Catarina de Barros Ribeiro Carlota Brás Teixeira
Sonhos Trazidos no Bico de uma Cegonha Falando sobre
Adoção em Portugal
t o r r E
g e n t e Diego Martínez Lora, Editor
Quando o coração engravida Entrevista de Diego Martínez Lora a Carlota Teixeira e Catarina Ribeiro a propósito da publicação do seu livro Sonhos Trazidos no Bico de uma Cegonha. Falando sobre Adoção em Portugal. Torre de Gente, Abril -2012. (Obrigado a Esther Slotboom) info@torredegente.com - Abril 2012
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2 - A entrevista a Carlota Teixeira e Catarina Ribeiro pela Torre de Gente
CARLOTA FERREIRA BRÁS CÉSAR TEIXEIRA é psicóloga clínica e desenvolve a sua atividade profissional, há vários anos, num Serviço de Adoções. A infância “de risco” tem sido a sua área de especialização, com investigação no âmbito do mestrado e do doutoramento nesta problemática. “Sonhos trazidos no bico de uma cegonha. Falando sobre Adoção em Portugal” surge da experiência direta num Serviço de Adoções e da necessidade de dar resposta a inúmeras perguntas sobre o que é a adoção em Portugal, quais os trâmites processuais e as dinámicas internas que permitem “fazer nosso um filho dos outros...”.
CATARINA DE BARROS RIBEIRO, Mestre em Psicologia, na área de especialização de Psicologia Clínica e da Saúde, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, desenvolveu o seu estágio curricular num Serviço de Adoções, experiência a partir da qual nasceu este trabalho. Profissionalmente, tem investido e desenvolvido a sua prática na área da intervenção social e comunitária, mais especificamente no trabalho psicossocial com crianças e famílias em risco e exclusão social.
1) Como surge a ideia de escrever Sonhos trazidos no bico de uma cegonha. Falando sobre adoção em Portugal? Quais foram as principais motivações? Uma das autoras - Catarina Ribeiro - efetuou o seu estágio académico da licenciatura em Psicologia, num serviço de Adoções. A partir do relatório (curricular) deste estágio nasce a ideia de aprofundar um pouco mais alguns aspetos e dar-lhe a forma de um livro que pudesse constituir-se como um instrumento de divulgação/informação o mais correta possível sobre a realidade da adoção em Portugal, os trâmites processuais e as especificidades de que pode revestir-se esta forma de parentalidade. 2) De que forma é que o vosso livro Sonhos trazidos no bico de uma cegonha. Falando sobre adoção em Portugal contribui para o melhor conhecimento do ato jurídico da adoção em Portugal? Este livro não pretende abordar as questões jurídicas preliminares à situação de adotabilidade. Centrámo-nos estritamente nas competências da Segurança Social em matéria de adoção, concretizadas no terreno pelos Serviços de Adoção. Os aspetos jurídicos subjacentes à definição do projeto de vida de uma dada criança e eventual aplicação de medida legal de adotabilidade não são da competência destes Serviços e não são objeto de aprofundamento na presente obra. Quisemos, tão só, explicitar como se processam as coisas a partir do momento em que os Tribunais, entidades soberanas nesta matéria, aplicam medida legal de adoção a uma dada criança. No sentido de enquadrar o melhor possível os percursos destas crianças fazemos, naturalmente, algumas referências a aspetos jurídicos, mas não é essa a centralidade do livro nem o objetivo é explorar esses aspetos.
Bom, para uma criança poder ser adotada, tem de ter sido, previamente, aplicada uma medida legal de adoção. No quadro legislativo português, é da competência do Tribunal ajuizar se, naquele caso em concreto, a situação que melhor protege o interesse daquela criança é ou não a adoção. E é evidente que não serão decisões simples. Envolvem um rigoroso estudo da situação e das alternativas em presença e, só esgotadas todas as possibilidades de manter a criança na sua família (nuclear ou alargada) é que a opção surge como resposta. Em Portugal, a adoção representa um vínculo jurídico em tudo semelhante ao da filiação biológica. Assim, tem de existir não apenas a aplicação de uma medida de adotabilidade como, depois, uma sentença final de adoção e isso é da exclusiva competência dos Tribunais, ainda que auxiliada com pareceres técnicos daqueles que desenvolvem o seu trabalho no terreno. 4) Que público pretendem atingir com este livro ou a que público está destinado este livro? Como dizemos a dada altura do livro, a responsabilidade no que toca à proteção à infância acaba por ser de todos nós enquanto cidadãos. Assim, o livro destina-se a todas as pessoas que pretendam compreender melhor a realidade da adoção, numa perspetiva “de dentro”. O tema tem sido muito explorado e abordado pelos media mas pensamos que permanece (ainda) algum desconhecimento nesta matéria. Quisemos, pois, “desmistificar” algumas ideias que ainda subsistem na opinião pública e que se afastam, por vezes profundamente, da realidade. Mais especificamente, diríamos que o livro se dirige prioritariamente a candidatos à adoção, a famílias adotivas e a técnicos que desenvolvam a sua atividade
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3) Porque é que a adoção é uma decisão tomada por um tribunal e não uma decisão administrativa?
profissional, de forma mais ou menos direta, em relação com a proteção de menores e a infância “de risco” (educadores, professores, psicólogos, assistentes sociais, juristas, magistrados, profissionais de saúde, ... ). 5) Quando falamos de adoção em Portugal, qual é atualmente o tema considerado como o mais polémico? Na opinião pública em geral, pensamos que o que gera mais polémica é a incompreensão relativa aos tempos de espera para adotar uma criança quando, simultaneamente, permanecem tantas crianças institucionalizadas. O livro tenta, por isso, “desconstruir” esta questão, “mostrando” quais as crianças que estão, de facto, “à espera” de uma família e quais os passos que os candidatos têm de dar para integrarem uma destas crianças. Num nível de discussão mais politica, digamos assim, o tema mais polémico neste momento será, provavelmente, a adoção por casais do mesmo sexo, proposta recentemente chumbada na Assembleia da República, tema não abordado neste livro. 6) Existe em Portugal a adocão restrita? Como se diferencia da adoção total? Sim, existe a adoção plena e a adoção restrita na legislação portuguesa. A adoção plena é a mais usualmente aplicada, mas existem situações em que o Tribunal considera que a adoção restrita é a medida que melhor protege o interesse de uma dada criança. Na adoção plena há uma rutura com a família biológica, aquela criança é legalmente equiparada a um filho biológico, para todos os efeitos, inclusive com mudança de sobrenomes (adquire os da família adotiva). Na adoção restrita mantêm-se os sobrenomes da família biológica e, embora quem assume a responsabilidade parental seja a família adotiva, poderão existir contactos com a família biológica e, em termos patrimoniais, é também à família biológica que as questões se reportam, ou seja, este filho adotado será herdeiro da família biológica e não da família adotiva. 4 - A entrevista a Carlota Teixeira e Catarina Ribeiro pela Torre de Gente
7) Porque é que os candidatos a pais adotivos se sentem injustiçados? Pois, talvez precisamente porque a informação veiculada sobre a adoção (ainda) passa uma ideia que não corresponde, totalmente, à verdade. Criam-se, assim, nos candidatos expectativas que depois, no confronto com a realidade que os Serviços de Adoção lhes expõem, faz com que se sintam “defraudados”. 8) O que significa adotar neste momento em Portugal? Foi sempre assim? Como qualquer realidade social, também a realidade da adoção, da proteção de menores e da própria infância se tem alterado profundamente nas últimas décadas. Para além das recentes alterações legislativas (em 2003), que vieram alterar, nomeadamente, a idade limite para adotar, que passou dos 50 para os 60 anos (sendo que, a partir dos 50 anos, os candidatos terão de se orientar para crianças mais crescidas) e os prazos que os Serviços de Adoção têm para considerar os candidatos como aptos ou não aptos para adotar, que passou a ser de 6 meses, também a Segurança Social, naturalmente, tem vindo continuamente a esforçar-se por qualificar a adoção, investindo na homogeneização de procedimentos, na formação para a parentalidade adotiva, na introdução de boas práticas, etc. Por outro lado ainda, a própria realidade social vai-se alterando o que tem, também, tradução no n.º de crianças a quem é aplicada medida de adoção e no perfil destas crianças. Assim, se até há alguns anos atrás, eram numerosos os casos de recém-nascidos em situação de adotabilidade, hoje esta realidade alterou-se profundamente e a maior parte das crianças chega à adoção em idades bem mais tardias (a adoção é legalmente possível até aos 14
anos), com histórias de vida marcadas, muitas vezes, adversidade que marcam, de forma mais ou menos acentuada, os seus trajetos desenvolvimentais e que apelam, portanto, a capacidades e competências específicas por parte dos candidatos. É esta a realidade com que são confrontados os candidatos e que, voltando a uma das questões anteriores, contribui para os candidatos se sentirem “injustiçados”.
Em termos de adoção internacional, Portugal é tanto país de origem como de acolhimento, ou seja, temos candidatos à adoção a outros países e temos candidatos de outros países a integrarem crianças portuguesas. Um dos princípios, consagrados na Convenção de Haia, relativamente à adoção internacional, é o da subsidiariedade, ou seja, uma criança só sai do seu país de origem quando esgotadas todas as possibilidades de serem integradas numa família no seu país. Falamos, portanto, a maior parte das vezes, de crianças com um perfil desenvolvimental semelhante àquelas que, no nosso país, permanecem à espera de uma família: crianças com problemas de saúde, crescidas, grupos de irmãos,… Depois, há países que, tradicionalmente, operam através de agências privadas de adoção, como é o caso dos países asiáticos e de alguns da Europa de Leste. Como em Portugal só muito recentemente foram constituídas duas agências de adoção internacional, e os protocolos de cooperação com esses países não estão formalizados, não é viável que candidatos portugueses venham a adotar crianças desses países. 10) Existe algum modelo ideal de pais adotivos ou de filhos adotados? Não existem pais ideais, nem as crianças necessitam de pais ideais. Basta-lhes ter pais “suficientemente bons”, capazes de as amar, educar, prestar cuidados
Quisemos, pois, “desmistificar” algumas ideias que ainda subsistem na opinião pública e que se afastam, por vezes profundamente, da realidade.
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9) Porque a adoção internacional está menos desenvolvida em Portugal?
e ajudar a ser pessoas autónomas e capazes. E isto é válido para qualquer processo de filiação, seja pela via biológica seja pela adoção. Não existem pais perfeitos, nem filhos perfeitos, e nem uns nem outros são necessários para existirem pais e filhos realizados e felizes. 11) Se os pais biológicos tivessem que adotar os seus próprios filhos será que reuniriam os requisitos que a Segurança Social exige aos candidatos a pais adotivos? Pois, essa é uma questão com que muitas vezes os Serviços de Adoção são confrontados. É, contudo, uma falsa questão, já que, como é óbvio, quem decide ter filhos biológicos tem-nos e pronto (mesmo que não reúna o mínimo de condições para efetivar uma parentalidade responsável e depois tenhamos crianças em risco, que algumas vezes acabam por chegar à adoção… ). Da competência dos Serviços de Adoção é encontrar famílias capazes de proteger as crianças que, fruto de adversidades de vária ordem, se viram desprovidas de um ambiente familiar, tendo o Estado de assumir a sua proteção. 12) O que consideram mais importante: seleccionar bem as famílias ou que haja mais informação, com mais qualidade, formação e acompanhamento dos pais adotivos para evitar o fracasso dos projetos adotivos? Porque se espera tanto tempo para poder ter um filho adotivo? Porque não se “fiscaliza” melhor o processo da adoção?
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Bem, tudo isso é importante. É importante selecionar bem as famílias para correr o mínimo de risco de disrupção. E é importante acompanhar estas famílias, não apenas no período de pré-adoção, que é o que está estipulado na lei, mas criar serviços de acompanhamento no pós-adoção, formando, acompanhando, intervindo e ajudando as famílias adotivas que necessitem, em alguma fase particular do seu ciclo vital, a fazer face a algum desafio particular relativo à adoção. 13) Quais são as principais expectativas que por vezes ficam por cumprir no caso das adoções? Muitas famílias ainda chegam à adoção pensando que existem muitos bebés à espera de uma família e o confronto com a realidade (tempos de espera prolongados, crianças com um perfil de desenvolvimento que não corresponde ao idealizado, … ) choca, muitas vezes, com as expectativas iniciais de quem entra num processo desta natureza. 14) Existem crianças adotáveis e não adotáveis? Ou crianças necessitadas duma medida de proteção institucional? A medida de acolhimento institucional é uma medida de proteção e não significa – a maior parte das vezes não significa – sequer, que essa criança virá a ter definido como projeto de vida a adoção. Aliás, o que se espera é que as famílias biológicas se consigam (re)organizar e adquiram competências e condições que permitam o regresso da criança a casa. Quando a reunificação familiar não é possível e esgotadas todas as possibilidades, há uma revisão de medida, sendo definido como projecto de vida a adoção. Adotáveis são, então, as crianças, que se encontram em acolhimento institucional ou familiar, mas a quem foi aplicada uma medida legal de adoção. Muitas vezes utiliza-se o termos não adotável para crianças que, apesar de terem aplicada uma medida de adotabilidade, não é possível encontrar famílias adotivas disponíveis para as integrar. Falamos, sobretudo, de adolescentes, de crianças com problemas de saúde ou deficiência ou grupos de irmãos que devem ser integrados conjuntamente numa família.
Ambas são importantes e merecedoras da melhor atenção e resposta por parte dos serviços. Contudo, o compromisso principal dos Serviços de Adoção, enquanto medida de proteção á infância é, naturalmente, em primeira instância para com as crianças sob tutela do Estado. Não se trata, pois, de procurar uma criança para uma família, mas uma família para uma criança. Naturalmente que, para tal, é necessário que existam famílias disponíveis e capazes de integrar estas crianças, cumprindo-se, assim, a necessidade de uns e o desejo de outros. 16) Porque se descartam os sistemas de marketing para a procura de famílias adotantes ou acolhedoras? Na verdade, não é por falta de famílias em lista de espera para adotar que existem crianças por adotar. O problema é o desfasamento entre o perfil, necessidades e caraterísticas de grande parte destas crianças e o perfil idealizado / desejado por estas famílias, que faz com que existam imensos candidatos à espera de adotar uma criança, ao mesmo tempo que existem algumas centenas de crianças à espera de serem adotadas sem que ninguém se candidate para elas… 17) Existe algum tipo de discriminação dos possíveis candidatos a pais adotivos devido à sua orientação sexual? Um dos requisitos legais para um casal poder adotar é estar casado ou em união de facto há pelo menos 4 anos e os elementos do casal serem de sexo diferente. No caso das candidaturas singulares esta questão não se coloca. Se poderá ser selecionada uma pessoa como apta a adotar e cuja orientação sexual não seja heterossexual? Pois, poderá acontecer. O estudo da candidatura não incide de forma específica sobre a orientação sexual dos candidatos, mas sobre um conjunto de
Na verdade, não é por falta de famílias em lista de espera para adotar que existem crianças por adotar. O problema é o desfasamento entre o perfil, necessidades e caraterísticas de grande parte destas crianças e o perfil idealizado / desejado por estas famílias, que faz com que existam imensos candidatos à espera de adotar uma criança,
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15) A necessidade de ter ou não pais é considerada mais importante do que a necessidade ou o desejo de ter um filho? Porque se trata de procurar o interesse superior de uma criança e não de dar solução ao desejo ou necessidade dos adultos de serem pais?
condições que se traduzam num contexto favorável, aos diversos níveis, para um percurso de desenvolvimento da criança o mais normativo possível. 18) O que leva certas famílias a manter a adoção em segredo? Qual é o nível de discriminação atual em relação aos filhos adotivos. Como se pode evitar a discriminação em relação à adoção? Estamos longe dos tempos em que a adoção era um tema tabu. A adoção em Portugal temse “democratizado” e “naturalizado”. Poderão persistir alguns preconceitos mas, de uma forma geral, pensamos poder afirmar-se que a tendência é claramente no sentido da sua dissipação. Quanto ao facto dos pais manterem em segredo a adoção, há a preocupação dos Serviços, desde os primeiros encontros, de sensibilizar / formar, precisamente, no sentido da importância e direito da criança a conhecer a sua história, a sua origem e raízes. Aceitar genuinamente, como filha, uma criança pela via da adoção, é aceitá-la integralmente, e o seu passado e trajeto de vida faz parte intrínseca dela como pessoa. 19) O facto de se reconhecer a diferença entre a parentalidade biológica e a adotiva contribui para a felicidade de todos os intervenientes numa adoção? Bom, qualquer relação será, à partida, mais saudável, se for aberta e fluida, se estiverem criadas as condições para um clima de segurança, de confiança e de verdade. Reconhecer que adotar é ter um filho, mas de forma diferente, implica tomar consciência de algumas particularidades e, assumindo-as, lidar o melhor possível com as mesmas.
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20) Porque é que o facto de um casal adotar como forma de ‘curar uma ferida’ pode ser considerado como uma motivação que pode por em perigo o sucesso de uma adoção? É verdade que a maioria dos casais que se candidatam à adoção o fazem por encontrarem dificuldades na concretização do desejo de serem pais, pela via biológica. Nestes casos a adoção será sempre uma forma “alternativa”de parentalidade. No entanto, esta visão da adoção como forma de substituição da filiação biológica, não se constituirá como um obstáculo ao sucesso, se plenamente aceite e encarada, por ambos os elementos, como uma forma igualmente natural e legítima de serem pais, feitos os lutos da parentalidade biológica. Caso contrário, poderão começar a surgir, a certa altura, e nomeadamente em momentos de maior fragilidade, dificuldades ou tensão da vida da família, questões que possam dificultar, ou por mesmo em causa, a verdadeira aceitação da criança como filha. No limite ela poderá tornar-se a materialização da sua “incapacidade” biológica. Desse modo, será fundamental a verdadeira cicatrização das feridas da infertilidade, antes da concretização da parentalidade por via adotiva, pois só assim o casal, e cada um dos seus elementos, poderão investir verdadeiramente na criança adotada, fazendo dela um filho/a. 21) A adoção pode tornar-se num processo doloroso porque se idealiza demasiadamente a família biológica ou porque se colocam demasiadas expectativas na criança adotada? A adoção não tem de ser um processo doloroso e pode, até, ser extremamente gratificante ser pai por esta via. A questão da idealização dos filhos coloca-se tanto na parentalidade adotiva como na biológica e não se configura como a postura mais saudável. De facto, os filhos são seres autónomos, com a sua própria personalidade, desejos, motivações e
capacidades e precisam de espaço próprio para se realizarem como pessoas e não para cumprirem / projetarem os sonhos e motivações dos pais. 22) Quais poderiam ser considerados os erros, defeitos ou as insuficiências no sistema de adoção em Portugal? Não é fácil responder a esta pergunta, porque insuficiências existem sempre, em qualquer processo, sobretudo quando a intervenção é de natureza social. Diríamos, contudo, que talvez as áreas a necessitar de maior investimento têm a ver com os tempos de definição do projeto de adoção e o insuficiente acompanhamento no pós-adoção. 23) Como são os serviços pos-adoção em Portugal? Ainda não existe, em Portugal, esta resposta devidamente estruturada. Os Serviços de Adoção vão, naturalmente, respondendo pontualmente aos pedidos/solicitações que vão chegando, mas o acompanhamento em pós-adoção não é uma competência formalmente acometida a estes serviços nem os mesmos estão dimensionados / preparados para tal competência. 24) Há associações de famílias adotivas em Portugal? Conhecemos, pelo menos, uma: a Associação Bem me queres que é, também, agência privada de adoção internacional.
Essa relação depende, como já exposto, do perfil da criança para a qual as famílias se candidatem. Se falarmos de uma criança com idade até aos seis anos, por exemplo, podemos dizer que a relação é de 1:18, ou seja, existem 18 vezes mais candidatos á espera de uma criança com esta idade do que crianças desta idade em situação de adotabilidade. Contudo, se a pretensão se orientar para uma fratria, ou uma criança com alguns problemas de saúde, ou mais crescida, a proporção acaba por se inverter, com mais crianças “disponíveis” do que candidatos em lista de espera. 26) Qual o perfil ideal de um funcionário encarregue de tratar de adoção dentro da Segurança Social? Os serviços de adoções são constituídos por equipas multidisciplinares, com técnicos superiores das áreas da Psicologia, do Serviço Social, do Direito, da Saúde e das Ciências da Educação, o que permite a existência de diferentes saberes que enriquecem e facilitam o desenrolar dos processos e, consequentemente, a melhor resposta dos Serviços aos seus utentes (crianças e candidatos, neste caso). 27) As crianças disponíveis para adoção poderão ter traumas, assim como os candidatos a pais adotivos (no caso de infertilidade ou perda de um filho). Num processo de adoção considerado ideal para aquela situação específica poderão os traumas de ambas as partes virem a ser ultrapassados? Poderemos então falar de uma verdadeira resiliência recíproca. Como há pouco referimos, a adoção, ainda que seja um compromisso, em primeira instância, com as crianças desprovidas de um meio familiar adequado e ajustado às suas necessidades de crescimento, permite também, e ao mesmo tempo, a satisfação do desejo
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25) Qual é a proporção que existe atualmente entre a procura e o número de crianças em condições de ser adotadas?
de se ser pai ou mãe. Assim, adoção permitirá, a uns e outros, a gratificação das suas necessidades e desejos mais íntimos, sendo um espaço no qual todos podem “(re)nascer” e ir construindo uma nova história, diferente e comum. 28) Por vezes pensa-se que os bebés são o tipo ideal de filho adotivo, mas esta pode ser uma idéia errada? Como por exemplo no caso de “síndrome de alcoolismo fetal” e outras possíveis doenças…?
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De facto, a maioria das candidaturas à adoção orientam-se para crianças mais pequenas. Subsiste a ideia, aliás legítima, de que quanto mais nova for a criança, menos terá sido exposta a práticas de maustratos ou negligência, menores serão os as consequências menos positivas da vivência institucional, menores serão as dificuldades de integração na família adoptiva, etc. Tudo isto será, em muitos casos, verdade. No entanto, importa também considerar que quanto mais pequena for a criança, menores serão as certezas relativas à sua situação de saúde e/ou desenvolvimento. Muitas sequelas de maus-tratos ou negligência intra-uterina ou em fases muito iniciais da existência do bebé, ou patologias derivadas da herança genética, começam a ter expressão apenas em fases mais avançadas do desenvolvimento, como é o caso do SAF, algumas doenças metabólicas ou degenerativas, entre outras. 29) O que pensam acerca da seguinte citação do atual Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho?: “Mas, por vezes, o Estado cria uma malha tão complexa e tão difícil que muitas crianças podiam ter uma adoção em tempo útil e acabam por não ter, e há muitas famílias que andam à procura de ter condições para acolher crianças, em risco, até, e a quem o Estado dificulta o processo de adoção” “Portanto, sem querer pôr em causa a grande responsabilidade com que este processo deve decorrer, a verdade é que nós podemos melhorar muito as condições da adoção em Portugal para que as crianças possam ter uma resposta social mais à altura das necessidades. E, sobretudo, não estarem institucionalizadas, poderem crescer com o amor de uma família. Isso é muito importante” Não sabemos exatamente o que o Ex.mo Sr. Primeiro-ministro queria dizer, nomeadamente se estaria a pensar na implementação de algumas medidas concretas que possam minorar os tempos de permanência das crianças nas instituições. Mas as suas palavras refletem sensibilidade e vontade de ver estes processos celerizados e vão de encontro àquilo que defendemos: as crianças têm o direito a crescer numa família, a sentirem-se pertença e a terem oportunidade de se desenvolverem de forma saudável. 30) Que projetos futuros têm as autoras que estejam também relacionados com o tema da adoção? A curto prazo, editar algumas pequenas histórias que possam ajudar os adultos (pais adotivos ou não) a falar com as crianças sobre a adoção. São histórias baseadas em casos reais de adoção, e que poderão constituir-se como uma modesta forma de ir familiarizando as crianças com as questões da adoção, potenciando a sua naturalização. Para os pais adotivos em particular, poderão ser uma ajuda para abordar com o seu filho a sua própria história. Existe, ainda, o projeto de continuar a explorar o tema, seja com trabalhos diretamente relacionados com a adoção, seja com os processos “a montante” desta etapa, nomeadamente os trajetos destas crianças e as suas caraterísticas desenvolvimentais.
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Catarina de Barros Ribeiro Carlota Brás Teixeira
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Sonhos Trazidos no Bico de uma Cegonha Falando sobre
Adoção em Portugal
Diego Martínez Lora, editor
Adotar
(Carlota Brás Teixeira)
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“Quando o coração engravida, cheio de amor, numa prece, dá-se nova vida a uma vida e o natal acontece. E assim todo o menino será pertença de alguém, seguro no dom divino de ter um pai, uma mãe”
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Prefácio O encontro daqueles que sonham com o dia em que se tornarão pais com aqueles que, fruto de infelizes vicissitudes, anseiam por ser filhos, é, sem dúvida, um tema apaixonante, inspirador de diversos e interessantes debates, objeto de investigação pelas diferentes áreas científicas, pretexto para notícias, reportagens e outras obras de divulgação.
Faltava, todavia, uma obra que desvendasse os bastidores da adoção e desse a conhecer o trabalho criterioso levado a cabo pelas entidades a quem o legislador acometeu a misteriosa tarefa de construir afetos. Esse espaço fica agora preenchido com o presente trabalho em que, com uma terna sensibilidade que em nada prejudica o rigor, e com a sabedoria dos que lidam diretamente com a realidade, nos é apresentada, em jeito de peça teatral, esta miríade de emoções, análises científicas, atos processuais, intervenções de profissionais, indispensáveis para que o pano de cena possa cair com a certeza de que “serão felizes para sempre”. Isabel Pastor
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Encontramos hoje nas prateleiras das nossas livrarias uma razoável coleção de obras que tratam a adoção nas suas diferentes perspetivas, do direito à psicologia, passando pela abordagem sociológica e antropológica, desta forma de constituir família.
Ilustramos… No início da primavera, as cegonhas constroem os seus ninhos em escarpas altas, afastadas da civilização humana, ou em ramos fortes de copas de árvores de grande porte, de difícil acesso a predadores, garantindo assim, a segurança e crescimento das suas crias. Este ninho, composto por terra, folhas e ramos entrelaçados, é com dedicação e afinco construído por ambos os elementos do casal de cegonhas.
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A mãe-cegonha põe de dois a cinco ovos, que protege e aconchega até eclodirem. Desde essa altura e durante meses, o ninho é o centro de toda a atividade e atenção dos pais--cegonhas. Passam muito tempo a arranjá-lo e mantêm-se sempre por perto, cuidando e protegendo, saindo apenas para buscar alimento. No meio da primavera, as crias saem da casca, indefesas e penugentas, e permanecem no ninho aos cuidados dos progenitores, que as alimentam, protegem e asseguram o seu desenvolvimento até que tenham capacidade de sobreviver sozinhas. Quando chove, a cegonha abre as suas asas e protege os seus filhos, dispensando também ternura e calor. Ao fim de dois meses de completa dedicação e amor, as cegonhasfilhas estão aptas a voar. Nessa altura, deixam o ninho onde cresceram e batem asas, seguindo o seu próprio caminho. Tal como nas cegonhas, a Natureza também prevê para as crianças um meio que as acolha, aqueça, proteja, alimente e aconchegue, no qual possam encontrar a segurança, a dedicação e o afeto que lhes garanta as condições mínimas para que se desenvolvam e se tornem capazes de bater asas e voar sozinhas. Infelizmente, muitas crianças, que não tiveram a sorte de nascer das cegonhas, são privadas do (seu) direito de crescer sob a proteção de uma família que lhes proporcione as condições mínimas para a sua sobrevivência e desenvolvimento (minimamente) integrado e sustentado.
As contingências da vida, os contornos e rumos que toma, os erros humanos que daí decorrem, podem levar à destruição dessa estrutura natural ou torná-la imprópria para se constituir como o primeiro ninho indispensável à criança. Seja por que razão for, quer a morte tenha causado um vazio irreparável, quer a conduta associal dos pais faça perigar a sobrevivência e crescimento saudável da criança, ou a doença, a miséria ou outros acasos a obriguem a deixar o seu meio, este desunir é sempre uma violência porque vai contra a ordem natural da vida.
Então, aparecem aqueles, chegados de um longo, desejado e sofrido caminho, a maior parte das vezes também ele marcado por perdas profundas e lutos difíceis, e que, sem qualquer pudor, abrem os braços a estas crianças e a tudo o que trazem consigo, devolvendolhes o calor, o conforto e a segurança que só o aconchego de um colo pode trazer. São braços e corações abertos, que transbordam vontade de dar a quem é ávido de tanto. Estabelece-se, então, uma relação quase simbiótica de afetos, que preenchem vazios e curam feridas antigas de uns e de outros. Devolveram-lhes os sonhos. Têm uma nova vida. Agora são uma família. Já podem voar.
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Estas crias, indefesas, ainda longe de estarem aptas para voar sozinhas, são abandonadas à sua sorte, num ambiente que, raramente, lhes proporciona mais do que as condições de proteção e segurança inerentes ao seu bem estar físico, deixando de lado a resposta à sua necessidade básica de um consistente e ininterrupto relacionamento de afeto e estímulo. Obrigadas a crescer sozinhas, correm contra um tempo que passa rápido e demasiado devagar, enquanto esperam que alguém lhes devolva o sonho um dia roubado.
Índice - Prefácio - Ilustramos… - Introdução
9 11
Capítulo 1 - O Cenário - Os Serviços de Adoções - Competências dos Serviços de Adoções - Porquê a Avaliação das Famílias Adotivas
17 19 21
Capítulo 2 - Os Personagens - Falando sobre Adoção - Os Meninos de Ninguém - (Sobre)viver à Infância - Do risco à adotabilidade - Era uma vez… - A Menina que (não) queria falar - O Menino Afeto - O Menino Grande (demais) - Os Aspirantes a pais – Os adotantes - Os Técnicos dos Serviços de Adoções
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Capítulo 3 - O Guião - Pelos Trilhos da Adoção - 1º Ato - A Promessa de um Sonho - O Processo de Candidatura e Seleção - Cena 1 - Sessão Informativa – Adotar? Como Fazer? - Cena 2 - Avaliação e Seleção de Candidaturas à Adoção - A Entrevista de Avaliação Social - A Entrevista de Avaliação Psicológica - Sessão Formativa – Que criança(s) estou capaz de adotar? - A Entrevista Domiciliária - Manuel e Laura – Uma candidatura protótipo - Henrique e Joana – O (verdadeiro) sentido da Adoção - Mário e Carla - “Três é bom, quatro vai ser melhor…” Candidatura de um casal com um filho biológico - O Menino Pescador – Candidatura à adoção de uma “situação de facto” - Cena 3 - À espera da Cegonha - Bloco C - Formação Integrada no Período Pós-seleção antes da Integração da Criança - Sessão C.1. Construir Vínculos Seguros - Sessão C.2. Abrir a Comunicação na Família - Sessão C.3. Comunicar sobre a Adoção - Sessão C.4. Lidar com Comportamentos e Situações de Adoção Particulares
25 26 26 31 38 41 47 51 55
59 61 61 64 66 67 70 79 80 83 83 89 94 100 104 104 105 105 106
- Sessão C.5. Preparar a Chegada do Novo Elemento da Família - 2º Ato - O Sonho Fecundado - Cena 1 - A Notícia de Adoção - A Proposta - Cena 2 - A Chegada da Cegonha – A Transição - Cena 3 - Descobertas e (Re)Conquistas – A Pré-adoção
107 109 113 122 140
Capítulo 4 - Para Sempre… - O Cair do Pano - Especificidades da Adoção – Formação e Acompanhamento - Para Sempre…- O pós-adoção - A (nova) Família e as qualidades reparadoras da Adoção - A Revelação
175 176 182 182 185
Considerações Finais
191
Referências Bibliográficas
197 203
19 - 19 - A entrevista a Carlota Teixeira e Catarina Ribeiro pela Torre de
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