Ariano Suassuna - Sagração de um guerreiro

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Há algumas semanas, quando foi realizada a entrevista com o escritor Ariano Suassuna, o autor do Romance da Pedra do Reino comentou, com seu habitual senso de humor, que se soubesse que dava tanto trabalho fazer 80 anos iria ficar por mais algum tempo com 79. Durante cerca de uma hora e meia, ele conversou com os jornalistas do Diario de Pernambuco na sua residência, em Casa Forte. As homenagens vindas de entidades de todo o país têm exigido uma energia do acadêmico, que lembra que é melhor o assédio, do que a indiferença. Conhecido por suas posições ideológicas e sua defesa intransigente em favor da cultura brasileira, ele provoca aqueles que ainda estranham suas atitudes à frente, pela segunda vez, da secretaria de Cultura de Pernambuco. “Os jornalistas perguntam as mesmas coisas que respondi há dez anos. Não mudei. Continuo coerente”, advertiu. Tantas celebrações, com o reforço da minissérie veiculada pela Globo, tornam o escritor uma espécie de estrela da literatura e da cultura brasileira, uma voz quase solitária no país. Podem parecer até anacrônicas suas posições, no entanto, observando mais de perto, ele se torna uma figura fundamental para que a cultura não vire simples produto pasteurizado. A seguir, alguns trechos da entrevista em que o escritor fala de assuntos como a vocação pela literatura, a influência da faculdade de Direito, a criação do Teatro do Estudante de Pernambuco junto com Hermilo Borba Filho, a resistência em entregar sua obra à televisão, até conhecer Luiz Fernando Carvalho, entre outros assuntos.

A paixão pela leitura

“Eu comecei pela literatura, querendo ser escritor aos 12 anos de idade. Assim que me alfabetizei, senti a paixão da leitura. Meu pai tinha deixado uma biblioteca, coisa que não é comum no sertão. Ele era um grande leitor, tinha uma memória prodigiosa, gostava de poesia popular, como eu. Um dos livros de Leonardo Mota, importante pesquisador do cancioneiro e dos cantadores, eu encontrei na biblioteca do meu pai. Era Sertão alegre, foi dedicado a seis pessoas e uma delas era meu pai. Meu pai deu vários versos a ele. Eu tive primeiro a experiência com a biblioteca do meu pai, da qual ainda tenho alguns exemplares. E não por acaso, os três folhetos que me baseei para fazer O auto da compadecida, estão todos três lá. Depois meus irmãos, que já estavam no Recife, começavam a levar livros quando iam passar as férias lá (em Taperoá). Comecei a ler romances ilustrados e romances de aventura. Um deles o Escaramuche, que acabei de reler. Como estou relendo pela milésima vez o Conde de monte cristo. Muito naturalmente dessa paixão pela leitura, eu tentei ser escritor. Aos 12 tentei meu primeiro conto, um conto horroroso”.

como chagas, são ferimentos na face do ser. Esses ferimentos que o mal nos fez não têm salvação metafísica. A única salvação que eles podem ter é estética”

Menino do sertão

“Eu era muito integrado ao meio ambiente. Eu encontrava a vida nos livros e levava algumas coisas dos sonhos que o livro me trazia para a vida que me cercava. Um dos lugares de encantamento que mais me tocavam no sertão, por motivos óbvios, eram os riachos em tempo de chuva. A água, exatamente por ser rara, é uma coisa maravilhosa. Teve um ano em que tirei boas notas e minha mãe, que era uma pessoa de muito bom senso, me deu as obras

Autobiografia literária

“Eu acredito que toda a literatura, principalmente ficção, tem a autobiografia. É a recuperação e redenção de toda a vida. A literatura procura cicatrizar pela beleza as chagas de sofrimento, de dor, do mal que existe no mundo. É uma espécie de busca da redenção pelo fechamento das feridas e pela procura do tempo perdido, para usar uma expressão proustiana. Para mim, o mal e o feio são

Teatro do Estudante de Pernambuco

“O papel do Teatro do Estudante foi enorme. Na Faculdade de Direito não tinha lugar para teatro, porque o auditório não se presta para teatro, então nós improvisamos na biblioteca. A gente juntou as mesas da biblioteca, forrou com um pano e era o palco. As pessoas assistiam em pé. Foi lá que a gente estreou o Teatro do Estudante. Encenamos A sapateira prodigiosa, de García Lorca, fizemos a primeira encenação de Édipo rei no Brasil, fizemos A casa de bonecas, de Ibsen. A gente encenava gratuitamente, principalmente para estudantes, mas até em prisões e hospitais a gente foi. Foi um movimento muito bonito o Teatro do Estudante. Eu tenho muito orgulho de ter participado”.

Hermilo Borba Filho

A decisão de ser escritor

“Quando vim estudar no Recife, fui estudar no Ginásio Pernambucano. Lá, peguei um livro com reprodução de todos os museus da Europa e comecei a desenvolver o gosto pela pintura. Eu tentei outras artes. Ainda hoje sou um músico frustrado, um escultor frustrado, um pintor frustrado. Mas, de repente, eu descobri que não estava mais na Renascença que o Papa sustentava o artista. Eu tinha que escolher e escolhi a literatura. Isso se deu mais ou menos aos 19 anos. Mas para deixar de querer ser pintor foi muito importante meu encontro com Brennand. Eu levo a arte muito a sério e então vi que ele tinha muito mais força no campo da pintura, que eu não chegava nem perto. Isso me ajudou a conhecer qual era a arte fundamental para mim”.

Eu cheguei a conviver com um cangaceiro! Eu o conheci pessoalmente. Eu já escrevi um poema sobre o Recife, no qual comparo diversos movimentos do Recife com lugares de todo o Nordeste. Eu ligo as duas torres iguais da Igreja de Santo Antônio às duas torres da Pedra do Reino. Nesse poema, é como se o Recife fosse o resumo de todo o Nordeste e de todo o Brasil”.

completas de Monteiro Lobato. Foi essa coleção que me despertou a curiosidade pela história. Depois disso, o riacho ficou uma coisa mágica para mim”.

A Faculdade de Direito

“Houve um alargamento e aprofundamento da minha literatura. Inclusive porque a biblioteca da faculdade era muito boa. Nenhum de nós foi para lá à procura do Direito. A gente fez essa opção porque, das carreiras possíveis da época, era a mais humanística. Se tivessem outras opções, teria feito Filosofia ou Letras. Já me interessava por filosofia É uma coisa importantíssima para mim. Pode até não ser para os outros”.

“Nós fundamos o Teatro do Estudantes sob a liderança inconteste de Hermilo Borba Filho. Eu lembro que escrevi um poema chamado Os Guabirabas, que vai estar presente nesse romance que eu estou escrevendo. Então, ele leu esse poema, e quando leu, ele disse ‘você precisa tomar conhecimento do teatro de Garcia Lorca’. Ele era dez anos mais velho do que eu. Ele era de 1917. Um velho de 70 anos e um velho de 80 anos dialogam de igual para igual, mas eu com 18 e ele com 28 anos era uma diferença muito grande. Além disso, ele já era casado, já tinha independência financeira, já tinha uma biblioteca dele e era um leitor apaixonado, que sempre me indicava livros e emprestava. Ao mesmo tempo, Aloísio Magalhães trazia contribuições plásticas para nossas conversas. Freqüentávamos todos os dias de noite a casa de Hermilo. A verdadeira universidade para todos nós era a casa de Hermilo Borba Filho. Travávamos discussões terríveis, tinha gente de todo tipo. Eram discussões estimulantes”.

Recife

“Eu, de certa forma, tenho uma dívida para com o Recife. Ela tem um papel importantíssimo na minha vida. Mas, para mim, a infância e adolescência formam o tempo que é mais importante da mitologia pessoal do escritor. Além do mais, o sertão é uma terra impressionante.

O auto da Compadecida

“Depois que Hermilo foi para São Paulo, fui convidado para dar um curso de teatro no Ginásio Pernambucano. Os alunos então me pediram para escrever uma peça para

eles fazerem como trabalho de conclusão. Ao mesmo tempo, o Gráfico Amador me encomendou uma peça em um ato. Ela não precisava ser grande porque a prensa deles era manual, então a composição era feita à mão. Aí eu me lembrei de um dos folhetos que eu tinha lido entre os livros de Leonardo Mota, chamado O testamento do cachorro, então resolvi fazer uma peça baseada nele. Acontece que eu tomei gosto e ao invés de fazer uma peça em um ato eu fiz uma em três atos. Foi O auto da Compadecida. Meus alunos não acertaram encenar e nem eu dirigir. Aí a gente desistiu. Quando é um dia, Luiz Mendonça e Ilma vieram pedir para eu dar a peça para eles e José Pimentel, que fizeram sob a direção de Clênio Wanderley. Eles fundaram então um grupo chamado Teatro Adolescente do Recife. Foi esse grupo que estreou O auto da Compadecida. O teatro estava às moscas. No primeiro dia, encheu só metade das cadeiras de baixo. No segundo, metade da metade. No terceiro, a gente retirou por falta de público. Então nós fomos ao Rio e estreamos lá no dia 25 de janeiro de 1957. Eu casei no dia 19 e depois viajei paro Rio para assistir a estréia. Depois daí, imediatamente me pediram para editar. Foi minha primeira peça editada”.

Televisão

“A primeira vez em que eu fui procurado para fazer um trabalho para televisão foi nos anos 60 do século 20, mas eu não me entendi com o diretor e vi que não ia dar certo. Eu via a importância da televisão mas nunca dei um trabalho meu até que na década de 90 eu encontrei Luiz Fernando Carvalho e vi que com ele me entendia. Não houve dificuldade. No momento em que a gente se conheceu, vi que com ele dava. Mas veja que paciência, eu passei 30 anos ignorado por esse importante meio de comunicação que é a televisão”.

Antunes Filho e A Pedra do Reino

“Ele teve um gesto de grandeza. Quero ser justo e sou justo com alegria. Porque se alguém fizesse comigo o que eu fiz com ele, eu nunca mais procurava. Eu proibi a encenação quando ela já estava indo para o ensaio geral. Ele me procurou há uns cinco anos. Ele deu uma entrevista em Brasília e disse que continuava com o sonho de fazer A Pedra do Reino. Ele disse: “façam um apelo a Suassuna para que ele permita”. O jornal veio me ouvir. Eu disse que ele estava dando uma demonstração de grandeza e que eu estava de acordo que ele montasse. Eu hoje já estou mais maduro. Quem quiser ver A Pedra do Reino que leia o romance. Eu vou um a espetáculo, a uma leitura sua. Dei essa permissão a ele e não


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Armorialistas propõem a releitura erudita da cultura popular, para eles, guardiã da tradição e local de conservação dos valores mais autênticos da identidade brasileira

Otávio de Souza/DP

02/03/2005

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Arquivo/DP

FORTEMENTE MARCADO PELAS MEMÓRIAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, ESCRITOR MANTÉM AS POSIÇÕES QUE AJUDARAM A FIRMAR SEU CARÁTER, SEM SE PREOCUPAR COM AS CRÍTICAS

ficialmente, o mês de outubro de 1970 marcou a inauguração de um discurso armorial com o movimento estético pensado por Ariano Suassuna. Um concerto realizado na Igreja de Santo Antônio dos Clérigos, monumento barroco localizado no Pátio de São Pedro, foi o lançamento desse conjunto de idéias e ações específicas que remontam às atividades e ao pensamento do artista desde a sua atuação no teatro pernambucano. A data confirmava a união de outras linguagens ao ideário de Suassuna: dança, pintura, teatro, tapeçaria, poesia, música, literatura e artes plásticas. Linguagens que tinham em comum a valorização das manifestações populares relidas através da cultura erudita. Ao contrário de movimentos como o Modernismo, de 1920 e o Regionalismo, de 1930, o Armorial não seguia as tendências culturais de sua época; não “negociava” o cosmopolitismo que tomava a sociedade brasileira, desde a Revolução Industrial. Não é exagero afirmar que o Armorial pode ser visto hoje como reação à própria dinâmica da sociedade brasileira na década de 70. Um contraponto ao velho tema do nacional-popular. Elemento fundamental nas manifestações culturais da esquerda e da direita no país, o nacional-popular, no qual Ariano se alimentou em seu retorno ao sertão, ganhou conotações pejorativas com a ascensão do regime militar quando a ditadura usou seu poder coercitivo como elo agregador de uma noção de Brasil. Nesse período, com a censura às produções que não comunhavam da mesma proposta nacionalista da política ditadorial, a indústria de bens

simbólicos estrangeiros, sobretudo as tendências de massa da cultura americana, cresceram significativamente a ponto de garantir um público consumidor cativo de discos, livros e filmes de países da língua inglesa como Londres e Nova York. Com seu Armorial, Ariano volta-se contra essa “invasão”. E retorna para um passado idílico concebido em sua visão romântica e telúrica que inclui brasões, raízes heráldicas e demais ícones identificados como conservadores por serem associados aos símbolos de status e legitimação do Regime Militar. A identificação como conservador vai mais além, no entanto. Ariano via a cultura popular como guardiã da tradição e local de conservação dos valores mais autênticos da identidade brasileira. “O Nordeste, nessa concepção, passa a ser um celeiro dessas tradições, incorporando a idéia evolucionista de representar a infância de um país, um lugar que não se desenvolveu e, por isso, preservou a tradição”, observa a pesquisadora Maria Thereza Didier, no livro Emblemas da sagração armorial. O professor Janilto Andrade, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), destaca um dos mais significativos motivos de crítica ao armorial: o caráter estático com o qual seu ideólogo observa a cultura popular. “A cultura é dinâmica, é um fenômeno que vai se transformando. Ariano acabou se tornando uma pessoa intransigente com outros movimentos que estabelecem relações com a cultura popular. Ele não cedia espaço”, afirma. Em entrevista ao Diario de Pernambuco na ocasião dos 50 anos de O auto da Compadecia, Ariano confirmou o que vem dizendo há anos. “Foi um movimento revolucionário. É absolutamente evidente que hoje se dá importância e valoriza-se a cultura popular porque desbravamos esse caminho. O Armorial foi um movimento de fato. Tínhamos escultura, dança, literatura, teatro, música. Tem gente que vem falar sobre movimento e quando vamos ver só está presente a música”. (C.L.)

me arrenpendi não. Gostei muito da peça. Assisti duas vezes. Na estréia, vi que o público estava gostando muito. Mas o público de estréia é diferenciado. Estava cheio de atores, críticos. Eu gostei; mas não gostei sossegado. Uns dois meses depois, por acaso, voltei a São Paulo e assisti sozinho e gostei mais ainda”.

As influências

“Thomas Mann escreveu uma frase uma vez da qual estou inteiramente de acordo: “Ninguém pode receber influência daquilo que lhe é alheio”. Se você ler um autor que não tem parentesco com seu universo mítico, você esquece, aquilo passa. Quando a gente pega um autor que é da família da gente, ele revela para gente coisas que às vezes estavam até obscuras para nós mesmos. Isso aconteceu comigo com relação a Cervantes, a Gogol e a escritores que são consideradas menores como Alexandre Dumas. Todos eles me influenciaram terrivelmente. Eu conheço poucos escritores que confessam suas influências como eu. Nunca me afastei dos escritores que eu gosto. Na abertura do romance que estou escrevendo, eu digo que o que existe nele de trágico, lírico e de pessoal tem como patronos Dante, Euclydes da Cunha e Augusto dos Anjos; e o que tem de cômico, tem como patrono Cervantes, Gregório de Matos, Antônio José da Silva, o judeu, e Lima Barreto. Ainda hoje aqueles autores que me marcaram mesmo continuam dentro de mim e eu continuo fiel a eles e as suas influências”.

Ideologia

“Eu sou muito paciente e sou muito tranqüilo porque tenho a convicção de que tudo que eu faço é coerente com aquilo que eu acredito. Agora, querer que eu goste de coisas que eu condeno, aí não dá. Acho que o que faço é bom para o Brasil dentro dos meus limites. O pessoal diz: “ele só apóia artista que ele admira”. É claro. Não vou apoiar artista que eu não admiro. Mas eu não sou ditador não! Na primeira fez que fui Secretário de Cultura, o pessoal nunca entendeu quando eu disse que da minha verba não dava um tostão para o que não gostava. O pessoal ficava indignado. Mas era a verba do meu gabinete. A Fundarpe, que estava sob meus cuidados, apoiava coisas que eu pessoalmente achava péssimas. Eu me lembro que com o meu aval e minha assinatura foi convidado para o Festival de Garanhuns o grupo Paralamas do Sucesso, que eu tenho horror. Eu achava que ele devia fazer o sucesso dele em outro paralama, não no nosso. Mas eu sou aberto. Agora, querer que eu diga que é bom? Só nascendo de novo!”.

Na vanguarda do movimento, a música armorial se propunha a recuperar melodias barrocas no cancioneiro popular da região

A música foi, sem dúvida, umas das vertentes mais populares e controversas do Movimento Armorial. Foi também a esfera artística que mais obteve destaque midiático nos primeiros anos do Movimento, de 1970 a 1977 - com a Orquestra Armorial e em seguida com o Quinteto. Antes do concerto inaugural da Igreja de São Pedro dos Clérigos, Ariano Suassuna havia trabalhado em pesquisas da sonoridade da música popular e erudita como parte de sua atuação no Departamento de Extensão Cultural da UFPE. O mais interessante é que ele, dramaturgo, poeta e romancista, age como articulador e ideólogo de uma concepção musical que se impõe cênica e sonoramente. “Ele tem uma cultura musical extensa e profunda. Ele não tem a cultura técnica do músico mas tem o conhecimento da linguagem musical, da história, da filosofia e da estética. Isso é raro até entre músicos”, ressalta Zoca Madureira, que dirigiu o Quinteto Armorial e hoje está à frente do Quarteto Romançal. Zoca chama a atenção para a diferença entre a proposta da estética armorial e das expressões nacionalistas que caracterizaram a obra de compositores e pesquisadores como VillaLobos e Camargo Guarnieri. “O nacionalismo trouxe ele-

mentos do folclore para uma linguagem já estabelecida da músicaeruditaeuropéia.Oarmorialfazocontrário.Nós mergulhamos nas tradições musicais do Nordeste”, explica. A idéia de Ariano era a de investigar e recuperar melodias barrocas que podiam ser encontradas em manifestaçõescomooromanceiropopular.Aidentificação com ostroncos ibéricos da cultura brasileira está na relação que esta mantém com os cantadores (de desafios, toadas ou aboios), tocadores de rabecas, banda de pífanos e demais portadores de uma sobrevivência cultural que remonta ao renascimento europeu. As composições procuravam utilizavar a estrutura básica da música camerística européia (cordas, cravo e flauta) para reler a cultura popular em sua “analogia” com o velho continente, através da viola sertaneja, da zabumba e dos pífanos. Para Ariano, os instrumentos, técnicas e estéticas européias não poderiam se sobrepor aos mesmos elementos de composição da música popular nordestina. Ariano clamava a presença cênica dos instrumentos e a melodia árida provocada pelo seu caráter artesanal. Independente do resultado dessa união de “contrários”, não se pode deixar de reconhecer o caráter valorativo dessa proposta. Siba, do Mestre Ambrósio, embora não comunge da estética armorial como referência, lembra o pioneirismo, no Nordeste, do projeto. “Mesmo quem não tem essa influência, não pode deixar de assumir a importância da música armorial para a visibilidade da cultura popular local”, explica Siba. (C.L.)


Ariano se distancia do registro documental do regionalismo para introduzir o elemento mágico na literatura

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m ano depois da criação do Movimento Armorial, Ariano Suassuna lançava a obra-síntese de sua carreira. Poeta desde a adolescência e mais conhecido por sua dramaturgia, o artista trazia com O romance da Pedra do Reino a saga do herói Quaderna cuja narrativa dialogava com o cânone da literatura ocidental e as referências afetivas que o acompanharam em sua trajetória. Considerado um marco da ficção nordestina após o fechamento do ciclo regionalista iniciado em 1930, o livro condensava, em mais de 700 páginas, técnica, linguagem e estilo que dividiram a opinião da crítica à época de sua publicação. Para alguns, Ariano voltava para um passado monarquista que o Brasil queria esquecer; outros vinham em seu texto uma narrativa à frente do seu tempo. O sertão é o ponto de partida desse épico que intercala a poética do medievalismo ibérico ao romanceiro popular. O escritor Raimundo Carrero, cuja literatura tem influência do projeto Armorial, ressalta a diferença entre esses dois momentos da literatura brasileira com temática voltada ao Nordeste. “O regionalismo, que marcou de maneira fundamental a literatura nordestina, partia, em Pernambuco, da poesia de Gilberto Freyre e tomava como base a antropologia e a sociologia. A literatura de Ariano se distancia desse paradigma, explica o escritor, por se desapegar do documento histórico, do registro científico que caracterizara essa outra geração. “Enquanto um é documental; o outro é mágico, fantástico. Ariano se aproxima do Barroco, do romanceiro popular em busca do universal sem perder de vista o regional. O elemento mágico possibilita essa alteração entre a literatura rural e urbana no caminho da compreensão do fenômeno humano”, destaca Carrero. Inspirado em episódio messiânico ocorrido no munícipio de São José do Belmonte, A pedra do Reino revive o mito do sebastianismo português ao remeter à história de uma seita fundada aos pés da Pedra Bonita, no sertão nordestino. Ao elaborar sua trama, Ariano se direciona pela intextextualidade que se vale de imagem e texto para ratificar o seu compromisso com a cultura popular. O dialogismo é um elemento importante na narrativa, destaca Janilto Andrade, professor de literatura da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), que chama a atenção para a criatividade da releitura das manifestações orais feita por Ariano. “A literatura se nutre de uma tradição. Ninguém cria nada do nada. O interxtexto é uma nova leitura. Ariano dá versões literárias, do seu universo estético, recuperando a linguagem popular”, comenta. “A Pedra do reino é um técnica teatral altamente sofisticada”, complementa Carrero que afirma estarmos diante de um dos grandes romances brasileiros. “Ariano revê a história do Brasil, da literatura, da formação cultural brasileira”, defende. Para o escritor Ronaldo Correia Brito, A pedra do reino é um dos livros mais importantes da língua portuguesa. “Em O auto da compadecida, Ariano criou uma obra que desmacarou todas as formas de hipocrisia e que tem uma enorme capacidade de comunicação. Já o romance tem uma estutrura complexa, metafisica, com discussões filosóficas e políticas”, diferencia. Ronaldo ainda relembra uma certa incompreensão do romance de Ariano. “As pessoas se ressentem porque sua linguagem não é tão acessível. Porque há um descompasso entre o artista, solitário, e o homem coletivo”, argumenta. (C.L.)

NAS PRATELEIRAS

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Arquivo/DP

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Dramaturgia de Ariano usa o cordel como ponto de convergência de uma narrativa híbrida e intertextual

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a obra dramatúrgica de Ariano Suassuna já se disse quase tudo. Dos mais variados pontos de vista, estudos, quase todas as interpretações. Os adjetivos, merecidos — de uma obra genial, magnífica, clássica — começaram a se configurar com a participação de O auto da Compadecida no I Festival de Amadores Nacionais, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1957. O Teatro de Adolescente do Recife, dirigido por Clênio Wanderley, estreara a peça no Recife em 11 de setembro de 1956, no Teatro de Santa Isabel para uma curta temporada de três dias; no entanto, só ficou em cartaz dois deles, por falta de público. Mas foi com a apresentação no Teatro Dulcina que a peça foi alçada à condição de obra-prima e seu autor ganhou projeção nacional como um dos grandes dramaturgos brasileiros. Já em janeiro de 1958, a Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso, estreava O casamento suspeitoso, com direção do pernambucano Hermilo Borba Filho (que Ariano reconhece como uma das maiores influências de sua carreira, grande incentivador de sua dramaturgia e quem o apresentou à obra de Lorca). Tanto no Auto com em outras peças, o folhe-

PEÇAS TEATRAIS ● Uma mulher vestida de sol - Recife, Imprensa Universitária 1964

to de cordel é ponto de convergência. Mas seu teatro é marcado também pelo hibridismo, pelo signo de oposições, pelos procedimentos freqüentes do uso da intertextualidade. Suas peças estão impregnadas de suas memórias da infância em Taperoá (cidada paraibana do sertão do Cariri). Isso dá a coloração da intepretação das histórias medievais no imaginário serteanejo. Ariano reinventa as criações cômicas do teatro cristão e seus textos trazem traços ideológicos da Idade Média, como o maniqueísmo e o tom moralizante. Mas no seio de sua desconstrução/reinvenção o autor subverte dogmas. E dentro dessa mensagem cristã, ele constrói sua própria igreja. O dramaturgo aproxima os santos dos mortais, como o Simão Pedro, da Farsa da boa preguiça. Em O auto da Compadecida, um Cristo negro atende aos apelos de sua mãe, a Virgem Maria a dar novas chances a safados e mentirosos. Aliás, ele leva para o centro da cena personagens que ocupam uma situação inferior na ordem social. Os pobres coitados do Nordeste estão representados na sua galeria de personagens, como retirantes e cantadores, cangaceiros e beatos, valen-

● A farsa da boa preguiça - Rio de Janeiro, José Olympio, 1974

A história do amor de Romeu e Julieta São Paulo, Folha de S. Paulo, 19/01/1997 ●

● O auto da compadecida - Rio de Janeiro, Agir, 1957

O casamento suspeitoso - Recife, Iguarassu, 1961 ●

● O santo e a porca - Recife, Imprensa Universitária, 1964

NÃO PUBLICADAS ● Cantam as harpas de Sião (1948) ●

Os homens de Barro (1949)

Auto de João da Cruz (1950)

● O desertor de Princesas [Reescritura de Cantam as harpas de Sião] (1958)

A caseira e a Catirina (1962)

As Conchambras de Quaderna (1987)

ROMANCES ● O romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio, José Olympio, 1971; Agir, 2005 História d’O rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana. Recife, Diario de Pernambuco, ●

A pena e a lei - Rio de Janeiro, Agir, 1971; 2005 ●

O arco desolado (1952)

tões, conquistadores, mentirosos. Seus protagonistas são ardilosos, espertalhões, astuciosos, como João Grilo e Chicó, e Cancão, todos parentes de Pedro Malazarte. A um só tempo em que suas peças abrigam uma autoridade maior (Deus, patrão, pai, marido), Suassuna reveste muitos desses comandos de traços negativos, com os padres de várias peças. Há denúncia de situações de injustiças, mas não um total repúdio àreligiosidade e à moral vigentes. Falar da dramaturgia de Ariano Suassuna é evocar um mundo mágico e mítico, de entrecruzamentos entre a cultura popular nordestina (principalmente o teatro de mamulengo), a herança ibérica e cânones ocidentais e orientais, nas quais a derrisão é provocada pelo grotesco e pelo exagero cômico. O escritor de origem rural, que se considera o poeta dos povos castanhos do mundo, acentuou no seu teatro a questão do popular (no sentido da tradição que vem de Rabelais). E a dramaturgia mostra que Ariano Suassuna é um mestre em contar história e fazer e rir. (I.M.)

1975-1976; Rio, José Olympio, 1977

O palco contemporâneo é receptivo a dramaturgias de todas as origens. Pós-dramático, pós-teatro ou outros títulos que se queira dar. E foi nessa era de mais aberturas que o encenador Antunes Filho finalmente conseguiu erguer um sonho que vinha acalentando desde 1984, de montar A Pedra do Reino, teatralização de Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta e História do rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da onça Caetana, ambos de Ariano Suassuna. Quaderna revelou suas facetas de decifrador, o astrólogo, o rei e o palhaço com a montagem do Grupo de Teatro Macunaíma e CPT (Centro de Pesquisa Teatral) do SESC, que estreou em 2006 em São Paulo e esteve em cartaz no Recife, no Teatro de Santa Isabel no mês passado. O próprio Ariano comentou que não sabe como reagiria diante da proibição da peça se estivesse no lugar de Antunes e que o encenador paulista teve um gesto de grandeza. Atualmente a relação dos dois é ótima e Antunes faz questão de ressaltar que o romance de Suassuna é a grande obra brasileira, depois de Grande serão: veredas. Mas, além do investimento de Antunes Filho, outra encenação de A Pedra do Reino foi realizada durante a abertura da primeira versão do Festival Recife do Teatro Nacional, em novembro de 1997. Com elenco encabeçado por Aramis Trindade e direção do sobrinho de Ariano, Romero de Andrade Lima, cenário de Dantas Suassuna, a apresentação foi recebida com vaias por um grupo de pessoas, que reclamava de várias coisas, inclusive do resultado artístico da montagem e da verba que foi destinada para essa finalidade. Na platéia estavam a homenageada da noite, a atriz pernambucana Arlete Salles, o então prefeito do Recife, Roberto Magalhães, o secretário de Cultura, Raul Henry, o vice-presidentedaRepública,MarcoMaciel,alémdo próprio Ariano Suassuna, que depois do imbróglio disse que estava se sentindo 20 anos mais moço. Naquela época, Suassuna ocupava o posto de secretário de Cultura do estado, no governo de Miguel Arraes. Mas a idéia para montar A Pedra do Reino para abrir o festival do Recife veio do então secretário de cultura do Recife, Raul Henry, que foi acatado pelaequipedecuradores,daqualfaziam parte, inclusive, um representante da Associação de Produtores e do Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversão de Pernambuco). A polêmica, que é um marco também da história do teatro pernambucano, foi provocada por um grupo formado principalmente por atores, diretoreseprodutoresquediscordavam da política cultural de Suassuna. (I.M.)

● A Onça Castalha e a ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira, Centro de Filosofia e Ciências humanas, UFPE/, 1976

● Emblemas da Sagração Armorial: Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Maria Thereza Didier. UFPE, 2000

Ariano Suassuna - O Cabreiro Tresmalhado. Maria Aparecida Lopes Nogueira, Palas Athena, 2002.

● História de amor de Fernando e Isaura, Rio de Janeiro, José Olympio, 2006

SOBRE O AUTOR ● Ariano Suassuna: um perfil biográfico. Adriana Victor e Juliana Lins. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007 O Mito Ariano. Leon Poliakov. São Paulo. Editora Perspectiva, 1974

ENSAIOS E TESES ● Iniciação à estética - Recife, UFPE/Editora Universitária, 1975; 2002

● Teatro e Comicidades: Estudos Sobre Ariano Suassuna e Outros Ensaios. Organização: Beti Rabetti. 7 (Sete) Letras, 2005.

● As infâncias de Quaderna, Recife, Diario de Pernambuco, 1976-77 (folhetins semanais)

Fernando e Isaura [1956],Recife, Bagaço, 1994 ●

● Ariano Suassuna - Cadernos de Literatura Brasileira, 10. Instituto Moreira Salles, 2000 ● Pai, o Exílio e o Reino: a Poesia Armorial de Ariano Suassuna, Carlos Newton Jr., UFPE, 1999


A

os 12 anos, ele escreveu seu primeiro conto. Já reinava em sua imaginação a fantasia da literatura que permite aos seus leitores alçar vôos por universos desconhecidos. Enquanto devorava os livros da biblioteca do seu pai, via as peças de mamulengo, o desafio dos cantadores e contemplava o tempo da terra da qual nunca se separaria. O sertão era também literatura para Ariano Suassuna. Eles quis ser pintor e escultor. Estudou um pouco de piano. Aos 19 anos, decidiu que era a literatura a sua expressão no mundo. Em todas as formas de arte que escolheu, voltou-se para o princípio. O início de sua história antes mesmo dela ser esboçada. As tradições que existiam antes dos seus antepassados, a memórias dos pais, as lembranças mais sensíveis do menino sertanejo que veio estudar no Recife onde sempre manteve a devoção as suas origens. Aqui fez sua fama. Estudou Direito, conheceu

a elite intelectual local e compôs seus poemas. Travou pelejas, entrou em polêmicas, criou um movimento, articulou produtores e artistas em torno de uma idéia que remonta, afinal, a sua própria trajetória. O deslocamento físico, como o êxodo, é simbólico. Remete à necessidade de sempre olhar para trás como obrigação existencial, como sentido e continuidade da vida. Em sentimento, arte e retórica, Ariano Suassuna esteve sempre fazendo as “pazes” com seu passado. Um defensor da cultura popular que encanta gerações ao mesmo tempo em que faz inimigos ideológicos. Suassuna herda de Gilberto Freyre o posto de “bastião” da tradição. Enquanto Freyre se autobiografava como contraditório, o escritor e criador do Movimento Armorial faz questão de deixar para o futuro a coerência do seu pensamento. É assim que Ariano Suassuna chega aos 80 anos com sua própria mitologia.

Ismar Ingber/ajb/Futura Press

1927 Em 16 de junho, no Palácio da Redenção, sede do governo da Paraíba, nasce Ariano Vilar Suassuna, filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar. Era o oitavo filho de uma família que teria, ao todo, nove herdeiros. Naquela época, a capital paraibana, atual João Pessoa, chamava-se Nossa Senhora das Neves. Então presidente do estado (hoje um governador), João Suassuna pensou em dar à criança o nome de Pedro, mas resolveu homenagear um santo que vivera séculos antes no Egito.

1945 Três anos depois de se mudar de vez para a capital pernambucana, deixando a Taperoá da infância, Ariano Suassuna tem seu primeiro poema publicado: Noturno sai no Jornal do Commercio de 07/10, graças a Tadeu Rocha e Esmaragdo Marroquim. No colégio Oswaldo Cruz, para onde segue depois de estudar no Americano Batista e no Ginásio Pernambucano, fica amigo de Francisco Brennand, seu companheiro de turma. Todos os seus irmãos – Saulo, João, Lucas, Marcos, Germana, Beta, Selma e Magda – agora estão estabelecidos na cidade.

1952 Depois de duas temporadas em Taperoá, para onde fora com o intuito de se curar da tuberculose que contraíra no Recife, Ariano volta a Pernambuco e começa a trabalhar no escritório do jurista Murilo Guimarães. É um jovem advogado que se ladeia a Gastão de Holanda, José Laurênio de Melo, Aloísio Magalhães, outros bacharéis em Direito, e a Orlando da Costa Ferreira, para montar, três anos depois, O Gráfico Amador, uma sociedade que imprimiria cerca de trinta livros em sete anos. O primeiro, a sair em 1955, é Ode, de Ariano Suassuna.

1957 Casa-se com Zélia em 19 de janeiro. Terão seis filhos: Joaquim, Maria, Manuel, Isabel, Mariana e Ana. Auto da Compadecida é encenado no I Festival de Amadores Nacionais, da Fundação Brasileira de Teatro, no Rio de Janeiro e ganha a medalha de ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Ariano vence o prêmio Vânia Souto de Carvalho com O casamento suspeitoso, montada pela Companhia Sérgio Cardoso, com direção de Hermilo Borba Filho, em São Paulo; e a medalha de ouro da Associação Paulista de Críticos Teatrais por O santo e a porca.

1970 Em 18 de outubro, o concerto Três séculos de música nordestina do Barroco ao Armorial e uma exposição de gravura, pintura e escultura lançam o Movimento Armorial. Desde 1969 Ariano se juntara a Capiba, Guerra Peixe, Jarbas Maciel e Clóvis Pereira em busca de uma música erudita nordestina que se amalgamasse a seu teatro; à poesia de Deborah Brennand, Janice Japiassu, Marcus Accioly e Ângelo Monteiro; à gravura de Gilvan Samico; e romance de Maximiniano Campos. Publica poesias inéditas no volume O pasto incendiado.

1975 O prefeito Antônio Farias coloca Ariano como Secretário de Educação e Cultura do Recife, cargo que exercerá até 1978. Pela Editora Universitária, da UFPE, publica Iniciação à estética. Utiliza as páginas do Diario de Pernambuco para publicar os folhetins de Ao sol da onça Caetana, primeiro livro de O rei degolado. A parceria com o Diario segue até 1977, com o fim d’As infância de Quaderna e o início de artigos dominicais (A confissão desesperada). Ainda no Diario, Ariano, em 1981, escreve uma carta pedindo sossego, intitulada Despedida.

2002 A escola de samba carioca Império Serrano escolhe como tema de seu carnaval Aclamação e coroação do imperador da Pedra do Reino Ariano Suassuna. Ele desfila na Marquês de Sapucaí, ao lado de Zélia, da sambista Dona Ivone Lara e do vaqueiro Zeca Miron, de São José do Belmonte. Vem também dessa pequena cidade uma platéia de 150 pessoas, que viajou de ônibus para ver o escritor e participar do desfile. Recebe, ainda neste ano, o prêmio nacional Jorge Amado de Literatura e Arte, concedido pela Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia.

linha do tempo

1930 Tumultos políticos marcam a Paraíba no mês de outubro: o município de Princesa Isabel proclama sua independência e estoura a Revolução de 30. Advogado e deputado federal, João Suassuna era aliado político de João Dantas, que assassina João Pessoa, então presidente da Paraíba, por questões pessoais. Dantas é preso e em seguida encontrado morto na Casa de Detenção do Recife. Farejando o perigo, Suassuna escreve uma carta para sua mulher e, no dia 9, é morto no Rio de Janeiro, com tiro pelas costas. No paletó, o manuscrito endereçado a Rita.

1947 Ariano escreve sua primeira peça de teatro: Uma mulher vestida de sol. O texto conquista o prêmio Nicolau Carlos Magno, do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), nas nunca estréia – só em 1994 seria adaptado para a TV. Concebe Cantam as harpas de Sião, que reescreveria uma década mais tarde, como O desertor de Princesa. Ainda em 47, um ano depois de promover uma cantoria popular no Teatro de Santa Isabel, Ariano começa a namorar com Zélia de Andrade Lima, na festa de aniversário de uma amiga em comum.

1955 No ano anterior, Ariano desistira da carreira na advocacia, literalmente queimando seus livros de Direito, e escrevera O rico avarento, baseado em uma peça de mamulengo. Mas é atendendo a uma encomenda do TEP que ele gradualmente se afasta da seara trágica para incorporar elementos mais cômicos a seu teatro. Surge o Auto da Compadecida, que estrearia em setembro do ano seguinte, para um Santa Isabel sem muito público. “A terceira apresentação foi suspensa. Não tivemos público”, lembraria, anos depois, o autor.

1967 Completa uma década como professor na Universidade Federal de Pernambuco, onde lecionou Teoria do Teatro, Estética e Literatura Brasileira no Centro de Artes e Comunicação e História da Cultura Brasileira no mestrado em História da UFPE. É membro fundador do Conselho Federal de Cultura, do qual fará parte até 1973. No ano seguinte, funda também o Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, que integrará até 1972. E, em 1969, é nomeado diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPE pelo reitor Murilo Guimarães. Ficará no cargo até 1974.

1971 É publicado o Romance d’a pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta pela editora carioca José Olympio; Ariano vinha se dedicando à obra desde 1958. A história narrada por Dom Pedro Dinis Quaderna se passa em 1930, na Paraíba das querelas políticas e picuinhas pessoais, e retoma fatos reais, como a tragédia da Serra do Catolé, onde fica a verdadeira Pedra do Reino. O livro tem 635 páginas e passaria mais de três décadas fora de catálogo, sendo reeditado, somente, em 2004, pela mesma editora. Ainda em 71, A pena e a lei sai pela Livraria Agir (RJ).

1990 Em 9 de agosto, Ariano é empossado como sexto ocupante da cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras, para a qual havia sido eleito um ano antes. Vai à posse com um fardão feito por Edite Minervina, costureira recifense, e com bordados criados por Cicy Ferreira, do Clube das Pás. No discurso, cita Os sertões e Euclides da Cunha. “Se queremos, mesmo, encontrar um caminho para nosso País, temos que segui-lo, levando adiante, na medida das forças de cada um, a chama iluminadora daquele que foi e continua a ser a obra fundamental para o entendimento do Brasil”.


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Os historiadores nos ensinam que a revolução de 30 – aquela que derrubou a “República Velha” – deve seu sucesso ao crescimento da classe média urbana, a ascensão do movimento operário, a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque e a crise do café.

Esses fatores determinaram o sucesso do movimento contra as oligarquias rurais tradicionais e a elite cafeicultora. A política do “café com leite”, que revezava na presidência representantes de São Paulo e de Minas Gerais, nunca mais deu as cartas.

João Pessoa era o “presidente” da província – cargo equivalente ao de governador. Seu principal adversário era o “coronel” José Pereira.

Na guerra de retaliações entre as duas facções, até ameaça de bombardeio aéreo houve.

O estopim da revolução de 30 foi um episódio registrado na Paraíba – a terra natal da família Suassuna. As lutas que antecederam a revolução derramaram rios de sangue nas cidades e propriedades rurais de nossos vizinhos.

O município de Princesas – declarado independente por Pereira – foi cercado e sofreu o “ataque” de um pequeno avião que jogou panfletos sobre os revoltosos com a ameaça terrível.

A batalha em terra causou mais de 600 mortos.

O advogado João Dantas estava entre os aliados de José Pereira. Seu escritório foi invadido pela polícia supostamente em busca de armas. Encontraram, no entanto, outra coisa: a correspondência íntima entre ele e uma professora, Anayde Beiriz.

As cartas ganharam divulgação na imprensa oficial da Paraíba.

Em Recife, no dia 7 de Julho, Dantas acerta dois tiros fatais em João Pessoa...

Kleber Sales e Maurenilson/CB

2007 Pela segunda vez, assume o cargo de Secretário de Cultura de Pernambuco, no governo de Eduardo Campos, neto de seu amigo Miguel Arraes (falecido em 2005). Isso ocorre nove anos depois de se despedir da vida pública e política, em carta publicada nos jornais, para se dedicar ao novo livro. Convoca artistas populares para assessorá-lo na secretaria. Comemora bodas de ouro com Zélia e acompanha as comemorações dos seus 80 anos, que incluem homenagens, novas publicações e a exibição da microssérie A pedra do reino, de Luiz Fernando Carvalho.

Dantas agiu por motivos pessoais. Protestos e revoltas, no entanto, tomaram as ruas das principais cidades do país.

Ele ficou preso na Casa de Detenção do Recife (hoje, Casa da Cultura): em 3 de outubro, apareceu morto na cela. Suicídio, disseram as autoridades. Poucos acreditaram.

...em frente à Confeitaria Glória.

João Suassuna – pai de Ariano – era um aliado de Dantas. Perseguido, teve que rumar para o Rio de Janeiro.

No dia 9 de outubro, foi assassinado com um tiro nas costas.

Agencia O Globo

”Não alimentem, apesar disso, idéia ou sentimento de vingança contra ninguém. Recorram para Deus, para Deus somente.”

Ariano Suassuna tinha três anos na época.

Levava uma carta no bolso do paletó: “Se me tirarem a vida os parentes do presidente J. Pessoa, saibam todos os nossos que foi clamorosa a injustiça – eu não sou responsável, de qualquer forma, pela sua morte, nem de pessoa alguma neste mundo.”

“Foi de meu pai, João Suassuna, que herdei, entre outras coisas, o amor pelo sertão, principalmente o da Paraíba, e a admiração por Euclydes da Cunha.” - disse Ariano.

“Não se façam criminosos por minha causa”. 1995 No terceiro governo de Miguel Arraes, assume a Secretaria de Cultura do Estado, onde ficará até 1998. Dentro do programa de trabalho, cria o conceito de aulaespetáculo, que o levaria a percorrer teatros, escolas, congressos e centros culturais do país inteiro, às vezes acompanhado de uma trupe de músicos e dançarinos, outras vezes sozinho. Festeja cinco décadas de vida literária e, ao participar da III Cavalgada à Pedra do Reino, é coroado Cavaleiro da Pedra do Reino. Da UFPE, de onde se aposentara desde 1989, recebe o título de professor emérito.

“Posso dizer que, como escritor, eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino que, perdendo o pai...passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte...”

“...através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da lembrança, dos depoimentos dos outros, das palavras que o pai deixou.“

Concepção e arte: Christiano Mascaro Texto: Renato L

João Suassuna – mesmo depois de morto – foi julgado e inocentado. Até hoje, Ariano refere-se à cidade de João Pessoa apenas como...

A capital.


Envolvido com as artes plásticas desde a juventude, Ariano também imprimiu originalidade às suas incursões pelo território da ilustração

D

iferente de outros escritores brasileiros, Ariano Suassuna tem a visualidade diretamente associada a sua obra literária. Além da sugestão de imagens nos textos em si, com a valorização de descrições e a construção de situações narrativas perfeitas para adaptações teatrais e cinematográficas, ele sempre se preocupou em traduzir nas artes visuais as referências presentes nos livros que escreveu. Cercado desde a juventude por artistas plásticos de sua geração, a exemplo de Gilvan Samico e Francisco Brennand, com quem colaborou, e participante ativo de movimentos como O Gráfico Amador, Suassuna também levou a público desenhos e gravuras de sua própria autoria, em muitos casos essenciais para o melhor entendimento de seu universo. Apesar de pintar, ele nunca fez uma exposição de pinturas, mas ilustrou pessoalmente as páginas de A Pedra do Reino e ainda tornou famosas suas iluminogravuras, confeccionadas com um estilo próprio e original. Ariano admite que chegou a pensar em ser artista plástico, mas desistiu quando conheceu Brennand, alguém que realmente estava mergulhado nessa idéia. Mesmo assim, em 1980, resolveu começar a expor, quando lançou uma primeira série de iluminogravuras, chamada Sonetos com mote alheio, com poemas emoldurados por figuras. A expressão iluminogravura, criada pelo escritor, vem da união entre as palavras iluminuras (forma de arte medieval) e gravuras. Nelas, estão presentes características européias da Idade Média associadas a marcas de estilo dos gravadores do foclore nordestino, como os cordelistas. O pesquisador Carlos Newton Júnior, que prepara um livro sobre o Ariano Suasuna artista plástico, analisa essa produção no ensaio O pai, o exílio e o reino (Editora da UFPE). As iluminuras medievais, principalmente da Europa Ocidental, produzidas em mosteiros de impérios como o carolíngeo (Carlos Magno), se manifestam nas iluminogravuras em detalhes como as molduras ornamentadas, a diagramação simétrica horizontal e vertical, a divisão das imagens em quadros separados e as caixas de textos no centro das figuras. Das gravuras nordestinas, Ariano Suassuna reproduz os traços fortes e grossos, a ausência de detalhismos excessivos, a liberdade anatômica e angular (personagens e animais estão sempre de frente ou de la-

do, sem perspectivas diagonais ou efeitos de tridimensionalidade), as cores puras e o preenchimento uniforme, em alto contraste, sem meios tons, sombreamentos ou clareamentos gradativos. Outra característica bastante presente são os contornos duplicados, que criam um espaço neutro entre as figuras e o fundo. Elas provocam uma sensação de destacamento dos objetos, que ficam mais individualizados e lançados ao primeiro plano. Esse recurso ainda reforça a idéia das partes separadas que formam um conjunto quando distribuídas no espaço. As marcas inspiradas nos ferros quentes de marcar bois, usados pelas famílias rurais para identificar seu gado, são mais uma presença recorrente nas gravuras de Ariano, a começar pelo símbolo que representa os Suassuna. A partir delas, o escritor criou a tipografia do Alfabeto Sertanejo, síntese entre texto e imagem, formado por todas as letras romanas ornamentadas por serifas e prolongamentos em forma de setas, semicircunferências e cruzes. Por ser a heráldica (estudo dos brasões, bandeiras e escudos) um dos interesses do movimento armorial, Ariano Suassuna leva para seus desenhos a gramática visual das agremiações culturais e clubes, que, no Brasil, com estandartes, insígnias e uniformes, seriam o equivalente iconográfico dos reinos europeus. A cultura indígena e pré-histórica brasileira está representada nas iluminogravuras pelas figuras inspiradas na arte rupestre com que Ariano estava acostumado a conviver devido a sítios arqueológicos paraibanos como a Pedra do Ingá e o Lajedo de Pai Mateus. Em A Pedra do Reino já aparecem os personagens e figuras que depois seriam desenvolvidos e bastante repetidos nas iluminuras, como as onças, os cavalos, os pássaros, o sol, a lua, a chuva de sangue, os castiçais e algumas plantas e flores, além das criaturas bestiais e mitológicas, como os grifos e outros mamíferos e répteis alados com os dentes à mostra, presentes tanto no imaginário do homem nordestino quanto dos ibéricos. No romance, as gravuras são creditadas ao personagem Taparica Pajeú-Quaderna (ou seja, simulam algo feito no Brasil do século 19) e fazem parte da história, como pode ser constatado nas legendas que explicam os contextos e situações fictícias de confecção de algumas delas. (J.C.)

N

uma edição de setembro de 2000 do Diario, Ariano Suassuna refletia sobre a adaptação cinematográfica de Auto da Compadecida, que dois dias antes tivera uma pré-estréia no Recife, com a presença do diretor Guel Arraes, do elenco e dele próprio: "Se eu tivesse feito concessões, minha obra tinha se vulgarizado e talvez não obtivesse esse êxito. Se eu tivesse deixado que meus trabalhos fossem para a televisão sem respeitar minha essência de escritor, eu vendia a alma e não ganhava o corpo". A sinceridade que norteava tais declarações é, ainda, onipresente quando o escritor se refere a todas as versões, fílmicas e televisivas, inspiradas em seus escritos. Dos Autos anteriores, o escritor destacava elementos específicos: “Gostei da visão plástica da primeira e do ritmo rápido da segunda”. É certo que, em 1987, quando Roberto

CARACTERÍSTICAS ARTESANALIDADE // Ariano desenha as figuras quase sempre de frente ou de lado, sem ousadias de perspectiva, rigor anatômico ou detalhismos excessivos. Essa simplicidade está em referências como as xilogravuras dos folhetos de cordel e também na arte medieval.

EMBLEMAS // Marcas de ferro quente usadas para identificar a quem pertence o gado também fazem parte do universo visual do Ariano artista plástico. Ele chegou a criar um alfabeto inteiro inspirado nas características desses símbolos que representavam as famílias pecuaristas.

O auto da Compadecida DIAGRAMAÇÃO // Há um forte preocupação com a simetria nas gravuras de Ariano. Ele sempre equilibra as imagens a partir de eixos perpendiculares horizontais e verticais, algo presente tanto nas iluminuras da Idade Média quanto nas capas das gravuras do cordéis nordestinos.

(Brasil, janeiro de 1999/setembro de 2000) Direção: Guel Arraes. Com Matheus Nachtergaele (João Grilo), Selton Mello (Chicó), Fernanda Montenegro (Compadecida), Marco Nanini (Severino)

A microssérie é exibida pela Globo em janeiro/1999, com suas


Renato Rocha Miranda/Divulgação

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Adaptações de textos de Ariano para o cinema e a TV popularizaram seu nome sem trair a sua essência de escritor, quase sempre com obras que vão além da mera versão

Farias abordou Ariano com o intuito de levar Os Trapalhões para o reino da Compadecida, o autor ficou um pouco temeroso. Mais tarde, contudo, enalteceu a inclusão de Antônio Madureira, o Zoca, como responsável pela trilha sonora do longa, assim como mais de dez anos depois elogiaria a participação do Sa Grama na música da versão de Guel – e confessaria que Rogério Cardoso e Matheus Nachtergaele personificaram a essência de seus personagens: "Com certeza, foi o melhor padre e o melhor João Grilo que eu já vi". Auto da Compadecida de Guel Arraes é tido por muitos estudiosos e teóricos como uma obra que redefine as fronteiras entre cinema e televisão. O professor e crítico pernambucano Alexandre Figueirôa atentava para a multiplicidade da obra de Guel. “O roteiro é um excelente exemplo de transposição bem sucedida de um texto teatral para a tele-

Columbia Pictures do Brasil/Divulgação

visão. Por conta disso, Guel não hesitou em aceitar a proposta para rodá-la em película 35 mm. Para o diretor, não existem grandes diferenças entre a linguagem da TV e do cinema em muitos produtos audiovisuais”. Assim também pensa o professor, pesquisador e teórico paulista Arlindo Machado. Para ele, Guel atingiu, com o Auto, a desejada simbiose entre as linguagens, preconizando uma alteração nas relações entre cinema e TV: ”Ele foi o primeiro, no Brasil, que percebeu essa mudança”. O mesmo se costuma dizer das adaptações do cineasta carioca Luiz Fernando Carvalho, que verteu para a televisão as peças Uma mulher vestida de sol, A farsa da boa preguiça e O romance d´A pedra do reino “A idéia de adaptação me parece sempre redutora. O que busco é uma espécie de resposta aos textos, uma reação criativa à leitura e à literatura”, explica.

Ele observa um caminho percorrido desde Uma mulher vestida de sol, de 1994: “Uma mulher vestida de sol e A farsa da boa preguiça estão repletos de inocência e de um amor verdadeiro em relação ao universo armorial. Trago comigo, vistas assim à distância, autocríticas e observações que nos ajudam a pensar o que estamos fazendo agora. Também já não sou mais aquele jovem e minha própria história altera meu olhar. Não me sinto mais alegre ou triste por conta disso, apenas sinto que um mundo de novas coordenadas entra em cena, o que torna este nosso novo encontro, ao mesmo tempo, uma continuação ou, se preferir, uma troca de olhar mais no fundo dos nossos olhos. Isso sim é A pedra do reino". A reverência que Luiz Fernando destina a Ariano é recíproca; o escritor sempre louva o encontro com o diretor. "Eu fui procurado pela primeira vez pela televisão nos anos 60

e não permiti porque não me davam as garantias de que meu texto não seria deturpado. Trinta anos depois, mais precisamente em 1994, permiti porque eu fui procurado por um jovem diretor com quem me entendi imediatamente, Luiz Fernando Carvalho. Trabalhei com ele na adaptação de Uma mulher vestida de sol e ele fez um belíssimo trabalho”. E Luiz Fernando Carvalho confessa que planeja, sim, uma outra incursão ao universo armorial de Ariano Suassuna: “Direi apenas Fernando e Isaura. Conheço toda a obra e imagino a força do que ainda está por vir. Ariano é um norte, como um sol, que ilumina e revela a força de nosso sangue e de nossa arte. Em nome de todos que participaram de A pedra do reino, eu agradeço e reafirmo o nome de Ariano, mestre do Brasil. Criador de um imaginário tão imenso e coeso, fulminante, que tanta luz lança sobre o país”. (L.V.)

Embrafilme/Divulgação

Os Trapalhões no auto da Compadecida (Brasil, 1987) Direção: Roberto Farias. Com Renato Aragão (João Grilo), Dedé Santana (Chicó), Mussum (Jesus/sacristão), Zacarias (padeiro).

Releitura da saga de João Grilo e Chicó com o humor cativante dos Trapalhões. Embora Didi e cia. tenham conquistado o público (o filme teve cerca de 2,6 milhões de espectadores no país e chegou a ser exibido em Portugal), um dos trunfos do diretor Roberto Farias (Pra frente Brasil) é o elenco coadjuvante, com destaque para José Dumont (cangaceiro Severino) e Raul Cortez (major). Na trilha sonora, Antônio Madureira; na fotografia, Walter Carvalho.

A farsa da boa preguiça (05/12/1995) Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Laura Cardoso e Ary Fontoura.

Mais um Brasil especial. Joaquim Simão é cordelista, preguiçoso, pobre e malandro; sua mulher, Nevinha, é devota religiosa e dedicada à família. Aderaldo Catacão e Clarabela mandam nessa pequena cidade nordestina, mas, mesmo casados, resolvem se apaixonar por Nevinha e Simão. O programa encerrou a série Casos especiais, criada pela Globo em 1971 com a proposta de adaptar escritores brasileiros ou exibir histórias originais em episódios de 1 hora de duração. histórias enfeixadas em quatro capítulos. Em setembro/2000, vira filme. Os pernambucanos Virginia Cavendish, Aramis Trindade e Bruno Garcia estão no elenco, que tem ainda Paulo Goulart e Lima Duarte. Marco Nanini brilha na pele de Severino e Nachtergaele e Mello encarnam, com alegria, a esperteza de Grilo e Chicó. Recorde de público nacional em 2000: mais de 2 milhões de pagantes.

A compadecida (Brasil, 1969) Direção: George Jonas. Com Armando Bógus (João Grilo), Regina Duarte (Compadecida), Antônio Fagundes (Chicó).

Primeira versão cinematográfica de um texto de Ariano, o filme foi rodado no Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano, em Fazenda Nova. Quem dirigiu foi o húngaro George

Jonas (que encerraria aí sua carreira atrás das câmeras); os cenários eram da arquiteta Lina Bo Bardi, italiana radicada no Brasil, que projetara o Masp. Lançado em DVD pela Alpha Filmes em 2006, o longa trabalha com as mesmas situações da peça: o enterro do cachorro, o gato que descomia dinheiro, a mulher do padeiro.

Uma mulher vestida de sol (12/07/1994) Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Tereza Seiblitz e Raul Cortez

A primeira peça de Ariano é levada ao ar como um Brasil especial, dentro da Terça nobre, na Rede Globo. Numa única noite, uma guerra entre amor e morte, honra e incesto, aloja-se no seio de uma família. Mesmo recriando o ambiente em estúdio, o diretor atinge um resultado delicado, com a luz e a cenografia envolvendo os personagens e o telespectador

O santo e a porca (26/12/2000) Direção: Maurício Farias. Com Marco Nanini, Rogério Duarte, Leandra Leal.

Com roteiro da pernambucana Adriana Falcão, a peça foi transposta como um especial da série Brava gente. Nanini e Duarte arrancam risos como, respectivamente, Euricão e Eudoro, um comerciante e um fazendeiro que se enredam em fios de confusão quando uma carta escrita por Eudoro é mal interpretada por Euricão e termina colocando filhas, irmãs solteiras, pedidos de casamento e jovens apaixonados no mesmo saco.

A pedra do reino (12-16/06/2007) Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Irandhir Santos, Cacá Carvalho, Luiz Carlos Vasconcelos.

Em cinco capítulos, as idas e vindas de Dom Pedro Dinis Quaderna, que se diz rei, poeta, imperador da Pedra do Reino, profeta e palhaço, são recontadas com dezenas de personagens. Filmada entre outubro e dezembro de 2006, em Taperoá, cidade no Sertão do Cariri, Paraíba, berço da infância de Suassuna, a microssérie tem o toque autoral de Carvalho e a mesma equipe das duas jornadas de Hoje é dia de Maria, como o diretor de arte Raimundo Rodriguez.


Defesa intransigente do ideário armorial e postura assumidamente dogmática vêm colocando Ariano no centro de grandes embates ideológicos desde os anos 70

“A

Juliana Leitao/DP

de uma linguagem escrita fragmentada (James Joyce) e o silêncio concretista dos pósmodernos (John Cage). Podia ser elitista, conservador, retrógrado. Suas polêmicas se acirraram, no entanto, quando Ariano, entrou em confronto com o tropicalismo nos anos 70. “No meu entendimento, o Movimento Tropicalista era um movimento derrotista, porque eles se acovardavam diante da visão que os meios de comunicação de massa, principalmente os americanos, estavam instalando no homem latino-americano”, afirmou Ariano em depoimento presente no livro Emblemas da sagração Armorial, da pesquisadora Maria Thereza Didier. O músico Aristides Guimarães, um dos autores do manifesto Por que somos e não somos tropicalistas, ainda acredita que a postura de Ariano é fundamentalista. “Eu o acho xiita. Ele sempre se envolve em polêmica com quem não tem a mesma opinião que a dele. Quem o melhor conceitou até hoje foi Jomard Muniz de Brito que tem uma idéia de transformálo no imperador da cultura brasileira”, diz. O jornalista Celso Marconi hoje se dá muito bem com o escritor, mas, na década de 70, ambos se confrotaram em embates publicados nos jornais pernambucanos. Certo dia, no Teatro TPN, Ariano pegou o jornalista, que estava sentado junto a esposa, e lhe tascou dois tapas na cara: um para o próprio Celso e o outro para Jomard. “Nós já superamos isso. Ele é uma pessoa de muito valor”, de-

clara. A agressão ocorreu após uma crítica de Marconi ao filme O auto da Compadecida. De 1981 a 1987, Ariano retirou-se dos holofotes da mídia. Mas continuou defendendo a ferro e fogo seu ideal armorial. Nos anos 90, ganhou o desafeto das gerações mais jovens para as quais o cosmopolitismo era adotado não apenas como estratégia política de negociação cultural mas como uma apreensão inerente à condição social pós-moderna. Para essa geração, o armorial era visto como algo anacrônico por não satisfazer as “verdadeiras” necessidades de uma cultura popular atravessada pelas leis de mercado. Mas Ariano continuava entoando o mesmo brado de toda a sua vida. “No que uma coisa ruim como o rock pode valorizar uma coisa boa como o maracatu?", perguntou o escritor, numa entrevista publicada pelo Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, em 2000. Nessa época, o principal antagonista de Ariano Suassuna foi um dos líderes do manguebeat, Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre S A. Para Ariano, Fred 04 compôs a música O Ariano e o Africano na qual ironiza: “ Há quatro séculos a alma humana tem sido um motor da inquietação, da resistência, da transgressão. O negro sempre quis sair do gueto, fugir da opressão fazendo história, ganhando o mundo com estilo. Mas é o ariano que ignora o africano ou é o africano que ignora o ariano?" (C.L.)

FRED 04 (E) E CHICO SCIENCE FORAM OS PRINCIPAIS ANTAGONISTAS DO ESCRITOR NOS ANOS 90

Abril ProRock/Reprodução

EdvaldoRodrigues/DP

riano é uma pessoa encantadora. Querida, estimada. Tem a maior glória de um artista que é ser amado e celebrado em vida”, conceitua o escritor Ronaldo Correia de Brito. Com um discurso oral apaixonante, Ariano cativa, sem dúvida, seguidores e admiradores em suas entrevistas e através das aulas-espetáculo. Esse mesmo discurso guarda um dogmatismo que para muitos pode ser insuportável. Por questões pessoais, políticas e estéticas, muitos foram o que se envolveram em polêmicas com Ariano que, de fato, numa esteve muito distante das disputas e embates ideológicos em torno da cultura popular, principalmente. O ator e jornalista José Pimentel lembra que nos anos 1950, a hostilidade ao Auto da Compadecida era grande. “Participamos do Festival Nacional de Amadores, no Rio de Janeiro, e ganhamos a medalha de ouro. Ariano foi saudado como gênio. Durante a viagem, só pensávamos em chegar aqui, porque lá fomos endeusados. Foi a nossa vingança”, lembra Pimentel que afirma ter sido a temática regionalista um dos motivos de crítica à peça do escritor. O que não se pode negar é que Ariano sempre foi um artista que nunca deixou de admitir a influência dos cânones numa época em que o campo cultural via surgir as conseqüências das vanguardas plásticas (Andy Warhol), as diversas dimensões do teatro do absurdo (Samuel Beckett), as contradições

Ex-alunos compartilham a mesma reverência pelo mestre, elogiado pela incrível capacidade de transformar programa didático em espetáculo “Ariano era um professor daqueles que ninguém perde uma aula. Ele passava a teoria sempre brincando, conseguia aprofundar várias questões em torno da estética sem perder o lado lúdico. Era uma espécie de professor-brincante”. O jornalista, produtor e ator Manoel Constantino reserva ao professor Ariano Suassuna um lugar especial na sua memória afetiva. É uma visão carinhosa que ele compartilha com a maior parte dos alunos que já conheceram essa faceta do autor do Auto da Compadecida. A carreira de professor de Ariano começou em 1956, quando passou a ensinar Iniciação à Estética na Universidade Federal de Pernambuco. Deu aulas durante mais de três décadas: só se aposentou em 1994. Foi na UFPE onde foi no-

meado, em 1969, diretor do Departamento de Extensão Cultural e defendeu, em 1976, a tese de livre-docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira. Nas salas de aula, conquistou a simpatia de alunos como Márcia De Carli de Paula Medeiros, hoje responsável pela área comercial da Usina Petribu. Seu depoimento - assim como o de Constantino - ilustra a capacidade desse “professor brincante”. “Eu entrei - conta Márcia - em Química, mas já no primeiro mês procurei Ariano, porque tinha ouvido falar da fama dele como uma pessoa cujas aulas eram muito interessantes. Assisti a muitas aulas dele como ouvinte. Posso dizer, depois de concluir vários cursos e fazer três pósgraduações, que ele, sem dúvida, foi o melhor pro-

fessor que já tive na vida. Ariano faz você gostar das coisas, esse é o papel mais relevante dele como professor. Foi uma experiência de vida maravilhosa”. O professor-brincante não encerrou a carreira com a aposentadoria, porque continua a encantar alunos através das aulas-espetáculos. Costuma dizer que suas aulas podem ser de três tipos. A primeira “completa”, com dançarinos e músicos exemplificando as lições. A segunda “reduzida”, com ele e, em geral, apenas um acompanhante.

A terceira, reduzidíssima: apenas ele no palco. A aula-espetáculo é uma oportunidade única de defrontar com as várias paixões de Ariano: sua veia circense, a capacidade de contar histórias, a obsessão em defender a cultura popular. O formato está, novamente, no centro de sua atuação como secretario da cultura, agora no governo Eduardo Campos.

Ariano Suassuna tinha 31 anos quando o renomado crítico literário César Leal leu seus poemas. Encantando com a poética do dramaturgo que já fazia sucesso com o Auto da Compadecida, César Leal escreveu um importante ensaio sobre o autor intitulado Fontes clássicas e populares das Odes de Ariano Suassuna. No texto, é possível observar tanto as referência clássicas e os diálogos mantidos entre o escritor e suas influências quanto a

constante poética de Suassuna em toda a sua obra. O argumento de César Leal, que o saúda com entusiasmo, é essencial para a compreensão de uma literatura entrecortada pelos elementos estilísticos, estéticos e filosóficos com os quais a poesia se constitui como linguagem. “Não tenho dúvida de que o Auto da compadecida é uma obra poética: a legítima configuração de um símbolo artístico”, defende o crítico.

Embora seja pouco reconhecido como poeta, Ariano tem uma produção significativa que, se não o acompanhou como poeta propriamente dito, marcou sua forma de ver, entender e explicar seu universo. Tecnicamente, César Leal, em texto presente na coletânea Dimensões poéticas da poesia, destaca o apuro do, à epoca do ensaio, jovem autor. “O que mais admira ao analista na poesia de Ariano Suassuna é o seu domínio técnico. Parece que des


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Thereza Eugenia/Divulgação

tre o de “fora” e o de “dentro” são rigidamente demarcadas. Por outro, ele encontraummovimentodemodernização conservadora com um projeto nacional – nem que seja como disfarce ideológico – embutido. É assim que a aproximação torna-se possível. O quadro é outro a partir da década de 80. A globalização e a revolução tecnológica levam ao colapso a modernização conservadora. A direita abandona suas veleidades nacionalistas e instala o “paraíso” neo-liberal sobre a terra. Em meados dos 90, “pensar a “nação” como projeto transforma-se numa tarefa que a esquerda exerce solitariamente. Ariano (re)encontra, aí, o único espaço onde a defesa do nacional/popular pode ser exercida com ressonância. Para Anco Márcio Tenório Vieira, professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambucano, essa inflexão permite uma hipótese incômoda: “um mesmo projeto cultural que serviu para um período de exceção serve também para um governo democrático de esquerda? Se a resposta é sim, há algo de estranho nisso tudo. A esquerda estaria acatando um projeto monocultural que fora o mesmo da direita autoritária porque, mudando o que deve ser mudado, esquerda e direita no Brasil se assentam nos mesmos princípios autoritários, na mesma idéia de uma sociedade que deve aspirar à unidade, e não numa sociedade que vê no conflito o sinal da sua saúde”. Há, claro, algo de esquemático no quadro traçado acima. Ainda assim, é uma abordagem que ressalta os danos que a hagiografia ou o biografismo oficial em voga trazem à compreensão da vida e da obra de um intelectual do porte de Ariano Suassuna. (R.L.)

Arquivo/DP

Ariano Suassuna chega aos 80 anos transformado em (quase) unanimidade nacional. Cineastas e encenadores consagrados colocam-no no mesmo patamar de um Guimarães Rosa. Programas de televisão baseados em suas obras ganham lugar de destaque na grade da principal emissora do país. Grande contador de causos, ele encanta platéias de todas as idades com as aulas-espetáculo. A data especial inibe ainda mais as eventuais vozes discordantes. É uma pena: a sua produção intelectual e trajetória de homem público carregam uma complexidade e uma riqueza a que não faz jus o ruído monótono e bem-comportado dos aplausos em uníssono. Tome-se como exemplo sua carreira pública. Ariano foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura, que integrou de 1967 a 1973, e do Conselho Estadual de Cultura, de 1968 a 1972. Entre 1975 e 1978, ocupou o cargo de secretario de Educação e Cultura do Recife. Nos últimos 15 anos, virou secretarioestadualdeculturaemduasocasiões: no último governo Arraes (94-98) e no atual governo Eduardo Campos. Uma olhada rápida é suficiente para percebermos uma inflexão evidente: encontramos o funcionário de governos ligadosàditaduramilitare,maistarde,oherói do campo popular e socialista. Essas idas e vindas são produtos das contradições do projeto nacionalista de Ariano Suassuna e de setores importantes da sociedade brasileira. Seu contato com os governos militares se dá numa conjuntura especial: de um lado, a politização crescente do Movimento de Cultura Popular e o projeto neo-antropofágico do Tropicalismo chocam-se com uma visão da arte onde o “belo” é o elemento primordial e as fronteiras en-

ESCRITOR GANHOU FAMA EM SALA DE AULA, CONQUISTANDO A SIMPATIA DE ESTUDANTES AO LONGO DE MAIS DE TRÊS DÉCADAS NOS QUADROS DA UFPE

de muito jovem as formas de expressão clássicas têm sido por ele exercitadas com rigor”, argumenta. O domínio da linguagem encontra seu eco no domínio do tema ao qual Suassuna recorre com regularidade para compor suas poesias. Há aproximações delicadas com a literatura de cordel e com as formas mais tradicionais da poesia européia, sobretudo das formas greco-latinas. Ariano também se apro-

xima dos românticos alemães, Holderlin e Heine por exemplo, quando evoca os elementos naturais que caracterizam o seu território específico: o sertão. Da magia de suas composições telúricas à riqueza dos personagens que assim lhe parecem como reflexão e homenagem. “Em Ariano Suassuna, a poesia não é somente intuição, imaginação, sensibilidade e fantasia; tampouco é confidência romântica, êxtase místico ou o profun-

do da digestão de certos opiáceos. Sendo professor de estética, conhece melhor as leis que fundamentam a vida de um símbolo artístico”, conclui César Leal. O professor e pesquisador Carlos Newton, em O pai, o exílio e o reino: a poesia armorial de Ariano Suassuna, foi um dos poucos que se debruçaram na academia sobre esse tema. A academia, aliás, tem se preocupado mais com a ideologia do armorial do que com a

estrutura estilística que compõe as obras do seu ideólogo. Nesse livro, é possível, no entanto, ter uma visão original e sensível do pensamento de Suassuna. Newton amplia o entendimento da poesia do escritor a partir da caracterização da presença de um sentimento trágico da vida. “O sentimento trágico da vida resulta disto: consciência da própria condição humana, a desvelar o abismo que separa homens e deuses”.


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Raimundo Carrero (escritor)

Jaqueline Maia/DP

Gil Vicente/DP

“Quando saí da banda {Carrero foi saxofonista do grupo de Jovem Guarda Os Tártaros}, a primeira idéia que eu tive foi escrever um romance. Aí me tranquei no apartamento do meu irmão, na Torre, e escrevi um romancezinho chamado Grande Mundo em Quatro Paredes. Depois procurei Ariano, de quem me tornei um grande amigo até hoje. Ele me deu uma resposta, no dia em que levei o livro pra ele ler, que eu nunca mais esqueci. Eu cheguei e disse assim: ‘Seu Ariano, será que o senhor pode ler o primeiro livro meu?’ Ele disse - e veja que resposta arretada - ‘eu vou ler o livro, sim, mas, se eu não gostar, significa que eu não gostei, não significa que não presta. Não fique preocupado com minha opinião’. E aí, quando voltei outro dia, ele disse que o escritor ‘era muito bom, mas o gramático era incompetente’. Resultado: ele me indicou alguns livros, eu voltei pra casa e fui estudar, fui me dedicar.”

Sérgio Campelo (músico)

“Eu conheci Ariano aos 18 anos, ou seja, muito jovem, ainda era um adolescente, quando ele me convidou para integrar o Quinteto Armorial. Tive um impacto muito grande ao conhecê-lo. Desde então a sua presença tanto na minha vida de artista quanto na pessoal só foi crescendo. Trabalhamos juntos várias vezes e a nossa amizade sempre se dilatando. Eu não teria receio de dizer que, mesmo a minha visão do mundo, tem influência de Ariano. Acho que Ariano é a representação mais bem-acabada do arquétipo do pai que a nação brasileira já teve…a obra dele que mais me toca é A Pedra do Reino. Eu concordo com ele quando ele diz que a obra na qual ele mais se aproximou de expressar o seu mundo interior foi A Pedra do Reino.”

O Movimento Armorial influenciou bastante o meu trabalho. Quando o movimento surgiu, eu já observava, já consumia, através da influência dos meus pais. A influência passou, depois, para a minha história de músico: fui integrante do Quarteto Romançal, fiz a trilha sonora da minissérie da Globo baseada em O auto da Compadecida, escrevi as composições para a adaptação teatral de Fernando e Isaura. Com Ariano, o nordestino começou a se enxergar melhor. Quando você vai criar uma trilha para uma peça, você fica completamente íntimo da obra, porque você tem que ler e reler inúmeras vezes para entrar no seu universo sonoro. Fernando e Isaura me marcou muito. É como se fosse o Tristão e Isolda do Nordeste.

Ricardo Fernandes/DP

Antônio Carlos Nóbrega (músico)

Maria Paula Costa Rêgo (coreógrafa) Costumo dizer que minha história com Ariano tem duas partes. A primeira aconteceu na adolescência através da amizade com Mariana, uma de suas filhas. Nesse momento, conheci o pai (que logo adotei para mim), compreensivo, contador de casos e, apesar de ser o centro de todas as atenções, era um homem discreto e de uma palavra só. A segunda ocorreu anos depois quando já nem morava mais no Brasil. Deparei-me com o artista. Foi em 1989, quando li pela primeira vez o Romance d´A Pedra do Reino. Estava trabalhando na Tunísia e um conhecido brasileiro me trouxe um velho exemplar para eu ler. Todos os dias a leitura daquelas páginas me dava um enorme prazer. Havia algo nelas de grandioso e belo que me faziam sentir brasileira e além. Faziam-me grande. Essa relação que estava sendo tecida entre eu e o livro não era uma cumplicidade de cenários e sim uma cumplicidade de sentimentos, pensamentos e símbolos. Era tão universal ao mesmo tempo que específico! Essa leitura dirigiu meus olhos de volta a Ariano e iniciou uma cumplicidade estética que dura até nossos dias. Não somente as obras de Ariano me inspiram na busca por uma linguagem de Dança Armorial, mas seus textos e entrevistas também. Pelo contexto em que o Romance d´A Pedra do Reino caiu em minhas mãos e sua perfeita alquimia entre popular e erudito é o que mais me influencia enquanto criadora.

Deborah Brennand (poeta) Ariano foi quem primeiro descobriu a minha poesia, casualmente, até. Ele estava em nossa casa e, um dia, nós estávamos fazendo uma brincadeira e ele disse: “cada um escreva uma frase” e aí eu escrevi uma frase: “certa vez eu encontrei um peixe”. Então, Ariano tirou essa frase e disse: “quem foi que escreveu isso?”. Eu disse: “fui eu”. Então ele disse: “você é poeta? Você é poeta!”. Aí eu disse: “não, não, não!.” Então, minha filha disse: “ela faz poesia e esconde!”. E Ariano disse: “você não vai esconder isso de mim, não é, Deborah?”. Aí eu comecei a mostrar, mostrei essa poesia para ele. Ele, então, me estimulou muito. Inclusive, me ajudou a selecionar os poemas do meu primeiro livro. Na verdade, eu conheço Ariano desde a época da faculdade. Sempre foi um rapaz de muito valor, muito engraçado, a quem eu considero uma pessoa extraordinária, um amigo a quem prezo muito e admiro.

Teresa Maia / DP

DIARIO DE PERNAMBUCO Diretora de Redação: Vera Ogando Edição: Lydia Barros Reportagem: Carolina Leão / Ivana Moura / Júlio Cavani / Luciana Veras / Renato L Coordenação: Ivana Moura Projeto Gráfico: Christiano Mascaro Diagramação: Osmário Marques e Christiano Mascaro Arte: Greg e Christiano Mascaro Edição de Fotografia: Otavio de Souza

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A tipografia (Armorial) utilizada neste caderno foi desenvolvida pelos designers pernambucanos Ricardo Gouveia de Melo e Giovana Caldas


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