Et1 multimodalidades e leituras

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Angela Paiva Dionisio (organização)

Série Experimentando Teorias em Linguagens Diversas

Multimodalidades e Leituras Funcionamento cognitivo, recursos semióticos, convenções visuais Angela Paiva Dionisio I Leila Janot de Vasconcelos I Maria Medianeira de Souza

Pipa Comunicação Recife - 2014


O trabalho Série Experimentando Teorias em Linguagens Diversas de Angela Paiva Dionisio, Pibid Letras UFPE e Pipa Comunicação foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercialSemDerivados 3.0 Não Adaptada. Com base no trabalho disponível em http://www.pibidletras.com.br. Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://www.pibidletras.com.br.

Imagem da Capa Relicário 6. Série Relicários de Sebastião Pedrosa. 1998. Fotografia de Fred Jordão (Imago). Gentilmente cedida para a Série Experimentando Teorias em Linguagens Diversas. CaPa, Projeto Gráfico e DIAGRAMAçÃO Karla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicação - www.pipacomunica.com.br) EQUIPE PIBID LETRAS UFPE Ágnes Christiane de Souza Anne Caroline Araújo de Lima Andréa Silva Moraes Angela Paiva Dionisio Bibiana Terra Soares Cavalcanti Cássia Fernanda de Oliveira Costa Daniella Duarte Ferraz Débora Xavier Lavarene Sampaio Elilson Gomes do Nascimento Felipe de Oliveira Bezerra Getulio Ferreira dos Santos Hellayne Santiago de Azevedo

João Alberto Barbosa de Gusmão Juliana Serafim dos Santos Larissa Ribeiro Didier Lucille Maia Batista Leila Janot de Vasconcelos Maria de Lourdes Cavalcante Chaves Maria Eduarda Souza Gonçalves Maria Medianeira de Souza Mariana Bandeira Alves Ferreira Raquel Lima Nogueira Renata Maria da Silva Fernandes Saulo Batista de Souza

Catalogação na publicação (CIP) Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo D592 Dionisio, Angela Paiva. Multimodalidades e leituras: funcionamento cognitivo, recursos semióticos, convenções visuais / Angela Paiva Dionisio [org.]. - Recife: Pipa Comunicação, 2014. 80p. : Il.. (Série experimentando teorias em linguagens diversas) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-66530-28-5 1. Língua Portuguesa. 2. Linguística. 3. Multimodalidade. 4. Leituras. I. Título. 410 CDD 81 CDU c.pc:01/14ajns


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO REITORIA Anísio Brasileiro de Freitas Dourado PRÓ-REITORIA PARA ASSUNTOS ACADÊMICOS Ana Maria Santos Cabral COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL DO PIBID - UFPE Sérgio Ricardo Vieira Ramos COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DO PIBID - UFPE Eleta Freire CHEFIA DO DEPARTAMENTO DE LETRAS José Alberto Miranda Poza COORDENAÇÃO DO SUBPROJETO PIBID LETRAS - UFPE Angela Paiva Dionisio GRADUANDOS PIBID LETRAS Ágnes Christiane de Souza, Anne Caroline Araújo de Lima, Bibiana Terra Soares Cavalcanti, Cássia Fernanda de Oliveira Costa, Daniella Duarte Ferraz, Elilson Gomes do Nascimento, Hellayne Santiago de Azevedo, Felipe de Oliveira Bezerra, Getúlio Ferreira dos Santos, Juliana Serafim dos Santos, Larissa Ribeiro Didier, Lucille Maia Batista, Maria Eduarda Souza Gonçalves, Maria de Lourdes Cavalcante Chaves, Mariana Bandeira Alves Ferreira, Raquel Lima Nogueira, Renata Maria da Silva Fernandes SUPERVISORES PIBID LETRAS Débora Xavier Lavarene Sampaio (Escola Professor Leal de Barros) Saulo Batista de Souza (Escola Senador Novaes Filho) COLABORADORES PIBID LETRAS Andréa Silva Moraes (Mestrado PG Letras-UFPE, NIG – UFPE) Leila Janot de Vasconcelos (Neuropsicóloga, NIG – UFPE) Maria Medianeira de Souza (Professora Departamento de Letras, NIG – UFPE)


Volume 1

Multimodalidades e Leituras: funcionamento cognitivo, recursos semióticos, convenções visuais Paris. ilustração de Karla Vidal


Sumário 09 APRESENTAÇÃO Multimodalidades, leituras e três histórias que se cruzam: uma apresentação

13 INTRODUÇÃO 19 Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

23 Funcionamento neuropsicológico e aprendizagem 32 Linguagem, língua e leitura

41 Capítulo 2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

43 Multimodalidades, multiletramentos: situando conceitos 50 Historiando (um pouco) os estudos multimodais 64 Convenções visuais e leitura

71 Considerações finais



Multimodalidades, leituras e três histórias que se cruzam: uma apresentação Universidade Federal de Pernambuco, final dos anos 1990, começo dos anos 2000. Apesar de frequentarmos turmas diferentes, vivenciávamos uma realidade bastante parecida. Éramos três alunos recém-chegados ao curso de Letras, cheios de planos e expectativas, mas ainda sem muita noção concreta do que nos aguardava. Será que iríamos aprofundar nossos conhecimentos de análise sintática? Destrinchar ainda mais as classes morfológicas? Quem sabe praticar a conjugação de verbos exóticos? Mal sabíamos naquela época o quão distantes esses questionamentos estavam do percurso que acabamos efetivamente trilhando em nossas vidas acadêmicas. A guinada para encontrarmos o caminho que de fato desejávamos percorrer não se deu, é certo, de uma hora para outra. Assim como tantos alunos – e mesmo alguns professores – do curso de Letras, estávamos acostumados a pensar o nosso objeto analítico como sendo estritamente o texto verbal, a partir do qual seriam produzidos estudos fonéticos, lexicais, morfossintáticos e, quando muito, semântico-pragmáticos. Ilustrações, fotos e gráficos, aliados a recursos de composição e impressão, como tipo de papel, cor, diagramação, etc. – todos esses elementos essenciais à compreensão do texto eram então tidos como meros adornos, passíveis só de comentários pontuais e ‘a título de curiosidade’. 9


Apresentação

É claro que, naquele momento, não era sequer discutida a noção de multimodalidade. Contudo, Angela Dionisio – na época, nossa professora de Língua Portuguesa –, com sua postura inovadora e de importância fundamental para a referida ‘virada’ em nosso percurso acadêmico, já apresentava, em um livro discutido em sala, questões como: “a leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido – seja escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento” (Martins, 1997, p.33). No cenário atual, já se pode observar um terreno fértil para as discussões em torno desse tema, o que vem motivando cada vez mais pesquisadores a enveredarem por essa seara e contribuírem para a reflexão desse complexo processo de construção de sentidos que é a leitura. É o caso de Medianeira de Souza, que, da posição de orientanda de Angela, passou a também orientar trabalhos nessa área, pontuando a importância da gramática sistêmico-funcional hallidayana para os estudos multimodais. Além disso, como não poderia deixar de ser, essa nova agenda estimula a reflexão sobre o papel da escola nesse processo, de como o ensino da leitura passa a se configurar e de como se dá o processamento cognitivo de textos salientemente multimodais. É nesse sentido que o diálogo com áreas de conhecimento afins se torna ainda mais necessário, sendo de grande importância reflexões como as da neuropsicóloga Leila Janot de Vasconcelos. Por tudo isso, Multimodalidades e Leituras: Funcionamento cognitivo, recursos semióticos, convenções visuais, escrita por Angela Dionisio, Leila Janot

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de Vasconcelos e Medianeira de Souza, mais do que oportuna para os dias de hoje, é uma obra indispensável para todos os linguistas, analistas do discurso, professores e estudantes que lidam no seu cotidiano com textos dos mais variados gêneros, apresentando modos semióticos cada vez mais complexos, interativos e sofisticados. No Capítulo 1. Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura, as autoras tomam como ponto de partida o filme À primeira vista, para discutir a relação entre o funcionamento neuropsicológico e a aprendizagem. As pesquisadoras defendem que o professor, numa situação de aprendizagem, ao lançar mão de recursos semióticos para a construção de gêneros textuais em usos didáticos, tem que considerar fatores como o funcionamento neuropsicológico do aprendiz, bem como as funções neuropsicológicas subjacentes e envolvidas nesse contexto específico. Ao longo do capítulo, procura-se compreender então que fatores são passíveis de serem concebidos como facilitadores do processo de construção de uma aprendizagem significativa. No Capítulo 2. Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura, as estudiosas, dando continuidade à reflexão sobre leitura e aprendizagem, salientam a importância do desenvolvimento de multiletramentos, dado o caráter multimodal dos textos. Em razão disso, as autoras discutem essa intrínseca relação entre multiletramentos e multimodalidade, situando esses conceitos e apresentando um breve percurso histórico dos estudos multimodais, o que é realizado também por meio de análises de textos de 11


Apresentação

configurações diversas. É discutida, ainda, a importância das convenções visuais como elementos que atuam diretamente na organização social das comunidades e, consequentemente, dos gêneros textuais por elas produzidos. O domínio desses códigos convencionais é apresentado, portanto, como um dos aprendizados a serem desenvolvidos em contexto escolar, contribuindo para que os estudantes compreendam textos produzidos a partir de múltiplas linguagens. Dessa forma, Multimodalidades e Leituras tem o mérito de discutir, de modo conciso e objetivo, alguns dos principais temas relacionados às práticas de leitura de textos multissemióticos – um assunto que ainda necessita ser bastante difundido, sobretudo entre o público brasileiro. Por fim, não podemos deixar de concluir a nossa narrativa inicial acerca do nosso percurso acadêmico. Bom, hoje nós três somos (quase) todos doutores – Nadiana está em vias de conclusão do curso – e todos trabalhamos com multimodalidade. O convite para fazermos esta Apresentação, além de ser uma honra, celebra nossa caminhada por essa área, agora com passos mais firmes de profissionais realizados, e anuncia novos meandros por percorrer, ainda como jovens cheios de planos e expectativas. Recife, dezembro/2013

Leonardo Mozdzenski, Paloma Borba e Nadiana Lima

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 3.ed. São Paulo, Brasiliense, 1997.

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Introdução

“Quando crianças, nossos primeiros livros tinham muitas figuras e pouquíssimas palavras, por ser ‘mais fácil’ assim. À medida que crescemos, fomos lendo livros com muito mais texto. Figuras, só ocasionais... até que, finalmente, chegamos aos livros ‘de verdade’... aqueles sem figura alguma.” (McCloud, 2005:140, grifos do autor).

Esta citação descreve uma postura tradicional que permeou, por muito tempo, a prática de leitura em nossa sociedade (será que não encontramos ainda em alguns contextos este julgamento?), ao mesmo tempo em que deixa transparecer conceitos essenciais relacionados às atividades de leitura como recursos semióticos, multimodalidade, desenvolvimento cognitivo etc. Na citação de McCloud, a relação palavra–figura atrela a formação do hábito de ler ao desenvolvimento cognitivo. Se situássemos esta relação numa linha do tempo de desenvolvimento escolar, teríamos como ponto de partida, os alunos do ensino fundamental, nas séries iniciais, ou seja, aqueles leitores para quem ‘as figurinhas’ devem se fazer presen-

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Introdução

tes ao lado das palavras, ou devem até prevalecer na constituição dos textos, pois facilitam a leitura. Já na outra extremidade, local onde devem estar os adultos, os graduandos na academia, a ausência ‘das figurinhas’ é quase obrigatória nos textos, pois revela a “maturidade” do leitor. Livros sem imagens são, então, ‘os livros de verdade’; consequentemente, leitores ‘de verdade’ são aqueles que são capazes de lê-los. Ora se tal crença ainda norteasse nossa postura metodológica, se tal crença fosse verdade, teríamos que, no mínimo, ao nos tornarmos adultos com a pretensão de sermos aceitos como leitores proficientes, renunciarmos aos avanços tecnológicos e aos textos produzidos pelas mídias tecnológicas. Ainda seguindo nesta nossa linha do tempo, entre as duas extremidades, que são livros para crianças (com imagens) e livros para adultos (sem imagens), estariam os jovens, ou seja, os alunos regulares do ensino médio. Como deveriam ser, então, os livros para eles? Qual seria a quantidade ideal de palavras e imagens em textos para tais leitores? Como aferir quantidade de palavras e imagens no processamento textual? Aliás, isto é possível? Talvez a pergunta mais pertinente e adequada aqui seja: quais as orientações para compor um texto em que haja palavras e imagens? Não há uma resposta única, visto que a relação palavra–imagem não é tão simples. Precisamos, inicialmente, decidir de que ângulo iremos olhar para esta relação e com que finalidade. Se estamos nos reportando às imagens em livros de literatura, temos que avaliar, por exemplo, a relação da imagem com o gênero (é um livro de narrativas? é um livro de poemas? é um livro de adivinhas?), qual a função das imagens na construção do livro? Se o livro é de natureza didática, devemos ter uma noção clara das convenções das linguagens, dentre elas a fotografia, o desenho, as linhas, para ciências como a Biologia, a Matemática, a História, a Química etc. Observar a cumplicidade entre gênero textual, linguagens e áreas do conhecimento é fundamental, visto que gráficos, tabelas, mapas, desenhos anatômicos, por exemplo, apresentam convenções que vão além das do sistema linguístico. São con-

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venções que, como vimos, compõem os gêneros, integrandos os aspectos textuais, espaciais e gráficos em diferentes mídias. McCloud (2005, p.194-195) ainda nos lembra de que todas as mídias são um subproduto de nossa incapacidade de comunicação mente a mente. Triste, é lógico, porque quase todos os problemas da humanidade surgem dessa incapacidade. Cada Meio de Comunicação serve apenas como uma ponte entre as mentes. A mídia transforma pensamentos em formas que podem atravessar o mundo físico, reconvertendo-os por um ou mais sentidos de novo em pensamentos. Nos Quadrinhos, a conversão segue da mente pra mão, pro papel, pro olho, pra mente. (grifos do autor).

As linguagens empregadas neste processo vão depender dos suportes dos textos, pois é, justamente, no texto onde os modos (imagem, escrita, som, música, linhas, cores, tamanho, ângulos, entonação, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.) são realizados. “Num ambiente digital, os quadrinhos podem assumir praticamente qualquer tamanho e forma, conforme o mapa temporal – seu DNA conceitual – crescer na nova placa.”, ressalta McCloud (2005, p.223, grifos do autor). Se voltarmos o nosso olhar para a leitura dos quadrinhos, lembramos das considerações de Ramos (2013, p.107-108): “a medida que o leitor amadurece, é preciso registrar que há obras voltadas a este público, prontas para serem descobertas.” Importante que salientemos não apenas os recursos tecnológicos envolvidos que entram no processo de significação, tudo está permeado pelas emoções dos interlocutores, pois tudo como lembra o neurologista Oliver Sacks, em Janela da Alma:

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Introdução

Assista a cena: Janela da Alma: [00h42’37’’ a 00h44’24’’] Para assistir: http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/ trechos-em-video-serie-verbetes-enciclopedicos/

“Todos nós somos criaturas emocionais. E creio que todas as nossas percepções, as nossas sensações e experiências são carregadas de emoção, de emoção pessoal. Acredito que a emoção fique, por assim dizer, codificada na imagem.”

Retomamos aqui a noção de materialidade dos modos que constituem as nossas interações, assim como salientamos o fato de estarem conectados com o nosso corpo e sentidos. Embora “a sensorialidade não seja um ponto forte da maioria das pesquisas multimodais, o corpo e seus sentidos definitivamente afastam a multimodalidade das abstrações das teorias linguísticas do século XX e permitem consideração das respostas corpóreas e da fisicalidade no domínio do significado.” (cf. fonte: http:// multimodalityglossary.wordpress.com/) Os conteúdos que constituem este volume são apresentados em dois capítulos: no primeiro, Linguagem, funcionamento cognitivo e leitura, noções relativas a essas três importantes atividades são mostradas e comentadas, focando mais especificamente a relação intrínseca e indissociável entre funcionamento neuropsicológico e aprendizagem, e

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entre linguagem, língua e leitura de modo a comprovar não só a interdependência entre essas atividades humanas e sociais, como também sua relevância para o ensino-aprendizagem, bem como para a vida de todos nessa sociedade cada vez mais tecnológica e diversificada no que diz respeito à leitura. No segundo capítulo, Multimodalidade, convenções visuais e leitura, essas noções são abordadas centrando-se os conceitos de multimodalidade e multiletramentos; na história dos estudos multimodais; nas definições de convenções visuais e sua relação com a leitura e a compreensão, tudo isso atrelada à noção de gêneros textuais. Esse painel comentado de forma interligada oferece ao leitor uma percepção clara do papel desses aspectos da significação nas diversas formas de interação das quais tomamos parte cotidianamente.

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura O filme À primeira vista (1999), baseado em Tempo de Despertar de Oliver Sacks, conta a história de um rapaz que ficou cego na infância, mas que não considera a sua cegueira como um problema. Ele vive muito bem com essa condição, trabalha, mora sozinho e é auxiliado pelo seu cão guia. Um dia, porém, ele se apaixona por Amy, uma jornalista que o convence a fazer uma nova cirurgia, com um método, um tratamento especial. A cirurgia é um sucesso e ele volta a ver, mas passa a enfrentar alguns problemas, tais como ter dificuldades com (i) a noção de espaço e distância (ele esbarra nos móveis, em carros), com (ii) a noção de identificação dos objetos e das pessoas pela visão, ele fazia pelo tato (cenas em que ele não confunde os talheres, por exemplo), não identifica as pessoas (confusão entre a namorada e a irmã), pois ele reconhecia as duas pela voz, pelo cheiro e não pelos rostos delas. Vejamos algumas cenas do filme: À primeira vista: [55’48” - 56’46”] Cena 1: Identificando objetos (uma lata de refrigerante Coca-cola) logo após a cirurgia, no quarto do hospital. http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos/

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Jen: Que podemos fazer? Virgil: Ponha algo na minha mão. (Amy pega uma lata de refrigerante e entrega para ele.) Virgil: Certo. Médico: Agora, use seu senso de tato, só associe. O que vê à sua frente? Use seu tato. Virgil: É a lata. Médico: Certo, certo. Jen: O que está acontecendo? Médico: Ele está associando. Seus dedos dizem ao cérebro, o cérebro diz aos olhos, e aí ele reconhece o que está à sua frente.

À primeira vista: [1:00:17 – 1:00:46] Cena 2: Identificando a irmã (Jen), confunde-a com Amy (a namorada) http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos/

Virgil: Amy? Jen: Não, é a Jen. Virgil: Então esta é você. Jen: Esta sou eu.

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Após recuperar a visão, o personagem passou a viver num mundo em que as suas noções de objetos, distâncias, foram alteradas. Ele precisa reaprender a dar significado ao novo mundo, a exemplo de uma criança. Porém com um agravante: em sua memória já existe o registro de uma forma de ler, de interagir com o mundo. Já existem outras significações, outra forma de enxergar o mundo. A imensa quantidade de imagens com a qual ele passa a conviver de repente requer um processo árduo de adaptação. Vejamos duas das cenas que representam essa adaptação:

À primeira vista: [1:09:01 – 1:10:20] Cena 3: O médico mostra uma revista com a maçã e pergunta se é uma imagem ou a própria fruta. http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos/

Médico 2: O que é isto? Virgil: É... é uma maçã. Uma maçã. Médico 2: Ótimo. Ótimo. Agora você ganhou o forno elétrico. Certo... O que é isto? Virgil: É uma maçã. Médico 2: Certo, mas é uma maçã ou apenas uma foto de uma maçã? Virgil: Certo. Então, isto é uma piada, certo? O que está dizendo, que meus olhos mentem?

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Médico 2: Bem, sua visão pode e irá pregar peças em você. Não importa o que eu possa ensiná-lo, não importa os exercícios que eu possa lhe dar, eles ainda vão pregar peças em você. Precisa aprender a confiar em seus instintos. Virgil: Eu não tenho instinto... Meu instinto é fechar os olhos e sentir como posso sair do seu consultório. Médico 2: É o instinto de autopreservação... mas você tem outros. Olha, Virgil, precisa aprender a ver da forma como aprendeu a falar. Percepção, visão, vida, tudo é experiência, tudo é sair e explorar o mundo por si mesmo. Não basta só ver... tem que olhar, também.

À primeira vista: [1:32:33 – 1:33:04] Cena 4: Aprendendo perspectiva. http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos/

Amy: Virgil! Ei, Virgil! Virgil, cuidado! Cuidado! (Um carro quase atropela Virgil, ele desvia rapidamente.) Amy: Jesus, o que estava fazendo?! O que está fazendo?! Virgil: Estava olhando o táxi enquanto chegava bem perto. Isso é perspectiva. Amy: É, mas vai acabar se matando se fizer isso no meio da rua. Virgil: Não quis assustá-la. Sinto muito.

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A memória humana tem essa capacidade de guardar, armazenar, recuperar informações etc. Numa situação de aprendizagem, o professor, ao recorrer aos recursos semióticos na construção de gêneros textuais para uso didático, deve levar em conta os diversos fatores envolvidos, dentre eles, aqueles ligados ao funcionamento neuropsicológico do aprendiz, às funções neuropsicológicas subjacentes e envolvidas na específica circunstância de aprendizagem, além da própria qualidade do material utilizado, uma vez que as práticas e intervenções associadas ao ser humano são, assim como ele, extremamente complexas. O que buscamos é, como profissionais envolvidos com a educação e com a linguagem, compreender os fatores que podem ser considerados facilitadores do processo de aprendizagem para que se possa utilizar os recursos disponíveis, a fim de construir uma aprendizagem significativa.

Funcionamento Neuropsicológico e Aprendizagem

Conhecimento compartilhado BUNZEN, Clecio e MENDONÇA, Márcia (orgs.). Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola, 2013. Na perspectiva na Neuropsicologia, aprender envolve, necessariamente, o funcionamento cerebral. É uma construção, um processo pessoal e intransferível. Há um refinado sincronismo entre como o cérebro se desenvolve, o que modela seu crescimento e maturação e a sua capacidade cognitiva. As estruturas e as conexões do cérebro são esculpidas por numerosas influências ambientais e biológicas. Como o centro do pensamento, emoção,

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planejamento e autorregulação, o cérebro passa por um longo processo de crescimento e de refinamento que tem continuidade ao longo da vida. Este desenvolvimento é mais intenso na infância, passando pela adolescência e pelo adulto jovem e, continuando, através de diferentes fases de desenvolvimento e mudanças, por toda a vida adulta. O sistema é adaptativo. Em sua evolução constante, o cérebro muda as características das interconexões (número e intensidade), em função da experiência adquirida pela interação com o ambiente. A maneira como usamos nosso complexo sistema cerebral torna-se um fator crítico para o refinamento das funções neuropsicológicas e da personalidade, à medida que crescemos e nos desenvolvemos. Isto significa, portanto, que todas as nossas interações sociais possibilitam mudanças, podem promover desenvolvimento, refinamento em relação à forma de responder à demanda da vida cotidiana. Assim, os seres humanos se diferenciam por terem uma estrutura distinta, fruto das interdependentes e contínuas interações sociais, mas são iguais em sua forma de organização. Ou seja, todos nós temos, por exemplo, cérebro, mas cada um de nós tem uma estrutura cerebral distinta, um funcionamento peculiar. Por outro lado, os processos biológicos de organização, desenvolvimento e maturação cerebral são semelhantes aos diversos indivíduos. É, justamente, esta concepção de estrutura distinta que permite pensar sobre a história de vida de um ser humano em particular. Pensar sua história, compreender seu processo de desenvolvimento, identificar sua forma de funcionamento, discernir formas de intervenção, vislumbrar possibilidades de crescimento, permite, portanto, hipotetizar uma condição variada em termos de maior ou menor capacidade de atendimento às demandas sociais. A capacidade de aprendizagem engloba, segundo a Neuropsicologia, o processamento de informações – codificação, orga-

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nização, armazenagem e evocação – e este processamento depende da estrutura e funcionamento cerebral, este último resultante do nível operacional das funções neuropsicológicas, tais como atenção, memória, percepção, linguagem, funções executivas e inteligência. A Neuropsicologia, campo de conhecimento que visa relacionar cognição e comportamento com atividades do sistema nervoso, em condições normais e patológicas, por meio do estudo de redes neuronais, utiliza-se de conhecimentos de anatomia, fisiologia, psicologia, psiquiatria e neurologia, entre outras áreas (cf. Nitrini, 1996, apud Lopes, 2006: 9). Esta ciência objetiva estudar como os indivíduos adquirem, transformam e usam as informações sensoriais por meio de manipulação de símbolos ou imagens mentais e como a capacidade resultante influencia a conduta e as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. A cognição humana compreende os processos e produtos mentais (consciência, inteligência, pensamento, imaginação, criatividade, elaboração de planos e estratégias, resolução de problemas, inferência, conceitualização e simbolização etc.), através dos quais percebemos, conhecemos, concebemos e transformamos o mundo. Um dos pontos de conexão entre esta noção de cognição e os estudos de gênero, na perspectiva dos Estudos Retóricos do Gênero (ERG), que pode ser vislumbrado, recai no fato de o gênero se construir através das nossas interações sociais em situações específicas, possibilitando, assim, atribuir sentido ao meio social. Ou seja, o gênero constitui atividade humana à medida que, por suas próprias convenções ideológicas e retóricas, a organiza, a regula, a estrutura (cf. Bawarshi e Reiff, 2010; Bazerman, 2005, 2006, 2007; Artemeva, 2008). Ao elaborarmos um texto, como um artigo científico ou um capítulo de livro, como este, fatores de diversas naturezas estão imbricados, como: o convite para escrevê-lo; o tempo disponível das autoras e a data prescrita pelos organizado-

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

res; como nos identificamos como autoras (as circunstâncias são motivadoras? estamos felizes com o processo? quais argumentos vamos construir no texto e como vamos orquestrá-los? para quem escrevemos? etc.); as pesquisas e anotações, as escolhas linguístico-discursivas1 (além do estilo de cada autora e das especificidades de linguagem das áreas – Neuropsicologia e Linguística); a manutenção ou não da estrutura formulaica ‘capítulo de livro acadêmico’ e a responsabilidade pelas escolhas feitas; a busca por um interlocutor para discutir nossos problemas de escrita; “a história social da multivocalidade” (Bazerman, 2007, p.61) das autoras; as experiências pessoais de escrita de cada autora; o planejamento da estrutura do texto; as consequências sociais do ato de tornar o texto público; etc. A complexa atividade mental, na produção de um gênero, abarca aspectos do contexto externo, assim como é por eles auxiliada. Durante a entrevista “Gêneros Textuais”, com Carolyn Miller e Charles Bazerman (2011), o pesquisador salienta a necessidade de se investigar a interação entre cognição e gênero, e acrescenta: “A pesquisa sobre o cérebro sugere sua plasticidade e seu crescimento ao longo da vida. Além disso, em cada evento, o cérebro se configura diferentemente em torno do evento e em torno do contexto percebido. Portanto, penso que chegou o momento certo de refletirmos sobre como a tipificação de gêneros e outras maneiras ordenadas de responder ao nosso ambiente social, material e histórico influenciam a cognição. O gênero é um conceito importante a ser levantado nessa arena.” (www.nigufpe.com.br)

1. “As formas linguísticas são tipificações sociais de que dependemos para moldar nossos significados em formas socialmente transmissíveis. Ao usar a linguagem comum, realizamos nossos pensamentos em termos compartilhados. Na medida em que trabalhamos para usar os significados que requerem formas menos comuns ou para usar configurações de formas incomuns, damos mais trabalho aos leitores para seu reconhecimento e interpretação do incomum.” (Bazerman, 2007, p.49).

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Diante de tal observação, podemos questionar se não estaria a noção de tipificação dos gêneros textuais para a noção de percepção de categorias de Goldberg. Para o autor, “a percepção de categorias, a capacidade de identificar exemplares únicos como membros de categorias genéricas, é uma capacidade cognitiva fundamental, sem a qual teríamos sido incapazes de lidar com o mundo à nossa volta” (Goldberg, 2002: 89).

A organização genérica que fazemos nos contextos sociais em que nos inserimos não seria resultado desta nossa capacidade? O nosso letramento não demandaria do exercício desta nossa capacidade cognitiva? Ao compreendermos gêneros como “fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas” (Bazerman, 2005:32) não estaríamos identificando os exemplares textuais específicos, únicos, a desempenharem determinada função social? A inadequação do uso de um gênero textual pode acarretar danos sociais, como por exemplo, a apresentação de um IPVA vencido a um policial de trânsito gera uma penalidade ao motorista ou a sua substituição por um IPTU atualizado também é inadequada. Portanto, a nossa familiaridade com os gêneros textuais no processo de aprendizagem não faria parte desse processo de (re)categorizações contínuas. E, desse modo, não poderia tal tipo de conhecimento ser um grande aliado do professor? Isso porque fazemos projeções cognitivas constantemente com base em padrões regulares, recorrentes em situações sociais, e isto é um aspecto essencial na aprendizagem. Ao longo da nossa vida, em situações de aprendizagem – através do uso de gêneros textuais, motivação, estado emocional, vida escolar, interações com o meio ambiente, condição orgânica, estado de saúde – vamos moldando e refinando o nosso próprio funcionamento neuropsicológico, construindo um específico apa-

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

Figura 01 - Funcionamento neuropsicológico

rato cognitivo. Aprender é um processo inerente ao ser humano, mas cada indivíduo aprende de uma determinada maneira, dependendo do seu estilo cognitivo, do seu funcionamento neuropsicológico e de cada uma das funções neuropsicológicas envolvidas. A Figura 1 – Funcionamento Neuropsicológico – demonstra as funções neuropsicológica O funcionamento neuropsicológico como um todo resulta da atuação das várias funções neuropsicológicas. Cada função tem que ser vista na sua especificidade e na sua contribuição no funcionamento como um todo. No momento em que um aluno está assistindo a uma aula, na qual o professor está usando recursos semióticos com fins específicos, alguns fatores neuropsicológicos subjacentes e necessários à aprendizagem estão em processo. A adequação do conteúdo, material, metodologia não garante que

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todos os alunos irão aprender da mesma maneira, conseguirão entender e armazenar as informações. A codificação, compreensão e retenção dependem da condição neuropsicológica de cada pessoa: isto é, funcionamento neuropsicológico diferente, aprendizagem diferenciada. De acordo com a configuração do funcionamento neuropsicológico, teremos capacidades de aprendizagem diferenciadas e, paralelamente, de acordo com a estratégia de ensino utilizada, conseguiremos armazenar mais ou menos informações ou conseguiremos reter mais informações de uma maneira mais fácil, mais rápida e mais prazerosa. O objetivo do ensino seria, portanto, criar estratégias eficientes que possam atingir um grande leque de estilos cognitivos, possibilitando experiências significativas de aprendizagem, que permitam quer a ampliação de conhecimentos, quer o desenvolvimento de níveis de funcionamento cognitivo mais eficientes em relação à demanda da vida cotidiana. O processo de aprendizagem envolve a compreensão, a significação do conteúdo, assim como a retenção das informações entendidas, para que possam ser utilizadas em outras ocasiões e em outros contextos” (Vasconcelos e Dionisio, 2013, p.47-52).

Vasconcelos e Dionisio (2013, p.47-52) exemplificam as funções neuropsicológicas no processamento da leitura, tomando por base em uma questão apresentada no ENEM 2010. Vejamos:

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

Figura 02 - questão do ENEM 2010. Disponível em http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2010/AZUL_Domingo_GAB.pdf. Acesso em 26 mar. 2012.

Segundo pesquisas recentes, é irrelevante a diferença entre os sexos para se avaliar a inteligência. Com relação às tendências para áreas do conhecimento, por sexo, levando em conta a matrícula em cursos universitários brasileiros, as informações do gráfico asseguram que: a) os homens estão matriculados em menor proporção em cursos de Matemática que em Medicina por lidarem melhor com pessoas. b) as mulheres estão matriculadas em maior percentual em cursos que exigem capacidade de compreensão dos seres humanos. c) as mulheres estão matriculadas em percentual maior em Física que em Mineração por tenderem a trabalhar melhor com abstrações. 30


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d) os homens e as mulheres estão matriculados na mesma proporção em cursos que exigem habilidades semelhantes na mesma área. e) as mulheres estão matriculadas em menor número em Psicologia por sua habilidade de lidarem melhor com coisas que com sujeitos. As autoras fazem os seguintes comentários sobre a proposta da questão:

“o enunciado do problema é constituído por texto escrito, apresentação da situação problema e alternativas de respostas, e um gráfico, extraído da revista Superinteressante. A estrutura da questão exige familiaridade, por parte do estudante, com estes dois gêneros textuais específicos, que são o tipo de questão de compreensão e o gráfico. Para responder ao comando dado no enunciado, o aluno deve primeiro compreender as relações entre texto verbal e os dados gráficos fornecidos no gráfico (Os textos colocados à direita – Eles tendem a usar a cabeça para lidar com coisas inanimadas e abstrações. Por isso são maioria nos cursos de exatas e à esquerda – E elas têm mais habilidade em compreender as pessoas e emoções. Então dominam as carreiras que têm a ver com isso são dispensáveis ao processo de resolução). Observamos, portanto, que o processo de resolução do problema envolve: (i) linguagem: ler (identificar, compreender e relacionar os dados do enunciado), (ii) atenção: focalizar e manter a atenção nos dados e na tarefa a executar, (iii) memória de trabalho: manter os dados, distribuídos no enunciado, na mente enquanto relaciona estes mesmos dados para chegar às conclusões necessárias, (iv) memória de longo prazo: utilizar a aprendizagem e conhecimento anterior em relação à leitura de um gráfico e formas de relacionar os dados dos dois

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

eixos de informação, (v) habilidades visuo-perceptivas: trabalhar com os dados do enunciado, considerando-os em termos de percepção e organização espacial – eixo direito e esquerdo, linha divisória com as informações abaixo e acima da mesma, (vi) funções executivas: iniciar a atividade, identificar o raciocínio necessário à resolução, formular um plano de ação e estabelecer os passos a serem seguidos, manter a atenção e raciocínio até a conclusão da tarefa, flexibilidade mental para levantar outra hipótese de trabalho caso a primeira não atenda à demanda da proposta, monitoramento da própria atividade para assegurar que todas as etapas estejam atendidas, verificação entre o resultado obtido e a solicitação do problema.”

Linguagem, língua e leitura Estamos nos centrando em situações de aprendizagem em que os alunos sejam leitores fluentes, isto é, leitores que reconheçam os signos, palavras ou não, com facilidade e rapidez, uma vez que a familiaridade com o lido mantém uma relação com o processo de compreensão. Por isso, precisamos rever as orientações metodológicas, visto que os dados do IDEB revelam que, apesar dos esforços governamentais despendidos, nossos alunos do ensino médio continuam a apresentar baixo desempenho nas avaliações nacionais e internacionais, em relação à compreensão de enunciados2. Para intervir adequadamente no sentido de aprimorar a formação do leitor na escola básica, é necessário compreender alguns aspectos teóricos do próprio

2. Não cabe neste capítulo, nem é o nosso propósito uma discussão sobre a natureza de tais avaliações. Para aprofundar tal discussão, indicamos a leitura de Bonamino, Coscarelli e Franco (2002) e Marcuschi (2006).

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Multimodalidades e Leituras

processo de compreensão, como as noções de linguagem e língua. Tais conceitos subsidiam o processo de compreensão, entendido aqui no contexto de aprendizagem, guiado por princípios da Linguística, mais especificamente os estudos dos gêneros textuais, e da Neuropsicologia. Como sabemos, linguagem e língua não são sinônimos. A linguagem humana é a capacidade que temos de transformar ideias em signos que possibilitam a interação com o outro. Esta capacidade humana envolve, como já ressaltamos, o uso de todos os sistemas de signos convencionados e percebidos pelos sentidos, não apenas o linguístico. Para Gil (2010: 2-3), “se o ser humano pode conhecer o mundo e nele agir, é graças a um funcionamento coordenado dos recursos cognitivos e às múltiplas conexões que o cérebro tece, não só entre os dois hemisférios3, mas também no interior de cada hemisfério, desenhando uma rede complexa, articulada de uma ponta à outra da neuraxe. Inúmeros vínculos são tecidos entre a cognição, a afetividade, a sensitividade e a motricidade”.

O conhecimento que construímos, lembra Goldberg (2002:89), “acerca do mundo exterior é multimídia por natureza. Podemos evocar a imagem visual da copa verde de uma árvore, o som de suas folhas movidas pelo vento, o aroma de suas flores desabrochadas e a sensação de aspereza da casca em nossos dedos.’’

Continua o autor afirmando que, apesar das representações de coisas e eventos terem “múltiplas modalidades sensoriais”, algumas são “mais dependentes de certas modalidades sensoriais do que de outras” (2002:90).

3. Esta noção será desenvolvida no item Linguagem neste capítulo.

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

Um exemplo pode ser demonstrado com os verbos “visualizar” e “mentalizar”, os quais remetem para o processo de conceber, sem ver, uma imagem mental de algo. Segundo Goldberg (2002: 90), se pedirmos a alguém para descrever um objeto, a probabilidade é de que a descrição se restrinja à aparência do objeto, e só depois, se insistirmos, “ele falará do som, do cheiro ou do tato. (...) Ao mesmo tempo, as representações mentais de ações físicas – andar, correr, bater – são menos visuais e mais motoras e táteis/ proprioceptivas por natureza.”. Consequentemente, agimos na sociedade através do uso de diversas linguagens. No entanto, todos nós agimos mais especificamente através de um sistema linguístico adquirido na rede social com a qual interagimos. Ao falarmos, colocamos em conexão indivíduos, linguagens, cultura e sociedade, isto porque, cada vez que falamos, informamos muito ao nosso interlocutor sobre nós mesmos: tanto sobre a individualidade como sobre os grupos (étnico, nacional, social) a que julgamos pertencer. Bortoni-Ricardo (2004: 48) acrescenta que, “além da rede social com que o indivíduo efetivamente interage, devemos considerar também o seu grupo de referência, pessoas com quem esse indivíduo não interage fisicamente ou por meio de recursos como Internet, telefone, etc., mas tem como modelo para sua conduta. Geralmente esse grupo de referência é escolhido pela experiência vicária, isto é, a experiência que o indivíduo adquire assistindo novelas de televisão, filmes, ou ouvindo relatos”.

É, pois, através da língua, atividade cognitiva, sócio-interativa e sócio-histórica, que manifestamos nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossa identidade, nossos desejos etc. “A língua se manifesta no seu funcionamento na vida diária, seja em textos triviais do cotidiano ou prestigiosos e canônicos que persistem na tradição cultural” (Marcuschi, 2008:65), isto é, em gêneros textuais. Quando

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Multimodalidades e Leituras

pensamos em investigar a linguagem humana, devemos nos atentar a campos cognitivos diversos, como o biológico (a linguagem tem sua predisposição biológica), o perceptual (as diversas capacidades sensoriais) e o conhecimento de práticas sociais (a linguagem relaciona-se com os aspectos históricos e sociais). Aqui, estamos tomando o termo linguagem como um sistema semiótico cujas formas de representação se constituem em modos semióticos. Ao focarmos os estudos do sistema linguístico, não devemos perder este enfoque funcional, que prioriza o domínio cognitivo que envolve os usos culturais, históricos, ideológicos dos signos. (Vasconcelos e Dionisio, 2013, p.44-47). Como já afirmamos, a linguagem humana4 pode ser entendida, de forma ampla, como uma herança social, uma prática cultural, que permite aos seres humanos (re)elaborar uma vasta quantidade de conceitos e princípios e a possibilidade de um contínuo crescimento e desenvolvimento cognitivo. Estudos, pesquisas e avaliações neuropsicológicas, em se tratando da linguagem e aprendizagem, trabalham, principalmente, investigando o funcionamento do processo de compreensão. Isto é, o ato de compreender um texto e de expressar o que compreendeu são inter-relacionados e constituem uma condição essencial de uma situação de aprendizagem. Atividades como interpretar um texto multimodal, entender um enunciado de um problema, localizar/ identificar os dados relevantes de uma tabela, refletem uma atividade cognitiva onde está presente, além de outras funções neuropsicológicas, o uso da linguagem, aqui visto em sua concepção ampla.

4. Existem inúmeras questões ligadas à linguagem que poderíamos apresentar e discutir neste capítulo, mas não é este o nosso propósito. Interessa-nos ponderar sobre alguns conceitos e relações com outras funções neuropsicológicas, que nos pareçam relevantes, como indicado neste item do capítulo.

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

O conceito de atividade inclui tanto o comportamento observável quanto a competência e o processamento interno. Os modelos atuais da atividade linguística integram três ou mais dimensões que a dividem em forma, conteúdo e uso. As alterações que podem limitar a atividade linguística são agrupadas em três dimensões: as alterações físicas e sensoriais (podem afetar tanto o canal de produção – vocal/motor – como o de recepção – visual/ auditivo), as cognitivas (funções – atenção, memória, funções executivas, percepção) e as emocionais e motivacionais. De acordo com as bases biológicas da linguagem estabelecidas por Damásio e Damásio (2004), o cérebro processa a linguagem através de três grupos de estrutura: 1) Um amplo conjunto de sistemas neuronais, situados em ambos os hemisférios cerebrais, que permitem as interações nãolinguísticas entre o corpo e seu entorno (sistemas sensoriais e motores). 2) Um número menor de sistemas neuronais, localizados em geral no hemisfério cerebral esquerdo, que permitem a geração de fonemas, as combinações fonéticas e as regras sintáticas para combinar palavras. 3) Um conjunto de estruturas, em boa parte, situadas também no hemisfério esquerdo, que agem como intermediárias entre os dois primeiros. Podem receber um conceito e estimular a produção verbal ou receber palavras e fazer com que os conceitos correspondentes sejam evocados. Ao associarmos Neuropsicologia e a Linguística, na análise do processo de compreensão no contexto escolar, sugerimos que, com a explicitação dos processos cognitivos envolvidos na leitura de um texto, ressaltamos a concepção de que entender um texto é produzir sentidos; compreender é um processo cognitivo, ou

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Multimodalidades e Leituras

seja, entra em jogo toda a complexidade humana. O texto precisa ser visto como um produto, algo que é um resultado, que possui estrutura, mas que também, na terminologia de Beaugrande (1977:10 apud Marcuschi, 2008:80) é evento comunicativo para o qual convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais.” Se tomássemos, por exemplo, os textos “Mizael Barbeiro” e “Antonio Porqueiro”, o que poderíamos dizer sobre eles? Obviamente algumas possibilidades de leitura podem ser construídas, mas, à medida que situamos os contextos de suas ocorrências, passamos a ter mais direcionamentos de leitura, observando as funções sociais das escolhas semântico-morfológicas exercidas pelos termos “Barbeiro” e “Porqueiro”. Originalmente, estes nomes foram utilizados em propagandas políticas em muros, no interior da Paraíba e de Pernambuco. Jessier Quirino as coletou e as publicou no livro “Política de Pé de Muro: o comitê do povão”, submetendo-as a um novo contexto e a um novo suporte. Em outras palavras, o gênero textual original (propaganda política) no suporte textual original (muro), fotografado e retextualizado por Jessier Quirino, associado com uma técnica de representação textual (intertextualidade – citação de provérbios/frases feitas) ganham um outro suporte (livro Figura 03 e Figura 04).

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CapĂ­tulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

Figura 03

Figura 04

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Em “Mizael Barbeiro”, o termo “Barbeiro” é um substantivo formado a partir de verbo que designa o ser que exerce a atividade de barbear alguém. Mas, ao ser posto junto ao nome próprio, passa a predicar sobre ele, caracterizando-o pela atividade profissional. Já em “Antonio Porqueiro”, o termo derivado “porqueiro” sinaliza o tipo de animal que Antonio vende: porco. Então, “Barbeiro” e “Porqueiro” são substantivos especificadores de outros substantivos que identificam os candidatos e não correspondem aos seus sobrenomes oficiais. Porém, ao serem “transportadas” para um novo contexto discursivo (o livro de Jessier Quirino), e ao serem inseridos novos arranjos textuais (VOTE NUM CANDIDATO... + “Tem que fazer barba, cabelo e bigode...” e “Tem que ser dono dos porcos...”), as propagandas possibilitam novas leituras; agora “recheadas de humor, de ironia”. Para ser vereador, “Mizael Barbeiro” tem que fazer de tudo (barba, cabelo e bigode), pois este é o sentido do provérbio; para ser vereador é preciso ser o melhor, o poderoso, ou seja, o dono dos porcos, como “Antonio Porqueiro”. A localização das legendas acima das fotos das “pichações políticas” e o uso das reticências são recursos semióticos, empregados no processo de retextualização, permitem a leitura do texto como um bloco contínuo, possibilitando uma progressão temática, ao mesmo tempo em que sinalizam a diversidade de autoria e de contextos das produções de escrita. (Vasconcelos e Dionisio, 2013, p.57-60).

BUNZEN, Clecio e MENDONÇA, Márcia (orgs.). Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola, 2013.

Neste capítulo, discutimos a intrínseca e, portanto, natural inter-relação que envolve inteligência, memória, capacidade de aprendizagem, linguagem, língua, leitura, atividade linguística e diversos modos de leitura,

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Capítulo 1 Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura

ao exemplificarmos com gêneros multissistêmicos a que estamos expostos em situações de ensino-aprendizagem ou na vida diária, os quais exigem a ativação instantânea dessas habilidades, ou capacidades, para a adequada compreensão e utilização desses gêneros e, consequente atuação em sociedade. O objetivo do capítulo foi demonstrar que a devida apropriação dessas noções tornará alunos e professores mais competentes para as performances linguísticas, por assim dizer, requeridas cotidianamente.

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Capítulo 2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura A nossa história de indivíduo multiletrado começa com a nossa inserção neste universo em que o sistema linguístico é apenas um dos modos de constituição dos textos que materializam as nossas ações sociais. Um texto é um “evento construído numa orientação multissistemas, ou seja, envolve tanto aspectos linguísticos como não-linguísticos no seu processamento” (Marcuschi, 2008, p.80). Trazer para o espaço escolar uma diversidade de gêneros textuais em que ocorra uma combinação de recursos semióticos significa promover o desenvolvimento cognitivo de nossos aprendizes. (Significa também um enorme desafio, quando levamos em consideração a nossa formação docente, a rapidez dos avanços tecnológicos e a familiaridade dos nossos alunos com as mídias digitais em seu cotidiano fora da escola). Multiletrar é, portanto, buscar desenvolver cognitivamente nossos alunos, uma vez que a nossa competência genérica se constrói e se atualiza através das linguagens que permeiam nossas formas de produzir textos. Assim, as práticas de multiletramentos devem ser entendidas como processos sociais que se interpõem em nossas rotinas diárias. Multiletrar é preciso! Multiletrar deve ocorrer, no processo de aprendizagem dos conteúdos de qualquer disciplina, através de atividades que permitam a compreensão de um simples fato: “Nosso alfabeto expandiu-se.” (Jean-Claude Carrière, 2010, p.19). Nosso alfabeto não é mais formado apenas de letras, sem vida, sem cor e sem movimento. Assim como os gêneros não são apenas forma, são modos de ser, são formas de vida (cf. Bazerman, 2006), as nossas práticas de leitura e de escrita sinalizam nossa forma de viver as linguagens, de conviver com as multissemioses da nossa sociedade multiletrada. Se o professor guiar as atividades de forma a dar cor, movimento, textura e perfume aos textos, certamente estará fomentando estratégias

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Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

cognitivas que possibilitam aos aprendizes perceberem a vida dos gêneros textuais, favorecendo assim a construção do conhecimento (cf. Dionisio, 2011, s/p). O processo de compreensão textual pelo qual procuramos nortear nossa prática docente se orienta pela perspectiva de que a multimodalidade é um traço constitutivo dos gêneros. Portanto, é no texto, materialidade dos gêneros, onde os modos (imagem, escrita, som, música, linhas, cores, tamanho, ângulos, entonação, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.) são realizados. O que faz com que um modo seja multimodal são as combinações com outros modos para criar sentidos. Ou seja, o que faz com que um signo seja multimodal são as escolhas e as possibilidades de arranjos estabelecidas com outros signos que fazemos para criar sentidos, com os mesmos, quais as articulações criadas por eles em suas produções textuais. Importante salientar que os “signos fornecem um modo material de compreender como as pessoas trocam significados, independentemente dos meios pelos quais elas o fazem: linhas de um desenho, sons de uma fala ou movimentos de gesto, e assim por diante” (http://multimodalityglossary.wordpress.com/). Nesta correlação entre gêneros, textos e modos, o conceito de materialidade assume uma grande importância, visto que “uma premissa subjacente para (a maioria) das abordagens multimodais é que todos os modos disponíveis em uma cultura são usados para gerar significado; e esses modos são selecionados em conjuntos delineados para gerar significado que melhor se ajustem a necessidades específicas. Todos os modos, tanto em função de sua materialidade e do trabalho que as sociedades realizam com aquele material – com o som se tornando fala, ou música; com movimentos de mãos e falas feitos contra o torso superior se tornando gestos – oferecem potenciais específicos para gerar significado e trazem consigo limitações.” (Fonte: http://multimodalityglossary. wordpress.com/).

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Multimodalidades e Leituras

Multimodalidades, multiletramentos: situando conceitos Compartilhamos os argumentos de Bezerra (2010, p. 293-294), ao ressaltar que a formação de um professor de língua, materna ou estrangeira, “incluirá, necessariamente, o estudo da língua como objeto heterogêneo, dos gêneros e textos como multifacetados e flexíveis e das estruturas linguísticas como formas adequadas aos gêneros textuais produzidos socialmente.” Nesta perspectiva, situamos o conceito de multiletramentos em seus dois sentidos apontados por Rojo (2012, p.13): multiplicidade de culturas e multiplicidade de linguagens. “No que se refere à multiplicidade de culturas, é preciso notar: como assinala Gracia Canclini (2008[1989]308-309), o que hoje vemos à nossa volta são produções culturais letradas em efetiva circulação social, como um conjunto de textos híbridos de diferentes letramentos (vernaculares e dominantes), de diferentes campos (ditos ‘populares/de massa/erudito’), desde sempre híbridos, caracterizados por um processo de escolha pessoal e política e de hibridização de produções de diferentes ‘coleções’”.

Já o conceito de multiplicidade de linguagens se refere aos modos ou semioses nas produções dos textos, sejam impressos, sejam em mídias audiovisuais. Ou seja, “multimodalidade ou multissemiose dos textos contemporâneos, que exigem multiletramentos” (cf. Rojo, 2012, p.19). Dionisio (2010, p.164-165) já chamava a atenção para o fato de que: “As alterações físicas no processo de construção dos gêneros provocam, consequentemente, uma mudança também na forma de ler os textos. O dinamismo da imagem do filme passou para a charge virtual, para o pôster interativo, a disposição do texto na página oscila entre os moldes ocidentais e orientais de escrita; estes são apenas alguns exemplos que deixam transparecer a necessidade de revisão

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Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

do conceito de leitura e de suas estratégias que utilizamos em nossas aulas. Consequentemente, se os gêneros se materializam em formas de representação multimodal (linguagem alfabética, disposição gráfica na página ou na tela, cores, figuras geométricas etc.) que se integram na construção do sentido, o conceito de letramento também precisa ir além do meramente alfabético. Precisamos falar em multiletramento!”

Em “Cenários futuros para as escolas”, um dos artigos do volume 3 – Multiletramentos – da Coleção Educação no Século XXI da Fundação Telefônica, Rojo (2013, p.21) define multiletramentos como “práticas de trato com os textos multimodais ou multissemióticos contemporâneos – majoritariamente digitais, mas também digitais impressos – que incluem procedimentos (como gestos para ler, por exemplo) e capacidades de leitura e produção que vão muito além da compreensão e produção de textos escritos, pois incorporem a leitura e (re)produção de imagens e fotos, diagramas, gráficos e infográficos, vídeos, áudio etc.”

Concordamos, plenamente, que a abordagem de um texto extrapola os recursos linguísticos escritos estáticos, ou seja, as escolhas linguístico-discursivas. No entanto, não a concebemos como restrita aos textos contemporâneos nem majoritariamente digitais. Se tomarmos como ilustração uma das pesquisas realizadas por O’Halloran (2004, p.96), ao apresentar um breve histórico da multimodalidade na escrita matemática, constatamos, no início da Renascença, que o desenho de “corpo humano, experiência sensual e aspectos circunstanciais propiciavam o contexto para a formação de conceitos matemáticos”. Não eram meros desenhos ou ilustrações, eram ilustrações que visavam ao desenvolvimento das teorias em si, como podemos comprovar nas figuras a seguir:

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Multimodalidades e Leituras

Gostaríamos de revisitar uma análise de Dionisio (2005), ao abordar os recursos semióticos de uma fotografia:

Cena na Disneilândia, Califórnia, 2004 Fonte: acervo Angela Dionisio

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Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

Ao comentar esta fotografia, a autora a descreve como um ato de cortejo, de reverência, em que o personagem Pateta, no cenário de um parque da Disney, cumprimenta uma jovem senhorita com um beijo na mão: a posição elevada do braço e da mão da menina, a postura levemente recuada do corpo sinalizam a aceitação do ato com reserva, ou timidez; a posição inclinada da cabeça do Pateta, a posição das mãos e a forma como segura a mão da menina condizem com a formalidade do ato, marcando o envolvimento de ambos os personagens no ato comunicativo que desenrola no instante em que a câmera fotográfica capta a interação. Em 2005, Dionisio não considerou este evento como multimodal, mas hoje o consideramos sem a menor dúvida. Neste sentido, os nossos atos de fala, sugere van Leeuwen (2004), devem “ser entendidos como microeventos multimodais, nos quais todos os signos apresentados se combinam para determinar a intenção comunicativa” (van Leeuwen, 2004, p.8). De acordo com o verbete Signo, do Multimodality Glossary, destacamos que “um aspecto diferenciador da semiótica social (intrinsecamente relacionado à noção de Peirce) é a perspectiva dos signos como renovados constantemente (e.g. Kress, 1997). (...) Signos fornecem um modo material de compreender como as pessoas trocam significados, independentemente dos meios pelos quais elas o fazem: linhas de um desenho, sons de uma fala ou movimentos de gesto, e assim por diante. Ao abranger todos os modelos de representação e comunicação, teorias do signo (ou semiótica) são coerentes com a metodologia multimodal.” Fonte: http://multimodalityglossary. wordpress.com/ Acessado em 24/09/2012.

Theo van Leeuwen utiliza um pôster de recrutamento Kitchener para mostrar como três modos de representação se integram estilisticamente: desenho, palavra e tipografia. A imagem do dedo indicador apontando para o leitor do cartaz, o olhar sério dirigido ao leitor, o uniforme e o bigode militares simbolizam autoridade; o uso da segunda (you) e a ter-

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Multimodalidades e Leituras

ceira (your country) pessoas do discurso, a lexicalização do requerimento (need) e do sujeito requeredor (country) e a impressão tipográfica da palavra YOU mais forte e mais densa em relação às demais palavras realizam um ato comunicativo multimodal. “Tipografia e caligrafia não são apenas veículos para o significado linguístico, mas modos semióticos em si mesmos”, salienta van Leeuwen (2004, p.14).

Fonte: www.gguerras.wordpress.com

A tarefa do linguista, ou do semioticista social, reside, portanto, em revelar estes sistemas de escolhas e possibilidades. Para van Leeuwen (2005, p.3), nós não deveríamos perguntar o que é a Semiótica, mas sim que tipo de atividades é a Semiótica, ou ainda, o que faz um semioticista. O próprio autor elenca três respostas: (i) coletar, colecionar e catalogar sistematicamente, inclusive com suas histórias, os recursos semióticos; (ii) 47


Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

investigar como os recursos semióticos são usados em contextos institucionais, históricos, culturais específicos e como as pessoas falam sobre os recursos nestes contextos (ou seja, como planejam, ensinam, justificam, criticam etc) e (iii) contribuir para descobrir e desenvolver novos recursos semióticos e novos usos dos recursos existentes. Para van Leeuwen, portanto, o foco da Semiótica Social “não é apenas na imagem como representação, mas também a imagem como (inter)ação.” (van Leeuwen, 2003, p.19 apud Fei 2004, p. 55). Enfim, uma das maiores pesquisadores em estudos multimodalidade e ensino, Carey Jewitt apresenta assim o verbete MULTIMODALIDADE:

Multimodalidade é uma abordagem interdisciplinar que entende a comunicação e a representação como envolvendo mais que a língua. Os estudos nesse campo têm se desenvolvido nas últimas décadas de modo a tratar sistematicamente de questões muito discutidas sobre as mudanças na sociedade, por exemplo, em relação às novas mídias e tecnologias. Abordagens multimodais têm proposto conceitos, métodos e perspectivas de trabalho para a coleção e análise de aspectos visuais, auditivos, corporificados e espaciais da interação e dos ambientes, bem como da relação entre os mesmos. Três pressupostos teóricos interconectados estão subjacentes à multimodalidade. Primeiro, a multimodalidade pressupõe que a representação e a comunicação sempre se baseiam em uma multiplicidade de modos, todos contribuindo para o significado. Ela se concentra na análise e descrição do repertório completo de recursos geradores de sentido usados pelas pessoas (recursos visuais, falados, gestuais, escritos, tridimensionais, entre outros, dependendo do domínio da representação) em diferentes contextos, e no desenvolvimento de meios que mostram como esses são organizados para gerar sentido.

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Multimodalidades e Leituras

Em segundo lugar, a multimodalidade pressupõe que os recursos são socialmente modelados através do tempo para se tornarem geradores de sentido, os quais articulam os significados (sociais, individuais/afetivos) exigidos pelos requerimentos de diversas comunidades. Esses grupos organizados de recursos semióticos para geração de sentido são chamados de modos, os quais realizam tarefas comunicativas de modos diferentes – o que torna a escolha de modo um aspecto central da interação e do significado. À medida que grupos de recursos são usados na vida social de uma dada comunidade, mais completa e finamente articulados eles se tornarão. Para que algo “seja um modo” há necessidade de um senso cultural compartilhado em uma comunidade de recursos e como esses podem ser organizados para realizar significados. Finalmente, a multimodalidade pressupõe pessoas orquestrando o sentido através de uma seleção e configuração particular de modos, enfatizando a importância da interação entre modos. Portanto, todo ato comunicativo é modelado pelas normas e regras operando no momento de produção do signo, influenciado pelas motivações e interesses das pessoas em contextos sociais específicos. A pesquisa multimodal até o presente pode ser classificada de acordo com quatro principais pontos de concentração: 1) A descrição sistemática de modos e seus recursos semióticos. 2) A investigação multimodal da interpretação e interação com ambientes digitais específicos. 3) A identificação e desenvolvimento de novos recursos semióticos digitais e novos usos de recursos já existentes nos ambientes digitais; e

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Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

4) A contribuição para pesquisa de métodos para a coleta e análise de dados digitais e ambientes dentro da pesquisa social. Há um debate considerável quanto à multimodalidade ser considerada uma teoria, de fato, ou se é mais apropriado vê-la como um método. Comparada à etnografia, é possível defender que a multimodalidade pode atuar como uma teoria, perspectiva ou método, e que esses diferentes graus de comprometimento com a multimodalidade ajudam a fazer sentido daquilo que pode ser visto como multimodal.

Historiando (um pouco) os estudos multimodais Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Robert Hodge são os autores dos dois livros considerados marcos iniciais para os estudos multimodais. Em 1996 foi publicado Reading Image: The Grammar to Visual Design de Kress e van Leeuwen e, em 1998, Social Semiotics, de Hodge e Kress. O pioneirismo destes autores se deve ao fato de proporem o desenvolvimento das principais noções da Linguística Sistêmico-Funcional (modo, transitividade1, dado/novo etc), originalmente voltadas para o sistema linguístico, para outros modos de comunicação. Desta forma, verificamos que as perspectivas de estudos multimodais com viés social encontram respaldo, ou melhor dizendo, um nascedouro na teoria linguística desenvolvida pelo linguista britânico M. Halliday. Este estudioso desenvolveu uma perspectiva de análise da linguagem, conhecida como Linguística Sistêmico-Funcional, que defende o postulado de que as nossas escolhas, ao fazermos uso da língua, são sempre em fun-

1. Sobre o tema Transitividade e sobre a Linguística Sistêmico-Funcional, sugerimos o livro “Transitividade e seus contextos de uso”, de Maria Angélica Furtado da Cunha e Maria Medianeira de Souza, Editora Cortez, 2011.

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Multimodalidades e Leituras

ção de um contexto social. Sem se remeter a esse contexto, não há como se descrever e interpretar adequadamente as diversas práticas que realizamos com a linguagem, bem como compreender os sistemas que compõem as línguas. Para o autor, a linguagem é um potencial semiótico ao qual recorremos para significar, e os usos recorrentes consolidam as significações contidas nesse potencial. Halliday (1985, 2004) compreendia a linguagem como um modo semiótico, que cumpre propósitos sociais, na qual identificou a existência de três tipos de trabalho semiótico e os denominou de metafunções: ideacional, interpessoal e textual. A metafunção ideacional representa ou constrói os significados de nossa experiência do mundo exterior ou interior por meio do sistema de transitividade (significados representacionais). A interpessoal expressa as interações e os papéis assumidos pelos usuários, revelando as atitudes desses usuários para com o interlocutor e para com o tema abordado por meio do sistema de modo e modalidade (significados interacionais). A metafunção textual está ligada ao fluxo de informação e organiza a textualização por meio do sistema de tema e de coesão (significados textuais). As duas primeiras metafunções são as manifestações, no sistema linguístico, dos dois propósitos mais gerais que fundamentam os usos da linguagem: entender o ambiente e influir sobre os outros, a que se associa um terceiro, o textual, que codifica esses propósitos. Nessas três metafunções, a oração é a realização simultânea de três significados: uma representação (significado no sentido de conteúdo); uma troca (significado como forma de ação); e uma mensagem (significado como relevância para o contexto). Dessa forma, cada elemento de uma língua é explicado por referência a sua função no sistema linguístico total. Uma gramática funcional é, assim, aquela que constrói todas as unidades de uma língua como configurações de funções e tem cada parte interpretada como funcional em relação ao todo. Nela, uma língua é interpretada como um sistema semântico, entendendo como semântico todo o sistema de significados da língua.

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Capítulo2 Multimodalidade, Convenções Visuais e Leitura

No livro seminal Gramática do design visual, infelizmente ainda não traduzido para língua portuguesa, Kress & van Leeuwen (1996, 2006) reelaboraram as metafunções propostas por Halliday e as desenvolveram para descrição e compreensão do potencial semiótico dos elementos visuais, sonoros, gráficos etc que podem compor um texto. As tabelas abaixo, extraídas de Fernandes e Almeida (2008:12) nos permitem visualizar de forma resumida as relações estabelecidas pelos autores:

Halliday

IDEACIONAL

INTERPESSOAL

TEXTUAL

Kress & van Leeuwen

REPRESENTACIONAL

Responsável pelas estruturas que constroem visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstâncias em que ocorrem. Indica, em outras palavras, o que nos está sendo mostrado, o que se supõe que esteja “ali”, o que está acontecendo, ou quais relações estão sendo construídas entre os elementos apresentados.

INTERATIVA

Responsável pela relação entre os participantes, é analisada dentro da função denominada de função interativa (Kress e van Leeuwen, 2006), onde recursos visuais constroem “a natureza das relações de quem vê e o que é visto”

Composicional

Responsável pela estrutura e formato do texto, é realizada na função composicional na proposição para análise de imagens de Kress & van Leeuwen, e se refere aos significados obtidos através da “distribuição do valor da informação ou ênfase relativa entre os elementos da imagem”

Tabela 1: As metafunções (Fernandes e Alameida, 2008, p. 12)

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Tabela 2: A Gramática Visual (Fernandes e Alameida, 2008, p. 12)

Segundo Halliday (1985), diferentes redes sistêmicas codificam diferentes tipos de significado, ligando-se, pois, às metafunções da linguagem supramencionadas. Assim, o sistema de transitividade, especificando os papéis dos elementos da oração como ator, meta etc, codifica a experiência do mundo, e liga-se, portanto, à metafunção ideacional. O sistema de modo, especificando metafunções como sujeito, predicador, complemento etc, diz respeito aos papéis da fala, e liga-se com a função interpes-

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soal. O sistema de tema e informação, especificando as relações dentro do próprio enunciado, ou entre o enunciado e a situação, diz respeito à metafunção textual. Em outras palavras, pode-se dizer que a metafunção ideacional é realizada pela categoria léxico-gramatical da transitividade; a interpessoal se realiza pelo modo e a modalidade; e a textual pelas estruturas temáticas. Como assegura van Leeuwen (2004, p.16) “muitos dos conceitos desenvolvidos nos estudos da gramática e do texto não são específicos para a língua”. Esse princípio será aplicado por Kress & van Leeuwen (1996, 2006) à análise visual, levando-se em conta as diferenças entre esses três potenciais semióticos. Esses autores defendem ser possível uma gramática para a análise das imagens, uma sintaxe visual, pois, para esses autores, imagens não são veículos neutros desprovidos de um contexto social. Assim como a linguagem verbal, o social e o cultural são influenciadores dos significados potenciais que a imagem pode encapsular. Assim, os autores postulam que a linguagem visual é dotada de uma sintaxe específica na qual “os elementos se organizam em estruturas visuais para comunicar um todo coerente, até então associados exclusivamente à análise crítica de textos verbais” (ALMEIDA, 2008, p.10), bem como argumentam que as imagens, em seu uso comunicativo, preenchem as mesmas funções. O infográfico a seguir orienta sua sintaxe, seu modo de leitura, através dos números em marcadores negritados e das setas que codificam os processos de produção e distribuição do produto.

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Infográfico “Toddynho sobre suspeita” Fonte: site UOL, In: NASCIMENTO, R. G. Do verbal ao visual: uma análise multimodal de infográficos sob a ótica sistêmico-funcional, In: SOUZA, M. et al (Orgs.). Sintaxe em foco. Recife: PPGL/UFPE, Coleção Letras, edição eletrônica, 2012, p.409-437

Analisando esse infográfico, Nascimento (2012, p. 425) afirma que: “a leitura do gênero não pode ser realizada conforme os moldes tradicionais, visto que mescla diversos modos de representação na construção do sentido, a saber: números, cores, imagens, texto verbal e setas. Para que a leitura fosse realizada adequadamente, o leitor deveria seguir as ordens do simbolismo matemático e acompanhar as setas. A linguagem verbal conjugada às outras semioses permite o conhecimento da causa do fenômeno: “Falha no processo de produção na fábrica de Guarulhos causou problema”, bem como a elucidação das etapas que causaram a falha no processo de fabricação do Toddynho. A imbricação desses vários modos semióticos compõe um novo discurso no qual a imagem se funde com o verbal e constrói novos sentidos discursivos, denominados de práticas textuais multimodais ou multissemióticas”. 55


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Outra razão apontada por van Leeuwen (2004, p. 11) para atentarmos na análise de gêneros em relação às imagens consiste em observar que “os limites entre os elementos ou estágios de ambos os gêneros são sempre sinalizados visualmente”. Vamos tomar um estudo preliminar, realizado em 2010, por Dionisio e Vasconcelos, quando analisaram a explicação de frações equivalentes, em um livro didático de Matemática, destinado ao ensino fundamental, para observarmos as demarcações visuais entre os modos semióticos, entre outros aspectos. Transcrevemos, com adaptações, um fragmento da análise feita pelas referidas autoras. Vejamos, inicialmente, o fragmento do livro didático de Matemática:

Fonte: LEZZI, G.; DOLCE, O.; e MACHADO, A. Matemática e Realidade, 6 ano. São Paulo: Atual, 2009, p. 167)

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Nesse trecho, o conceito de frações equivalentes envolve três sistemas semióticos para demonstração do referido conceito, que são sistema linguístico, simbolismo matemático e representação visuais de noções matemáticas. No primeiro parágrafo, o problema é apresentado por meio de sentenças linguísticas, nas quais a indicação das divisões do todo (denominador) e da quantidade das partes tomadas (numerador) se dá pelo uso do numeral cardinal e não por uma lexia. Em seguida, são propostos o problema a ser resolvido “Quem comeu mais chocolate?” e a solução “Observamos que os dois comeram quantidades iguais”. Esta descrição linguística poderá favorecer a criação de uma imagem mental. A continuidade da explicação do conceito se dá pela retextualização, ou seja, retomam-se os dados do problema pela representação visual dos dados (Luiz dividiu seu chocolate em 6 partes iguais e comeu 4 delas. Otávio preferiu dividir o seu em 3 partes e comeu 2 partes), através das representações das barras de chocolate, e pelo simbolismo matemático ( 4/6 e 2/3). A retextualização, ou transdução, na terminologia de Kress, é anunciada pela dêixis textual, seguida de dois pontos “Vejamos:”. As operações envolvidas demonstram uma organização visual de contiguidade espacial entre as representações das barras de chocolate, dividas de acordo com as informações dadas no texto escrito, e as sentenças linguísticas que as representam (Luiz comeu 4/6 do chocolate; Otávio comeu 2/3 do chocolate). Essa organização é um aspecto que poderá cognitivamente favorecer um melhor processamento pela memória de trabalho. A inserção do simbolismo matemático, como núcleo do sintagma nominal da sentença, ocorre exatamente neste momento da reescrita do conceito, em que a representação visual da fração se dá por uma metáfora de uma forma geométrica. Em outras palavras, verificamos a integração, na unidade sintagmática, do verbal e do simbolismo matemático, associada à representação visual.

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Nas representações das barras de chocolate, linhas e cores permitem a visualização de que, apesar da representação numérica ser diferente, expressa quantidades iguais. Logo, ambos os meninos comeram quantidades iguais. A ausência da cor e o pontilhado enfatizam essa quantidade. A cor marrom, por sua vez, sinaliza o quanto ainda resta das barras de chocolate, ou seja, favorece a imagem de um mesmo inteiro, condição para que existam frações equivalentes. Seguindo O’Halloram (2004, p. 112), o entrosamento dos sistemas de construção de sentido através dos recursos semióticos garantem o sucesso na construção do texto matemático. Já em relação ao desenho em que os dois meninos também mostram suas barras de chocolate divididas de acordo com as informações do texto escrito, acreditamos ser menos informativo visualmente, por apresentarem apenas a divisão do inteiro e não indicação das quantias consumidas.

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Em síntese, essa análise metafuncional das imagens baseia-se em três pressupostos estabelecidos por esses estudiosos por compreenderem a relevância e a força dos textos imagéticos na sociedade hodierna. Vale salientar que, em nenhum momento, os estudiosos defendem a supremacia da imagem sobre a linguagem verbal. Nessa perspectiva, postulam que os modos de representam verbal e visual (i) não são equivalentes nem veiculam os mesmos significados, (ii) não meramente coexistem e (iii) a imbricação entre eles pode afetar a forma e a leitura da mensagem veiculada. Atentemos para isso, observando os diálogos das cenas 1 e 2, transcritas a seguir, do filme Entre os muros da escola: (i) os modos de representam verbal e visual não são equivalentes nem veiculam os mesmos significados

Entre os Muros da Escola: (00:51:21 – 00:51:50) Cena 1: O aluno Souleymane lê seu autorretrato, que só teve 1 linha http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos

Souleymane: “Eu me chamo Souleymanee não tenho nada a dizer porque ninguém me conhece a não ser eu.” Alguns alunos aplaudem. Prof.: Chega, chega. Ficou muito bom, um pouco longo, mas muito bom. Os outros se esforçaram para escrever 10 linhas e você escreve uma só? Souleymane: Não sou a fim de contar a minha vida. Prof.: E porque os outros se... Souleymane: Se são a fim, problema deles. Eu não conto nada da minha vida.

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Entre os Muros da Escola: (01:02:46 – 01:03:00) Cena 2: Souleymane traz em seu celular algumas fotos de sua família e mostra aos amigos. http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos

Prof.: Vamos entrar. Aluno: Senhor, senhor. O Souleymane trouxe fotos pra o autorretrato. Souleymane: É nada. As fotos estão uma porcaria. Prof.: Boa ideia. Aluno: Mostra aí. Souleymane: Compre um celular. Prof.: Os pintores fazem autorretratos e fotógrafos também. Souleymane: Não sou pintor. Prof.: Isso eu sei, venham, andem.

Na leitura dos diálogos transcritos das cenas, podemos perceber a diferença entre os significados gerados pelo modo verbal (diálogos) e pela integração linguagem e outros recursos semióticos (filme); ao se “ler” as duas cenas, temos uma descrição do que se passou em sala de aula no momento da apresentação do autorretrato de Souleymane e do momento posterior em que se anuncia que ele, Souleymane, dessa vez, trouxe o autorretrato em fotos, mas “perdemos” a riqueza semiótica dos gestos, tom de voz, expressões faciais, alinhamentos corporais dos envolvidos etc. Somente com a leitura dos diálogos, sem vermos as imagens, a significação é de natureza

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predominantemente informativa, diferentemente da significação multimodalmente construída nas cenas quando vistas na história. Quando lemos, por exemplo, a fala de Souleymane: “não sou a fim de contar minha vida”, na cena 1 e “Não sou pintor”, na cena 2, só podemos imaginar sua expressão, mas o jeito de sentar, sua roupa, seu olhar, os quais compõem sua personalidade e juntos constroem a significação das cenas não se revelam apenas pela linguagem verbal. (ii) os modos de representação verbal e visual não meramente coexistem

O verbal e o visual não meramente coexistem: os autores ressaltam, nesse momento, a linguagem visual como núcleo de informação mais importante em alguns casos; a integração fotografia e legenda, tão cara ao fotojornalismo, é uma evidência dessa afirmação, através da qual podemos comprovar na cena 3, também do filme Entre os Muros da Escola, a força da imagem,mas com o apoio do texto escrito, no caso, a legenda: Entre os Muros da Escola: (00:04:57 – 01:06:03) Cena 3: O professor explica a Souleymane como se faz uma legenda. http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-emvideo-serie-verbetes-enciclopedicos

Aluno: Agora ficou melhor, está melhor. Prof.: Essa foto está boa mesmo. Pode colocar uma legenda nela. Souleymane: Legenda como? Aluno: Como nas histórias em quadrinhos. Prof.: Não é esse tipo. É como aquele texto que vem nas fotos dos jornais. Souleymane: Como no Le Parisien? 61


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Prof.: Como, por exemplo, no Le Parisien. O que pode escrever, quem é esta mulher? Souleymane: Minha velha. Prof.: Como assim? Souleymane: Minha mãe. Prof.: Pronto, pode dizer que é a sua mãe. Depois pode explicar que ela está fazendo esse gesto para evitar ser fotografada. Aluno: Ele e o irmão ficaram irritando ela. Souleymane: Não vou escrever isso, cara. Prof.: Por que ela fez esse gesto? Souleymane: Ela não gosta de fotos. Prof.: Escreva isso, “minha mãe não gosta que tirem foto dela” Pronto, você fez uma legenda. Viu? Se fizer isso em todas as fotos vai ficar ótimo.

Nessa cena, os diálogos acontecidos entre o professor e o aluno Souleymane sobre como se fazer legendas, mostram a importância do apoio da linguagem verbal em momentos em que as imagens têm um papel centralizador, como nesse caso das fotografias no autorretrato; embora, nesse exemplo, a visualidade concentre, por assim dizer, o núcleo informativo, a imbricação com a escrita (legenda) potencializa os efeitos significativos e amplia, expande essa significação para o contexto de produção das fotografias. Assim, na interpretação do gênero autorretrato aqui tratado e de outros onde se faz presente, a legenda possibilita um acréscimo de conhecimentos que a imagem por si só não consegue realizar. A coexistência dos dois modos, portanto, está mais do que justificada.

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(iii) a imbricação entre as semioses pode afetar a forma e a leitura da mensagem veiculada

Narradores de Javé [00:12:44 – 00:13:26] http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-video-serieverbetes-enciclopedicos/

Descrição do fragmento retirada do roteiro final do filme Narradores de Javé: Imagem de escritos riscados em todas as paredes da pequena casa de chão de terra: são frases, fragmentos de poemas e pensamentos dispersos, porém cuidadosamente “diagramados” junto aos poucos objetos pendurados e aos batentes de janelas e portas.

Nessa espécie de poesia visual, temos um forte entrelaçamento dos modos verbal e visual, uma vez que se trata de textos dispersos. O que os une é exatamente a forma, a composição, ou seja, o modo visual, a forma cilíndrica em que o autor dispôs os fragmentos escritos e que materializam uma significação que não é possível sem a conjugação dos dois modos, ou que seria distinta sem tal união. Nesse caso, a leitura, a compreensão dos pequenos textos é bastante diferente da que seria dos textos isolados

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ou dispostos em linhas horizontais como é o comum para a escrita. Uma amostra poética das diferentes possibilidades de nos comunicarmos, de dizermos mais.

Convenções Visuais e Leitura A capacidade de compartilharmos convenções está diretamente relacionada com a organização social das comunidades e, em decorrência, com a organização dos gêneros textuais. Basta lembrarmos, por exemplo, as pinturas das cavernas, onde os homens registravam a história de sua comunidade. Certamente, os membros daquele grupo podiam ler os desenhos ali registrados. As grandes catedrais da Europa Medieval simbolizavam verdadeiros livros didáticos sobre a teologia cristã, como ainda hoje se observa no interior de algumas igrejas; consiste numa forma de acesso à religião. Na sociedade contemporânea, a diversidade de arranjos retóricos na escrita, às vezes, não-padrões, ou seja, exigindo modos de ler semelhantes à leitura oriental, resulta da influência da mídia, do desenvolvimento tecnológico. Já é senso comum que nossos hábitos de leitura estão sendo reelaborados constantemente. Desta forma, os materiais didáticos e, por decorrência, a postura do professor e as formas de avaliação também devem ser. Kostelnik & Hasset (2003:24) defendem que “as convenções prestam um serviço inestimável aos usuários”, ao se tornarem hábitos da mente. A aprendizagem destas convenções, às vezes, requer uma situação formal como uma situação escolar em que há um treinamento formal para a aquisição do simbolismo científico, para a notação musical, diagramas de circuitos, por exemplo. Ou seja, para um processamento cognitivo adequado da informação apresentada em cada lição, em cada novo conteúdo, o aprendiz precisa ir também se tornando um leitor visualmente fluente naquela disciplina. Outro fator de dificuldade que o professor precisa ficar atento consiste na composição mosaica dos gêneros, isto é, geralmen-

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te os gêneros comportam convenções que “são selecionadas e reagrupadas como os padrões de deslocamento de um caleidoscópio” (Kostelnik e Hasset 2003:32). Muitas vezes, em situação de avaliação, são oferecidos aos alunos, gráficos, tabelas produzidas por profissionais do design gráfico que rompem inclusive com os atos de convenções, uma vez que a invenção faz parte da construção da informação retórica. O entrave está em saber se a comunidade leitora está preparada, treinada formalmente, enculturada naquela “novidade visual”, e se possui conhecimentos prévios para processar a leitura e ainda devolver de forma correta a informação que lhe foi solicitada. A transposição de convenções e dos gêneros que elas constituem dos seus contextos de produção não é questão tão simples; especialmente quando se trata do processo de construção do conhecimento e da checagem deste conhecimento. Gráficos, tabelas, desenhos anatômicos, infográficos, mapas e linhas do tempo, por exemplo, veiculados na mídia impressa e digital, simbolizam alguns dos gêneros textuais que migraram para o domínio educacional, tanto para serem usados em situações de aprendizagem de conteúdos específicos como em situações de avaliações. Muitos destes gêneros são originalmente produzidos em outros domínios discursivos e estão inseridos em outros gêneros, tais como relatórios do IBGE, da ONU, da UNESCO, do INMETRO; atlas do IBGE, do INPE entre outros. Por um lado, este processo migratório dos gêneros representa integração entre sociedade e escola; representa construção da cidadania via aquisição de conhecimentos como fatos e concepções científicos, acontecimentos históricos. Por outro lado, a compreensão destes gêneros exige de seus leitores familiaridade com a tessitura entre as linguagens utilizadas, com as convenções apresentadas, ou seja, as convenções do design. Esta competência se constrói (e também se revela) com base em nossas experiências sociais mediadas por textos, pelas nossas práticas de letramento. Estas práticas estabelecem a linguagem como

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“uma herança social, uma ‘realidade primeira’, que, uma vez assimilada, envolve os indivíduos e faz com que as estruturas mentais, emocionais e perceptivas sejam reguladas pelo seu simbolismo. (...) A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Ela é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo” (Brasil, 2000, p. 125).

Optar por gêneros como estes significa reconhecer em suas constituições convenções visuais que vão além daquelas do sistema linguístico, tais como simbolismos de áreas como a matemática, a química, a história, a biologia etc. São convenções que se combinam nos aspectos textual (legenda para exibição de dados, rótulos no eixo x e y etc.), espacial (subscrito para equação, eixo x-y para gráfico e circular para gráfico-pizza etc.) e gráfico (marcadores para itens em listas, linhas tracejadas para mostrar figuras debaixo de superfícies etc.) (cf. KOSTELNICK e HASSETT, 2003). As convenções visuais e verbais (especializadas das áreas científicas), nos mais diversificados domínios discursivos, combinam-se, recombinam-se e se integram, e, ao nos apropriarmos delas, podem favorecer o processo de aprendizagem. No entanto, esta aprendizagem, às vezes, requer uma situação formal como uma situação escolar, em que há um treinamento sistemático para aquisição do simbolismo científico, para notação musical, para diagramas de circuitos, para desenho anatômico, por exemplo. Isto significa que para um processamento cognitivo adequado da informação apresentada em cada lição, em cada novo conteúdo, o aprendiz precisa ir, também, se tornando multiletrado visualmente em cada disciplina. Conhecimento científico requer, portanto, multiletramentos. Em uma breve análise das questões de português da Prova Brasil 2009, constatamos que das 22 questões para o 5° ano, 13 gêneros diferen-

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tes foram utilizados, sendo que em 6 deles havia uma hibridização de linguagens. Importante destacar ainda que dois deles exigiam também a articulação com o simbolismo matemático. Tomemos duas questões para ilustração. Na primeira questão (anúncio da bicicleta), o que é exigido do aluno é uma transferência do simbolismo matemático (3X) para a expressão lexicalizada “três vezes”. 1. Prova Brasil, 2009, 5° ano – TB_006547

A bicicleta pode ser paga em: (A) três vezes. (B) seis vezes. (C) dezoito vezes. (D) vinte e seis vezes.

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2. Prova Brasil, 2009, 5° ano – TB_006538

RIMM. A escolha de uma esposa. In: MATOS, Magna Diniz; ASSUMPÇÃO, Solange Bonomo. Na trilha do texto:alfabetização: novo. São Paulo: Quinteto Editorial, 2001, p.28-29. 03 IT_024706 A terceira moça foi a escolhida pelo rapaz porque ela (A) demonstrou que era cuidadosa e paciente. (B) era mais rápida que as outras. (C) provou que os últimos serão os primeiros. (D) agradou a senhora da história. 04 IT_025948 No texto, a primeira moça era (A) bondosa. (B) esperta. (C) gulosa. (D) inteligente.

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Nesta segunda questão, verificamos tratar-se de uma fábula apresentada no formato de carta enigmática. Aqui estão em jogo vários fatores para a compreensão do texto e, consequentemente, melhor desempenho nas respostas. Primeiro, a familiaridade com as convenções do gênero carta enigmática, pois há uma intersemiose entre os gêneros. Segundo, uma leitura das imagens dos personagens (pastor, as três irmãs e uma senhora) que remeta aos personagens de contos de fada (outro gênero, portanto, é requerido). Terceiro, a familiaridade com as convenções matemáticas referentes aos numerais ordinais e cardinais, à noção de fração e os símbolos indicadores das operações de adição e subtração. Intercambiando conceitos e exemplos, neste capítulo apresentamos um painel histórico-teórico analítico de aspectos: multimodalidade, multiletramento, convenções visuais e leitura, aspectos esses fundamentais para exercício efetivo das nossas habilidades de uso das diversas linguagens enquanto potenciais significativos. Discutir e comentar essas noções demonstrando-as em gêneros diversificados envolvendo diversos modos semióticos foi o modo de possibilitar ao leitor uma compreensão mais ampla desses recursos seja na interpretação, momento leitor; seja na produção, momento autor, sempre que esses papéis nos forem exigidos.

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Considerações Finais O professor que não reconhece as novas mídias como fato consolidado em nossa sociedade, que não concebe o dinamismo das linguagens, também parece ignorar a língua como um fenômeno heterogêneo, social, histórico. Consequentemente, tende a ter mais dificuldade para lidar com a diversidade de gêneros textuais, seus suportes, suas linguagens em sala de aula. Precisamos ter cuidado para não nos tornarmos um Montag1 das formas contemporâneas de interação pessoais mediadas pelas novas tecnologias.

Apple Destroyed Products by Michael Tompert & Paul Fairchild Fonte: http://www.pipocadebits.com/2010/11/destruindo-produtos-daapple-pela-arte.html

1. Montag é um bombeiro cuja função capital é incinerar livros, personagem principal de Fahrenheit 451”, levada ao cinema em 1966, com direção de François Truffaut.

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Considerações finais

Top 10 Reasons to Use Technology in Education: iPad, Tablet, Computer, Listening Centers http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=mzi2R It8_nk&NR=1

Miller (2012) apresenta uma reflexão sobre o desenvolvimento tecnológico, estabelecendo um paralelo com a retórica que parece ser bastante útil para nós, enquanto usuários comuns e professores a interagirmos com alunos também usuários das demandas tecnológicas. Vejamos: A tecnologia, assim como a retórica, pode tanto nos empurrar quanto nos puxar. Não só “os artefatos possuem política”, como afirmou Landgon Winner (1980), mas eles também possuem retórica. Por um lado, a tecnologia nos “empurra” ou nos manipula ao requerer que façamos certas coisas e de certas maneiras. Nossas tecnologias comunicativas nos “empurram”, nos impelem a mandar mensagens SMS com não mais que 160 caracteres ou ainda a acessar linearmente, em uma única direção, um ponto do texto na tela do computador ou de uma fita magnética. Um catálogo de fichas da biblioteca (lembra-se deles?) requer que procuremos uma informação usando uma única estratégia de busca por vez. Por ou-

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tro lado, a tecnologia nos “puxa”, ou nos auxilia a satisfazer nossas demandas, ao reconfirmar e reforçar nossas inclinações e propensões (...). (Miller, 2012, p. 17)

Após tudo o que apresentamos e discutimos ao longo do livro sobre aprendizagem, leitura, recursos cognitivos, multimodalidade, convenções visuais etc, achamos por bem encerrá-lo com esse diálogo entre os estudiosos Angela Dionisio e Luiz António Marcuschi sobre o modo como uma criança operacionaliza ou orquestra várias semioses para compor um texto de demonstração de carinho e afeto pela sua professora e, desse modo, põe em jogo, competentemente, o potencial significativo da língua e das convenções visuais.

Assista a cena: Fala e Escrita (Parte2): [00:06’28’’ a 00h03’13’’] http://youtu.be/6y9xK-9bbcw?t=6m28s

Marcuschi: Uma criança quando faz uma redação pode pôr lá o nome da professora e dizer “gosto muito de você”, mas ela pode desenhar um coração e botar o nome dentro do coração e parece que gosta muito mais.

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Considerações finais

Angela Dionisio: Olha, tem um texto interessante que foi produzido pelas crianças para celebrar o dia dos professores e tem um cartão aqui, em que está escrito “eu ♥ você” (eu amo você). Há a simbologia do coração e dentro do coração está escrito “a amizade é o começo de tudo”. Temos ainda cores, marcas linguísticas de endereçamento “para”, “de”. A criança mescla várias informações de gêneros escritos na capa desse cartão e o cartão continua, há mais informação escrita no verso.

Um traço interessante é que houve um reforço para mostrar o quanto a criança gosta da professora. Olha, Marcuschi, o que acontece: a criança escreveu, na parte interna do cartão, a palavra P-A-I-X-Ã-O e abriu umas janelinhas na frente do cartão. Assim ao abrir as “abas/ janelinhas”, a palavra “P-A-I-X-A-O” vai se formando. Então, a ideia do amor, do carinho, a criança criou, na escrita, não só pelo desenho do coração, mas pelo uso, mesmo, da palavra “P-A-I-X-Ã-O”, pela expressão “a amizade é o começo de tudo”, e também pelo reforço visual. Isso que você estava falando, o reforço argumentativo da repetição na escrita pelos recursos diferentes, pela criação da palavra nesta perspectiva vertical, que não é um traço característico da nossa escrita escrever de cima para baixo. Muito interessante essa produção.

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Essa orquestração competente por parte de nossos professores e alunos nas atividades de ensino-aprendizagem em qualquer disciplina do ensino fundamental e médio é o que almejamos que todos obtenham num futuro próximo e para isso acreditamos que esse livro e todos os da série Experimentando Teorias em Linguagens Diversas possam contribuir para essa conquista.

Referências: BAZERMAN, C. Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. São Paulo: Cortez, 2005. BAZERMAN, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006 BUNZEN, Clecio & MENDONÇA, Márcia (orgs.). Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola, 2013. DIONISIO, A. & VASCONCELOS, L. Genres and Multimedia Learning: some theoretical and methodological reflections on pedagogical application. Manuscrito. Recife, 2010. Manuscrito. DIONISIO, Angela. Gêneros textuais e multimodalidade. In: KARWOSKI, Acir, GAYDECKZA, Beatriz & BRITO, Karim (org.) Gêneros Textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola, 2011. DIONISIO. Angela. A multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita. IN: MARCUSHI, Luiz. A e DIONISIO. Angela. (orgs.). Fala e Escrita. Belo Horizonte, Autêntica. Disponível em http://www.ceelufpe.com.br/e-books/Fala_Escrita_Livro.pdf, 2005. Acessado em 22 de maio de 2011. ECO, Umberto. & CARRIÈRE, Jean-Claude. Não contém com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010. FEI, V. Problematising ´semitic resource`. In: VENTOLA, E. CHARLES, C & KALTENBACHER, M. (org.) Perspectives in Multimodality. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2004. FERNANDES, José David; ALMEIDA, Danielle Barbosa de. Revisitando a gramática visual nos cartazes de guerra. In: ALMEIDA, D. L. B. Perspectivas em análise visual: do fotojornalismo ao blog. João Pessoa: Editora da UFPB, 2008, p. 11-31. HALLIDAY, M. & MATTIESSEN, C. An Introduction to Functional Grammar. New York: Oxford University Press, 1985. HODGE, R. & KRESS, G. Social semiotics. Ithaca/NY: Cornell University Press, 1988. JEWITT, Carey. & KRESS, Gunther. (ed). Multimodal Literacy. New York, Peter Lang, 2003.

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Considerações finais

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Multimodalidades e Leituras

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Prefixo Editorial: 66530

Comissão Editorial Editores Executivos Augusto Noronha e Karla Vidal Conselho Editorial Angela Paiva Dionisio Antonio Carlos Xavier Carmi Ferraz Santos Cláudio Clécio Vidal Eufrausino Clecio dos Santos Bunzen Júnior Leonardo Pinheiro Mozdzenski Pedro Francisco Guedes do Nascimento Regina Lúcia Péret Dell’Isola Ubirajara de Lucena Pereira Wagner Rodrigues Silva

INFORMAÇÕES GRÁFICAS FORMATO: 210 x 297 mm TIPOLOGIA: Constantia / Myriad Pro




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