Diário da Cuesta ANO IV
Nº 992 SEXTA-FEIRA, 12 DE JANEIRO DE 2024
NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU
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O lendário Orlando Villas Boas e seus irmãos são os heróis nacionais na defesa dos índios. Página 3
É bom saber. O artista plástico e conhecido webdesigner botucatuense Marco Antonio Spernega, foi quem idealizou a Cuesta de Botucatu estilizada e com todo o seu simbolismo: a escarpa, o verde representando as nossas matas e o azul do céu... A criação do Spernega valorizou a nossa CUESTA que teve, em sua estilização, o impacto que as obras dos grandes artistas tem. Vejam no Expediente o logotipo do Diário da Cuesta! Marco Spernega tem exposto seus trabalhos em concorridas exposições. Esta ilustração é uma obra de arte e de simbolismo histórico!
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Diário da Cuesta
ESPERAR O QUÊ? Bahige Fadel
Quando começa o ano novo, as pessoas começam a postar suas esperanças para os próximos 365 dias. Nenhuma novidade nisso. De acordo com a personalidade, as pessoas revelam as mais variadas esperanças. Os mais religiosos esperam que Deus continue norteando os seus passos. Os otimistas esperam que o mundo melhore em todos os sentidos. E até dão dicas para que isso aconteça. Os pacifistas querem que as guerras acabem, como se o fim das guerras dependesse tão somente de nossos desejos. Os desempregados esperam conseguir um emprego para o sustento da família. Os empregados desejam manter o emprego ou, até, melhorar. Os enfermos querem a cura. Os desregrados esperam ter condições de respeitar as regras. Os obesos esperam emagrecer. Os pobres desejam tornar-se ricos. Os ingênuos esperam ganhar o grande prêmio da loteria. E assim caminha a carruagem das esperanças. Isso tudo tem sentido? Depende. Só desejar e não fazer nada para que aconteça não faz sentido algum. Esperar mudanças
simplesmente porque você mudou o seu calendário não faz sentido nenhum. Tudo só fará sentido se você fizer algo para que seu desejo se torne realidade. Todos querem a paz no mundo. Mas o que fazer para que isso aconteça? Nós, simples mortais, temos muito pouco para fazer. O buraco é bem mais em cima. Na verdade, nesse assunto, só vale a nossa torcida. Mas há desejos que dependem de nós. A saúde, por exemplo. Se eu desejo saúde, preciso me cuidar. Vida regrada, alimentação saudável, prática de esportes... Se eu desejo emagrecer, a responsabilidade é só minha. Se eu quero ganhar na loteria, é só começar a fazer uma fezinha. Assim mesmo, a possibilidade de sucesso é muito reduzida. É mais fácil capacitar-me e trabalhar mais, para conseguir um melhor salário. Particularmente, não faço lista de desejos para um ano novo. Meus desejos ocorrem independente da época do ano. Eu quero um mundo mais justo. Minha colaboração nesse sentido é pequena. Vivo honestamente. Ajudo a quem posso e quem merece. Nas eleições, voto nos melhores candidatos. Nem sempre dá certo, mas eu tento. Quando trabalhava, procurava ser o melhor e mais útil funcionário. Escrevo periodicamente esses artigos, nos quais coloco minhas ideias. Nelas coloco opiniões e vontades positivas. Apoio minha família. Dou a ela toda a sustentação possível. Aprendi que a vida honesta é possível e traz felicidade. É possível porque depende só de você e traz felicidade porque a gente fica mais leve e dorme em paz. Aprendi que a maldade é muito forte na humanidade. Os maldosos não dormem nunca. Estão sempre de plantão. Assim, os bons devem estar sempre alerta, não podem vacilar. Os maus estão sempre de tocaia, para ocuparem os melhores espaços. É preciso que os bons sejam fortes, persistentes e estejam unidos. Devem trabalhar coletivamente. A luta é difícil, mas não impossível. Os bons precisam lutar para que haja boas leis e que elas sejam cumpridas. Encontraremos resistência. Não podemos deixar que os interesses mesquinhos prevaleçam sobre os interesses coletivos para o bem da humanidade. E isso independe dos partidos políticos ou das crenças religiosas. Em todas as áreas há os bons e os maus. É preciso enfraquecer os maus, para que a bondade venha à tona.
EXPEDIENTE
DIRETOR: Armando Moraes Delmanto
NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA CIDADANIA EM BOTUCATU
EDITORAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: Gráfica Diagrama/ Edil Gomes
WEBJORNALISMO DIÁRIO
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Sertanistas Botucatuenses
ARTIGO Olavo Pinheiro Godoy Da Academia Botucatuense de Letras
Aproveitando o mês de abril, dedicado aos índios, um turista recostado em cômoda poltrona do Peabiru Hotel, cerra os olhos para uma sesta. Suavemente, deixa ele rolar a memória à procura de recordações que distendam e convidem ao sono. Mas a imaginação é quase sempre caprichosa. E todo capricho, por natureza, é teimoso. As imagens que se lhe apresentam - lá sabe o turista por que - talvez em razão da bela mata que se vê ao longe - são fotos, audiovisuais, filmes que viu, em diferentes ocasiões, sobre índios, seus costumes, suas moradias, seus ritos de festa, de luto e de guerra. O candidato à sesta consegue escapar, por fim, a perseguição indígena, pouco propícia à distensão, e de palpebras baixadas, na insistente procura do sono, vai fazendo emergir da memória, mansa e suavemente, a lembrança dos sertanistas Villas Boas que, dos bons ares da serra botucatuense, partiram para as matas no afã de civilizar os índios. Lembrou que aqui também aportou para se dedicar ao seu primeiro emprêgo de médico, do Instituto Experimental Agrícola (Fazenda Lageado), o sanitarista e também sertanista Noel Nutels. Segundo depoimento do próprio Noel, que aqui conheceu os irmãos Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Boas, foram eles marcantes em sua vida e vocação. Tempos depois, o Dr. Noel Nutels encontra-se com o Ministro João Alberto Lins de Barros que, depois de conseguir carta branca de Getúlio Vargas para criar a Fundação Brasil Central, espera poder desbravar e recuperar o sertão. O turista, repousando, dolentemente em sua poltrona, rememora que o sertão possui inimigos mortais dentre eles a malária que os espera nos charcos, pantanais eáguas paradas. Independente do homem que chega ou sai. É mal de tocaia. No sertão e no mundo todo. Não é como a tuberculose, mal adventício, pelo menos para o habitante legítimo da selva, seu dono de muitos séculos. Vem na companhia do desbravador. É companheira das injustiças e incompreensões dos que estão chegando. E, os irmãos Villas Boas sabiam disso
tudo. Enfrentaram e sofreram os ataques da malária na defesa de seu ideal maior. Nosso turista se distende. Sente que sono se vai acercando. Mas, por seus ouvidos adentro penetra os sons da mata numa lembrança distante. Corria o ano de 1949 e o Ministro João Alberto nomeia Noel Nutels médico da expedição RONCADOR-XINGU, então confiada aos irmãos Villas Boas. Os Villas Boas penetram no sertão de Mato Grosso ao norte do estado, numa zona de transição florística entre o Planalto Central e a Amazônia. A região toda ela plana, onde predominam as matas altas entremeadas de cerrados e campos, é cortada pelos formadores do Xingu e pelos seus primeiros afluentes da direita e da esquerda. Os cursos formadores são os rios Kuluene, Ronuro e Batoví. Os afluentes, os rios Suiá Missú, Maritsauá-Missú, Uaiá-Missú, Auaiá-Missú e Jarina. Segundo os irmãos Villas Boas, antes mesmo de ser criada a Expedição Roncador-Xingu, em 1949, já, em 1946, eles haviam chegado aos formadores do Xingu e, os seus povoadores indígenas eram, nas suas várias práticas e costumes, estritamente os mesmos encontrados pelo etnólogo alemão Karl von den Steinem, em 1877, em sua expedição etnográfica. Era idêntica a distribuição das aldeias na região, o mesmo intercâmbio e relações entre elas; a mesma índole pacífica, a mesma hospitalidade, curiosidade, traduzindo-se, ao contato com estranhos, nas atitudes ingênuas e amistosas que tanto impressionaram o explorador alemão, mercendo dele o mais minuciosos e expressivo registro. A presença dos irmãos Villas Boas seria uma continuação do serviço de proteção ao índio criado pelo governo em 1910. Um dos grandes idealizadores desse serviço foi, sem dúvida, o Marechal Rondon que sensibilizado com a situação telegráfica, sem empregar a força, conseguira contatos pacíficos com os índios dos territórios atravessados pela linha telegráfica. Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Boas concretizaram o novo tipo de política indigenista: os índios passam a ter o direito de viver segundo suas tradições, sem ter que abandoná-las necessariamente; a proteção é dada aos índios em seu próprio território, pois já não se defende a idéia colonial de retirar os índios de suas aldeias para fazê-los viver em
Os irmãos Orlando, Cláudio e Álvaro Villas Boas. no destaque, Leonardo Villas Boas, o mais velho e que faleceu primeiro
aldeamentos construídos pelos civilizados; fica proibido o desmembramento da família indígena, mesmo sob o pretexto de educação e catequese dos filhos; garante-se a posse coletiva pelos indígenas das terras que ocupam e em caráter inalienável; garante-se a cada índio os direitos do cidadão comum, exigindo-se dele o cumprimento dos deveres segundo o estágio social em que encontra. Ao lado de Darcy Ribeiro, Heloisa Alberto Torres, José Maria da Gama Malcher e do General Rondon, os irmãos Villas Boas vão conversar com o Presidente Vargas para a criação do Parque Nacional do Xingu. Tudo inútil. O parque só seria criado mesmo no governo de Jânio Quadros, em 1961 e, aumentado em sua dimensão, em 1968. O turista volta a divagar: Na tribo dita selvagem, não há mandões, nem chefões. O cacique é tão só um líder-conselheiro. Tudo se resolve com o consenso de todos. É uma democracia plena. Não há entre os índios, fazendeiros nem colonos, patrões nem empregados, proprietários nem marginalizados, ricos nem pobres; não há leis, regulamentos, repartições, taxas, impostos, toda esta inferneira que você conhece. Em suma, nada há do que divide, hierarquiza e jugula. A espontânea nudez de ambos os sexos é completa, ou quase tanto. Todos andam inteiramente à vontade pela selva, procurando petiscos para comer: peixe, ave, besouro ou fruta. De volta, repartem com as famílias tudo que pegaram. Ninguém que ser mais do que ninguém, nem pensa muito no dia de amanhã. É, enfim, o paraíso na terra. Em entrevista à revista Visão (10/02/1975), Orlando Villas Boas disse: “Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia, ninguém olhará para ele, nem irá perguntar por que ele gritou. O índio é um homem livre”.
Casal Agnelo e Arlinda Villas Boas e filhos: Nelson e Orlando (ao lado do pai), Arlinda Lourdes segurando Álvaro, Cláudio (sentado) e atrás Acrísio. Leonardo (na frente) e atrás, Erasmo.
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"Caminhos" MARIA DE LOURDES CAMILO SOUZA
Conversando com uma pessoa da família, há muito tempo atrás, ela me contou um sonho que sempre tinha. Ela andava por uma estrada carregando um enorme fardo. Sentia-se exausta e com os ombros machucados. E na noite seguinte continuava levando o mesmo
fardo. Nas minhas reminiscências dos meus sonhos, um se repetia muito também. Eu estava sempre indo a pé até minha cidade natal, Avaré. Conhecia cada canto, cada curva, cada morro, cada árvore dessa estrada. E andava apressada para chegar antes do anoitecer. E na chegada ver o grande flamboyant florido ao lado da linda igreja branca lá encima no morro. As estradas foram mudando. A estrada que era de terra foi asfaltada, a entrada da cidade mudou, a casa da vovó foi demolida, muitos dos nossos queridos nos deixaram para viver em outro plano. Se voltar a Avaré ainda reconheço muitos lugares. Quando menina andávamos muito a pé pela cidade. Você ganha outras dimensões de espaço, conhece cada pedra do caminho. As ruas tinham nomes de estados brasileiros. Sabia como chegar na cidade de trem. Como ir para a casa dos meus avós. Onde ficava a casa de cada tia, e a da Nona Constantina, tio Tone e do Silvio. A sorveteria na esquina da praça e o sabor do sorvete de coco queimado que gostava tanto. Como chegar ao cinema descendo a praça central. Dona Elizabete com suas netinhas, os deliciosos biscoitos que fazia. Depois começamos a usar ônibus. E chegávamos na rodoviária onde meu tio Omar sempre nos recebia porque trabalhava lá, ou o querido Tio Domingos ia nos buscar com sua kombi. Sabia a rua e a casa de cada amiga da minha mãe, pois íamos visitá-las a cada férias. Lembro-me muito de D. Zilá, era mãe de uma das nossas amiguinhas, a Maria Cristina, que era uma menina irritantemente linda e educada, exemplo constante da minha mãe a ser seguido. Era muito diferente de nós, loira e com grandes e lindos olhos azuis que enfeitavam sua delicada carinha de boneca. Nossas mães conversavam muito, e me lembro que a partir de um tempo eram conversas que entristeciam minha mãe , pois sua grande amiga estava muito doente. Numa das nossas férias já não fomos visitá-las, pois tinham se mudado para São Paulo, aonde D. Zilá poderia ter um melhor tratamento médico. Muito tempo depois nos encontramos com Maria Cristina, que se tornou uma linda moça. Seus pais tinham falecido, ela continuava morando em São Paulo. E o Rio da vida foi mudando o seu curso suave e firmemente, mas na minha memória ainda sei o rumo.