatório Musical de Milão, conquistou ele uma glória imorredoura, quando outros compositores só a atingiram após muitos e desastrosos fracassos. Confirma-o essa observação, o fato de ter sido “O Guarani” levado, no mesmo ano de sua estréia espetacular, nas maiores e mais exi-

gentes platéias da Europa. O seu real conceito pô-lo entre os maiores compositores de então.

Aureolado e feliz, transporta-se o maestro campineiro para a sua Pátria. Trazia-o, como já se disse, a ânsia de transferir para seu imperador e a sua gente, a glória conquistada. Seu maior sonho era representar a ópera na sua terra. E assim o fez, na noite de gala que comemorou os 45 anos de vida do imperador Sob os revérberos das luzes, os esplendores da estréia, sob as mais encomiásticas e gloriosas criticas, o despeito e a inveja, no solo pátrio, foram minando implacavelmente a vida artística do compositor. Conheceu desde logo e amarguradamente, o sabor da ingratidão.

Dizem seus historiadores que muito sofreu o maestro durante os ensaios da ópera. Lutou a ponto de exasperar-se, contra a obstinação dos músicos que executavam a seu bel-prazer, indiferentes às exigências de interpretação religiosamente exigidos pelo regente.

Conta-nos Ítala Gomes Vaz de Carvalho, filha de Carlos Gomes, que seu pai sonhou regressar à Pátria e aqui prosseguir na sua brilhante carreira de compositor. Os louros colhidos na Europa eram-lhe incentivo para impor-se à consideração dos seus. Queria fazer musica, e musica brasileira. Mas aqui não foi sequer feliz.

Integrado no ambiente cultural da época, jamais foi ele político. Sua criação artística não lhe concedia o frio raciocínio para as articulações políticas. Sobretudo, seu caráter invulgar não lhe permitia ingratidões ao seu Imperador. E ele muito sofreu com isso. Moral e materialmente. Desejava a transformação política do pais, mas sem que se ferisse e magoasse o soberano. Desejava a libertação dos escravos e para tanto, compôs, apaixonadamente a ópera “L’Schiavo” que é um libelo musical em favor dos negros oprimidos.

Carlos Gomes jamais encontrou, de regresso da Itália, ambiente propicio para si e para os seus. Cercado de amigos, jamais valeram-lhe para a obtenção do que mais ambicionava : ser Diretor do Conservatório Musical do Rio de Janeiro em cuja cátedra espadanejaria as rútilas manifestações de seu gênio criador.

Assim como a música de Tchaikowesky foi acusada de forte influencia da escola germânica, também as óperas de Antonio Carlos Gomes, inclusive o “O Guarani” de que tratamos, foram julgadas injustamente no meio musical pátrio, como criadas sob forte influência artística italiana, máxime com definido sabor verdiano.

Nem por isso a glória imorredoura toldou o brilho dos dois grandes gênios musicais assim julgados. Em ambos os casos, como em outros mais poéticos ou literários as escolas de composição sempre ofereceram trilhas em que se desenvolveram grandes nomes da literatura e da arte.

Natural, mas não impatriótico, o grande feito de nosso grande artista. Ademais, já dissemos de inicio deste modesto trabalho que sob o ângulo musical, e ainda tratando-se da dramaturgia teatral o eixo exponencial ao redor do qual evoluíam os novos compositores era franco-italo-germânico.

Levando da Pátria um sólido cabedal teórico e tendo a animar-lhe uma inata criatividade, Antonio Carlos Gomes encontrou no ambiente musical italiano a seara fértil onde iria revelar sua genialidade. Diplomado pelo celebre Conservatório Musical de Milão, consolidado seu estudo de composição e regência sob os cuidados de excelentes mestres, convivendo no mais alto nível artístico da época, foi ali que ele desenvolveu e completou a esquemática da composição teatral

Não se negue a Carlos Gomes o cunho de nativismo com que impregnou “O Guarani”, sua mais celebre e popular ópera.

Certo que posteriormente a ele, Lourenço Fernandez, Nepomuceno e Villas Lobos deram definitivamente, cada qual a seu tempo feições nacionais profundas à musica brasileira. No entanto, ninguém negará a “O Guarani”, o cunho sincero de autentico nacionalismo e de brasilidade. Se a morte não tivesse colhido o autor aos sessenta anos de idade, teríamos tido em sua óperas deixadas apenas rascunhadas: “Moema” e “América” o puro sabor da música ameríndia, nativa, natural, desvenci-

lhada de influencias alienígenas.

Antonio Carlos Gomes foi precursor da nossa musica. Saído da Corte do Rio de Janeiro para a Itália, não levava ele já perfeitamente delineada uma formação musical tipicamente brasileira. Ele idealizava sim, regressar um dia à Pátria e formar então, a verdadeira escola musical brasileira, com o exotismo dos sons nativos, a originalidade dos ritmos selvagens e a rude beleza dos nossos cenários naturais. Isso ele o provou no “O Guarani”.

Não obstante, o que é indiscutível e inegável é que se aqui sofreu a critica fria e sistemática dos seus, as platéias mais cultas da Europa tributaram-lhe os louros da genialidade inclinando-se respeitosamente cativas às seduções cênicas, ao fino argumento e às brilhantes frases melódicas do “O Guarani” revelado ao mundo pela batuta extraordinária do grande compositor brasileiro.

Não se pode finalizar o presente estudo, sem que seja aqui citado algo sobre o que constitui a parte mais conhecida e popular de “O Guarani”, ou seja : a sua Protofonia

Musicalmente falando, a protofonia é, segundo a composição operística, uma espécie de prefácio musical ou prólogo sinfônico, onde se intercalam trechos expressivos que se desenvolvem após, na contextura da ópera. Ademais, é a protofonia uma peça cuja execução pode ser independente e como tal, apresenta-se na sua inteireza, como apreciável página de puro sabor musical. Hão de concordar os aficionados da boa música que a Protofonia – ou simplesmente – Sinfonia do “O Guarani” é belíssima, solene, grandiosa.

Carlos Gomes compô-la posteriormente à ópera, no ano de 1871. Já de regresso à Europa, onde então contrairia núpcias com Adelina Perri, recebe o convite de Pedro II, para reger “O Guarani” que marcaria a solene abertura da Exposição Industrial de Milão Empolgado com a deferência imperial, o autor compôs a Protofonia que iria substituir daí por diante, o breve prelúdio da ópera. Aliás, no final de seus dias, saturado já das múltiplas honrarias que lhe foram tributadas em detrimento de outras e valiosas óperas suas, Carlos Gomes dava mais carinho à Protofonia do que propriamente à inteira ópera.

Tão empolgante é essa página musical que Luiz Heitor grande historiógrafo da música do Brasil, nô-la apresenta como “o segundo Hino Nacional” brasileiro Dessa magnífica Sinfonia, fala-nos a filha do autor, Ítala Gomes Vaz de Carvalho:

“A grandiosa sinfonia relembra os principais motivos da ópera, rendilhando-os de polifonias magníficas, que maravilham pela novidade das frases exóticas e pela prodigiosa e inconfundível orquestração. Neste trecho de música, o gênio de Carlos Gomes mostra incontestavelmente o seu cunho precursor.”

Pois foi a Protofonia a causa de uma das mais belas e calorosas homenagens tributadas ao imortal maestro e que muito lhe tocou o coração retornando mais uma vez do Brasil para a Europa, aportou Carlos Gomes em Portugal, incumbido que fora por D. Pedro II de entregar mensagem familiar a D. Luis II, Rei de Portugal. Recebido carinhosamente na Corte, convidou-o o soberano para estar em seu camarote, no Teatro Lírico , logo mais à noite, quando então seria representado o Rigoleto de Verdi Assim, quando o soberano entrou no camarote real, o espetáculo já começara. Logo, porém, quando foram ambos vistos, a orquestra parou imediatamente e todos os executantes, de pé, atacaram com entusiasmo, os primeiros acordes da Protofonia do “O Guarani”.

Olhos marejados de lágrimas, não pode o artista conter a sua grande emoção ante tão honrosa surpresa. Na história da música universal um espetáculo desse é quase inédito.

Assim, a belíssima homenagem tributada pela Coroa Portuguesa ao ilustre filho do Brasil registrou-se como uma das mais dignificantes e enaltecedoras à inteligência e ao gênio artístico do Império d’além mar. Mais tarde, nesse mesmo Teatro, o rei sucessor D. Carlos, concedeu a Carlos Gomes a comenda da Ordem de São Tiago, a mais alta de Portugal.

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Carlos Gomes no Teatro Alla Scala de Milão, Itália

Sérgio Eduardo Montes Castanho – professor de História da Educação na UNICAMP. Titular da Cadeira 35 do IHGG Campinas.

Quem ler o título acima talvez se enfade e desabafe: outra vez? De fato, já se gastaram resmas e mais resmas de papel e hectolitros de tinta para narrar os feitos do compositor operista campineiro Antônio Carlos Gomes, no afamado teatro milanês Alla Scala. Mas sosseguem os afoitos. Não vou escrever uma palavra sequer sobre as performances operísticas do Tonico de Campinas no palco do norte da Itália. Vou apenas descrever o que vi em visita recente a esse magnífico teatro e, especialmente, ao museu que ocupa áreas importantes da casa de espetáculos.

O saguão de entrada do Scala é feericamente iluminado e lindo na sua decoração clássica. Por uma porta à frente desse saguão entrei numa frisa e pude observar, por alguns momentos, todo o interior do teatro, o palco, o fosso da orquestra, os camarotes, as frisas, a galeria, a plateia – tudo me trazendo à memória o lindo Teatro Municipal de Campinas, tristemente demolido há mais de meio século. Muito parecidos! Aliás, os teatros em estilo clássico, os municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, são muito semelhantes ao Alla Scala.

Nessa observação tive a sorte de ver e ouvir um pouco de uma ópera de Mozart que estava sendo encenada. Maravilha pura!

Saindo dali, dirigi-me ao museu, onde me esperavam intensas emoções, estéticas e de sentimento. Sobre uma mesa de honra pousavam os bustos em bronze de todos os principais operistas italianos, cujas obras foram levadas no Alla Scala: Verdi, Puccini, Rossini e enorme galeria. Ali, nesse local de honra do Museu apenas um estrangeiro. Quem? Wagner, o gênio alemão de Tristão e Isolda? Mozart, Beethoven, quem? Parece incrível, mas o único bronze de estrangeiro sobre essa mesa era o do brasileiro Antônio Carlos Gomes, o nosso Tonico de Campinas.

Nas paredes, pendurados, havia quadros a óleo com retratos de outros compositores italianos e estrangeiros insignes; sobre pedestais, bronzes de compositores e cantores líricos, como Caruso; um

EXPEDIENTE

dos quadros era o da soprano Tebaldi, que impressionava pela beleza da cantora, tão linda quão virtuose.

Mas bronze de estrangeiro na mesa de honra só o de Carlos Gomes!

Também me chamou a atenção um quadro pendurado em uma das paredes do museu, retratando a fachada do Teatro Alla Scala por volta de sua inauguração. A tela era assinada por Angelo Inganni e tinha por título Facciata del Teatro Alla Scala. Data: 1852. Uma linda obra. Depois dessa emocionante incursão, saí para o ar livre da fria primavera do norte italiano. A emoção da visita foi tão intensa quanto, dias mais tarde, a de percorrer o teatro grego de Siracusa, no sul da Itália, na bela Sicília A grande diferença é que este era de dois milênios antes e nele jamais se apresentou nenhum brasileiro, até porque Brasil não existia… Campinas, SP, Brasil

DIRETOR: Armando Moraes Delmanto

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EM
WEBJORNALISMO DIÁRIO
NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA
BOTUCATU
A R T I G O
Fachada do teatro Alla Scala de Milão, retratada em 1852 por Angelo Inganni.

LEITURA DINÂMICA

– O GUARANI é a história de amor proibido entre o índio Peri e a jovem portuguesa Ceci, um filme de Norma Benguel. O relacionamento se concretiza com o consentimento do pai da moça, graças ao ataque dos índios Aimorés à fortaleza de sua família. É quando o fidalgo pede a Peri que salve sua filha. Peri é um jovem índio goitacá. Os dois resolvem fugir juntos para o meio da floresta mas são surpreendidos por uma tempestade O filme foi baseado no clássico de José de Alencar. Obra que valoriza o cinema nacional.

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– Peri é interpretado por Márcio Garcia e Ceci é interpretada por Tatiana Issa. O casal empolgou o público e tornou popular a grande criação literária de José de Alencar que foi a ópera “O GUARANI”, de Carlos Gomes, consagrada na Europa.

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– O filme mostra o ataque dos índios aimorés à fortaleza da família de Ceci. Cenas violentas mostram o grande risco corrido por todos, familiares e agregados.

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– Além de Márcio Garcia (Peri) e Tatiana Issa (Ceci), o filme contou com as interpretações de Herson Capri, Tonico Pereira e Glória Pires. – Já atores consagrados na Globo, Márcio Garcia e Glória Pires enriqueceram com suas interpretações esse filme de Norma Benguel

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