Entrevista de Diego Martínez Lora a Sofia Coutinho

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A ENTREVISTA Diego Martínez Lora

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1 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

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2 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

Entrevista a Sofia Coutinho a propósito da publicação do seu livro Imperatriz Theodora, a águia de Bizâncio, por Torre de Gente (21/1/2011)


de 1971 em Espinho. Licenciada em Relações Internacionais desde 1995 e Pós Graduada em Consulta Psicológica e Psicoterapia, exerce há vários anos as funções de Directora de Recursos Humanos, Gestora de Formação e Formadora/Trainer em Eneagrama da Personalidade aplicável à Alta Performance (ALUMNI - EGP) e outras áreas comportamentais. É ainda fundadora e ex-C.E.O. do Cenfiia, Lda. Apaixonada pelo conhecimento e colocando-o ao serviço do equilíbrio biopsico-organizacional do indivíduo dedicase nos tempos livres à investigação e estudo do Comportamento Organizacional, Psiquiatria, Desenvolvimento de Competências. Actualmente exerce as suas funções dividindo--se entre Portugal e a Ucrânia no âmbito do sector da Saúde. Influenciada grandemente pela sua avómadrinha, Professora e investigadora Mª José Oliveira Monteiro (Matos) que nos legou a obra “Júlio Dinis e o Enigma da sua Vida”, demonstrou desde tenra idade um fascínio invulgar pela leitura e escrita. Imperatriz Theodora, a águia de Bizâncio é o seu primeiro romance publicado.

Como surgiu a ideia de escrever um livro cuja personagem principal é Theodora, Imperatriz de Bizâncio? A ideia não surgiu de imediato e julgo que nenhum escritor pode edificar uma obra, qual arquitecto, sem possuir uma “maqueta” do que pretende erigir. “Para o bem e para o mal”, sempre tive uma mente fervilhante e fantasiosa e todas as percepções que capto através dos sentidos criam em mim enredos quase imediatos. Certa vez, há cerca de 3 anos, um médico contava-me um caso clínico que aludia aparentemente a vidas passadas e desde logo pus-me a “marinar” mil ideias...levo algum tempo neste processo, os múltiplos cenários que vou tecendo são sementes lançadas ao meu solo mental e depois uma delas acaba por germinar...fui investigar sobre a temática que de resto já conhecia e eis que a determinada altura deparei-me com literatura técnica sobre a vida de Theodora. O seu empreendedorismo visionário arrebatou-me desde logo e a partir daí, uma vez que o tema da religiosidade era o “prato forte” daquela época, acabei por entrelaçar as novas ideias àquelas tais que se relacionavam com reencarnações. De permeio o corpo principal do romance também se foi distanciando um pouco da arquitectura inicial consolidando-se em torno desta personagem que em princípio não iria ter o protagonismo que acabei, com toda a justiça, por lhe conceder.

3 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

Sofia Coutinho nasceu a 13 de Junho


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O que significa o desafio de escrever um romance histórico? Implica necessariamente algumas premissas: - indubitavelmente o amor pela História; - a investigação séria e estudo sobre as envolventes (religião, território, contendas, hábitos, status quo, política, povos, hegemonias etc); - a criatividade para, apesar do domínio técnico dos factos, entrarmos em cada corpo e espírito das personagens e, à luz da época, recriarmos gestos, emoções e todo um colorido afectivo que cremos aproximarem-se da realidade; - implica ainda organização cronológica; - coerência de palavras, actos e factos do princípio ao fim; - despiste de contradições que se encontram em diferentes autores. Trata-se também de um teste à obstinação (qualidade particularmente útil para a minha vida profissional) e, claro, implicará sempre capacidade de abertura à crítica quando avançamos para uma publicação. Devo dizer que inicialmente não pretendia publicar o livro mas depois ocorreu-me que haveria outros amantes como eu do Romance Histórico a quem poderia proporcionar a oportunidade de viajarem por uma época fascinante. Alimentei essa ideia porque, até à data, também não encontrei em português nenhum livro sobre a vida de Theodora em romance. Em todo o caso o maior desafio pessoal para mim é sempre e desde sempre a Aprendizagem.

Quais foram as tuas principais fontes bibliográficas? Muitos livros físicos dos mais variados temas reportados ao séc VI, e-books, internet, documentos históricos/crónicas. Também utilizei muitas expressões e “conjuras” que havia coleccionado desde a adolescência e aos quais não dera ainda uso. A principal fonte foi sem dúvida a “História Secreta” de Procópio de Cesareia, um homem que em segredo odiava os imperadores e em público os enaltecia. Exactamente pelo ódio que o devorava, muitos autores colocam em causa a veracidade da virulência dos factos que o cronista descreveu pelo fel que derrama sobre todas as aparentes tramas urdidas por Theodora e Justiniano. Contudo não podemos descurar a importância dos seus escritos: Procópio foi secretário de Belisário e testemunha desse tempo.

Entre a História e a Literatura? Desde os 17 anos entre ambas ainda que nessa altura não tivesse disso plena consciência. Escrevi a minha 1ª “história” aos 8 anos, passada na Checoslováquia (imagine-se) mas que em nada se relacionava com História. Aos 17 anos escrevi um 1º romance histórico passado na França do séc XVII. A escrita vai-se naturalmente alterando com o decorrer dos anos fruto das diferentes vivências, da própria personalidade e influências recebidas. Actualmente sinto ter encontrado alguma maturidade, prefiro um estilo leve e sempre em acção...de permeio fui escrevendo pequenas peças de teatro, histórias infantis e do Fantástico, entre ou-


tras, mas considero que só há alguns anos me sinto verdadeiramente escudada pela sentinela silenciosa da História em romance que conferiu a essência à Literatura que mais me apráz ainda que não descure outras possibilidades.

Cada pessoa que conheça ou venha a conhecer a vida da imperatriz retirará (ou talvez não!) a perspectiva que melhor alimenta consciente ou inconscientemente as suas próprias necessidades, fantasias ou frustrações como, de resto, sucede com quase tudo nas nossas vidas. Do meu ponto de vista, uma mulher que nasceu na hierarquia mais baixa de uma sociedade altamente estratificada, uma mu-lher que nunca se conformou com a aparente “sorte” que lhe cabia, que definiu objectivos, que lutou incessantemente contra todas as adversidades cruéis (o que não nos deixa de espantar tendo em conta as crenças limitadas do povo), que foi amante, esposa, mãe, cuidadora e estratega e que mesmo depois de se tornar a maior imperatriz do Império jamais logrou acomodar-se preguiçosamente como o poderia ter feito...! bom, é um excelente exemplo de tenacidade nas nossas vidas diárias assentes num conforto, numa tecnologia e num sistema de saúde que não existiam naqueles tempos difíceis. Acima de tudo a sua vida

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Como se pode ou deve interpretar a vida da Theodora nos tempos actuais?


poderá indiciar que descobrimos “de que massa somos feitos” na Adversidade e que afinal podemos mais que aquilo que muitas vezes julgamos!

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Como leitora do teu próprio livro que autocrítica fazes? É um exercício difícil e nem sempre isento pois exige que nos distanciemos emocionalmente de nós próprios ao mesmo tempo que tal exercício ocorre dentro de nós, o que equivale a dizer que esbarra amiúde (muitas vezes de forma quase imperceptível) com o nosso orgulho altaneiro, vaidade, crenças, esteriótipos... Vejamos: creio que do ponto de vista geral, a ideia ficou captada como eu pretendi: preocupei-me em utilizar a linguagem, cenários, hábitos, actividade contemplativa (que na época era mais valorizada que o trabalho manual), etc, etc, com a maior proximidade possível para que o leitor vivenciasse a realidade histórica desse tempo; por outro lado, inúmeras vezes li e reli os textos e desanimei porque neles não vislumbrava a qualidade que me auto-impunha. Em suma, ora os idolatrava ora me horrorizavam mas creio que os meus estados de alma mais elevados valeram-me para que insuflasse com persistência a flama de que necessitei para ultrapassar o negativismo. Em todo o caso quero melhorar certos aspectos técnicos que tenho identificado nos últimos anos.

Que lugar ocupa na tua vida a actividade de escrever? Escrever é para mim uma espécie de “ginásio mental” (à falta de um verdadeiro ginásio que abomino) onde

exercito a cognição, o humor, as emoções, entre outros aspectos da psique. Experimento as suas variações, exploro-os, vivenciando até à exaustão cada personagem e retiro disso aspectos que julgo poderem melhorar-me em termos pessoais e profissionais. Escrever não tem sido um hábito diário por causa da vida profissional e porque nem sempre estou “inspirada” mas é uma fuga e uma terapia. Uma “fuga para trás” porque me permite transportar para uma época à minha escolha e (re) construir personagens através das quais descarrego tensões e reacendo qualidades. Como terapia o acto de escrever é regenerador e tem sido desde a infância um mecanismo de defesa saudável (termo da psicologia) . Durante estes últimos dois anos estive inúmeras noites durante a semana a escrever 4 a 5 horas seguidas. A escrita é sem dúvida o epicentro da minha alma e considero-a acima de tudo uma faculdade apurada que Deus me proporcionou nesta caminhada.

Que novas publicações tens em mente? Nada de concreto ainda mas estou a “marinar” sobre um projecto de um livro técnico numa poderosa área de desenvolvimento humano aplicável aos recursos humanos. Estudo-a in loco diariamente há 6 anos e gostaria de poder colocar à disposição de responsáveis de RH e afins ferramentas mais eficazes para a compreensão e avaliação de competências comportamentais. Quem é um Líder Transformacional sabe do que falo. Por outro lado, há uns meses que penso bastante em Assurbanipal, o último


Que livros te serviram de referência ou modos estilísticos para a escrita do teu romance? Perdi a conta às centenas e centenas de livros (muitos deles relidos

mais de 3 vezes) e temas díspares que devorei e cuja leitura sempre preferi aos filmes...o resultado é uma mescla de diferentes e variados autores desde os clássicos A. Dumas, G. Flaubert e V. Hugo que muito admiro até aos contemporâneos Donna Cross e Maurice Druon. Reconheço que a minha escrita é deveras influenciada pela categoria literária que se designa de “romance histórico”. Os meus escritores de referência da actualidade: sim, existem dois que sublimo particularmente: a minha eterna “musa”, Juliette Benzoni e Ken Follet que nos abre as portas à genialidade dos mundos que é capaz de criar. Mas se me pusesse a enumerar todos os maravilhosos mundos reais e imaginários que me acolheram

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grande rei da Assíria mas ainda não sei se ele irá vingar dentro de mim. Tenho de confessar algo que poderá soar estranho: estudei a História de todos os continentes durante a minha licenciatura de Relações Internacionais, do Paleolítico ao séc XX e nunca me atraíram outras épocas senão e apenas a Antiguidade, a Alta e Baixa Idade Média e o séc XVII...é por aí que vagueio normalmente, sinto-me “no meu habitat”.


em centenas de livros, restaria sempre algum por mencionar...

Que personagens, além de Theodora, são fundamentais no desenvolvimento do romance? A grega Sophia Stamatis é a segunda grande personagem do romance porque, além de servir os meus intentos para melhor retratar todo o cenário de fundo (também ele real) em torno das dúvidas existenciais e religiosidade, temas escaldantes da época, pretende de uma forma algo modesta e através de uma existência mais recatada, demonstrar que também nós, neste estado de coisas, possuímos o poder da transformação (em nós, nos outros), o livre-arbítrio e a responsabilidade pelas nossas acções e inacções...tal como sugere a sinopse: estaremos condenados a que seja o Destino a ditar a última palavra nas vidas que levamos?

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Poder e glória no romance? Ideias e ideais políticos, cenários políticos? Inevitavelmente mas permite-me explicar porque segui determinada “linha” de pensamento ou estrutura neste livro que dois leitores a quem permiti a leitura prévia, apontaram como “denso” a partir do meio até ao fim. O meu objectivo, a partir do momento em que decidi tornar Theodora a heroína deste romance, foi exactamente o de retratar a política interna e externa, a religiosidade e as leis de uma forma mais profunda não me perdendo tanto em assuntos de “alcova” pelo que é com natu-

ralidade que aceito aquelas críticas. O poder, a glória e os ideais estão sem dúvida presentes quase até à exaustão. Mas acredito que quem ama a História não deixará de valorizar estes cenários alí descritos até porque seria impossível fugir a eles se quiséssemos, como eu quis, seguir a linha do Tempo Histórico do princípio ao fim.

Erotismo e sexualidade nos tempos de Theodora e no romance? Sim, sem dúvida. A sexualidade naquele tempo era uma realidade quase tão intensa como a política, a religiosidade e a espiritualidade mas entendendo-se diferente dos tempos de hoje. Aliava-se mais abertamente à promiscuidade mas porventura sem muitos dos preconceitos que existem hoje e a própria sociedade bizantina, porque situada a Oriente, era muito mais “liberal” que a do Ocidente. É certo que uma patrícia de boa família deveria, pelo menos aparentemente, ter algum decoro mas na verdade o sexo era tão natural como outra qualquer situação à parte os ascetas e essa gente excessivamente fanática pelo Cristo cruxificado. A vergonha social, esse “pecado” tão filho das sociedades posteriores não existia como a conhecemos hoje, a sexualidade era tão natural como de facto deveria ser pois todos nascemos de um acto sexual consumado e é assim que a existência prossegue, todos trazemos à nascença pulsões agressivas e pulsões libidinosas – porquê tanto “tabu” sobre algo que deveria ser encarado com mais naturalidade?


9 - A entrevista a SoďŹ a Coutinho pela Torre de Gente


Se tivesses de viver noutra altura da História da Humanidade, que lugar e momento escolherias? Quais deviam ser os lugares de culto a visitar pelos admiradores de Theodora, a imperatriz? Os lugares obrigatórios a visitar são sem dúvida a Hagia Sophia, que no séc. VI não possuía os minaretes que agora apresenta, o Grande Bastão que actualmente é a Torre de Gálata, as três muralhas como as de Constantino, o que resta do Hipódromo, a actual coluna Serpentina, entre outras. De dizer que há monumentos posteriores mas estes a que me refiro são aqueles que retrato no romance. O mais interessante é ler o romance e decidir ir em busca de...

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Pensas que o teu romance é uma reivindicação de Theodora na História Universal ou simplesmente um divertimento literário? Nem uma coisa nem outra. Reivindicação não, posto que a imperatriz conquistou o seu lugar na História séculos antes de eu própria ter nascido...há quem a tome por uma santa inclusivé. Divertimento não o afirmaria pois escrever sobre ela é uma grande responsabilidade e nunca escrevo por leviandade antes pretendi, como já o referi, romancear o tema de modo a dá-lo a conhecer aos amantes de História. Diria antes que o meu romance é uma perspectiva sobre uma mulher com facetas diversificadas e sobre as decisões que tomou em realação a cada uma delas.

Adoraria ter vivido na Antiguidade grega e ter acesso obviamente ao Conhecimento, ao manancial de livros da biblioteca de Alexandria, por exemplo, tal como Hipátia teve, ainda que não desejasse ter o mesmo fim trágico que ela. Mas se fosse homem, seria por certo mais simples. Os povos antigos e as Escolas de Sabedoria são espantosas pois detinham conhecimentos que para a época são inacreditáveis – há até quem defenda que a Humanidade já teve acesso às leis da Criação e depois entrou em retrocesso... creio que teria escolhido viver entre Sócrates ou Aristóteles.

Qual é a mensagem que deixas para que o leitor se entusiasme a ler o teu livro? Volto a lembrar que o entusiasmo brota naturalmente do amor prévio pela História. Em todo o caso, para aqueles que a não amem com tanto vigor, pelo menos poderão aumentar a sua cultura geral e passarão a conhecer todas as linhas centrais que se relacionam com a 1ª metade do séc. VI no Império Romano do Oriente sem terem de recorrer a leitura mais técnica. O entusiasmo será mais ou menos acentuado também pelo tipo de estrutura de personalidade do leitor – quanto mais espiritualizado estiver mais tendência terá em reflectir sobre os hábitos, verdades e condutas das personagens. Sabendo ser impossível servir com êxito a todos, congratular-me-ei com aqueles que encontrem algum ponto de interesse mais pessoal nas mais de 250 páginas do livro.


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Sofia Coutinho

Imperatriz Theodora a águia de Bizâncio


Livro primeiro

aquila non capta muscas.

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(A águia não apanha moscas)


Constantinopla 516-527 d. C.

entretecida a partir da cidade grega de Megara1 mantinham-se, sob a égide do fascínio exercido nos homens pela religião do Cristianismo, os alicerces para o florescimento do que se augurava ser uma Roma Imperial no Oriente. A cidade de Constantino ou Konstantinúpolis, como rapidamente ficara conhecida entre nós aquando da sua construção, era há 186 anos a capital de Bizâncio fervilhando em vida religiosa e comércio. Eu vivia no acampamento de Acacius desde os meus cinco anos de idade na zona Este da cidade próximo da muralha que o imperador Septimus Severus fortificara. Aos dois anos uma tzigane tinha-me dito que fora abandonada por uma mãe-cortesã que ali exercera os seus fascínios e que numa noite de Martius em que a face da padroeira da nossa cidade, Hécate, se reflectia na lua do profundo manto negro salgado de estrelas, partiu do mesmo modo – e para sempre – entregando-me a uma sorte que cedo firmou em mim um temperamento que Galeno de Pérgamo, através de critérios fisiológicos humorais não hesitaria em classificar de melancólico e moroso. Falou-me de Gello, um demónio que raptava as crianças abandonadas e que beberia todo o meu sangue se eu chorasse ou desobedecesse aos meus irmãos de infortúnio. Entregou-me um amuleto para me proteger do mau-olhado, um saquinho de terra de Jerusalém e ossos moídos de rã, e despediu-me da sua tenda de peles. Acacius morrera com cerca de trinta anos durante o reinado do nosso imperador Flávio Anastácio e a viúva, durante algum tempo a chefe da grande família do Circo, acabara por contrair casamento em segundas núpcias embora a Igreja não aprovasse inteiramente estas segundas uniões2. O novo casal decidiu continuar o mesmo ofício do falecido mestre de ursos. Todavia a ganância de Astério, o mestre de baile dos prasinoi3 que possuía direitos absolutos na distribuição dos cargos consoante lhe aprouvesse,

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NA: Governada pelo rei Byzas. NA: As terceiras núpcias estavam proibidas com o apoio da legislação. 3 NA: São as 4 facções: respectivamente os azuis (venetti), verdes (prasinoi), vermelhos (rousioi) e brancos (leukoi). Branco símbolo da neve, o vermelho, símbolo do Sol e da canícula; posteriormente 2 cores suplementares foram introduzidas: o verde-claro da terra e o azul-celeste do céu e assimilaram as primeiras. Uma outra versão sugere o Branco como símbolo do Ar, Verde como Terra, Azul - Água e Vermelho – Fogo. Os Azuis e os Verdes acabaram por assimilar as restantes facções. 2

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Na Nea Rhoma do falecido imperador Constantino Magno por ele habilmente


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cedera a subornos transferindo o ofício do defunto para outras mãos interesseiras. Foi então que a antiga viúva, vendo toda a populaça reunida no Hipódromo de Constantinopla, pegou nas três filhas4 que tivera do primeiro casamento, vestiu-as de branco imaculado e coroou-as de grinaldas enchendo-lhes as pequenas mãos de louros. Obrigou-as a prostrarem-se por terra perante a facção protectora que era a sua. – Mostrai-lhes que não nascemos para sofrer em silêncio – segredara-lhes audácia enquanto lhes forçava os ombros para que se ajoelhassem. Contudo os prasinoi não se apiedaram da petição cerimonial daquelas miseráveis crianças e foram os venetti, a facção rival, a devolver-lhes o direito de exercício do mesmo ofício proferindo com desdém: – Verdes cruéis e abomináveis opressores de crianças! Verdes incapazes de pronunciar palavra, Deus permita que lhes retirem para sempre a palavra! A viúva (acabara de lhe morrer o segundo marido, vítima do mal sagrado5) decidira ficar comigo, não por altruísmo ou qualquer outra qualidade louvável que se lhe pudesse reconhecer mas para me aplicar nos seus trabalhos fornecendo apenas o pão que o ardor da fome clamava, tal como o fazia com inúmeras outras raparigas e rapazes abandonados, adoptados, vendidos e recolhidos por dívidas, filhos do devaneio, quer fossem bizantinos, núbios, macedónios ou egípcios. E eram às centenas misturando-se na azáfama de um acampamento responsável por animar sessenta mil bizantinos no orgulho que era o Hipódromo, o novo Circo Máximo da Nea Roma, o lugar mais importante das reuniões públicas que acolhia jogos, coroações, discursos, sentenças, rivalidades, queixas e castigos. Cresci muito próxima das três filhas de Acacius sobretudo da do meio, Theodora, e desde cedo a nossa companhia transformou-se numa amizade de irmãs apesar de tão diferentes que éramos. De estatura pequena e graciosa, rosto anguloso e tez morena que não muito afrontariam a Vénus dos romanos, rivalizava porém com dois rasgados olhos negros-egípcios, irrequietos, coruscantes, que encerravam toda a inteligência e luxúria de que precisaria para vir a cumprir o seu Destino. Eram estes os seus dezasseis anos, feéricos de uma luz que se pretendia filha do próprio Sol, divididos entre o teatro-comédia e o ímpeto dos sentidos que em nada pareciam afrouxar a força avassaladora que a consumia desde criança. Nesse início de noite de sabbatu6, a Mésa7 enchia-se de populaça que formigava e se acotevelava, vinda do Hipódromo onde houvera uma corrida de quadrigas disputada entre os venetti, prasinoi, rousioi e leukoi e seguida de uma comédia onde participara a bela Comito, três anos mais velha que Theodora, que fazia furor arrancando rugidos furiosos de gargalhadas e invectivas da turba secundada pela figura de Eusébia, a cortesã de Constantinopla. Eram aos milhares e espalhavam-se por toda a capital estendendo-se até aos dois lençóis de água que abrigavam o

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NA: Theodora contava 5 anos de idade. NA: Epilepsia. 6 NA: Sábado, dia de descanso para cristãos e judeus. 7 NA: Principal artéria da cidade. 5


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NA: Um dos mais importantes instrumentos musicais gregos ancestral dos modernos oboés; instrumento mais popular da Grécia Antiga que os egípcios já conheciam. 9 NA: Mar Mármara. 10 NA: Oficial de elevado posto no palácio imperial. 11 NA: Um dos mais importantes imperadores do Oriente que assistiu à queda do império romano no Ocidente.

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porto comercial de Eleutherion e os de Sophia e Kontoskalion onde uma floresta de mastros adensava o horizonte vermelho-rosa-azul onde o Sol se escondia. A enorme massa humana dispersava-se em festas sensuais, banquetes, merendas e negócios de ocasião. Por toda a parte os sons dos aulos8 e das flautas de onde pendiam fitas vermelhas serpenteavam acima das nossas cabeças e seguiam em todas as direcções. Reinava a comida e o vinho de Chipre nas centenas de tendas, vielas e buracos obscuros. Theodora quisera dar-me a mão assim que deixámos a sua mãe a dirigir as operações de regresso ao acampamento reunindo os círculos de cortesãs, adereços, anões e ursos. – Vem comigo – gritou-me com entusiasmo. Quase milagrosamente conseguíamos esgueirar-nos entre a multidão que vociferava sempre que empurrávamos e fugíamos nunca largando as mãos uma da outra. Olhava à minha volta e pouco podia ver além de uma densa massa ondulante de fitas multicolores, cabelos e braços que se erguiam, porcos, galinhas e cabras assarapantados que se atravessavam nas nossas pernas, gritos de raiva e de prazer, o cheiro a súor e a peixe podre misturados com excrementos, vinho e esperma, um fedor insuportável que se comprimia numa auréola invisível. Chegávamos à margem da Propôntida9 quando a turba explodiu numa louca alegria para logo emudecer. – O basileus, o basileus! Com efeito, o imperador Anastácio começara a sua alocução sobre a península, a parte mais alta da cidade na Acrópole, com uma excelsa vista para o Bósforo azul. O antigo silentarius10 tinha a seu lado a viúva de Zenão11 que favorecera a sua ascensão e que ele tomara inteligentemente como esposa. Centenas de arautos estrategicamente colocados reproduziam na íntegra o discurso solene daquele que recentemente massacrara o povo que antes o aclamara ingenuamente no Hipódromo aquando da sua falsa renúncia ao trono. Fosse por essa lembrança ainda vívida na memória do povo fosse porque queria que os milhares o escutassem, escolhera aquele lugar insólito. – Vem, Sophia, aproveitemos agora esta calma breve. Vamos dar de flanco... – Aonde nos dirigimos? – indaguei apreensiva. Puxou-me a mão com força e aproveitámos a ligeira indolência da serpente de multidão para correr em direcção às águas do mar. Ouvia atrás de mim algumas palavras entrecortadas dos arautos e a gritaria festiva do povo apinhado até aos telhados dos edifícios e, mesmo a tempo da ovação, já chegávamos junto a várias tendas que se erguiam na costa. – Chegamos. É ali, é ali, estás a ver o pêndulo?


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Apontava para uma tenda escura, fechada, na extremidade de toda a margem. – Eusébia confidenciou-me que na tenda escura onde se ergue a fita do pêndulo, encontraria uma velha mulher que nos leria as nossas sinas! Eusébia já a consultou em tempos e tudo se lhe consolidou. Diz que a velha aprendeu a interpretar os arcanos na Caldeia e que regressa a Constantinopla uma única vez, na altura desta festa oferecida pelo Soberano imperador... Olhei na direcção indicada e constatei que essa era de facto a única tenda escura que suportava uma velha fita de cor desmaiada com a marca de um pêndulo. – Mas que arcanos queres conhecer afinal? E será seguro entrarmos? Já imaginaste se nos violentam? – perguntei, arrependendo-me imediatamente da alusão velada que se continha nas minhas dúvidas legítimas. O meu temor relacionava-se com o facto de, aquando das estadias de Theodora cada vez mais frequentes no Teatro de dois andares onde residia Comito, aquela haver sido inúmeras e repetidas vezes violentada por vis escravos que aguardavam os seus senhores no exterior. Os miseráveis acusavam-na repetidamente de ela lhes ir “soprar o instrumento” debaixo das túnicas curtas e escudavam-se deste modo a castigos mais dolorosos. Sempre que penso neste maldito assunto parece-me que afinal Theodora se encoleriza mais pelo facto de ter de vestir a túnica de mangas curtas dos escravos e ter de vergar o seu Orgulho para servir Comito como criada, do que pelo receio de ser violentada. Apesar de ser a sua irmã de sangue favorita, quando tem de carrega-la aos ombros até ao banco em que ela se senta nas reuniões públicas, isso parece custar-lhe terrivelmente mais que as cenas secundárias a que se sujeita nos espectáculos! Não nasceu talhada para servir o que só pode significar sarilhos... O povo adensava-se frenético junto à margem marítima. Um bando de núbias ébrias, vestidas com os seus kaftãs brancos, ia descendo rodopiando a dança do Nubian. – Essa cabecinha devoradora de quimeras! Vem – puxava-me decidida ignorando as minhas palavras sempre irmãs da previdência. Entrámos na tenda onde uma anciã aguardava sentada numa enxerga de palha, uma estátua inerte. Estranhamente parecia ter conhecimento da nossa vinda. – Sentai-vos ao pé de mim. Estremeci, não porque a voz da mulher fosse desagradável mas porque constatei imediatamente que era cega. No lugar dos olhos permanecia uma massa branca e macilenta, algo azulada, que cintilou como duas centáureas quando por breves instantes ergueu o rosto banhado pela luz disforme de um coto de vela que ardia perto. Olhei Theodora que firme obedecia ao convite. Sentei-me junto dela e permaneci calada e apreensiva. Não lhe contara que na noite anterior vira no céu uma estrela que caía e deixava atrás de si um rasto luminoso o que não podia augurar nada de bom e naquele momento penitenciava-me por não ter comentado o facto. Pedia silenciosamente aos meus deuses que nos protegessem se fosse esse o caso. – Sophia Stamatis, porque invocas os teus deuses gregos? Desta vez tremeliquei deveras assustada. Como poderia tal criatura aquilina saber o meu nome, adivinhar o meu pensamento?! – Eu...eu não...– balbuciei.


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NA: Assim seja.

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– Melhor farias em estender-me a tua mão – falou estendendo-me a sua sem qualquer tremor próprio da idade avançada. – ...eu...eu só vim acompanhar a minha irmã. – Vamos, faz-lhe a vontade, Sophia, que mal daí pode provir? Viemos aqui as duas! – retorquiu Theodora, impaciente e dura. Anui com extrema relutância e coloquei uma das mãos na palma fria da vidente cujas veias escuras me pareceram raízes que subiam pelo antebraço centenário. – Não, minha pomba, a direita, a do teu Futuro – corrigiu-me com o queixo proeminente. Os dedos começaram a percorrer maciamente as linhas que encerravam o meu Destino e a boca protegia-o com uma lengalenga contra o mau-olhado que me arranhou os ossos. – Aquele que forja a imagem, aquele que encanta a face maliciosa, o olho do mal, os lábios maldosos, as palavras daninhas, o Espírito do Céu...Espírito da Terra... eles são os inimigos de Em-Kin, o deus, aqueles que se revoltaram e fizeram tremer os deuses, espalharam o terror sobre as estradas e caminham com silvos e rugidos, são o mal, são o mal... Prescrutava a minha mão mantendo os olhos assustadores imóveis e brancos, fixos num ponto imaginário como se realmente rasgasse as sombras do Desconhecido. – A tua roda da vida não pára, não pára e só há-de parar, quando o teu coração te quiser ensinar, quando o lamento do pombo se silenciar, quando a tristeza se dissolver no apelo do não. Só assim as dores definharão. De repente estacou como se encontrasse um vaticínio difícil de interpretar. As gelhas da boca acentuaram-se num sorriso que delatava os únicos dois dentes que ainda se mantinham na mandíbula inferior. Continuou: – Vida longa... Pausa. – Vida demasiado longa... não aprenderás. Voltarás a viver, viverás mais de mil luas. Como fazes, Sophia Stamatis, para não aprender? Retirei instintivamente a minha mão da dela acariciando-a junto ao peito, perturbada pela massa branca daqueles olhos cegos para o mundo das coisas. Voltei-me para Teodora que parecia concentrada nas palavras da velha tentando decifra-las. – Que queres dizer com esse Mistério, velha? – Ela não quererá aprender, é tudo. As-salaaam12. Dá-me tu a tua mão, minha linda cortesã. Agradeci em silêncio aos meus deuses aquela mudança de interesse e Theodora rapidamente esqueceu aquele Mistério para estender imediatamente a sua mão de pequena noz. No rosto da mulher que tacteava novos sulcos acendeu-se uma


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expressão perplexa. Os seus olhos fixos pareciam ter adquirido uma tonalidade vítrea e não contive nova vertigem, espantada com o sangue-frio de Theodora. – Sim, sim...farás um ninho...oh, um belo ninho no mais alto penhasco da cidade de Constantino...– murmurava – Sim, vejo aqui a águia que desce dos céus e vem comer à mão que lhe estende a Cornucópia13 ...oh, poderosa águia... Theodora olhou-me divertida com o repentino êxtase da vidente e prontificou-se a perguntar-lhe o que significava tudo aquilo. Encontraria um marido entre que classe social? Seria um pescador, um artesão? Ou, cruel, estaria a troçar dela reservando-lhe um miserável camponês? A velha caiu num silêncio meditativo durante algum tempo. O meu coração galopava. Há uma eternidade que me alheara do clamor da multidão absorta no meu pasmo. Theodora estava agora mais pálida mas fixava com determinação aqueles olhos brancos-azuis-côncavos da tzigane. – O teu Destino é mais alto...mais alto que o do camponês que semeia de sol a sol ou que o do artesão que pica as mãos no seu engenho ...a Cornucópia volta a oferecer as suas riquezas sem fim, sempre que a águia as recolhe...oh, como é grandioso o teu Destino! – Que mais? Que mais vês? – indagava Theodora num fio de voz inebriada por tão auspiciosa profecia. Nova pausa. – Nada mais me é concedido ver. Há uma espessa bruma entre a águia que plana e a cidade que vive a seus pés. A mulher largou finalmente a mão de Theodora. – Deveis-me vinte e quatro follis14, minhas lindas pombinhas. – Vint...? Estás louca, mulher? – precipitei-me sem pensar – Não temos essas moedas de bronze! – Então vais dar-me o medalhão que trazes ao pescoço, alemah15. Pelos deuses! Theodora levou as mãos ao pescoço fino e entregou à velha a única recordação que o pai lhe deixara, um medalhão oval de bronze, com uma pomba e um peixe gravados em cada uma das faces, testemunha da benção cristã de despedida de Acacius. Logo que a corrente serpenteou entre as garras vetustas que depressa se encolheram cheias, apressei-me a puxar o braço de Theodora e arrastei-a para fora da tenda. Uma lufada de ar salgado devolveu-me a lucidez e voltei a ouvir a multidão agora menos agitada na noite estendendo-se languidamente em círculos e espectáculos e fomos sem palavra estender os pés nas águas cálidas do porto de Sophia. – Acreditas no que te disse essa tzigane?! Por Atalanta se tudo isto não é uma farsa para enfraquecer as tuas crenças cristãs e surripiar o sustento de duas raparigas pobres! 13

NA: Símbolo da abundância. NA: 1 solidus (moeda de ouro) equivalia a 180 follis e 24 follis, era o salário diário de um trabalhador manual. 16 NA: Comito rapidamente se tornou numa das cortesãs mais cobiçadas de Constantinopla. Depois dos 13 anos começou a prostituir-se tendo Theodora como seguidora. 14


19 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

– Achas mesmo que sim? – perguntou-me fitando o mar prata orlado com o ouro das fogueiras que se acendiam numa fita ao longo da margem. – Como sabia ela então o teu nome, Sophia? Como podia saber que eu possuía um medalhão ao pescoço? – Ora, pode ter sido a tagarelice de Eusébia num qualquer devaneio agora que começas a ganhar notoriedade...muito me espanta que dês crédito a essas fatuidades! Apesar das nossas distintas preferências religiosas sabes bem o quanto o Destino é tecido e dedilhado pelas mãos divinas dos deuses...ou do teu Cristo Cosmocrator, se quiseres – aludia ao Cristianismo, a religião oficial que nascera do fim das perseguições aos cristãos subscrita no Édito de Milão de Constantino e de Licínio. – Porque quis o meu medalhão que nada vale? – Convenhamos que constatou que nada tínhamos e que seria bem melhor ficar com alguma coisa que com as mãos a abanar...esqueçamos tudo isto e regressemos. – Sim, vamos – levantou-se, pensativa – Mas ouviste bem? Terei um grande Destino. Aquiesci para não a contrariar, desiludida com a crença ingénua que a obscurecia ainda que um arrepio descesse pela minha espinha ao lembrar-me que a velha adivinhara inexplicavelmente os meus pensamentos. Theodora terá o Destino que Adrasteia lhe tiver já definido. Depois para me sossegar concluíra interiormente: Por outro lado, que mal tem uma jovem um ano mais velha que eu poder sonhar desassisadamente um pouco mais que o habitual? Nessa noite Theodora dormiu no acampamento e pediu-me segredo sobre o episódio da tenda e do medalhão. Dormi com ela e com Anastácia, a nossa irmã mais nova. Aninhou-se no meu ombro, beijou-me a face e segredou-me numa afirmação peremptória: – És a única, Sophia, a quem amo de coração neste mundo de escorpiões. Quando o meu Destino se consolidar, estarás ao meu lado. Não duvidei das suas palavras e pesaram-me os remorsos pelo pronto juízo de valor que fizera ao deparar-me com aquelas superstições pueris. As nossas vidas estavam inexoravelmente lacradas com o ferrete da cumplicidade para que eu não pudesse deixar de sorrir... fechei as pálpebras cansadas de emoção. De madrugada, apesar dos festejos da turba que ainda ecoavam, dos habituais sons animalescos do acampamento a que já me habituara, acordei repetidamente alagada em súor sonhando com uma época desconhecida que não conseguiria descrever, com estranhas cidades e estranhos homens que as conduziam.


índice

Livro Primeiro Constantinopla 516-527 d. C.

13

Livro Segundo Constantinopla 527-532 d. C.

61

Livro Terceiro Bizâncio 533 – 537 d.C.

117

Livro Quarto Bizâncio 537 – 542 d. C.

181

20 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

Livro Quinto Bizâncio 543 – 547 d. C.

227

Constantinopla 548 – d.C.

261

Messina, Sicília meados de Outono de 548 d.C.

267

Epílogo

271

Índice

275


21 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

Mais informação e pedidos a:

info@torredegente.com


Constantinopla, Império Romano do Oriente, 1ª metade do séc. VI: duas mulheres, Theodora e Sophia, partilham uma vida em comum mas buscam sentidos diferentes para as suas existências: a avassaladora cortesã-comediante, filha de um mestre de ursos torna-se imperatriz de Bizâncio. Sedenta de poder, dotada de visão e de uma vontade férrea, Theodora rapidamente amada e odiada escreverá muitas páginas da História ao lado do marido, o imperador Justiniano; quanto à grega Sophia Stamatis, esta persistirá na busca pelo resgate dos sucessivos renascimentos a que está condenado todo o espírito oscilando como um pêndulo entre as emoções do Passado que a aprisionam.

22 - A entrevista a Sofia Coutinho pela Torre de Gente

Numa tapeçaria entretecida de intriga, traição, assassínio, guerra, religiosidade, magia, doença e catástrofe, ditará o Destino a última palavra na vida destas mulheres?


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