vol. 1, n. 1 semestre1
2016
APRESENTAÇÃO..................................................................................................... 3 Anapatrícia Morales Vilha
EDITORIAL............................................................................................................... 4 José Henrique Bassi Souza Sperancini
Artigos Economia Interdisciplinar............................................................................... 5 Fernando Nogueira da Costa, Taciana Santos, Daniel Pereira da Silva e Samir Luna de Almeida
RADIOGRAFIA DO SISTEMA LOCAL DE INOVAÇÃO DO GRANDE ABC........................ 26 Antonio Carlos Marques Valente e Anapatrícia Morales Vilha
EMPRESÁRIOS DO TRENTINO-ALTO ADGE NO BRASIL............................................ 36 José Henrique Bassi Souza Sperancini
AGLOMERADOS INDUSTRIAIS GOIANOS: REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES PARA O EMPREGO INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL...................... 52 Renata Ferreira Alves Pinto, Rocco Di Nizo Neto e Mônica Yukie Kuwahara
MAIS INFORMAÇÃO, MENOS CONHECIMENTO: AS CONTRADIÇÕES DA PRESENÇA DE NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO.......................................................... 66 Mônica Yukie Kuwahara
AS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E O FINANCIAMENTO BANCÁRIO..... 81 Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
http://publicacoes.ufabc.edu.br/reni/
Equipe Editorial Editor Chefe José Henrique Bassi Souza Sperancini - Doutor em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência em ensino e pesquisa nas áreas de economia da saúde, evolucionismo, economia do turismo e avaliação de políticas públicas com ênfase nos temas da inovação tecnológica e do desenvolvimento econômico.
Conselho Editorial Alberto Sanyuan Suen - Doutor em Administração pela FEA-USP. Tem experiência nas áreas de Economia, Administração e Direito, com ênfase em Economia Financeira, Administração de Empresas e Direito Comercial Alexandre Ottoni Teatini Salles - Doutor em Economia pela University of Hertfordshire. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Institucional, Economia Pós-Keynesiana, economia monetária e financeira, história econômica e desenvolvimento econômico. Ana Claudia Polato e Fava - PhD pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, mestrado e graduação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência em Microeconomia, Econometria, Desenvolvimento Econômico, Economia da Família e Finanças Pessoais. Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha - Doutora em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Tem experiência na área de Estratégia competitiva e de inovação; Gestão de tecnologia e inovação; Gestão de inovação em economias emergentes; Tecnologia, inovação e desenvolvimento sustentável; Economia da inovação tecnológica; Estratégias empresariais; Políticas de ciência, tecnologia e inovação e Empreendedorismo. Hernàn Thomas (UNQ) - Doutor em Ciência e Tecnologia Política pela UNICAMP. Pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (UNICAMP). Pesquisador do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) e professor da Universidade Nacional de Quilmes. Pesquisador (categoria 1) do programa de incentivo do Ministério da Educação. Josmar Cappa - Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: economia urbana e regional, políticas públicas contemporâneas, políticas públicas, transporte aéreo e aeroportos e economia do bem-estar social. Marta Cristina Marjotta - Mestrado e Doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: agronegócio, logística, marketing e setor sucroenergético. Mônica Yukie Kuwahara - Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de microeconomia e economia do meio ambiente. Realiza pesquisas sobre qualidade de vida, desigualdade, desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental, com ênfase maior em seus indicadores e análises de políticas públicas. Octavio Augusto Camargo Conceição - Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Flutuações Cíclicas e Projeções Econômicas, atuando principalmente nos seguintes temas: instituições, abordagens institucionalistas, economia brasileira, desenvolvimento econômico e crescimento econômico. Ricardo Luiz Silveira da Costa - Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Filosofia Medieval e História Medieval.
Pareceristas Alberto Sanyuan Suen (UFABC) Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha (UFABC)
APRESENTAÇÃO Inovação, tecnologia, ciência, negócios. Vivemos um momento em que todos esses elementos se mostram de fundamental importância para ponderarmos sobre o desenvolvimento das sociedades. De forma subjacente, a comunicação científica caracteriza-se como veículos de difusão e de estímulo aos avanços e benefícios oferecidos pelos campos do conhecimento. Diante da necessidade de ampliar a reflexão e, sobretudo, de gerar conhecimento crítico relacionado à intersecção dessas áreas, insere-se a Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação – RENI – um periódico científico produzido pela Universidade Federal do ABC – UFABC. Trata-se, pois, de uma publicação eletrônica semestral, gratuita e de interesse de diferentes atores envolvidos em processos ligados à ciência, tecnologia, inovação, empreendedorismo e negócios. Que possamos usufruir e aproveitar mais espaço de publicação e difusão do conhecimento científico de relevo no campo da ciência, tecnologia, inovação. Saudações inovativas!
Profa. Dra. Anapatrícia Morales Vilha Coordenadora da Agência de Inovação da UFABC - InovaUFABC Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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Editorial
EDITORIAL A “Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação” (RENI) inicia seus trabalhos agradecendo aos colaboradores, conselheiros e técnicos responsáveis pela revista. Os seis artigos escolhidos para o primeiro número pretendem demonstrar a orientação inovadora de nosso periódico. O primeiro artigo, oferecido por pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp, ilustra o perfil dos artigos teóricos que pretendemos receber. A RENI visa divulgar conhecimento acadêmico e profissional com ênfase em análises interdisciplinares e avanços conceituais e metodológicos. Deseja promover artigos teóricos com conteúdos instigantes, provocativos e audaciosos de autores que aspiram aplicar energia na criatividade, no experimentalismo e na divulgação de insights mais do que no formalismo excessivo. Nesse sentido, o artigo de abertura explora análises interdisciplinares na fronteira teórica da Ciência Econômica. Analisando a Economia da Complexidade o artigo reúne “insights” e escalas de análise interdisciplinares buscando superar a visão econômica ainda inspirada no mecanicismo da Física newtoniana. O artigo de Antonio Valente e Anapatrícia Vilha se encaixa em nossa proposta de divulgar resultados de investigações. Assentado na modelagem schumpteriana o artigo é resultado de uma pesquisa qualitativa sobre interações dos atores políticos, científicos e tecnológicos do Grande ABC. O terceiro artigo atende nosso objetivo de tornar público experiências de trabalhos que aplicam novas modelagens teóricas e metodológicas derivadas do pensamento Institucionalista, Liberal e Austríaco. Explorando o tema da imigração de empresários trentinos o artigo utiliza diferentes modelagens como a Comportamental, a Evolucionária e a Institucional Cognitiva. Entre as opções temáticas de Estudos Aplicados e Estudos de Casos divulgamos o quarto artigo que trata da identificação de aglomerados industriais consolidados e potenciais na geração de. Baseado nos dados da RAIS o artigo parte de teorias ligadas ao desenvolvimento endógeno para explorar a formação de clusters capazes de dinamizar a absorção de mão de obra e a competitividade setorial e espacial. Em seguida o quinto artigo identifica características das novas tecnologias de informação e de seus efeitos sobre a contemporaneidade. O artigo explora a constituição de um novo “paradigma tecno-econômico” marcado pela presença de modernas tecnologias capazes de sustentar um padrão de criação de riqueza associada ao conteúdo informacional de bens e serviços. Finalmente o artigo de Elizabeth Krauter, Almir de Sousa e Dariane Fraga estuda as micro, pequenas e médias empresas. Este artigo tem especial importância no lançamento de nossa revista por se debruçar sobre um tema da mais alta relevância para o desenvolvimento empresarial brasileiro, o financiamento bancário pelas pequenas empresas. Resultado de uma pesquisa com mais de 300 empresas o artigo aponta para um dos principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento empresarial no Brasil das próximas décadas, a difusão dos fundos garantidores de crédito. Mais uma vez gostaria de agradecer os colaboradores da RENI e solicitar novas contribuições sobre os temas tratados pelos artigos de abertura da revista. Também gostaríamos de contar com trabalhos sobre Agentes da Inovação, Empreendedorismo e Competitividade, História da Inovação e História de Empresas Inovadoras. A RENI cumpre com esse número de lançamento seu objetivo de também ser um periódico inovador. Com o apoio dos autores e avaliadores procura atender a ética na pesquisa e nas boas práticas de produção e publicação de artigos científicos. Nosso Conselho Editorial, experiente e extremamente produtivo é a garantia da longevidade e do prestígio sobre a qual a RENI pretende se assentar. Por fim, não poderia deixar de agradecer o professor Wilson Suzigan da Unicamp e a secretária executiva Mônica Frigeri da Revista Brasileira de Inovação pelas sugestões oferecidas a este editor.
José Henrique Bassi Souza Sperancini http://lattes.cnpq.br/4308301332725560 Editor da RENI 4
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Fernando Nogueira da Costa, Taciana Santos, Daniel Pereira da Silva e Samir Luna de Almeida
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Economia Interdisciplinar Interdisciplinary Economics
RESUMO
Fernando Nogueira da Costa (Professor-Titular do IEUNICAMP)
Taciana Santos (Mestre e Doutoranda do IEUNICAMP)
Daniel Pereira da Silva (Mestre e Doutorando do IEUNICAMP)
O conhecimento das Ciências Sociais em geral pode ser ampliado pela exploração de métodos de análises interdisciplinares. O objetivo deste artigo é divulgar a nova fronteira teórica da Ciência Econômica que se inspira em metodologia de Outras Ciências, tanto em Ciências Humanas como Economia Comportamental (ou Psicologia Econômica), quanto em Ciências Sociais como Economia Institucionalista (ou Sociologia Econômica), e até mesmo em Ciências Naturais como Economia Evolucionária (ou Biologia Evolucionista). Analisa também como a Economia da Complexidade (ou Engenharia da Computação Econômica) reúne esses diversos insights e escalas de análise interdisciplinares, reintegrando a partição da realidade realizada pelas diversas Ciências Afins. Uma interpretação multidisciplinar dos fenômenos macroscópicos emergentes a partir das interações entre agentes busca superar a visão anacrônica do mundo, inspirada no mecanicismo da Física newtoniana, ainda adotada por economistas desatualizados. Palavras-chave: Metodologia Econômica – Economia Comportamental – Institucionalismo – Evolucionismo – Complexidade.
Samir Luna de Almeida (Graduado FFLCH-USP e Pósgraduando IE-UNICAMP)
ABSTRACT
Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
Knowledge of the social sciences in general may be extended by the operating methods of interdisciplinary analysis. The purpose of this paper is to promote new theoretical border of Economic Science. It is inspired in other Sciences methodology, both in Humanities and Behavioral Economics (or Economic Psychology) and in Social Sciences as Economics Institutionalist (or Economic Sociology) and even in Natural Sciences as Evolutionary Economics (or Darwinian evolutionary biology). It also analyzes how the Economics of Complexity (or Computer Engineering Economics) brings together these various insights and interdisciplinary analysis scales, reintegrating the partition of reality held by the various allied Sciences. Looking at the economy as a complex system, it is understood that the interactions between parts generate an outcome called emerging. It cannot be observed in the level of economic agents. This theoretical framework is an alternative to reductionism. Keywords: Economic Methodology - Behavioral Economics - Institutionalism Evolutionism - Complexity.
Classificação JEL / JEL Classification: B41 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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Economia interdisciplinar
1.
Introdução
Houve três estágios na evolução científica. No primeiro, a Ciência Aristotélica era hierárquica, tal como se caracterizavam as sociedades da Antiguidade e da Era Medieval. A Terra era vista situada no centro da esfera celeste, fora da qual haveria um reino eterno, onde viveria um Deus onipotente e onisciente. De acordo com sua Lei de Movimento, tudo se encaminharia para seu lugar natural por predestinação divina. No segundo estágio, a Física Newtoniana e a Teoria Política Liberal de John Locke, criadas no contexto da primeira revolução burguesa (a inglesa), no século XVII, tinham algo em comum. Não havia um centro, havia sim partículas que se moviam em uma estrutura fixa com noção absoluta de espaço e tempo. Similarmente, o direito de propriedade foi conquistado e definido de uma maneira independente à história, em relação a noções absolutas de Direito e Justiça. Na Política, a Monarquia Absolutista foi substituída pela Monarquia Parlamentarista ou Constitucionalista, mas, na Ciência, não se relativizou... A Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica foram criadas no século XX, caracterizando o atual estágio científico. A Ciência passou a reconhecer que não existe nada fixo, nem espaço nem tempo absoluto, tudo está em relação a outras coisas. As redes de relacionamentos estão constantemente evoluindo. As propriedades emergentes das coisas dependem dos tipos de interações. A Teoria Quântica diz respeito a um sistema físico cujas grandezas físicas observáveis assumem valores discretos, de tal modo que a passagem de um determinado valor para outro ocorre de maneira descontínua, segundo as Leis da Mecânica Quântica. Esta é relevante para descrever sistemas microscópicos, cujos efeitos específicos não são somente perceptíveis em tal escala, mas também emergem em fenômenos macroscópicos. Há dois grandes temas a serem tratados na Ciência do Século XXI. O primeiro se refere aos modos relacionais de pensar sobre o mundo. O segundo trata da auto-organização 6
e/ou dos modos darwinistas de pensar sobre o mundo. A evolução do pensamento sobre espaço, tempo e cosmologia, e também do pensamento sobre a sociedade, caminha em direção da união dessas duas grandes ideias advindas do darwinismo e do relacionismo. Na Ciência Biológica de Darwin, a seleção natural trabalha no Universo Relacional com propriedades (tais como “adequação”) que se referem a relacionamentos de algumas espécies com outras espécies. Destacam-se as regras de originação-adoção-retenção e/ ou reprodução. Inspira conceitos tais como inovação, dependência de trajetória, padrão comportamental com novos hábitos e rotinas organizacionais, e estabilização institucional. A lei de movimento se refere ao processo de descoordenação-reordenação-coordenação da macroestrutura. Para que as leis da Física se portassem da mesma forma em todos os quadros referenciais inertes, elas teriam de parecer diferentes quando vistas de um quadro para outro. Einstein observa o deslocamento relativo, deduzindo que o tempo e a posição são conceitos relativos. Observadores em movimento relativo, uns aos outros, vivenciam o espaço e o tempo de forma diferente. Não há simultaneidade absoluta. O universo é constituído por relações. Um exemplo de Ciência Contemporânea é a visão de que qualquer agente em uma Democracia está inserido em uma rede de relacionamentos, onde há contínuos conflitos de interesses, concessões mútuas, cooperação ou colaboração. Esta é a condição da Política para a emergência de uma sociedade melhor. No entanto, para Gomes (2015), “a Ciência Econômica é hoje a ciência dos modelos lógicos e coerentes, modelos estes que são rigorosos de um ponto de vista conceitual e onde as noções de racionalidade, equilíbrio, otimização e eficiência são dominantes. Para ir além deste paradigma, a busca obsessiva pelo comportamento otimizador tem de ser descartada em favor de uma abordagem multidisciplinar que atribua relevância à experimentação e à análise cuidadosa dos fatores de natureza institucional. Um dos campos científicos que melhor pode prestar auxílio à Ciência Econômica na Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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e psicológicas desde Adam Smith, esse arcabouço teórico é essencialmente um produto do pós-Segunda Guerra Mundial, tendo aumentado substancialmente nos últimos 30 anos. Ela não se constitui como um projeto de pesquisa único e coerente, guardando, na verdade, uma coleção de modelos, muitos deles conflitantes entre si. A Economia Comportamental acaba por encontrar harmonia na postura crítica em relação à capacidade descritivas dos modelos neoclássicos e na proposta genérica de aumentar o poder explicativo e preditivo da teoria econômica, através de fundamentações mais plausíveis do comportamento e das formas de cognição dos agentes. A despeito do termo “comportamental”, essa abordagem tem pouco a ver com a chamada Psicologia Comportamental. Antes, ela surge como uma aplicação da Psicologia Cognitiva ao campo da tomada de decisões econômicas. A revolução cognitiva, na década de 1950, introduziu uma nova maneira de ver o cérebro: como um processador de informações. A partir dessa concepção, vale dizer, ontológica, Castro (2014: 17) entende que a atividade mental estaria assentada no mundo físico mediante os conceitos de informação, computação e retroalimentação. A variedade infinita de comportamentos poderia ser gerada por uma quantidade finita de modelos mentais. Sob a variação superficial entre culturas e indivíduos poderia haver mecanismos mentais universais. A abordagem psicológica dos cognitivistas concebe a mente como um filtro sensorial que processa informações através de modelos mentais, modelos estes cuja analogia pertinente são os scripts de um computador. O modo pelo qual as informações do ambiente são processadas cognitivamente remete ao 2. Economia Comportamental conceito de schema. Segundo Mandler (1984, (ou Psicologia Econômica) apud D’Andrade, 1995: 122), schema é tanto a representação abstrata unitária quanto A Economia Comportamental se situa o processamento informacional de uma na interface de estudos econômicos e regularidade ambiental, seja um objeto, seja psicológicos. Embora possa-se registrar um evento. De forma concordante, Dimaggio interlocuções entre as concepções econômicas (1997: 269) os relaciona aos mecanismos procura por um paradigma de complexidade é a Física, onde já há muito a visão mecanicista do mundo que a Ciência Econômica continua a adotar foi substituída por uma interpretação baseada na interação entre agentes” (grifo nosso). O conhecimento das Ciências Sociais em geral pode ser ampliado pela exploração desses métodos de análises interdisciplinares. O objetivo deste Texto para Discussão é divulgar a nova fronteira teórica da Ciência Econômica que se inspira em metodologia de Outras Ciências, tanto em Ciências Humanas como Economia Comportamental (ou Psicologia Econômica), quanto em Ciências Sociais como Economia Institucionalista (ou Sociologia Econômica), e até mesmo em Ciências Naturais como Economia Evolucionária (ou Biologia Evolucionista). Analisa também como a Economia da Complexidade (ou Engenharia da Computação econômica) reúne esses diversos insights e escalas de análise interdisciplinares, reintegrando a partição da realidade realizada pelas Ciências Afins. A hipótese adotada aqui é que, analisando a economia como um Sistema Complexo, entende-se que as interações entre suas partes geram um resultado, chamado emergente, que não pode ser observado no nível dos agentes econômicos. Este referencial teórico é alternativo ao reducionismo da mainstream dos economistas. A estrutura de apresentação será a seguinte. Além desta Introdução com uma visão sumária de seu objetivo, hipótese de análise e metodologia empregada, constará de quatro tópicos – Economia Comportamental, Economia Institucionalista, Economia Evolucionária, e Economia da Complexidade – e a Conclusão com uma síntese dos principais resultados alcançados pelo pensamento econômico interdisciplinar.
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Economia interdisciplinar
automáticos de cognição, ou seja, à cognição implícita, não verbalizada e rápida. Tais schemas, sob condições de informações incompletas, provêm a forma padrão de conceber as características dos objetos e dos eventos, bem como os vínculos que eles estabelecem entre si (Dimaggio, 1997: 269). Eles seriam, assim, a menor parte de uma representação mental unitária, distinta e restrita (D’Andrade, 1995: 122). Por sua vez, os modelos mentais se fazem com um conjunto de elementos cognitivos, no limite, os próprios schemas, que, juntos, representam algum padrão. Em geral, os indivíduos utilizam tais modelos para resolver mentalmente algum problema, para além de uma simples representação de um objeto ou de um evento. Nesse sentido, os modelos mentais diferem dos schemas, pois podem ser compostos de uma coleção de elementos que se faz extensa e complexa demais para ser contida na memória de curto-prazo e nos mecanismos automáticos da cognição (D’Andrade, 1995: 151-2). Os schemas e modelos mentais são responsáveis, dessa forma, por perceber, processar e recuperar informações, permeadas pelas sugestões oferecidas pelo ambiente. Embora alguns desses mecanismos cognitivos estejam intermitentemente disponíveis, é mais frequente que eles sejam ativados quando ocorrem determinados estímulos externos como conversas, observações, incitações físicas, etc. Ademais, o resultado da interação entre determinada informação e o modelo mental ou o schema ativado pode ser diverso e incoerente no tempo e no espaço. Além das estruturas de processamento cognitivo próprias da condição humana, as pessoas adquirem, ainda, muitos schemas e modelos ao longo de suas vidas, sendo alguns destes mutuamente inconsistentes, tanto no conteúdo quanto na implicação para o comportamento (Dimaggio, 1997). É exatamente dessas estruturas cognitivas que provém “a microfundação da sociologia das instituições” (Dimaggio, 1997: 271), uma vez que é através delas que ocorre a institucionalização mental da cultura. A cultura se faz, então, para os cognitivistas, como “um sistema de símbolos 8
externos à pessoa, incluindo o conteúdo da fala, os elementos que constroem o ambiente, as mensagens dos meios de comunicação, e os significados embutidos nos padrões de atividade observáveis” (Dimaggio, 1997, p. 274). Ainda, segundo Dimaggio (1997: 274), as pesquisas da Psicologia Cognitiva apontam que a cultura funciona como um repertório de técnicas ou um kit de ferramentas estratégicas para a cognição. São regras de pensamento internalizadas, ou preposições que guiam a interação de elementos informacionais e a produção cognitiva. Os indivíduos, assim, reagem ao ambiente, não passivamente, como querem os behavioristas, mas ativamente, selecionando, organizando e interpretando os estímulos externos, de maneira particular e, por vezes, padronizada. No gérmen das interlocuções entre a Economia e a Psicologia Cognitiva, Herbert Simon (1955) propõe uma versão alternativa ao agente metodológico perfeitamente racional da Economia Neoclássica. Simon constata que a racionalidade humana é limitada por uma gama de restrições cognitivas e ambientais, restrições essas que impedem que o indivíduo se comporte idealmente. As pessoas desenvolveriam, então, modelos metais que simplificariam e categorizariam informações e estímulos externos. Por esses meios, Simon logra avançar alguns passos na direção da congruência entre o agente econômico metodológico convencional e o indivíduo real em suas ações sociais. Certamente, a possibilidade desse avanço reside na particularização padronizada representada pelos schemas e modelos mentais. Ao incluir nos modelos e análises econômicas algumas variáveis comportamentais verificadas, os economistas podem aumentar rigorosamente a relevância de seus estudos, ampliando a aleatoriedade dos componentes erráticos. A partir dos trabalhos seminais de Simon, a Economia Comportamental se desenvolveu em diversas trajetórias de forma, por vezes, divergente. Pertinentemente, Castro (2014) subdivide essas trajetórias em dois grupos, referenciados pelo posicionamento quanto ao estatuto prescritivo do modelo Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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de racionalidade da economia neoclássica. São eles: os “radicais” e os “reformistas” (Castro, 2014: 3). Os economistas comportamentais radicais são aqueles mais próximos dos critérios metodológicos de Simon. Eles tomam as concepções neoclássicas de racionalidade plena dos agentes representativos como demasiadamente afastadas das possibilidades reais da cognição. Em contraposição, e de forma geral, essas abordagens radicais propõem conceber a racionalidade como limitada ou baseada em regras (rule following), bem como conformam a tomada de decisões dos agentes econômicos pelo imperativo comportamental da satisfação (satisfacing), atribuindo a elas, inclusive, caracteres de heurística e acentuada complexidade. Por sua vez, os economistas comportamentais reformistas são aqueles que não refutam as normas de racionalidade dos modelos neoclássicos, por atribuírem importância à capacidade normativa desses modelos. Antes, esses economistas tomam a escolha plenamente racional como caso geral e propõem estudos cognitivos que indiquem a ocorrência sistemática de desvios e anomalias dessa racionalidade. A partir da identificação dessas distorções, as abordagens reformistas procedem de maneira a formular teorias alternativas de otimização restringida. Essas teorias generalizam os modelos existentes sem, contudo, abandonar as premissas básicas da teoria neoclássica no que concerne às preferências, à utilidade, ao equilíbrio e à maximização (Castro, 2014: 41-2) . Para além dessa classificação proposta por Castro, vale aqui destacar a importante interlocução teórica estabelecida pela Economia Comportamental e a Economia Institucionalista. Essa articulação está baseada em congruências ontológicas e epistêmicas. Amplia as possibilidades de aplicações de ambas as abordagens econômicas. Como já observamos, Dimaggio (1997) aponta que os schemas e modelos mentais são responsáveis pela internalização mental de elementos informacionais externos. Consoante a isso, Dequech (2011) admite que Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
as instituições influenciam os indivíduos de maneira informacional, prática e profunda. Além de conceder informações aos agentes, as instituições também incorporam (ou corporificam) tanto conhecimentos práticos e tácitos, como modelos mentais compartilhados, de modo que “desempenham uma função cognitiva profunda ao influenciar o modo como os indivíduos selecionam, organizam, e interpretam informações.” (Dequech, 2011: 9). Esse autor sugere, ainda, três tipos de influência que as instituições exercem sobre o comportamento econômico. O primeiro diz respeito à “função restritiva das instituições”, isso é, regras de pensamento e de comportamento que visam conter determinadas ações econômicas. A segunda, chamada “função cognitiva das instituições”, refere-se tanto ao arcabouço informacional que as instituições provém aos indivíduos, inclusive com respeito à ação de outras pessoas, quanto à influência sobre a percepção individual de realidade. Dessa maneira, influem em como os indivíduos selecionam, organizam, ou interpretam informações. Por fim, a denominada “função motivacional” ou “teleológica” diria respeito à influência institucional nas motivações pessoais. (Dequech, 2006: 117). Dentre os conceitos básicos incorporados da Psicologia Cognitiva pela Economia Comportamental estão: • a disponibilidade, que se refere aos diferentes graus (de facilidades) de acesso a um conteúdo mental; • a saliência, que concerne na capacidade de um estímulo de atrair a atenção de alguém; • a aplicabilidade, que associa disponibilidade e saliência, como ajuste entre o conteúdo mentalmente ativo e o estímulo externo; • a motivação, entendida como o processo dirigido à satisfação de uma complexa estrutura de objetivos, valores e obrigações das pessoas; e • as crenças, que são o produto da percepção seletiva, da memória contextual e das pressões de um 9
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pensamento tendencioso e pouco lógico (Castro, 2014). Esses vieses cognitivos podem influenciar os preços dos ativos. O desafio teórico é, então, ser capaz de sugerir resultantes macroeconômicas desses comportamentos heterogêneos. Pesquisadores em Economia Comportamental (ou Psicologia Econômica) apontam essas influênciasdosfatoresindividuais,abandonando a uniformidade comportamental, suposta pela “racionalidade genérica” do homo economicus, no momento de escolher. Reconhecem que há fatores variantes também entre grupos sociais, por exemplo, no tocante à capacidade de suportar frustrações, ao tamanho das ambições, e à visão de curto ou de longo prazo. Para dar conta da emergência desse Todo, que configura um Sistema Complexo, os elementos psicológicos, assim como os filosóficos, os políticos, os sociológicos e os biológicos, devem fazer parte dos estudos contemporâneos interdisciplinares de Economia.
3. EconomiaInstitucionalista (ou Sociologia Econômica) Um dos desafios na tentativa de incorporação de instituições na análise econômica diz respeito a distinguir os níveis de abstração. No plano da Ciência Pura, abstrai-se todas as instituições “não econômicas”. No plano da Ciência Aplicada, reincorpora-se o que foi antes abstraído para formular as teorias puras. Então, com as áreas de conhecimento de outras Ciências Afins, em especial, sobre instituições, a Economia torna-se interdisciplinar. Dessa forma, um problema inicial claro é definir o que se entende por “instituição”. Tal conceito pode abarcar tanto a ideia de instituições formais, tais como organizações, leis e regras, quanto instituições não-formais como são os padrões de comportamento e/ou de pensamento. Depois desta definição inicial, outras questões teóricas e metodológicas apresentam-se: qual é o papel das instituições sobre o comportamento dos agentes individuais ou coletivos? Qual é o espaço para a mudança institucional? E como ela se dá? 10
Em torno desses problemas conceituais e analíticos, e por razões ligadas à ruptura da tradição, o institucionalismo é frequentemente dividido em Velho Institucionalismo e Novo Institucionalismo. Situado historicamente no início do século XX, o Velho Institucionalismo Econômico está associado a autores como Wesley Mitchel, Thorstein Veblen, Allan Schmid, Warren Samuels e Clarence Ayres. Mesmo agrupados, não há entre esses autores uma agenda de pesquisa única. Rutherford (1994) organiza-os em dois programas de investigação. O primeiro programa estaria assentado, sobretudo, nas proposições de Veblen e nos desenvolvimentos posteriores feitos por Ayres. Suas proposições estão relacionadas à busca de compreensão sobre os efeitos de novas tecnologias sobre sistemas institucionais e sobre os modos como convenções sociais estabelecem-se. Revela como interesses anteriores, tais como grandes interesses corporativos, resistem às mudanças. Por sua vez, o segundo programa de investigação, ligado às proposições de Samuels e Schmid, atenta para leis, direitos de propriedade e organizações, e como elas impactam o poder econômico, as trocas e a distribuição de renda. Observa-se também uma atenção para as instituições como um tipo de cristalização de processos de resolução de conflitos. A diversidade encontrada nas análises daqueles geralmente agrupados sob a classificação de Novo Institucionalismo pode-se dizer que é ainda maior. Rutherford subdivide-os em grupos. O primeiro está preocupado com questões sobre direitos de propriedade e de direito comum, entre os quais Posner e Demsetz. O segundo grupo seria o daqueles mais orientados aos estudos sobre como explicar escolhas públicas, entre os quais estariam Olson e Mueller. Há ainda uma última vertente que incluiria os esforços de autores como Douglas North, Shubik e Schotter, cuja ênfase está na análise propiciada por Teoria dos Jogos. O Novo Institucionalismo foi definido também com vista à inclusão de autores austríacos e neoschumpeterianos. Sobre os “velhos” institucionalistas, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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as críticas dos “novos” se dirigem, principalmente, à falta de uma teoria por parte deles. Apontam também a tendência ao holismo, o uso excessivo de análises behavioristas e a incapacidade de dar ênfase a processos principais. Os “novos” contrapõem a colocação de um foco nos processos individuais de tomada de decisão à ênfase dos “velhos” em processos não intencionais e evolutivos no desenvolvimento institucional. Sobre os “novos” institucionalistas, os “velhos” comentam que a teoria adotada por eles é abstrata e formal. Os “novos” partem diretamente desse alto nível de abstração para um individualismo metodológico reducionista, além de apresentarem um indivíduo muito racional e extremamente autônomo face às próprias instituições. Contudo, além daquela divisão em grupos, apresentada por Rutherford, há ainda outra proposição de classificação dos neoinstitucionalistas feita por Hall e Taylor (2003). Para eles, uma melhor compreensão começa pela diferenciação das três escolas presentes nas Ciências Sociais sob essa alcunha. São elas: 1. o Institucionalismo Histórico; 2. o Institucionalismo da Escolha Racional e 3. o Institucionalismo Sociológico. Juntamente com a gênese de cada escola, duas questões seriam fundamentais para a compreensão dos três métodos das escolas supracitadas: 1. a relação entre instituição e comportamento; e 2. o processo pelo qual as instituições surgem ou se modificam. Quanto a essas questões, os neoinstitucionalistas fornecem dois tipos de resposta. Os partidários da perspectiva calculadora dão ênfase aos aspectos do comportamento humano que são instrumentais e orientados no sentido de um cálculo estratégico. Eles postulam que os indivíduos buscam maximizar seu rendimento com referência a um conjunto de objetivos definidos por uma função de preferência dada. Ao fazê-lo, eles adotam um comportamento estratégico, vale dizer, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
eles examinam todas as escolhas possíveis para selecionar aquelas que oferecem um benefício máximo. Em geral, os objetivos ou as preferências do agente são definidos de maneira exógena com relação à análise institucional. As instituições afetam os comportamentos ao oferecerem aos agentes uma razoável expectativa quanto ao comportamento presente e vindouro dos outros agentes. As instituições se mantêm porque elas levam a um suposto “Equilíbrio de Nash”, ou seja, os indivíduos aderem a esse modelo de comportamento porque cada qual perderá mais ao evitá-lo do que ao aderir a ele. Abandonam as posições antagônicas e negociam uma cooperação mútua. Os partidários da perspectiva cultural enfatizam o fato de que os indivíduos recorrem com frequência a protocolos estabelecidos ou a modelos de comportamento já conhecidos para atingir seus objetivos. Desse ponto de vista, as instituições fornecem modelos morais e cognitivos que permitem a interpretação e a ação. A persistência das instituições ocorre porque muitas das convenções ligadas a elas não são o objeto explícito, inicialmente, de decisões individuais. Certas instituições seriam tão “convencionais” ou tão usuais que escapam a todo questionamento direto. Enquanto construções coletivas, não podem ser transformadas de um dia para o outro pela simples ação individual. Sem contar que elas estruturam as próprias decisões concernentes a uma eventual reforma que o indivíduo possa imaginar e adotar. O Institucionalismo Histórico desenvolveuse contra a análise da vida política em termos de grupos e contra o funcionalismoestruturalista. Seus teóricos retinham a ideia de que o conflito entre grupos pela apropriação de recursos escassos era central à vida política, mas buscavam melhores explicações para dar conta das situações políticas nacionais e, em particular, da distribuição desigual do poder e dos recursos. Eles encontraram essa explicação no modo como a organização institucional da comunidade política e das estruturas econômicas entram em conflito, de tal modo que determinados interesses são privilegiados. 11
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Esses teóricos foram igualmente influenciados pela concepção, própria ao funcionalismo-estruturalista, da comunidade política como um Sistema Complexo composto de partes que interagem. No entanto, consideravam a organização institucional da comunidade política, objeto da Economia Política, o principal fator a estruturar o comportamento coletivo e a propiciar resultados distintos. O funcionalismo-estruturalista, além das teorias dos conflitos entre grupos sob a forma de variantes pluralistas e neomarxistas, ambas influências levaram numerosos autores a dedicar uma atenção particular ao Estado. Este deixa de ser visto como um agente neutro, arbitrando entre interesses concorrentes, mas sim como um complexo de instituições, capaz de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos. De modo global, os teóricos do Institucionalismo Histórico definem instituição como os procedimentos, os protocolos, as normas e as convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política e econômica, considerando-a um objeto da análise da Economia Política. Pelo menos, quatro características são próprias desta escola: 1. tendência a conceituar a relação entre instituições e comportamento individual em termos muito gerais, fazendo uso tanto da perspectiva calculadora, quanto da cultural; 2. ênfase nas assimetrias de poder associadas ao funcionamento e ao desenvolvimento das instituições; 3. tendência a formar uma concepção do desenvolvimento institucional que privilegia as trajetórias, as situações críticas e as consequências imprevistas; e 4. busca por combinar explicações da contribuição das instituições à determinação de situações políticas com uma avaliação da contribuição de outros tipos de fatores, como as ideias individuais, a esses mesmos processos. O Institucionalismo da Escolha Racional surgiu em estudos de comportamentos 12
no interior do Congresso dos Estados Unidos. Ele inspirou-se, em larga medida, na observação de um paradoxo significativo: se os postulados clássicos da Escola da Escolha Racional eram exatos, deveria ser difícil reunir maiorias estáveis para votar leis no Congresso norte-americano. Nele, as múltiplas escalas de preferência dos legisladores e o caráter multidimensional das questões deveriam rapidamente gerar ciclos políticos, nos quais cada nova maioria invalidaria as leis propostas pela maioria precedente. No entanto, as decisões do Congresso eram de notável estabilidade. Os analistas buscaram uma resposta pelo lado das instituições. Explicaram que as instituições do Congresso diminuíam os custos de transação ligados à conclusão de acordos, de modo a propiciar a certos parlamentares os benefícios de eventual troca, permitindo a adoção de leis estáveis. As instituições consolidadas resolviam uma grande parte dos problemas práticos de ação coletiva enfrentados pelos legisladores. Quatro propriedades ligadas a esse enfoque estão presentes na maioria das análises: 1. uma série característica de pressupostos comportamentais como preferências dadas e utilitarismo; 2. a vida política e econômica como uma série de dilemas de ação coletiva em que os indivíduos agem de modo a maximizar a satisfação de suas próprias preferências mesmo com o risco de produzir um resultado sub-ótimo para a coletividade; 3. ênfase no papel da interação estratégica na determinação das situações políticas e econômicas; e 4. enfoque próprio no tocante à explicação da origem das instituições – dedução, classificação estilizada, existência com referência ao valor assumido –, em que o processo de criação de instituições, em geral, está centrado em acordo voluntário, sendo a sobrevivência delas devida às suas ofertas de benefícios aos agentes interessados. O Institucionalismo Sociológico surgiu no quadro da Teoria das Organizações, no Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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momento em que certos sociólogos puseramse a contestar a distinção tradicional entre a esfera do mundo social, vista como o reflexo de uma racionalidade abstrata de fins e meios (de tipo burocrático), e as esferas influenciadas por um conjunto variado de práticas associadas à cultura. Os teóricos dessa escola começaram a sustentar que muitas das formas e dos procedimentos institucionais utilizados pelas organizações modernas não eram adotadas simplesmente por serem as mais eficazes, como implica a noção de uma “racionalidade” transcendente. Essas formas e procedimentos deveriam ser considerados como práticas culturais, comparáveis aos mitos e às cerimônias. Três características do institucionalismo em Sociologia, possíveis de serem adotadas em Economia, conferem-lhe uma certa originalidade: 1. tendência a definir as instituições de maneira sistêmica, incluindo os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem “padrões de significação” que guiam a ação humana; 2. o modo de encarar as relações entre as instituições e a ação individual em consonância com o “enfoque cultural” (mencionado antes) com matizes; 3. os institucionalistas sociológicos sustentam que as organizações adotam com frequência uma nova prática institucional por razões que têm menos a ver com o aumento da sua eficiência do que com o reforço que oferece à legitimidade social de seus adeptos. Pode-se dizer, enfim, que o institucionalismo é uma corrente de pensamento cujas vertentes e subdivisões são inúmeras. Embora suas diferenças tenham sido muitas vezes tratadas como irreconciliáveis, na verdade, não necessariamente o são. Tanto para Rutherford, quanto para Hall e Taylor, essas diferenças dizem mais respeito à ênfase e ao foco. Contudo, há razões para pensar que temos a aprender todas as contribuições, em uma perspectiva de elaborar uma Economia Interdisciplinar, assim como cada uma delas deveria aprender com as outras. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
4. Economia Evolucionária (ou Biologia Evolucionista) A interdisciplinaridade também contemplou elementos e conceitos imbricados em estudos das Ciências Sociais e das Ciências da Natureza. De fato, quando a ideia da evolução dos seres vivos emergiu, por meio da obra “A Origem das Espécies” de autoria de Charles Darwin, publicada em 1859, muitas teorias, como a criacionista (“avant la lettre”), foram questionadas. A nova hipótese defendida propiciou o avanço de outras áreas do conhecimento, tais como a Sociologia e a Antropologia. A concepção da origem da vida e da manutenção de uma “estabilidade” no mundo, que seria supostamente coordenada por um Deus, foi substituída pela ideia de mudança e de evolução, segundo a qual o homem passou a ser fruto de uma interação entre organismo e ambiente. Esse foi o objeto de estudo de Darwin (1809-1882) que, precedido por Lamarck (1744-1829), identificou que os organismos evoluíam e sofriam mutações devido à interação com o meio ambiente, onde se realizava uma espécie de “seleção natural”, cuja adaptação apresentava-se como aspecto crucial à sobrevivência. Essa evolução é decorrente da luta pela sobrevivência, tendo em vista que o organismo não se apresenta como um componente independente e isolado das partes, do conjunto ou do contexto, mas se apresenta como integrante do meio. Portanto, ele tem de se adaptar ao clima, à competição, aos predadores, entre outros fatores, assim como esses também são afetados pelo organismo que ali vive. Atualmente, muitos desses termos inerentes aos campos da Biologia e da Ecologia são utilizados pela Ciência Econômica para explicar a estratégia de empresas, o funcionamento dos mercados e as transformações relacionadas ao progresso tecnológico. De forma analógica, muitos elementos econômicos são observados como elementos da natureza. Assim, a concorrência é comumente caracterizada como competição; o progresso tecnológico como evolução; a busca e a 13
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seleção de inovação como adaptação ou seleção natural. Esse campo de estudos que relaciona o sistema econômico com a Teoria Biológica Evolucionista engloba as ideias da área denominada como Economia Evolucionária ou Evolucionista. Ele tem como base o estudo do comportamento dos agentes econômicos, mas sem focar particularmente nos resultados, e sim no processo dinâmico e instável, pelo qual se busca a sobrevivência, a ruptura, a inovação, e a adoção no progresso do sistema econômico. Há relações de interação benéficas e maléficas entre espécies iguais ou diferentes, tais como comensalismo (quando uma se beneficia sem prejudicar a outra), cooperação (benéfica para ambas, mas dispensável para uma delas), protocooperação (benéfica e indispensável para ambas), mutualismo, parasitismo, e outras tantas. Elas também podem ser relacionadas, analogicamente, com relações entre empresas do mesmo ou de diferentes setores, quanto à produção de externalidades positivas ou negativas, bem como quanto à competição, dependência intra e intersetorial, e adoção de estratégias que eliminam concorrentes. Além desses, o conceito da irreversibilidade de uma mudança, retratado por Darwin, se contrapõe à forma mecanicista de observação dos agentes econômicos e se alia à implementação de uma inovação. É quando se associa a origem à inovação, a adoção à seleção e a reestruturação à adaptação. Também a concepção de herança genética e de diversidade pode ser usada em estudos micro e macroeconômicos. Por exemplo, “não apenas os caracteres adquiridos podem ser ‘herdados’, por aprendizado ou imitação, como também situações adversas podem provocar variação e mutação esporadicamente” (Possas, 1988: 161). Essa visão econômica se contrapõe, inicialmente, à corrente neoclássica, que formula modelos, teorias e estudos que visam identificar o equilíbrio de empresas e de mercados, em um mundo estático, onde, coeteres paribus, o resultado é mais importante que o processo. Em contrapartida, a Economia Evolucionária tem suas raízes na 14
preocupação acerca da permanente mudança do mundo, especialmente no progresso tecnológico, conforme a abordagem de Marx e de Schumpeter (Possas, 1988). A concepção de transformação e de mudanças nas relações econômicas, entre capitalistas e proletariado, era observada por Marx, que percebia a relevância do progresso técnico no sistema capitalista. Suas análises enfatizavam o processo de concentração e de centralização de capital, em que o avanço tecnológico apresenta um “alerta de perigo”, já que “ele abre com a especulação e o sistema de crédito milhares de fontes de súbito enriquecimento” (Marx, 1867: 454). A linha de pensamento evolucionária foi desenvolvida por Schumpeter, que configurou o papel do processo de “destruição criadora”, atribuindo papel central à inovação – de insumos, de processos de produção, de produtos, de mercados –, bem como ao crédito e ao empreendedorismo, como fatores promotores não somente do crescimento, mas também (e principalmente) do desenvolvimento econômico, via mudanças qualitativas na estrutura e/ou capacidade produtiva. Ao longo do trabalho de Schumpeter, é possível identificar em seu próprio vocabulário a relação que ele estabelecia entre Biologia e Economia, Natureza e Sociedade.
[...] é uma conclusão que se segue da análise do processo de seleção social na sociedade capitalista. A natureza do processo determina também o sentido no qual a palavra superioridade deve ser entendida. Pode-se mostrar ainda, por análise semelhante de outros meios sociais, que o mesmo se aplica a todas as classes dominantes sobre as quais dispomos de informações de origem histórica. Ou, em outras palavras, é possível demonstrar em todos os casos que, em primeiro lugar, as moléculas humanas sobem e descem dentro da classe na qual nasceram, parecendo confirmar a hipótese de que assim procedem em virtude das suas qualidades relativas. É possível mostrar também, em segundo lugar, que sobem e descem da mesma maneira através das fronteiras da classe. Essa queda e ascensão para classes inferiores e superiores demoram, de maneira geral, mais de uma geração. Essas moléculas, por conseguinte, são antes famílias do que indivíduos. E o fato explica por que os observadores que focalizam a atenção sobre os indivíduos deixam com tanta frequência de encontrar relação entre a habilidade e a posição
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na classe e mostram-se inclinados a ir ao ponto de contrastá-las. Pois, os indivíduos se iniciam com qualidades tão diferentes que, excetuados os casos de êxito pessoal fora do comum, essa relação, que além disso se refere apenas a uma norma e deixa suficiente espaço para as exceções, revela-se com clareza muito menor se deixarmos de examinar toda a cadeia, da qual cada indivíduo é um elo. (grifo nosso).
Embora Schumpeter relate em seus trabalhos a influência recebida dos estudos de Marx, é nítida a influência do darwinismo na sua forma de avaliar as relações econômicas e sociais. A observação do homem como “um elo” na cadeia se contrapõe aos estudos econômicos predominantes da época, que viam os indivíduos como seres autônomos e informados, de racionalidade ilimitada, e detentores de preferências definidas. Ao contrário, Schumpeter aborda a relação mútua do ser vivo com o ambiente, ou seja, “a noção do mundo concebido como uma máquina, um mecanismo, estaria dando lugar a um modo de pensar em termos de relações, conexões, contexto” (Cerqueira, 2000: 8). De modo semelhante, a trajetória vivenciada e as formas de relações entre indivíduos, empresas e mercados conduzem a um processo de aprendizagem e de conhecimento que, por analogia, assemelham-se a comportamentos estudados no campo da Ecologia. Assim, a economia associa esse processo de aprendizado e de conhecimento às estratégias e trajetórias adotadas pelas empresas, caracterizadas pelo papel das rotinas na escolha da inovação a ser adotada ou implementada. Também a seleção natural é associada à busca e à difusão de determinadas inovações, de processos e de produtos pelo mercado. Esses estudos sobre seleção e trajetória foram amplamente desenvolvidos por Nelson e Winter (2005), que utilizaram a abordagem evolucionista ao tratar das relações entre empresas e mercados, o que configurou a linha de pensamento denominada “Neoschumpeteriana”. Também em contraposição à Economia Neoclássica, a noção de equilíbrio é substituída pelo desequilíbrio dos mercados assimétricos, assim como as decisões racionais que visam Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
maximizações são impossibilitadas, frente à instabilidade do meio e às incertezas que norteiam o indivíduo. Para esses autores, o surgimento de inovações e o decorrente processo de difusão são o resultado de uma “interação endógena entre estratégia (da firma) e estrutura (do mercado) ao longo do tempo” (Possas, 1988: 162). Além do trabalho de Schumpeter e Nelson e Winter, a Economia Evolucionária contou com a influência e a participação também dos trabalhos desenvolvidos por Thorstein Veblen, pelos institucionalistas americanos, pelos estudos darwinistas e pela teorização de Sistemas Complexos (Cerqueira, 2000). Sobre esse último, pesquisadores abordaram o intercâmbio de informações, de matéria e de energia com o ambiente, de modo que integrantes de Sistemas Complexos sofreriam mutações frente às variações, seleções e heranças hereditárias. A grande e principal contribuição da analogia da Ciência Econômica com a Ciência Biológica evolucionária está relacionada à inclusão do “pensamento contextual”. Como abordado anteriormente, a teoria econômica baseada em procedimentos analíticos apresentava-se com um caráter reducionista, pois tratava de indivíduos independentes e informados, que integravam o meio por agregação e, não, por relações de trocas mútuas, seja entre si, seja com o meio ambiente natural ou institucional. Pelo contrário, a constatação de que indivíduo e meio interagem, mutuamente, e de que o contexto deve ser observado, e pode ser modificado por adaptações e por trajetórias conduzidas pelos processos de aprendizado dos indivíduos, contemplam uma nova abordagem. Nela, o pensamento sistêmico se sobrepõe ao reducionista (Cerqueira, 2000; Prado, 2006). Além disso, a articulação e a acumulação de ideias e de conhecimento consolidam uma nova constatação: o pensamento, as ideias, as inovações, as adaptações e as mudanças não apenas denotam a irreversibilidade, mas também um efeito em “cadeia” ou em rede. Isso é observado nas novas relações entre empresas e mercados, nas formas de cooperação e de competição, nas imbricações dos avanços 15
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tecnológicos, e também nas transformações institucionais. Por isso, a Economia Evolucionária “conversa” com a Economia Comportamental, com a Institucionalista e com a da Complexidade. Com relação à primeira, a observação do comportamento dos agentes permite reforçar os limites da racionalidade dos indivíduos, as escolhas frente às incertezas e a influência exercida pelo meio. De modo semelhante, a adoção das estratégias e a observação das trajetórias sofrem influência das instituições, bem como as instituições exercem o poder de orientar e direcionar o progresso tecnológico e as atitudes dos agentes econômicos. Tudo isso interfere no processo evolucionário, seja por normas ou regras, seja pela promoção de políticas públicas. Quanto à terceira, a constatação da interação do indivíduo com o meio também contribui com as trocas de conhecimento, de aprendizado e de comportamentos imitativos ou adaptativos tão estudadas pela Economia da Complexidade. Por isso, a Economia Evolucionária está imbricada com essas (e outras) áreas dos saberes interdisciplinares. Quando associada à abordagem de mudança e de consolidação de paradigmas tecnológicos, também se pode compreender as transformações no mundo em longo prazo, onde insumos, processos de produção, produtos, empresas e mercados vivem também processo similar ao da extinção de espécies. Quando não há extinção, o caráter cumulativo de inovações, de processos, de aprendizado, levam à concepção da dependência de trajetória que, por analogia, associa-se à herança hereditária. Em poucas palavras, a história importa. Embora o contexto seja enaltecido na abordagem evolucionária, em contraponto ao caráter isolado e estático do mundo econômico neoclássico, não é necessário afirmar que a Economia Evolucionária é parte da corrente econômica heterodoxa. Alguns instrumentos e métodos de pesquisas comuns a todas as correntes de pensamento são utilizados por estudos evolucionistas. Esse é o caso de Axelrod (1984), que mostrou a “evolução da cooperação”, a partir do duelo 16
entre cooperar ou competir, nos estudos de casos cotidianos, ilustrados por meio da Teoria dos Jogos. Por isso, antes de classificar a Economia Evolucionária como pertencente a essa ou àquela corrente, deve-se destacar a sua maior utilidade: a possibilidade de usá-la como importante instrumento na elaboração de políticas públicas. Isso porque juntamente com a Economia Comportamental, a observação do processo pode revelar preciosas informações para a obtenção de resultados, de metas e de solução de conflitos. Por sua vez, esses dois campos são necessários à Economia Institucionalista. O uso dessas abordagens como forma de observação dinâmica e empírica do objeto de estudo pode parecer uma necessidade óbvia, mas não é – especialmente quando se é lembrado do mito pelo qual o estudo da economia deve focar mais o presente e o passado que o futuro, ou seja, que a Economia deve observar mais e prever menos. A propósito da relação do tempo, é preciso destacar ainda que o tempo biológico é diferente do tempo econômico. No primeiro, as mudanças levam séculos, milênios. Na segunda, as mudanças estudadas ocorrem de forma cada vez mais rápida, isto é, a cada conjuntura. Para que se possa falar em curto e em longo prazo, onde são alocadas as relações entre preços e produtos e as decisões de investimento e de progresso tecnológico, respectivamente, arbitra-se com base em mudança qualitativa: o longo prazo ocorre quando se mudou a estrutura e/ou a capacidade produtiva. Finalmente, deve-se lembrar de que um mau entendimento do darwinismo biológico desencadeou uma deturpação via a Teoria do Darwinismo Social. Seu principal autor, Spencer, estendendo de maneira mecânica o modelo biológico evolucionista para a civilização humana, acreditava que o mais apto era aquele indivíduo mais adequado à sua sociedade, isto é, à economia de mercado. Isto, para ele, significava ter qualidades mentais, morais e físicas mais desenvolvidas. Se a seleção natural não fosse limitada por regras institucionais, para Spencer, os membros mais inaptos da sociedade Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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acabariam sendo eliminados na competição por recursos. Quem não tivesse dinheiro, educação, força de vontade ou talento seria ultrapassado por membros mais férteis e bem sucedidos da sociedade! Portanto, deve-se atentar para que essas abordagens excludentes não tomem formas perigosamente racistas, especialmente, em um mundo onde, em busca do reconhecimento do mérito, adota-se o individualismo do “cada um por si”. De maneira desenfreada, o darwinismo social leva a sociedade à selvageria da competição capitalista sem regulação, quando os poderosos esmagam os socialmente indefesos.
5. Economia da Complexidade (ou Computação Econômica) Sistemas Complexos são compostos por muitas partes interligadas que interagem. Como são muito difíceis de serem representados por equações matemáticas, como é a prática usual na Física, o estudo de redes de relacionamentos se tornaram fundamentais para o entendimento de Sistemas Complexos. Estes revelam comportamento que não pode ser previsto só pela observação de seus componentes isolados, pois eles emergem justamente das iterações de regras de interações. As redes são representações ideais de Sistemas Complexos. Os nódulos na rede são as partes do sistema e as ligações são dadas pelas interações. Complexo não significa complicado. Algo “complicado” compreende muitas partes pequenas, todas diferentes, sendo que cada uma delas tem o seu próprio papel no mecanismo de causa-e-efeito. Por sua vez, um Sistema Complexo é constituído por muitos componentes similares; é a interação entre eles que configura um comportamento globalmente coerente e capaz de ser interpretado. Sistemas Complexos têm muitas partes interagindo de acordo com regras simples, individuais. As interações entre elas resulta em propriedades emergentes visíveis apenas na observação do todo. No Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
entanto, o comportamento do sistema como um todo não pode ser previsto, como faz o reducionismo, apenas a partir do comportamento individual. Novamente, “o todo é maior que a soma de suas partes”. Para a análise sistêmica, o primeiro passo é encontrar as regras simples das quais emerge a complexidade. “Simplificar a complexidade” significa esboçar o design de sistemas: coleta-se dados de populações, analisa-se os padrões complexos e tenta-se explicá-los. De maneira interdisciplinar, é nas interações entre conhecimentos de especialistas que se produzem competências transfronteiriças para resolver problemas complexos. A colaboração e/ou a cooperação são componentes de Sistema Complexo. Uma formação generalista também é necessária para se estabelecer o diálogo entre especialistas. Construir boas ferramentas de visualização de redes, cadeias e interconexões ajuda a desvendar a Complexidade. Se focar apenas em uma ligação, e então excluir o resto, ela na realidade fica menos previsível do que se considerar todo o Sistema Complexo e então escolher as esferas de influência que mais importam. Muitas vezes é uma particularidade de um nódulo que importa, dentro de interconexões de um ou dois graus, para abranger toda a Complexidade. Em uma rede ordenada, deve-se focalizar o nódulo-chave, então, olhar um grau, dois graus ou três graus além deste nódulo, e eliminar boa parte do diagrama que está fora da esfera de influência. Simplicidade muitas vezes é a contrapartida da Complexidade. Assim, para qualquer problema, quanto mais tirar o foco sobre ele e observar toda a Complexidade, melhor a chance de focalizar nos detalhes simples que mais importam. Economia da Complexidade analisa O Todo no plano da teoria, conceitual e formalmente. Trata-o como um Sistema Adaptativo Complexo que se desenvolve processualmente, pondo e repondo desencontros de planos, expectativas ou mesmo de contradições estruturais, em constante processo de auto-reprodução 17
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e emergência. O sistema econômico real opera fora e longe do equilíbrio, embora seja auto-organizado. Furtado e Sakowski (2014) fazem uma didática resenha dos autores clássicos que, em conjunto, contribuíram com os avanços do que seria uma Ciência da Complexidade. Com base no pensamento original desses autores, os aspectos centrais de Sistemas Complexos são sintetizados: 1. a interação entre agentes (homogêneos ou heterogêneos) e meio-ambiente (natural e socioeconômico); 2. as propriedades emergentes das redes de relacionamento entre classes de comportamentos com a autoorganização sem autoridade (ou planejamento) central; 3. a importância da não linearidade – desvios, percalços ou complicações – e de outras escalas de descrição e análise, dada a redundância da escala 1:1; 4. as regras de interações sem possibilidade de dedução precisa de seu determinismo caótico; 5. a ênfase na dinâmica, variações ao longo do tempo, seja com dependência de trajetória, seja com retroalimentação; 6. as noções de aprendizado, adaptação e evolução com inovação ou ruptura. É necessário valorizar as escalas na modelagem. Frente à complexidade observada, não adianta que o modelo seja igual à realidade: a escala 1:1 é redundante e inútil. A meta é descrever o mínimo necessário, mensurando a essência do fenômeno, de modo que a modelagem em certas escalas possa ocorrer. O dilema dos cientistas está no trade-off entre descrever o mínimo essencial ou ganhar maior realismo. O exemplo do GPS talvez ajude a esclarecer didaticamente. O aqui-e-agora pode ser percebido em distintas dimensões. Agora estou na rua X, no bairro Y, na cidade Z, no Estado W, país B, continente S, planeta T... Qual análise de minha situação é mais útil para minha localização? Depende do problema a ser enfrentado. Nem tudo pode ser visto como um Sistema Complexo. Muitas vezes, a 18
aparência, seja individual, seja sistêmica, engana. Uma dinâmica aparentemente complexa pode ocorrer a partir de simples regras de iterações de interações. Outra metáfora da Complexidade, figura que pode ser visualizada, está em um fractal. É uma estrutura geométrica complexa, cujas propriedades, em geral, repetem-se em qualquer escala. Um fractal é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. Os fractais têm infinitos detalhes, são geralmente auto-similares e em escala. Em muitos casos, um fractal pode ser gerado por um padrão repetido, tipicamente um processo recorrente ou iterativo. Uma curva geométrica de Koch – um dos primeiros fractais a serem descritos – tem uma autossimilaridade que se repete infinitamente quando é ampliada. Em Economia, o Paradoxo da Parcimônia – se todos indivíduos aumentam sua poupança, as vendas e as rendas caem, diminuindo a poupança agregada – é o sofisma da composição mais conhecido. Mas há outros exemplos econômicos de que “o Todo é fenômeno emergente maior do que a mera soma das Partes”. Por exemplo, cada banco supõe fazer apenas intermediação financeira neutra entre depósitos e empréstimos, quando todos os bancos, isto é, o sistema bancário multiplica moeda através de sucessivas rodadas de empréstimos que criam depósitos. Outro exemplo: os saldos individuais de aplicações financeiras são aparentemente insignificantes, entretanto, a captação de depósitos centralizada em certos bancos constitui significativo lastro de crédito direcionado para setor prioritário ao desenvolvimento socioeconômico. O processo de multiplicação de renda propicia também outro fenômeno emergente em termos macroscópicos. O conhecimento dessa complexidade macroeconômica é a particularidade do conhecimento de economistas face ao banco de dados constituído por estudos de casos de gestão empresarial. Economia não pode ser aprendida pela repetição de simples regras de negócios, embora seu objeto resulte dessa iteração replicante. É o caso Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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de que “na prática, a teoria é outra”... Não é imediatamente visível ou dedutível pelos homens de negócios, mas sim pelos teóricos da Economia da Complexidade. Gomes (2015) afirma que a noção de complexidade capaz de se assumir como apropriada para abordar os temas da Economia envolve a consideração de três categorias diferentes: i. a complexidade conectiva: os comportamentos dos componentes são moldados pelas lógicas de interação e a evolução do sistema é o resultado direto das ligações que emergem e desaparecem no seio de uma determinada rede de relacionamentos a cada período de tempo; ii. a complexidade dinâmica: quando se considera os comportamentos heterogêneos e a racionalidade limitada, encontram-se relações dinâmicas não lineares intrincadas entre variáveis econômicas, o que conduz a sistemas complexos onde os resultados de longo prazo adquirem a forma de ciclo não periódico, mas sim irregular ou caótico, com dependências de trajetórias distintas, determinadas pelas fortuitas condições iniciais; iii. a complexidade computacional: associada ao conceito de entropia, refere-se à medida da variação ou desordem em um sistema, dada a imprevisibilidade da informação, então, o esforço computacional requerido para atingir a solução ótima pode ser tão grande que se torna pouco razoável, face ao elevado custo/benefício, procurar encontrar tal solução. As propriedades que emergem como sendo relevantes para caracterizar a Economia como um Sistema Complexo são: • Heterogeneidade: a ação coletiva tem uma lógica que lhe é própria e só pode ser entendida quando se considera a interação entre agentes heterogêneos com racionalidade limitada. • Descentralização: a economia é um sistema descentralizado, cuja autoorganização é irregular. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
• Evolução: a economia é um sistema dinâmico no interior do qual os indivíduos vão aprendendo e adaptando os seus comportamentos. • Dependência de trajetória face às condições iniciais do passado: o sistema complexo é historicamente determinado, portanto, seu atual estado tem particularidades que são resultados de acontecimentos específicos prévios. Porque os agentes heterogêneos se adaptam, aprendem e evoluem através de interações, em ambientes complexos, a economia não tem tendência a se estabilizar em um estado de equilíbrio estacionário. Seu movimento é gerado por um comportamento coletivo, dinâmico, complexo e irregular. Mitchell (2011) propõe uma definição do Sistema Complexo como referente a um sistema em que grandes redes de relacionamentos de seus componentes se estabelecem sem nenhum controle central e com regras simples de cooperação, dando origem a um comportamento coletivo complexo, um processamento sofisticado de informação, e uma adaptação através da aprendizagem ou evolução. Grandes redes de componentes individuais com cada um deles seguindo regras relativamente simples, sem controle central ou uma autoridade como líder, propiciam as interações coletivas que dão origem a Sistema Complexo, difícil de prever, cujas mudanças de padrões de comportamento emergentes nos desafiam. Sistemas em que um comportamento organizado emerge sem um controlador ou líder costumam ser classificados como autoorganizados. A economia de mercado, no entanto, debate-se entre a auto-regulação e a regulação do maior participante do mercado, isto é, o Estado e suas instituições. Estas buscam planejar, indicar, orientar, incentivar, enfim, traçar uma dependência de trajetória frutífera, sem impedir a capacidade dos agentes para ruptura, inovação, adaptação, adequação, etc. O termo caos, como é usado para descrever sistemas dinâmicos com dependência sensível às condições iniciais, difere do sentido coloquial da palavra “caos”. Ao 19
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contrário deste, que implica em aleatoriedade e imprevisibilidade, há alguma “ordem no caos”, observada nas propriedades comuns universais encontradas em Sistemas Caóticos. Um comportamento aleatório pode emergir de sistemas determinísticos, sem nenhuma fonte externa de aleatoriedade. Assim, pode ser impossível se prever o que ocorrerá em longo prazo, devido à dependência sensível de condições contingentes iniciais. Entretanto, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos proporciona um vocabulário matemático para caracterizar esse tipo de comportamento em termos de bifurcações, atratores e propriedades universais das maneiras em que os sistemas podem mudar sem convergirem para um hipotético equilíbrio. O estudo detalhado de sistemas de tecnologia de informações resulta em uma renovação da compreensão científica da ordem, do acaso e da previsibilidade. Modelos ideais transformam complexidade em simplicidade. São capazes de serem estudados por matemática ou via computadores. Eles capturam propriedades fundamentais dos Sistemas Complexos Naturais. Os pesquisadores desses sistemas vivos necessitam entender como as suas dinâmicas são utilizadas para processar as informações e adaptar-se a ambientes em mudança. De maneira interdisciplinar, essas ideias sobre dinâmica estão sendo combinadas com ideias das teorias da informação, computação e evolução.
6.
Conclusão
No final do século XIX, os economistas acreditavam que a Ciência Econômica poderia se tornar Ciência Natural ou Exata. A partir da revolução marginalista, a Física e a Matemática começaram a ser usadas como ferramentas na análise econômica. Com o pensamento neoclássico, a queda da hipótese hedonista e a crítica à mensuração das preferências na Teoria da Escolha, iniciou-se o processo de expurgo de todos os elementos psicológicos, histórico-institucionais e evolucionistas. A adoção de pressupostos estritamente racionais e do método hipotético-dedutivo20
lógico elimina qualquer resquício de fundamento psicológico na análise econômica. A maioria dos economistas teóricos supõe que as diferenças individuais que não estejam de acordo com o comportamento racional são eliminadas no nível agregado, devido à arbitragem realizada no mercado. A partir dos anos 1960, a Psicologia Cognitiva estudou o processo mental que está, hipoteticamente, por detrás do comportamento. Organizou as críticas ao pressuposto da racionalidade completa e destacou a importância dos fatores emocionais na tomada de decisão dos agentes econômicos. Nos anos 1970, os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tvesky explicaram anomalias devido à racionalidade limitada, contrapondo-se desta forma aos axiomas da Teoria da Escolha Racional. Essa linha de pesquisa passou a ser chamada de Economia Comportamental pelos economistas ou de Psicologia Econômica pelos psicólogos. Às premissas neoclássicas de racionalidade, atomismo e simetria de informações, os economistas comportamentais contrapõem, respectivamente, irracionalidade, dependência da forma e ineficiência do mercado. Os investidores baseiam suas decisões em regras de bolso, cuja maioria é inconsistente, o que faz com que tenham crenças enviesadas. Eles têm sua percepção sobre o risco e o retorno de investimento bastante influenciada pela forma como o problema é apresentado. Os vieses heurísticos e dependência da forma desviam os preços de seus fundamentos empresariais, setoriais e macroeconômicos. Esses desvios dos “preços justos” não são apenas pequenas anomalias randômicas corrigidas por arbitragem. Em suas abordagens evolucionistas dos processos sociais, os institucionalistas dão grande importância à análise do comportamento coletivo e às transformações operadas. O comportamento humano revela tendências definidas que terminam por configurar um padrão de ação coletiva que com o tempo torna-se uma instituição. Instituição é, pois, um conjunto de hábitos, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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costumes e modos de pensar cristalizados em práticas aceitas e incorporadas pela comunidade. Lógica de ação é um conjunto de regras socialmente compartilhadas e recorrentes de pensamento e comportamento. Constitui-se de schemas e um modelo mental e/ou regras comportamentais. Instituições são, então, as restrições criadas para dar forma às interações humanas. Estabelecem essas “regras do jogo” incorporadas em comportamentos individuais. Daí decorre o debate entre Holismo e Individualismo Metodológico. O primeiro afirma que “o todo social é mais (fenômeno emergente distinto) do que a mera soma de suas partes”. Logo, o conjunto social influencia as condições de comportamento ou funcionamento de suas partes. O Individualismo Metodológico acha que somente os indivíduos, e não a sociedade como um Todo, podem ter objetivos e interesses particulares. Assim, nessa perspectiva, as alterações do sistema social resultam das ações dos indivíduos. A alteridade é a situação, estado ou qualidade que se constitui através de relações de contraste, distinção, diferença. Para o Holismo, o comportamento dos indivíduos deve ser deduzida a partir de leis, fins ou forças macroscópicas ou sociais sui generis que se aplicam ao sistema social como um todo, e a partir das posições dos indivíduos dentro do conjunto total. Para o Individualismo Metodológico, todos fenômenos sociológicos em grande escala são, em última instância, reduzidas às teorias que se referem apenas a indivíduos, suas disposições, crenças, recursos e interações. Economistas devem prestar atenção às contribuições de outras disciplinas que se referem às lógicas de ação: familiar, religiosa, cívica, de mercado, etc. Qualquer trabalho sobre este tema é essencialmente multidisciplinar por causa dos diversos domínios para lógicas de ação em dada situação social. Este trabalho multidisciplinar lida com Sistemas Complexos e necessita de maior sistematização e precisão. A concepção do sistema econômico como um sistema dinâmico e evolucionário reconhece que parte do comportamento Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
humano tem um fator biológico e genético. Apropria-se, então, de contribuições da Biologia, como a seleção natural e a plasticidade fenotípica. Fenótipo é conjunto das características estruturais e funcionais visíveis de um organismo, resultante da interação entre o genótipo – composição genética de um indivíduo – e o ambiente. A Economia Evolucionária contrasta com a visão de modelos heurísticos como explicações ad hoc de desvio de comportamento frente uma norma baseada na lógica racional, que foram apresentadas pela Economia Comportamental. A racionalidade é ecológica no sentido de que dados comportamentos particulares foram evolutivamente selecionados, devido à sua capacidade de solução de problemas em ambientes mutantes. A adequação dos comportamentos se deve ao desempenho ecológico em tais ambientes para os quais vão sendo adaptados. Contrapõe-se também à típica postura neoclássica de partir de racionalidades universais, atemporais e independentes, tanto de características dos indivíduos, gerais ou particulares, quanto do ambiente natural ou institucional. Na realidade, economia é um ecossistema, ou seja, um sistema que inclui os seres vivos e o ambiente, com suas características físico-químicas e as interrelações entre ambos. A Economia Evolucionária rompe com o determinismo “totalitário” ou “coletivista” ao verificar que o meio-ambiente físico e socioeconômico deixa margem para as inovações, as rebeldias, as criatividades, as rupturas, as trajetórias caóticas, etc. O sistema como um todo – o meio-ambiente físico e socioeconômico – seleciona socialmente os comportamentos adequados a si próprio, em certas circunstâncias, mas é um corpo mutante não determinístico. Passa por permanente retroalimentação dinâmica na sequência (re)avaliações individuais decisões práticas - constituição do ambiente incerto. Portanto, os seres humanos são sujeitos de Sistemas Complexos. Por causa disso, é necessário o estudo da Economia da Complexidade. 21
Economia interdisciplinar
A Economia Interdisciplinar observa a interação entre as partes de um Todo que caracteriza um Sistema Complexo. Sem a análise das conexões em níveis diferenciados de escala, não se pode compreender o fenômeno macrossocial. A despeito da complexidade dos fenômenos observados, é possível distinguir padrões ou classes de comportamento em casos reais na natureza e na sociedade. Padrões coletivos são o objeto de estudo da Economia Comportamental e Institucionalista. Esta auto-organização dos sistemas leva à emergência de fenômenos. A partir de estudos sobre aprendizagem e evolução, a Economia Evolucionária percebe a relevância da inovação e adaptação dos agentes ao meio-ambiente mutante face às mudanças dinâmicas desses sistemas auto-organizáveis. Em uma Palestra TED, “A Influência Oculta de Redes Sociais”, Nicholas Christakis sustenta que as redes sociais têm valor. Elas são um tipo de capital social. Novas propriedades emergem porque estamos inseridos nas redes sociais. Essas propriedades são inerentes na estrutura das redes e não aparecem nos indivíduos dentro delas. O padrão de conexões entre as pessoas confere a outros grupos de pessoas diferentes propriedades. São os vínculos entre as pessoas que fazem o todo distinto da soma inalterada de suas partes. Assim, não é apenas o que está acontecendo a cada uma dessas pessoas, se está perdendo ou ganhando dinheiro, ou se tornando rica ou pobre, ou feliz ou infeliz, que as afeta. Trata-se da arquitetura real dos vínculos em torno delas. Os seres humanos se agrupam e formam um tipo de superorganismo. Este é um tipo de coletivo de pessoas que mostram ou evidenciam comportamentos ou fenômenos complexos que não são redutíveis ao estudo das pessoas isoladas e devem ser entendidos por referência ao estudo da coletividade. Por exemplo, entender as redes sociais, como elas se formam e operam, pode nos ajudar a compreender fenômenos econômicos como corridas aos bancos e quebras dos mercados ou a adoção de inovações e a difusão da 22
adoção de certos produtos. Os Sistemas Sociais são descritos por Furtado, Sakowski e Tóvolli (2015) como uma coleção de agentes heterogêneos (indivíduos, bancos, países etc.), cujo estado de um agente (a opinião, a liquidez, a riqueza, etc.) influencia e é influenciado pelo estado dos outros. Suas interações, em conjunto, dão origem às propriedades globais do sistema, propriedades essas que são mais do que a soma dos comportamentos individuais. Esses aspectos caracterizam sistemas sociais como complexos. Acreditamos que uma nova era do pensamento econômico está emergindo. A Ciência Econômica neoclássica, adotada pela sabedoria convencional, começa a dar lugar a uma interpretação do comportamento humano na qual há espaço para a diversidade, a heterogeneidade, a adaptabilidade e a complexidade. A economia deve ser interpretada como um Sistema Complexo, onde agentes com diferentes capacidades, várias dotações de recursos e distintas preferências interagem para gerar um resultado que não é conhecido a priori. Ele será a consequência direta do modo como o processo de interações se desenrola. Depois de olhar a representação visual da complexidade econômica, mudamos a forma de enxergar as diversas atividades, porque essa rede social, embora esteja mudando através dos tempos, tem uma memória. Ela se move, as atividades fluem dentro dela, ela tem um tipo de consistência. Os agentes podem desaparecer, mas ela ainda persiste. Tem um tipo de resiliência que a permite perseverar, continuar, conservar-se através dos tempos. Essa rede social constitui a Economia de Mercado? Ela caracteriza apenas o Capitalismo Liberal? Ou permanecerá em que pese a substituição deste pelo Capitalismo de Estado? A este não se ajuntará o desejo coletivo de Bem-Estar Social?
7.
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Radiografia do sistema local de inovação do grande abc
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
RADIOGRAFIA DO SISTEMA LOCAL DE INOVAÇÃO DO GRANDE ABC RADIOGRAPHY INNOVATION LOCAL SYSTEM OF ABC REGION RESUMO
Antonio Carlos Marques Valente Universidade Federal do ABC UFABC
Anapatrícia Morales Vilha Universidade Federal do ABC UFABC
Desde os primórdios da II Revolução Industrial constatou-se que as inovações tinham um caráter sistêmico e dificilmente aconteciam de maneira solitária ou encapsulada (Freeman e Soete, 2008). Dessa forma, o processo de inovação, visto de maneira interativa, relaciona-se com o conceito de Sistema de Inovação (SI), que pode ser entendido como um conjunto de instituições públicas e privadas que contribui nos âmbitos macro e microeconômico para o desenvolvimento e a difusão de inovações de um determinado setor, região ou país (Sbicca; Pelaez, 2006, p.417). A questão que orientou o desenvolvimento deste trabalho consiste em investigar o cenário das interações dos atores políticos, científicos, tecnológicos e inovativos da região do Grande ABC, ressaltando os desafios, entraves e potencialidades do seu sistema local de inovação. Para tanto, realizou-se em 2013 uma pesquisa de campo qualitativa com os atores mais representativos da região do Grande ABC. Verificou-se que a região exibe atores para o desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo, destacando-se neste contexto a presença de universidades, empresas e organismos de articulação regional, como a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e o Consórcio Intermunicipal Grande ABC. Não obstante, a pesquisa mostrou a existência de uma debilidade das interações entre os atores responsáveis pelo dinamismo inovativo da região, com especial desarticulação frente às potenciais parcerias que podem ser deflagradas entre universidades e empresas. Combinado a isso, o tecido industrial da região é revestido por uma boa porção de empresas de pequeno e médio porte, cuja natureza setorial e de trajetória de desenvolvimento tecnológico se mostra pouco densa. Nota-se também a ausência de lideranças capazes de aglutinar os diferentes interesses e articular os atores diretamente relacionados com os processos de inovação na região. Finalmente, a pesquisa sinalizou que o tema inovação ainda não penetrou nas estratégias dos municípios na intensidade que se deveria, dificultando laços mais consistentes entre os atores inovativos da região. Palavras-chave: sistemas de inovação, sistemas locais de inovação, inovação tecnológica.
ABSTRACT
Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
Since the beginning of the Second Industrial Revolution it was found that innovation had a systemic character and hardly happened solitary or encapsulated way (Freeman and Soete, 2008). Thus, the process of innovation, as interactively, relates to the concept of Innovation System (SI), which can be understood as a set of public and private institutions that contribute the macro and microeconomic levels for the development and the diffusion of innovations in a particular industry, region or country (Sbicca; Pelaez, 2006, p.417). The question that guided the development of this work is to investigate the scene of the interactions of political actors, scientific, technological and innovative in the ABC region, highlighting the challenges, obstacles and potential of their local innovation system. Therefore, there was in 2013 a qualitative field research with the most representative actors of the ABC region. It was found that the region displays actors for scientific, technological and innovative, especially in this context the presence of universities, companies and regional coordination bodies such as the Economic Development Agency of the ABC and the ABC Intermunicipal Consortium. Nevertheless, research has shown that there is a weakness of the interactions between the actors responsible for the innovative dynamism of the region, with special disarticulation front of potential partnerships that can be triggered between universities and companies. Combined with this, the industrial fabric of the region is covered with a good portion of small and medium enterprises, whose sector and technological development trajectory nature shown little dense. Note also the absence of leaders able to unite the different interests and articulating the actors directly related to innovation processes in the region. Finally, the research indicated that the subject innovation not yet penetrated the strategies of municipalities in the intensity that should hinder more consistent links between innovative actors in the region. Keywords: innovation systems, local innovation systems, technological innovation.
Classificação JEL / JEL Classification: O38 26
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Antonio Carlos Marques Valente e Anapatrícia Morales Vilha
1.
INTRODUÇÃO
A competitividade dos mercados desperta para a necessidade de as empresas estarem atentas ao ambiente externo e perseguirem vantagens baseadas em inovações de difícil imitação pelos competidores. De acordo com a OCDE (2006, p. 21), a inovação tecnológica é um processo contínuo, tendo em vista que as empresas introduzem mudanças constantes em seus produtos e processos, buscando novos conhecimentos e tecnologia para tal. Desta forma, trata-se de um mecanismo dinâmico e, como tal, mais complexo de se mensurar comparativamente a uma atividade de característica mais estática. Dentro deste contexto, Kline e Rosenberg (1986, p. 286, 287) propuseram o modelo interativo de inovação (chamado pelos autores como ‘elo de cadeia de inovação’) que leva em conta a existência de um processo interativo para prover a inovação. Essa concepção interativa do processo inovativo no modelo de Kline e Rosenberg prevê interações e retroalimentações (feedbacks) em âmbito interempresarial e interempresarial, bem como entre os diversos estágios do desenvolvimento da inovação. Ademais, o modelo sinaliza claras interações entre as esferas científica e tecnológica, levantando questões que alavancam a geração de conhecimentos em ambas as esferas. Situados em uma base locacional específica – caracterizada como ambientes inovadores – os sistemas locais de inovação são compostos por uma estrutura que leva em conta aspectos sociais, institucionais, organizacionais e territoriais capazes de gerar sinergia num espaço de proximidade geográfica, podendo resultar em arranjos produtivos, inovativos ou mesmo em parques tecnológicos. A região do ABC, historicamente, construiu uma estrutura urbana e industrial que a coloca em destaque no cenário brasileiro e, apesar das alterações na estrutura industrial ocorrida na região nos anos 1990, o ABC desenvolveu uma competência industrial que não pode ser desconsiderada, possuindo ainda um tecido industrial diversificado e um setor de serviços em franca expansão. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Em que pesem essas evidências, a região do ABC estabeleceu uma trajetória de desenvolvimento econômico e tecnológico revestida de fragilidades, especialmente na década de 70, através de um parque industrial marcado por empresas multinacionais instaladas sem exigências estratégicas para a região, como instrumentos de transferência tecnológica para a indústria local, além de alta proteção tarifária (Klink, 2001). Nesse contexto, a região do ABC enfrenta o desafio de criar novas alternativas de competitividade e de fortalecimento tecnológico e inovativo dos atores locais. Diante deste contexto, o presente artigo apresenta uma revisão da literatura sobre sistemas de inovação e o alcance conceito e metodológico dos sistemas locais de inovação. Ademais, discute-se o perfil dos atores científicos, tecnológicos e inovativos e a dinâmica interativa presente no sistema local de inovação da região do ABC. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de campo por meio de entrevistas presenciais em 2014 com os atores institucionais mais representativos do sistema local de inovação, conforme seção 4.2 deste artigo.
2.
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Discussão dos Sistemas de Inovação como Prólogo A tecnologia e a indústria atuam em escalas cada vez mais globais, dependendo fortemente da dinâmica dos processos de aprendizado e das formas de interação dos atores científicos, tecnológicos e inovativos. Dessa forma, tanto a inovação quanto os processos de produção são construídos a partir da interação de sistemas sociais e de aprendizado. Nessa mesma direção, Fuck e Vilha (2011) mostram que o processo de inovação endereça a necessidade de interação da empresa com múltiplos atores, de modo a acessar novos conhecimentos e estabelecer novas relações de cooperação para prover tecnologias e inovações. O processo de inovação, visto de maneira interativa, relaciona-se com o conceito 27
Radiografia do sistema local de inovação do grande abc
de Sistema de Inovação (SI), que pode ser entendido como um conjunto de instituições públicas e privadas que contribui nos âmbitos macro e microeconômico para o desenvolvimento e a difusão de inovações de um determinado setor, região ou país (Sbicca; Pelaez, 2006, p.417). Portanto, os Sistemas de Inovação (SI) podem ser definidos como um conjunto de agentes e instituições (universidades, institutos de pesquisa, empresas públicas e privadas, agências governamentais e demais órgão, entidades e instituições) que contribuem para o desempenho tecnológico de um país ou região. Revestido pelos princípios da abordagem evolucionária, um sistema de inovação (SI) consiste na composição de organizações cujas instituições contribuem com a performance inovativa do conjunto ou unidade orgânica. Assim, a estratégia de inovação de uma determinada empresa é influenciada pelos demais atores do sistema que podem resultar em aspectos facilitadores ou inibidores para o processo inovativo de uma determinada firma em questão e, por conseguinte, do próprio SI como um todo (Sbicca; Pelaez, 2006, p. 417). Freeman e Soete (2008, p. 503) argumentam que o sistema de inovação pode ser capaz de influenciar, estimular, facilitar, retardar ou até mesmo impedir as atividades inovativas das empresas. São as características de cada sistema que definem o poder e a eficiência da produção, da difusão e uso do conhecimento por meio dos fluxos financeiros públicos e privados, legislação e regras de propriedade intelectual, políticas nacionais para a indústria, os fluxos tecnológicos e científicos e o fluxo de recursos humanos das universidades para as empresas e entre as firmas (Campos, 2006). Para Edquist (2004, p. 187), um sistema de inovação não é projetado ou construído, uma vez que o processo inovativo é evolucionário. Deste modo, mesmo que fosse possível identificar todas as variáveis do processo de inovação de maneira detalhada, não seria possível controlá-las ou construílas. Nesta mesma direção, Nelson (2006, p. 430) comenta que o conceito sistema de 28
inovação não deve ser compreendido como algo previamente planejado ou projetado e tampouco construído. Na verdade, o autor, defende como sendo um arranjo de atores institucionais que de maneira conjunta, porém não necessariamente harmônica e coerente, desempenha o papel de influenciar, estimular e promover atividades inovadoras. Para entender o funcionamento de um sistema de inovação, é preciso qualificar o papel de seus agentes. Em geral, os atores principais são as empresas, as principais geradoras e usuárias das novas tecnologias e a unidade de análise básica dos estudos industriais. No entanto, os fornecedores, usuários e outras instituições como universidades, agências de financiamento e organizações governamentais também têm um papel importante. Esses outros atores dão suporte às firmas nos processos de inovação - incluindo a difusão tecnológica e nos processos produtivos. O papel de cada um deles pode variar de acordo com o tempo e o setor analisado, tendo maior ou menor importância no sistema dependendo de como se comportam algumas variáveis, como as restrições de capital ou a importância da pesquisa acadêmica no setor. Além disso, cada um tem diferentes objetivos, competências e comportamentos, o que molda a heterogeneidade dos agentes. Para Edquist (2004, p. 184 - 186), há características que fortalecem um sistema de inovação: 1) o processo de aprendizagem como foco principal; 2) deve haver uma abordagem do ponto de vista interdisciplinar; 3) empregar uma perspectiva histórica e evolucionária; 4) que a inovação é interdependente e não-linear; 5) há de se levar em consideração tanto as inovações de produto quanto de processo e 6) destacada importância ao papel dos atores envolvidos no processo de inovação. Ao examinar o sistema de inovação brasileiro, Suzigan e Furtado (2010) mostram que as instituições científicas, tecnológicas e inovativas não evoluíram de forma alinhada com a dinâmica presente imposta pelos desafios da indústria, da ciência e da tecnologia. Outros problemas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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identificados pelos autores no caso brasileiro residem na falta de articulação dos atores para uma atuação sistêmica, além da ausência de mecanismos mais efetivos de acompanhamento sistemático da implementação de políticas de apoio às atividades de CT&I. De acordo com Villaschi (2005, p. 15) estas características apontadas por Suzigan e Furtado (2010) são decorrentes de três fatores: a) baixos investimentos em áreas onde a incorporação de novos conhecimentos é essencial; b) cortes de recursos em áreas essenciais para inovações em tempos de economia do aprendizado e c) a não adoção de uma política industrial/tecnológica como política de desenvolvimento. Desta forma, a estrutura do SNI brasileiro não conseguiu se consolidar de forma integrada. Adicionalmente, as estratégias empresariais não estão diretamente relacionadas com a geração endógena de conhecimento; as empresas mostram pouco interesse em estabelecer interações com as universidades. Quando isto ocorre, são, majoritariamente, trabalhos rotineiros e de consultoria que não estimulam pesquisa mais especializada, ou seja, não é a busca por novos conhecimentos, mas sim pela utilização e aplicação de conhecimentos pré-existentes. Outro dado importante é que a maior parte das políticas econômicas e industriais ainda possui um caráter de curto prazo, caminho oposto àquele que a ciência, tecnologia e inovação exigem (AROCENA e SUTZ, 2005, p. 416). 2.2. Sistemas Locais de Inovação e seu Alcance Conceitual e Metodológico Para Tatsch (2006, p. 285, 286), há uma série de pesquisas que mostram que a relação entre a localização geográfica, dinamismo tecnológico e vantagens competitivas apontam que a interação entre empresas, organizações e instituições locais encorajam o intercâmbio de conhecimentos. Nessas localidades industriais, as empresas buscam obter vantagens no que diz respeito ao acesso à mão de obra qualificada e matérias-primas, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
bem como escoamento de seus produtos. Logo, a proximidade geográfica permite o aparecimento de outas atividades correlatas se transformando numa fonte de economias externas (Campos; Paula, 2006, p. 35). Este argumento é fortalecido por Asheim e Gertler (2004, p. 292, 293) quando eles reforçam que a questão geográfica é “fundamental e não acidental” para a inovação. Ou seja, para compreender o processo inovativo deve-se levar em consideração a questão da localização geográfica, da proximidade espacial e da concentração de firmas. A mudança natural do processo inovativo, crescendo a importância de como os processos de aprendizagem são socialmente organizados, uma vez que as interações e o fluxo de conhecimento se dão entre múltiplos atores locais tais como: as firmas, contemplando clientes, fornecedores e concorrentes, o aparato local de pesquisa (universidades, instituições de pesquisa pública e privada) e as agências de fomento ao desenvolvimento econômico local. Atualmente, há um consenso de que a localidade é relevante para o crescimento das firmas, para a competitividade e a capacidade inovativa. Este consenso em relação à localização geográfica de empresas com especialidades técnicas ganhou contornos mais explícitos, a partir da última década do século vinte influenciando fortemente os formuladores de políticas industriais. A definição de aglomeração ficou mais articulada na medida em que a ligação da ideia de aglomeração com a de redes no que diz respeito às cadeias de fornecimento próximas às empresas âncoras. Para Lastres e Cassiolato (2005, p. 01), sistemas locais de inovação podem ser definidos como sendo um conjunto de atores políticos, econômicos e sociais localizados em um mesmo espaço geográfico, apresentando laços de produção, interação, cooperação e aprendizagem. De modo geral, são constituídos por empresas produtoras, fornecedores, clientes e demais firmas que contemplam a cadeia produtiva. Acrescentam-se as universidades locais e centros de pesquisa, incubadoras e demais instituições promotoras do conhecimento 29
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e aprendizagem. Johnson e Lundvall (2005) alertam que para países em desenvolvimento, uma maior atenção deve ser dada aos sistemas locais de inovação, dada a pouca articulação dos atores que compõem o sistema nacional de inovação desses países. Partindo dos mesmos pressupostos enunciados no princípio de sistemas de inovação, para Sendim e Appolini (2006) os sistemas locais de inovação referem-se ao conjunto de atores e instituições locais que contribuem para o desenvolvimento e a difusão de inovações de uma determinada região. Por fim, de acordo com Rauen (2006, p. 16, 17), os sistemas locais de inovação possuem “dois elementos fundamentais e distintos, porém complementares que são as organizações e as instituições” porque, se por um lado – usando o argumento schumpeteriano - as empresas estão no cerne das inovações, por outro, as instituições têm a função de criar mecanismos para que as empresas inovem, estabeleçam redes de cooperação, parcerias tecnológicas e interajam com os múltiplos atores do sistema local de inovação.
3.
METODOLOGIA
Para a realização da pesquisa de campo qualitativa de caráter exploratório que examinou o sistema local de inovação do ABC, realizou-se entrevistas presenciais em 2014 com os atores institucionais mais representativos do sistema local de inovação,
conforme indica o quadro 1 a seguir. As entrevistas foram gravadas com a autorização dos entrevistados e tiveram duração média de 60 minutos, estruturadas conforme os seguintes eixos: perfil dos atores científicos, tecnológicos e inovativos do sistema local de inovação da região do ABC; e caracterização da dinâmica interativa existente entre os principais atores presentes no sistema local de inovação da região do ABC, conforme resultados analisados a seguir.
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Esta seção se dedica a apresentar os resultados da pesquisa realizada para discutir o perfil dos atores científicos, tecnológicos e inovativos e a dinâmica interativa presente no sistema local de inovação da região do ABC. Preliminarmente, será exibido um panorama recente da região. Em seguida, serão apresentados os resultados da pesquisa de campo realizada na região do ABC. 4.1. Região do ABC Paulista: panorama recente A região do ABC paulista é constituída por sete municípios (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) compreendendo uma área de 841km2 e uma população total de 2.551.328 habitantes (IBGE, 2010). Do ponto de vista econômico, possui um PIB de R$ 81.693 bilhões incluindo os impostos
Quadro 1: Atores do sistema local de inovação da região do ABC entrevistados na pesquisa de campo
Ator entrevistado
Nome/Cargo do entrevistado
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Sindicato dos Químicos do ABC CIESP – Regional SBC CIESP - Regional Santo André SEBRAE – Regional ABC Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC Consórcio Intermunicipal Grande ABC UFABC FEI USCS
Presidente Assessor Técnico 2º Vice Diretor Gerente Regional Gerente Regional Presidente Secretário Executivo Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão Diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos Industriais - IPEI Professor Titular
Fonte: Pesquisa de Campo (2014).
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arrecadados. Estes dados mostram que a participação da região representa 6,5% do PIB do Estado de São Paulo e 2,1% do PIB brasileiro (Anuário de Santo André, 2012, p. 24). Das sete cidades, cinco estão entre as cem maiores cidades brasileiras em relação ao PIB brasileiro, mostrando que a região possui uma economia bastante representativa no cenário nacional. O Grande ABC pode ser considerado uma região no sentido forte do termo, na medida em que sintetiza três dimensões diferentes de articulação em seu recorte espacial: é simultaneamente, uma região econômica, polarizada e político- administrativa. Do ponto de vista econômico, o ABC possui importante peso industrial – com destaque, em primeiro lugar, para o complexo automotivo e, em segundo, para o ramo petroquímico e químico ao mesmo tempo em que se expande consideravelmente o setor terciário (Daniel; Somekh, 1999, p. 2). Abrucio e Soares (2001, p. 152-156) explicam que na década de 1990 a região do ABC se vê na necessidade de criar mecanismos de articulação regional decorrentes do impacto da crise econômica que assolou a região. Diante deste pressuposto, há o surgimento de múltiplas iniciativas de aproximação entre os atores regionais com o objetivo de solucionar problemas comuns e direcionados ao desenvolvimento econômico regional. Entre os mecanismos e instrumentos criados, destacam-se a criação do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, com a participação de prefeitos das cidades que compõem o Grande ABC com a função de criar mecanismos de coordenação intermunicipal para discutir assuntos ligados às problemáticas ambiental, econômica e administrativa (Lépore et al, 2007, p. 122). Por último, a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC foi criada em 1998 para atuar em conjunto com o Consórcio Intermunicipal com o objetivo de promover e estimular o desenvolvimento econômico e sustentável da região. As três áreas de atuação da Agência estão centradas no apoio e estímulo às micros e pequenas empresas; promoção da imagem regional; e Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
formação de um sistema de informação (Site Agência, 2002 apud Viana, 2005, p. 211). 4.2. Perfil dos atores científicos, tecnológicos e inovativos do sistema local de inovação da região do ABC No que tange ao perfil dos atores científicos, tecnológicos e inovativos da região do ABC, as entrevistas mostraram que as instituições de ensino abordadas - UFABC e FEI atuam e trabalham diretamente junto a atividades de desenvolvimento tecnológico e inovativo, com exceção da USCS que, de maneira indireta, participa destas atividades, por meio de uma agenda de pesquisa envolvendo temáticas relacionadas. As instituições entrevistadas formam mestres e doutores e apoiam atividades e interfaces com o campo da CT&I, contando com mestres e doutores em seu quadro de pesquisadores e valendo-se de fontes públicas de financiamento para as suas pesquisas, além de recursos próprios no caso das IES privadas. Já os Sindicatos dos Químicos e dos Metalúrgicos do ABC, a CIESP Regional SBC e Santo André, a Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, o Sebrae Regional ABC e o Consórcio Intermunicipal Grande ABC não se opõem e/ou apoiam e fomentam atividades de CT&I desenvolvidas na região. Em outras palavras, cada ator institucional em questão, dentro do seu escopo de atuação, participa, estimula e induz atividades de CT&I por meio de atividades específicas e/ou correlatas. Os sindicatos concordam que a região deve desenvolver atividades desta alçada de modo a criar, especialmente na cadeia de fornecedores, competências tecnológicas e inovativas de maior destaque no cenário regional, “escapando” da forte dependência dos projetos oriundos das multinacionais e do debate sobre a questão das empresas sistemistas imposta por elas. A CIESP Regional Santo André e SBC, do mesmo modo, procuram estimular atividades de CT&I na região por meio de parcerias entre as empresas que possuam complementaridades e, a partir deste espectro, desenvolver novas tecnologias que possam ser embarcadas em outros produtos, agregando valor ao produto final ou que novos 31
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produtos posam ser criados por conta da troca de conhecimentos e competências tecnológicas e das complementariedades existentes, fortalecendo a competitividade das empresas da região. Adicionalmente, procuram estabelecer uma agenda de encontros que discutem temas diretamente relacionados às problemáticas industriais da região, além de estarem presentes, na medida do possível, nas discussões com os atores públicos institucionais. O SEBRAE Regional ABC apoia atividades de CT&I, especialmente nas empresas nascentes. Por meio das suas consultorias e apoio técnico, procura desenvolver, nestas empresas, diferenciais competitivos que levem em consideração a inovação como fator preponderante, tanto no setor industrial quanto no setor de serviços. A Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC é um elemento de aproximação entre o setor público e as empresas da região. Deste modo, coloca em pauta a questão da inovação e do desenvolvimento tecnológico como variáveis importantes para melhorar a competitividade das empresas. Procura estimular e induzir o fortalecimento dos APLs locais e a formação de parcerias entre as empresas apresentando uma agenda de debates e discussões que levem em conta as características industriais e produtivas da região. Igualmente, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC, por meio de seus grupos de trabalho busca o fortalecimento e modernização dos segmentos econômicos mais destacados da econômica regional, como o setor automobilístico e sua cadeia produtiva como um todo, o complexo petroquímico o setor metalmecânico dentre outros. Para tal, procura desenvolver políticas de incentivo às micro e pequenas empresas e atividades de apoio à modernização da economia regional.
informações ou estabelecer parcerias. De acordo com entrevistado, para que haja interlocução dos atores, a demanda costuma decorrer da própria universidade para realizar pesquisar sobre múltiplas questões que envolvem o ambiente empresarial. Nesta perspectiva, a instituição possui estudos sobre arranjos produtivos locais (APLs) e clusters locais, estabelecendo trocas de experiências e informações. De acordo com o entrevistado da UFABC, de modo geral, a relação universidade/ empresa (U/E) deveria ocorrer naturalmente, mas que no Brasil, historicamente, isso não ocorre como se deseja, em virtude de dois fatores fundamentais: 1º) restrições legais que dificultam essa interação; 2º) as empresas possuem muito pouca informação sobre o que as universidades realizam (pesquisa, desenvolvimento e inovação) e o que elas podem contribuir com as empresas. O entrevistado salientou que o poder público, em todas as esferas, tem um papel preponderante para melhorar a relação U/E e na superação destes obstáculos, destacando que as prefeituras de Santo André e São Bernardo do Campo estão se empenhando para este fim. A FEI estabelece vínculos com as empresas há bastante tempo e relata que, de modo geral, as empresas da região procuram a instituição de maneira espontânea para serviços mais rotineiros, como: análises, testes e emissão de laudos técnicos. Salientou que é crescente a procura das empresas para estes serviços mais rotineiros, mas há uma evolução para projetos de P&D nos quais a FEI tem forte interesse e vem se estruturando para atender esta nova demanda, já que agregam mais valor para as expertises da instituição. Destacou que os principais desafios tanto 4.3. Caracterização da para as IES quanto para as empresas dinâmica interativa existente estabelecerem projetos mútuos de P&D é entre os principais atores do saber aglutinar a expertise da universidade sistema local de inovação da com o interesse da indústria, sendo que região do ABC ambas precisam se preparar para este novo cenário, além de aprimorar a legislação O entrevistado vinculado à USCS existente que dificulta, principalmente, informou que, de modo geral, as empresas para as universidades púbicas, estabelecer pouco procuram a instituição para buscar laços cooperativos com as empresas. 32
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Portanto, segundo os entrevistados da FEI, há desafios tanto para as IES no sentido de saber identificar as demandas industriais e desenvolver expertises para cooperar, quanto para a indústria que, de modo geral, não sabe interagir com a universidade e desconhece a contribuição que ela pode oferecer atuando em parceria. De acordo com a Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, as empresas da região raramente buscam as universidades para desenvolver pesquisa porque ainda não enxergam nas IES um parceiro no desenvolvimento de soluções tecnologicamente mais competitivas; desconhecem como estas instituições podem atuar conjuntamente com as indústrias e, fundamentalmente, porque não sabem como construir formas de cooperação tecnológica. Para o entrevistado, isto se dá porque boa parte das empresas da região é dependente de empresas multinacionais que, por conseguinte, possuem baixo grau de autonomia nas tomadas de decisão. De acordo com a CIESP – Regional SBC e Regional Santo André, o setor produtivo da região (até mesmo brasileiro, em geral) não estabelece parcerias com empresas, governo e com instituições de ensino. Um possível entrave para celebração dessas interações decorre do fato de que a articulação entre essas esferas é complexa, dados os diferentes perfis de atuação, expectativas e tempos para atuação para as suas respectivas atividades. A questão legal também foi salientada como um limitador dessas interações. Adicionalmente, as empresas desconhecem como estabelecer parcerias com as IES e não sabem como fazê-la. Por outro lado, o empresariado local se queixa quando procura a universidade para contratar um serviço mais rotineiro e ela não corresponde de maneira positiva porque entende ser uma atividade de baixo valor agregado para a instituição. Mesmo assim, o diálogo com as IES vem melhorando gradativamente e o setor produtivo da região acena a necessidade e a disposição em estabelecer e fortalecer parcerias com as universidades locais. Para o entrevistado do Sindicato dos Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Metalúrgicos do ABC, as multinacionais aqui instaladas pouco contribuem para a troca de informações e com questões de cunho regional, além de fazerem muito pouca pesquisa em profundidade na região, estando muito dependentes das suas matrizes. Acrescentou que o SENAI é uma instituição importante que atua há bastante tempo com as indústrias, mas que poderia ter um papel mais robusto na região, auxiliando na implementação de redes de inovação. Por outro lado, o ensino técnico da região é bastante deficitário no que tange a qualidade dos profissionais formados. Neste relato, os entrevistados salientaram que alguns APLs locais são dinâmicos, porém, a interação com as universidades e a participação das EMNs neste contexto é diminuta, mostrando uma fragilidade do sistema local de inovação. Dentro deste mesmo contexto, o SEBRAE Regional ABC, por meio de seu entrevistado, sublinhou que as empresas pouco buscam interagir com as IES porque desconhecem os mecanismos de interação, legislação vigente, fontes de financiamento dentre outras. Já o Consórcio Intermunicipal Grande ABC relatou a carência de uma cultura de inovação como um obstáculo para a interação U/E. Outro obstáculo apontado pelo entrevistado é que o Grande ABC não possui um sistema regional de inovação, pois ele é fragmentado por conta da pouca articulação entre os agentes. Portanto, as empresas pouco interagem entre si e com as universidades locais. Como implicação deste cenário, o entrevistado aponta a ausência de lideranças capazes de aglutinar os diferentes interesses e articular os atores diretamente relacionados com os processos de inovação na região. Adicionalmente, o entrevistado relatou que a inovação ainda não penetrou nas estratégias dos municípios na intensidade que se deveria, dificultando laços mais consistentes entre os atores inovativos da região.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para responder ao objetivo proposto neste trabalho, realizou-se uma pesquisa de campo qualitativa de caráter exploratório, a partir 33
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da realização de entrevistas presenciais com os atores mais representativos do sistema local de inovação da região do ABC, com o objetivo de investigar a natureza dos atores científicos e a dinâmica interativa existente e suas potenciais implicações ao sistema local de inovação da região do ABC. Nesse contexto, foram entrevistados: Sindicato dos Metalúrgicos do ABC; Sindicato dos Químicos do ABC; CIESP – Regional SBC; CIESP – Regional SA; SEBRAE Regional ABC; Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC; Consórcio Intermunicipal Grande ABC; UFABC; FEI; e USCS. Como principais resultados da pesquisa, o sistema local de inovação da região do ABC apresenta-se fragmentado e desarticulado, pois as empresas pouco interagem com as instituições de ensino e mesmo entre si, visando melhorias e inovações tecnológicas. Além disto, as empresas apresentam um comportamento reativo em relação à inovação e à cooperação tecnológica. Há esforços localizados do poder público visando um fortalecimento das relações entre as empresas e as instituições de ensino, bem como a estruturação de arranjos produtivos locais, além de inciativas para a implantação de parques tecnológicos na região. Neste sentido, e de acordo com os atores mais representativos do sistema local de inovação entrevistados, verificou-se que o projeto de criação de um polo tecnológico regional seria a iniciativa mais adequada para a região do ABC sob o ponto de vista do fortalecimento e engajamento dos atores e das instituições regionais construídas, dada a pulverização geográfica em mais de uma cidade das instituições de ensino de atuação destacada no campo das engenharias (como FEI, IMT e UFABC). Nessa mesma perspectiva, as empresas estão igualmente localizadas nas distintas cidades que conformam o ABC. Diante desse contexto, os atores científicos, tecnológicos e inovativos mais representativos estão dispersos nos contornos geográficos da região, de modo que uma ação regional seria mais adequada. Por outro lado, não se pode negligenciar o tecido industrial existente na região do 34
ABC que se diferencia das demais regiões brasileiras. Foi construído um arcabouço institucional regional de destaque no cenário nacional, congregando os mais diversos agentes público e privado de igual valor. Há existência de IES no campo das engenharias e a chegada da UFABC com a chancela da pesquisa científica e tecnológica e com o empenho de se inserir nas problemáticas da região descortina novas possibilidades para o adensamento das iniciativas tecnológicas e inovativas, apesar de acenar um caminho a percorrer. Diante do exposto, a incapacidade dos atores políticos, científicos, tecnológicos e inovativos do ABC em coordenar as ações de investimento, reorientação e compromisso com o desenvolvimento regional pode influenciar decisivamente na dinâmica atual das atividades, bem como seu potencial de expansão.
6.
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Empresários do trentino-alto adge no brasil
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
EMPRESÁRIOS DO TRENTINOALTO ADGE NO BRASIL 1 TRENTINO-ALTO ADIGE ENTREPRENEURS IN BRAZIL
RESUMO
JOSÉ HENRIQUE BASSI SOUZA SPERANCINI Graduado História pela Universidade de Sorocaba (UNISO) e em Ciências Econômicas pelo IE-UNICAMP. Mestre e Doutor pelo DPCT/ UNICAMP. Professor da UFABC. E-mail: josehenrique.souza@ ufabc.edu.br.
Geralmente os estudos sobre o papel do imigrante empreendedor no Brasil têm como referências a nacionalidade e o grupo social. Entretanto, os países de origem desses imigrantes nunca foram homogêneos. As características culturais, econômicas, geográficas de cada região; as constantes alterações nas fronteiras dos países europeus e os diferentes ritmos das transformações econômicas destas regiões criaram uma variedade imensa de tipos específicos de imigrantes. Um aspecto pouco estudado é o papel das habilidades desses imigrantes empreendedores em ambientes econômicos novos e dinâmicos. O objetivo deste artigo é explorar a adequação do uso conjunto de instrumentos conceituais do modelo cognitivo-institucional derivados do pensamento de Hayek e Veblen com a teoria do capital humano para estudar o comportamento empreendedor dos imigrantes tiroleses no Brasil. Palavras-chave: Empresários-Imigrantes, Estado de São Paulo, TrentinoAlto Adge.
ABSTRACT
Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
Usually studies on the role of entrepreneus immigrants are referenced to the nationalities and social groups. However, the countries of origin of these immigrants were never homogeneous. The cultural, economic, geographic each region; the constant changes in the borders of European countries and the different pace of economic transformations in these regions have created a huge variety of specific types of immigrants. A little studied aspect is the role of skills of these entrepreneurs immigrant in new and dynamic economic environments. The purpose of this article is to explore the appropriateness of using set of conceptual tool of cognitive-institutional model derived from the thought of Hayek and Veblen to the theory of human capital to study the entrepreneurial behavior of Tyrolean immigrants in Brazil. Keywords: Entrepreneur-Immigrants, State of Sao Paulo, Trentino-Alto Adge.
1 Participou da pesquisa bibliográfica, na pesquisa de campo no Trentino e no Estado de São Paulo e na elaboração do texto o aluno Lucas Alexandre Negri Mascaro do bacharelado em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC (UFABC). lucas_mascaro@hotmail.com
Classificação JEL / JEL Classification: F22 e O15. 36
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1.
INTRODUÇÃO
Assim, os imigrantes que vieram da atual República Italiana, longe de formar um grupo homogêneo de agricultores, eram profissionais de diferentes condições sociais com formação técnica variada e com diversas capacitações tecnológicas, níveis de instruções formais e disposições para empreender. No processo de integração ao novo ambiente os imigrantes ocuparam e criaram espaços econômicos formando o que hoje se conhece por economia paulista. Entre os imigrantes italianos os trentinos são pouco estudados e formam justamente um contingente que sofreu fortemente as alterações nas fronteiras europeias. Pouco se sabe quais são os ramos onde fundaram suas empresas e quais tecnologias trouxeram para o Estado de São Paulo. Existe um desconhecimento grande a respeito das qualificações, do espírito empreendedor e da vocação para a inovação em um ambiente de fronteiras econômicas abertas que encontraram no novo país. Pouco se sabe sobre seus descendentes e sobre os negócios iniciados pelos pais. O mais significativo, entretanto, é que não se conhece as qualificações mentais, as habilidades cognitivas e não cognitivas desses imigrantes-empreendedores. No próximo item será apresentado um referencial teórico que procura definir a forma como os autores entendem o desenvolvimento econômico. Para isso, utiliza autores das vertentes institucionalista e evolucionária. Na segunda parte do referencial teórico o texto apresenta, brevemente, o arcabouço teórico desenvolvido por Heckman utilizado para guiar a coleta de dados. A metodologia segue o referencial teórico e, em seguida são apresentadas algumas reflexões sobre a possibilidade de uso simultâneo dos modelos analíticos escolhidos.
A imigração é de extrema importância para transferência de indivíduos, mão de obra, capitais, tecnologias, empresários, instituições e capacidade produtiva. Não é de estranhar que muitos países, como a Holanda quinhentista adotava uma política de atração de imigrantes, sobretudo de empresários (North, 1994b, p. 05). É mesmo impossível entender o desenvolvimento industrial brasileiro sem levar em conta a imigração do século XIX (Bresser-Pereira, 1964). Entretanto, os estudos sobre o papel dos imigrantes na criação de empresas no Estado de São Paulo geralmente focam as nacionalidades dos imigrantes e suas origens sociais. A referência de Marshall (1920, p. 155) sobre os flamengos na indústria têxtil inglesa é bastante conhecida. No Brasil, diversos autores “clássicos” também fizeram comentários sobre a participação dos imigrantes no desenvolvimento industrial. São os casos, por exemplo de Caio Prado (1995, p. 261 e 265), Versiani (1993), Dean (1971) e de Bresser-Pereira (1964). No geral tais estudos focam os países de origem e os grupos sociais dos imigrantes. Ocorre que os países de origem dos imigrantes nunca foram homogêneos. As características culturais, econômicas, geográficas e tecnológicas de cada região; as constantes alterações nas fronteiras dos países europeus e os diferentes ritmos das transformações econômicas destas regiões criaram uma variedade imensa de tipos específicos de imigrantes-empresários. Culturas, hábitos, propensões, costumes e crenças eram diversas e variadas para imigrantes, inclusive, da mesma região. O artigo pretende abordar, não a origem social dos imigrantes, mas as instituições que suas famílias trouxeram para o Brasil. Não nos debruçamos, portanto, 2. REFERENCIAL TEÓRICO sobre a educação formal, mas sobre o que se pode chamar de “cultura familiar”. A Itália, além de ter um quadro regional 2.1. Propósito, Emulação e extremamente diferenciado experimentou Instituição alterações profundas em seu “mapa Segundo Hayek oficial” justamente no período em que enviava migrantes para o além-mar. Quando falamos de progresso em conexão com Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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nossos esforços individuais ou de qualquer esforço humano organizado, nos referimos a um avanço em direção a uma meta conhecida. Não é neste sentido que a evolução social pode ser chamada de progresso, pois não é alcançada pela razão humana que se esforça por meios conhecidos em direção a um objetivo fixo. Seria mais correto pensar em progresso como um processo de formação e modificação do intelecto humano, um processo de adaptação e aprendizagem em que não só as possibilidades conhecidas por nós, mas também os nossos valores e desejos mudam continuamente. Como progresso consiste na descoberta do ainda não conhecido, as suas consequências devem ser imprevisíveis. Ele sempre leva para o desconhecido, e o máximo que podemos esperar é ganhar uma compreensão do tipo de forças que o provocam. (Hayek, 1978, p. 40)
Para Veblen existe uma busca incessante dos indivíduos pela satisfação pessoal, pelo contentamento e pela aprovação da comunidade conseguidas por meio do exercício das melhores condutas (Veblen, 1898c, pp. 188, 193 e 196). Os indivíduos avaliam sua conduta visando o melhor possível a ser feito, buscam o consumo ostentatório (Veblen, 1918 e Nurkse, 1960, pp. 67 e 70) e se sentem gratificados e estimulados pela aprovação dos pares. Veblen procurou destacar essa característica humana em seu famoso artigo (1898c) repetindo várias vezes a palavra “emulation”. Emulação representa o sentimento que estimula o indivíduo ao zelo e à busca por se igualar ou exceder os outros naquilo que é bom e apreciável. Dessa forma é preciso considerar que tais atributos humanos adquiridos em sociedade são poderosas forças para o surgimento do empreendedorismo. Mas, para entender melhor esse aspecto é preciso entender outro conceito importante para a compreensão da sociedade e suas alterações (Hodgson, 2012), o conceito de “instituições”. As instituições são as “regras do jogo” social (North, 1994a, p. 361 e 1996b, p. 06). São os hábitos, a hierarquia de valores, os costumes, a linguagem, as normas, as convenções e os códigos de conduta. Nurkse (1960) argumenta que
Talvez uma das forças que provocam o progresso seja o propósito de grandes grupos de indivíduos construírem formas de vida mais satisfatórias para suas famílias. Os fluxos migratórios de indivíduos em busca de melhores oportunidades de vida pode ser um propulsor de desenvolvimento econômico em locais e momentos específicos. Isto pode ocorrer porque, regiões com grande potencial de crescimento produtivo que não dispõe de recursos humanos qualificados podem gerar grandes volumes de riquezas após receberem contingentes de imigrantes qualificados e dispostos. Considerar as intenções, os desejos e as ambições humanas como forças que podem Nada é mais importante do que a qualidade das alterar o destino da sociedade não implica pessoas. Os hábitos pessoais, e as características um desvio não científico da análise. Se todos associadas com o uso do capital – entre eles a os eventos humanos podem ser entendidos iniciativa, a prudência, o engenho, fornecem uma pela relação de causa e efeito, é perfeitamente base mais profunda e segura para o progresso econômico de uma nação que os projetos de uma razoável entender os propósitos humanos comissão de planejamento (Nurkse, 1960, p. 168) como causas (Hodgson, 2003b, p. 86) e o Hayek, igualmente utilizou o termo desenvolvimento como consequência de ações humanas concretas (Sachs, 2007). instituição de forma semelhante quando Obviamente que nem toda intenção humana afirmou que: Nós fazemos uso constante de fórmulas, símbolos aplicada resulte nas consequências previstas e regras cujo significado não compreendemos e e desejadas. Entretanto, não, é possível através do uso deles nos valemos da assistência ignorar que a sociedade humana conta de conhecimento que, individualmente, não possuímos. Desenvolvemos essas práticas e com um poderoso reforço em direção ao instituições através da construção de hábitos e desenvolvimento; o ser humano é inclinado instituições que se revelaram bem-sucedidas em sua à realização de objetivos (Hodgson, 2004b). própria esfera e que tenham, por sua vez tornarAssim, a principal preocupação da economia se o fundamento da civilização que construímos é com “os seres humanos que, para o bem (Hayek, 1945, p. 528) ou para o mal, são impelidos a mudar e Inúmeros pensadores vêm sustentando progredir” (Marshall, 1982, p. 10). que as mais fundamentais instituições para 38
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o desempenho econômico são a aceitação do lucro como um pagamento justo pelos empréstimos e pelos investimentos; o direito à propriedade privada e a aceitação do sistema de preços (North, 1994b, p. 03 e 18; Veblen, 1898b, p. 512, Hayek, 1944 e 1945, p. 528 e Say, 1803, p. 12). Tais instituições são importantes também porque o quadro institucional define os tipos e as características das empresas que surgem em um país (North, 1994a, p. 361). As instituições são limitações humanamente concebidos que estruturam a interação humana. Elas são feitas de restrições formais (por exemplo, regras, leis, constituições), restrições informais (por exemplo, normas de comportamento, convenções, códigos auto-impostos de conduta), e suas características de execução. Juntas, elas definem a estrutura de incentivos das sociedades e das economias especificamente. (North, 1994a, p. 360)
Para Hodgson (2004a, p. 20) as instituições são “sistemas duráveis de regras sociais estabelecidas e incorporadas que estruturam as interações sociais”. Em outras palavras,
Elas canalizam e restringem o comportamento de modo que, como resultado, os indivíduos formam novos hábitos. As pessoas não desenvolvem novas preferências, desejos ou propósitos, simplesmente porque “valores” ou “forças sociais” os controlam. O que acontece é que o enquadramento, mudando e limitando as capacidades das instituições sociais dão origem a novas percepções e disposições dentro de indivíduos. Após novos hábitos de pensamento e comportamento, novas preferências e intenções emergem. Como resultado, os hábitos compartilhados são o material constitutivo das instituições, proporcionando-lhes maior durabilidade, poder e autoridade normativa (Hodgson, 2009b, p. 16)
produtividade. (North, 1996a, p. 26).
Porém, para entender o papel do empreendedorismo, é importante diferenciar instituição de organização. North (1994b, p. 04) afirma que “As instituições são as regras do jogo e as organizações são os jogadores”. As instituições possuem a função de estruturar as interações humanas em um ambiente de incerteza (Castelli e Conceição, 2014, p. 13). “Sem instituições não haveria ordem, nenhuma sociedade, nenhuma economia, e nem política. Portanto, a construção de um quadro institucional tem sido um elemento essencial da civilização” (North, 1996a, p. 26). Para North (1996a, p. 26, 1996b, p. 04) as instituições fornecem a estrutura de incentivos de uma sociedade em um dado momento e, portanto, restringem o conjunto de escolha. Entretanto, as instituições também são os portadores do processo de mudança. Para North as organizações são grupos constituídos de indivíduos com objetivos comuns, como órgãos públicos, empresas, clubes, escolas, etc... (1994a, 1994b e 1996b). É a interação contínua entre instituições e organizações no ambiente de seleção que altera as instituições. Assim, concorrência é a fonte da mudança institucional já que obriga os jogadores a mudar suas percepções e a investir continuamente em novas habilidades e conhecimentos. A viabilidade, a rentabilidade e a sobrevivência das organizações dependem da matriz institucional que muda de forma gradual e dependente do trajeto.
Utilizamos, portanto, o conceito de instituição como um sistema de regras capazes de estruturar as interações humanas e reduzir as incertezas decorrentes dessa 2.2. Analogias e as Leis do interação (North, 1994b, p. 10 e 1996b, p. 06). Crescimento As instituições são regras formais (constituições, estatutos e leis comuns, regulamentos), restrições informais (convenções, normas de comportamento e códigos de conduta auto impostos), e as suas características de execução. Instituições refletem as crenças dos jogadores, ou pelo menos daqueles jogadores capazes de moldar as regras. (...) porém, (...) não necessariamente produzem resultados econômicos eficientes. (...). Na verdade, as fontes do fraco desempenho econômico-como evidenciado pela pobreza, baixa renda, e estagnação-são uma consequência das instituições cuja estrutura de incentivos desencoraja atividades que melhoram a
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O uso de analogias da mecânica na economia associa agentes racionais e dotados de lógica. Porém, deixam escapar os comportamentos inesperados, erráticos, sentimentais, irracionais do principal ator da ciência econômica, o ser humano. Talvez por isso Marshall afirmava que “as concepções biológicas são mais complexas que as da Mecânica” (Marshall, 1982, p. 10). Para Alchian (1950, p. 212) “A incerteza decorre 39
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econômicas. Permitem um entendimento mais profundo a respeito do funcionamento da economia de mercado, mas deve-se tomar “o máximo de cuidado para não cair no erro do ‘reducionismo biológico’” (Castelli e Conceição, 2014). Veblen, por exemplo, entendia o desenvolvimento como um processo evolutivo baseado no pensamento de Darwin (Hodgson, 2003b, 2008, 2009b e 2012 e Ambrosino, 2012). As instituições responsáveis pelo desenvolvimento econômico seriam selecionadas em um Não somente a ideia de evolução é mais antiga processo que incluiria os princípios nas ciências humanas e sociais do que nas ciências darwinistas da variação, da hereditariedade naturais. Eu estaria mesmo preparado para argumentar que Darwin adquiriu as idéias básicas e da seleção. Na verdade, o próprio Darwin de evolução da economia. Como entendemos do seu já havia apresentado tal hipótese (Darwin, livro de notas, Darwin estava lendo Adam Smith 1871, p. 162 e Aldrich et al. 2008). Um quando, em 1838, ele estava formulando sua processo de seleção também havia escolhido teoria. (Hayek, 1992, p. 24) o sistema capitalista na visão de Hayek. De fato, segundo Peirce (1958), “os lugares “(...) nossa civilização depende, não apenas mais destacados em ciência serão destinados quanto à sua origem, mas também quanto à sua preservação, do que somente podemos definir com aos que conseguirem adaptar os métodos de precisão como a ordem espontânea da cooperação uma ciência à investigação de outra. Nisto humana, ordem conhecida mais comumente, consistiu o maior progresso da geração embora de modo algo equivocado, como anterior. Darwin adaptou a biologia aos capitalismo. Para compreender nossa civilização métodos de Malthus e dos economistas”. é preciso notar que esta ordem não foi fruto do desígnio ou da intenção humana, mas nasceu Spencer, no final dos oitocentos, sugeriu espontaneamente; nasceu de certos costumes que as leis do crescimento e das funções dos tradicionais e em grande parte morais, muitos dos órgãos nos seres vivos: quais desagradam aos homens, cuja importância
de pelo menos duas fontes de reboque: previsão imperfeita e incapacidade humana de resolver problemas complexos, contendo uma série de variáveis, mesmo quando o ideal é definível”. Alguns autores clássicos e modernos sustentam que a biologia pode oferecer ajuda para o entendimento da economia (Luz e Fracalanza, 2011 e 2013). De fato, ambas as ciências são capazes de intercambiar metodologias inclusive no campo evolutivo. Hayek (1992), por exemplo, chega a afirmar que:
(...) podem, ocasionalmente, nos dar a pista para algumas modificações sociais de outra forma difíceis de entender. Se elas não podem fazer mais, as duas ciências podem ao menos trocar sugestões e afirmações, e isso não será uma ajuda pequena. A concepção de “a divisão fisiológica do trabalho”, que a economia política já forneceu para a fisiologia, é um dos exemplos nada insignificante. E, provavelmente, ela tem outros para oferecer. (Spencer, 1891, p. 78)
eles em geral não entendem, e cuja validade não podem provar, e que, não obstante, se difundiram de modo relativamente rápido, graças a uma seleção evolucionária - o crescimento comparativo da população e da riqueza, dos grupos que por acaso os seguiram” (Hayek, 1992, p. 06)
É importante assinalar que Hayek (1945, p. 258 e 1992, p. 06) deixa claro que não é o indivíduo que é selecionado, Mais recentemente, Henderson (2001, mas os comportamentos de sucesso. p. 65 e 260) afirmou que os modelos auto Um bem-sucedido padrão individual organizadores da biologia oferecem, como de comportamento que termina por ser “óculos” ou “lentes”, uma visão mais consolidado no âmbito social (Gigante, 2013, apropriada sobre um mundo complexo e em p. 02 e Reyes-Ricon et al., 2010). transformação. De fato, a seleção natural de Spencer enfatizou essa possibilidade Darwin e os modelos de sistemas complexos sugerindo que as leis do crescimento e das podem ajudar a visualizar o sistema produtivo funções dos órgãos nos seres vivos: (...) podem, ocasionalmente, nos dar a pista como um ambiente mutante onde ocorre para algumas modificações sociais de outra forma uma luta interminável pela sobrevivência. difíceis de entender. Se elas não podem fazer mais, Tal analogia pode facilitar o entendimento as duas ciências podem ao menos trocar sugestões de processos complexos de transformações e afirmações, e isso não será uma ajuda pequena. 40
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cultural, bem como biológica, é um processo de contínua adaptação a acontecimentos imprevisíveis, a circunstâncias contingentes que não poderiam ter sido previstas. Esta é Para Spencer (1859 e 1860), a evolução outra razão pela qual a teoria da evolução biológica e a evolução cultural se assentam no nunca pode prever a evolução futura. Tudo mesmo princípio de seleção: a sobrevivência o que pode fazer é mostrar como estruturas ou a vantagem de reprodução em um processo complexas carregam dentro de si um meio de de variação, adaptação e competição. correção que leva a novos desenvolvimentos que são inevitavelmente Spencer em meados dos oitocentos descrevia evolutivos algumas semelhanças entre a sociedade e os imprevisíveis. (Hayek, 1992, p. 25) organismos individuais em “quatro notáveis peculiaridades”: (1) início como pequenas 2.3. Sistemas Complexos em agregações seguido de aumento de volume; Evolução e Divisão do Trabalho (2) de estruturas iniciais simples passam para A atratividade da teoria da complexidade uma complexidade crescente. (3) de estágios se deve à sua aplicabilidade aos estudos primitivos com poucas dependências mútuas empíricos que envolvem a subdivisão de entre suas partes gradualmente adquirem funções e a interação entre múltiplos agentes. maior dependência mútua a ponto de a Os economistas clássicos já apontavam essa atividade e a vida de cada parte só sejam possibilidade. Smith (1904) e Spencer (1882) possíveis com as atividades das demais; e também já haviam detectado esse fenômeno (4) a vida do todo é independente e muito de subdivisões de funções. mais prolongada do que a vida de qualquer Marshall, segundo Hodgson (1993), de suas unidades componentes. Estas segue o mesmo caminho de raciocínio. De nascem, crescem, trabalham, reproduzem e certa forma, os autores acima visualizaram morrem, enquanto o corpo composto destas um sistema produtivo como um esforço partes “sobrevive geração após geração, conjunto de empresas em um processo de aumentando em massa, em aperfeiçoamento diferenciação, especialização e seleção. Para de estrutura e em atividade funcional” Marshall (1920, p. 138) o desenvolvimento (Spencer, 1860, p. 121). requer uma crescente subdivisão de funções. Tal concepção de Spencer se assemelha à Esta divisão do trabalho com especialização definição de desenvolvimento econômico das máquinas, trabalhadores e tecnologia proposto por Goodwin (1991, p. 138): o demanda integração entre as funções desenvolvimento econômico combina subdivididas. Assim, aumentam as relações evolução estrutural de longo prazo com entre as entidades do “organismo industrial” múltiplos tipos de negócios com periocidade (Marshall, 1920, p. 138). Entretanto, esse variada. Entretanto, Spencer também processo de especialização e criação de aponta algumas diferenças entre o mundo riqueza é acompanhado por um aprendizado biológico e o econômico que, embora coletivo dos seres humanos como defendem importantes, não inviabilizam as analogias North (1996a, p. 27, 1996c, p. 02), Hayek biológicas. A sociedade não tem formas (Gigante, 2013; Rizzello e Turvani, 2000, p. externas. A sociedade também não forma 166) e Bandura (1989, 2001). Pareto, com uma massa contínua como os seres vivos e restrições, também aceitava o processo de algumas de suas partes, como as empresas e seleção como fator de eliminação das “piores” trabalhadores, podem se mover de um lugar empresas (Pareto, 1919, p. 92 e 93). para outro. Por fim, segundo Spencer na Marshall em um esclarecedor parágrafo sociedade cada parte, cada indivíduo, possui descreve o papel da variedade para os sensações enquanto que em um organismo sistemas produtivos. individual o mesmo não ocorre. Cada localidade tem suas próprias condições Apesar dessas diferenças, toda a evolução, que afetam de várias maneiras os métodos de A concepção de “a divisão fisiológica do trabalho”, que a economia política já forneceu para a fisiologia, é um dos exemplos nada insignificante. E, provavelmente, ela tem outros para oferecer. (Spencer, 1891, p. 78)
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arranjo de cada tipo de negócio que é realizada na mesma: e até no mesmo lugar e no mesmo ofício não há duas pessoas que, exercendo as mesmas atividades, adotarão exatamente os mesmos hábitos. A tendência de variação é a causa principal do progresso, e quanto mais capazes forem os empreendedores em qualquer tipo de comércio maior será essa tendência. (Marshall, 890, pág. 207)
Levin (2002, p. 03) considera que muito do que se entende por “sistemas complexos adaptativos” deriva da observação da natureza. Entretanto, o processo de otimização no mundo econômico difere substancialmente do que ocorre no mundo natural. Foster (2004a) argumenta que, apesar de várias áreas das ciências naturais e sociais apresentarem “complexidade organizada” com propriedades e partes semelhantes, elas diferem em aspectos importantes. Assim, a definição do que é um sistema complexo vai depender do tipo de sistema está sendo estudado. Para Foster,
Sistemas adaptativos complexos são estruturas conjuntivos que apresentam ligações reentrantes pelo que a energia é transferida para dentro da estrutura que, por sua vez, pode absorver mais energia. Este é auxiliado pela absorção de informações e a formação de estruturas de conhecimento que podem ser extraídas sobre em busca de energia. Forças que mantêm a ordem co-existem com forças que empurram o sistema para a desordem, permitindo flexibilidade e integridade estrutural. Enquanto um sistema está em equilíbrio com respeito a essas forças de compensação, ele é capaz de desenvolvimento estrutural. No entanto, para a inovação elementar continuar a transferir-se para a estrutura conectada, deve, eventualmente, ser falha. Toda a evolução económica resulta deste processo de destruição criativa. (Foster, 2004a, p. 04)
Levin define os “sistemas complexos adaptativos” como sistemas que apresentam três propriedades: (1) diversidade e individualidade dos componentes, (2) interações recíprocas internas entre esses componentes e (3) um processo autónomo que utiliza os resultados dessas interações para selecionar um subconjunto desses componentes para a replicação ou aprimoramento (Levin 2002, p. 03). Foster, entretanto, pensando os sistemas complexos do ponto de vista econômico os descreve como possuindo quatro propriedades. 42
É uma estrutura dissipativa que transforma energia em trabalho e converte a informação em conhecimento com a finalidade de criar, manter e expandir a complexidade organizada do sistema. Esse sistema é um todo em si, além de ser um componente de alguns sistemas e de oposição aos outros - são as conexões forjadas entre os sistemas que permitem a emergência da complexidade organizada em níveis mais altos de agregação. O sistema deve exibir algum grau de irreversibilidade estrutural devido à natureza inerente hierárquica e “colagem” de conexões entre os componentes que são formados à medida que prossegue o desenvolvimento estrutural. É isto que resulta na inflexibilidade e mal adaptabilidade que precipita uma descontinuidade estrutural de algum tipo. O processo evolutivo que o sistema experimenta só pode ser entendido na dimensão de tempo histórico explícita - as fases de emergência, crescimento, estacionárias e transição estrutural pode ser identificado no domínio do tempo histórico, levando a questões teóricas sobre os fatores que resultam na geração de variedade, da difusão de inovações, a seleção e manutenção do sistema. (Foster, 2004a, p. 03). Nessa estrutura as forças que mantêm a ordem coexistem com as forças que empurram o sistema para a desordem permitindo integridade e flexibilidade, o que viabiliza o desenvolvimento estrutural (Foster, 2004a, p. 05). Assim, Foster reforça o papel do conhecimento e da aprendizagem. Define os sistemas complexos adaptativos como estruturas formadas por conexões e ligações pelas quais a energia é absorvida e convertida em uma estrutura que absorve informações e que cria estruturas de conhecimento que podem ser convertidas para obter mais energia. Em resumo, o conhecimento e a inovação são fundamentais para o desenvolvimento e para o sucesso de estruturas produtivas que operam em um ambiente de seleção. No próximo item vamos focar esse aspecto do conhecimento para entender como esse componente interfere no sucesso profissional Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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dos atores estudados pela pesquisa. 2.4. Habilidades Cognitivas e Não Cognitivas Estudos econômicos têm apontado que a capacidade cognitiva é um poderoso preditor de aspectos da vida econômica e social. Pesquisas recentes2 enfatizam que as habilidades não cognitivas também interferem decisivamente na vida econômica em aspectos como: níveis de salários, participação no crime, divórcios, condições de saúde, gravidez na adolescência, tabagismo, fracasso profissional e comportamento social de risco. Portanto, podemos considerar que: Habilidades são múltiplas na natureza e abrangem cognição, personalidade, parâmetros de preferência, bem como a saúde. Habilidades são capacidades para agir. (…) se concentram em atributos individuais e não em aspectos da sociedade, como as liberdades políticas. Elas moldam as expectativas, as restrições e as informações. Mais capacidades ampliam o conjunto de escolha do agente. (Heckman; Mosso, 2014, p. 06).
É importante notar os motivos pelos quais as habilidades são importantes para o nosso estudo.
Habilidades capacitam as pessoas. (…). Maiores níveis de habilidades promovem a inclusão social e promovem a mobilidade econômica e social, a produtividade econômica e o bem-estar. Habilidades oferecem às pessoas as ferramentas com as quais moldam suas vidas, criam novas habilidades e florescem (Kautz, 2014, p 10).
Segundo a Secretary’s Commission on Achieving Necessary Skills (Scans, 1991, p. iii) existiriam três fundamentos necessários para a competência professional. São eles: Habilidades básicas (leitura, escrita, aritmética e matemática, língua e escuta); Habilidades de pensamento (pensar criativamente, tomar decisões, resolver problemas, criar imagens mentais e representações (“seeing things in the mind’s eye”), saber aprender, e o raciocínio) e Qualidades pessoais (a responsabilidade individual, autoestima, sociabilidade, auto-gestão e integridade). As peculiaridades não cognitivas, na verdade, já foram abordadas por outros 2 Cunha e Heckman, 2009; Cunha e Heckman e Schennach 2010; Heckman e Humphries e Mader, 2010 e Heackman e Rubistein, 2001; Heckman et al., 2011. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
economistas. Entretanto, o termo atual, “habilidades não cognitivas”, faz um detalhamento do conceito de “caráter” de Marshall (1920). Inclui, aspectos como perseverança, tenacidade, motivação, honradez, estabilidade emocional, otimismo, autoestima, autocontrole, sociabilidade, conscientização e comportamento prospectivos (Cunha e Heckman, 2009, p. 06; Heckman, 2011 e Heckman e Rubinstein, 2001). Em diversos estudos Heckman e parceiros (Heckman et al., 2014 e Cunha; Heckman e Schennach, 2010) sustentam que ambas as habilidades cognitivas e socioemocionais são importantes para moldar os resultados da vida profissional. Heckman (2014) sustenta que as habilidades não cognitivas são fundamentais para moldar as escolhas educacionais dos indivíduos e o resultado prático da própria educação. Estudos sobre habilidades não cognitivas são de extrema importância para orientar o entendimento de fenômenos econômicos complexos como a pobreza e as desigualdades sociais. Para Rajan, O sucesso escolar, da mesma forma que na vida professional, depende em grande medida de habilidades não cognitivas, como perseverança, determinação e autodisciplina. E enquanto as habilidades cognitivas são estabelecidas desde o início de modo relativo, as habilidades não cognitivas podem ser alteradas por um período mais longo (Rajan, 2012, p. 301).
As habilidades podem ser moldadas e modificadas ao longo do ciclo de vida do indivíduo. Não existe imutabilidade ou permanência o que sugere um papel de destaque para a atuação dos pais. O abandono educacional das crianças, por seus pais, no que se refere a habilidades não cognitivas, pode gerar inúmeros problemas e ineficiências econômicas para os indivíduos e para a sociedade. Crianças que crescem em ambientes deficientes em instrução e encorajamento são potencialmente mais vulneráveis em suas carreiras. Assim, a postura da família, estabelecendo traços da personalidade das crianças é imprescindível para o desenvolvimento individual e econômico. 43
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O problema é que a literatura sobre os ciclos de vida professional geralmente não aborda temas relacionados aos aspectos não cognitivos. Isto porque são fatores de mensuração confiável quase impossível (Heackman e Rubinstein, 2001, p. 145). Mas, por que as habilidades não cognitivas são tão importantes para o sucesso econômico e qual o envolvimento da família na criação de habilidades? James Heckman (2011, p. 26) apresenta uma pista: para meditar sobre o primeiro questionamento argumentando que a “sociedade moderna é baseada em habilidades e a desigualdade no rendimento em todos os grupos raciais e étnicos é, principalmente, devido à desigualdade de habilidades. Ambas, habilidades cognitivas e de personalidade, determinam o sucesso da vida”. Sobre o segundo questionamento, diversos autores sustentam que os pais têm um importante papel na formação das habilidades responsáveis pelo sucesso professional (Kautz et al., 2014 e Heckman e Mosso, 2014). Heckman, acrescenta que as famílias são grandes produtoras de habilidades.
Elas fazem muito mais do que passar seus genes à frente. As desigualdades em habilidades e na escola estão fortemente ligadas à desigualdade de ambientes familiares. ... A verdadeira medida da pobreza infantil e da vantagem é a qualidade da paternidade que uma criança recebe, não apenas o dinheiro disponível para um agregado familiar. Uma fração crescente de crianças americanas em todos os grupos raciais e étnicos está sendo criada em famílias disfuncionais. O contraste crescente entre os ambientes iniciais de crianças favorecidas e desfavorecidas ameaça criar uma maior desigualdade na próxima geração de americanos a partir de um nível já elevado. (Heckman, 2011, p. 26)
Por isso, Heckman acredita que o aconselhamento, a tutela e a parentalidade
(…) são os temas unificadores das estratégias de desenvolvimento de competências de sucesso em todo o ciclo de vida. O estudo das interações entre pais e filhos, como um sistema emergente, é uma abordagem promissora para o desenvolvimento humano. Intervenções eficazes no início da vida promovem mudanças benéficas na parentalidade. A análise das interações entre pais e filhos e da aprendizagem dos pais, a formalização das noções de afeto (attachment), aconselhamento (mentoring) e suporte (scaffolding) e sua integração nos modelos
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de ciclo de vida de gerações sobrepostas com acumulação dinâmica de habilidade constituem a fronteira de pesquisas no campo” (Heckman e Mosso, 2014, p. 57)
O termo “scaffolding”, utilizado por Heckman é de grande significado. Tem um sentido além do suporte e apoio já que pressupõe a elevação. “Andaimar” no sentido de “sustentar” pode significar: segurar por baixo, suportar, auxiliar, amparar, impedir que caia, resistir a, conservar, manter, alimentar, fornecer o necessário para viver, instruir, edificar, estimular, perpetuar, fortificar, defender pelejar a favor de. Mas, “scaffolding”, também pode significar dispor em um nível superior, fazer subir e elevar. É nesse sentido que Heckman utiliza o termo. Isto porque, como o próprio autor argumenta a função dos pais não é somente transmitir genes e alimentar a prole. Heckman e Mosso definem o temo como sendo uma estratégia adaptativa interativa que reconhece as capacidades atuais da criança, mas procura orientá-la a aprender ainda mais. Para atingir esse objetivo os pais adaptam atividades à capacidade da criança a fim de mantê-la “na ‘zona de desenvolvimento proximal’, que é o nível de dificuldade em que a criança pode aprender o mais” (Heckman e Mosso, 2014, p. 04) O desenvolvimento humano é um processo dinâmico que começa no útero. Ambientes e habilidades interagem para fomentar o desenvolvimento de habilidades para a vida posterior e criam quem somos e o que nos tornamos. As bases para o sucesso adulto são estabelecidas cedo na vida. Muitas crianças criadas em ambientes desfavorecidos começam atrás e permanecem atrás. A pobreza tem efeitos duradouros sobre o desenvolvimento do cérebro, da saúde e das habilidades. Lacunas em habilidades emergem cedo, antes da escolarização formal começar. Esperar até o jardim de infância para enfrentar estas lacunas é uma estratégia pobre. Ela cria disparidades de realizações para as crianças desfavorecidas que são custosas para corrigir. (Kautz et al., 2014, p. 11)
Trata-se de um processo cumulativo. Uma habilidade impulsiona outras fazendo da formação de competências um processo sinérgico e dinâmico. Como afirmam Conti e Heckman (2012). Habilidades geram habilidades. (…). Uma criança perseverante aberta a experiência aprende mais. O sucesso inicial promove o sucesso mais
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tarde. Vantagens acumulam. As crianças pequenas são flexíveis e adaptáveis em formas que os adolescentes e adultos não são. É muito mais fácil prevenir o surgimento de déficits nos primeiros anos do que remediá-los mais tarde. (…) Em terceiro lugar, as famílias desempenham um papel essencial na definição das competências dos seus filhos. A formação de habilidades começa no útero. Os primeiros anos da vida de uma criança antes de a criança entrar na escola lançam as bases para tudo o que se segue. Grandes lacunas nas habilidades entre os favorecidos e os mais desfavorecidos abrem-se cedo, antes que as crianças entrem na escola. (…). As famílias plantam e nutrem as sementes que se transformam em alunos e adultos bem-sucedidos. Famílias em risco produzem crianças em risco, que muitas vezes se transformam em adultos que não conseguem perceber o seu potencial (Heackman, 2011, p. 05).
desenvolvimento econômico brasileiro. A pesquisa ainda está em andamento. No estágio atual ela está procurando ampliar o conjunto de qualificações institucionais presentes nas famílias de empreendedores imigrantes que foram coletadas na fase de pré-projeto. Estas entrevistas serviram para desvendar algumas características das famílias trentinas que poderiam interferir acentuadamente no sucesso empreendedor. O objetivo não era encontrar características exclusivas dos trentinos, mas, aquelas que poderiam explicar o sucesso ou o fracasso de empreendimentos econômicos, sociais ou culturais. Foram realizadas três entrevistas com descendentes de empreendedores trentinos na cidade de Campinas e duas entrevistas com professores da Universidade de Trento na capital do Trentino-Alto Adge. Abaixo segue o resumo analítico das entrevistas realizadas no Brasil. Foi apresentado aos entrevistados apenas uma questão: Quais foram os fatores culturais da família que favoreceram ou prejudicaram o sucesso econômico da família? A resposta era aberta; o entrevistado poderia discorrer sobre o tema livremente sem que fosse interrompido pelo entrevistador. O objetivo era verificar se na narrativa espontânea dos entrevistados apareceriam alguns fatores citados nos estudos de Heckman.
Para Heckman e Mosso (2014, p. 03) o envolvimento dos pais com a criança, na forma de investimentos em bens educacionais, é análogo aos investimentos das firmas em bens de capital. Normalmente os investimentos de tempo dos pais nas crianças eram ignorados por estudos sobre o desempenho profissional. Tais investimentos dos pais na fase da infância são considerados igualmente eficazes na produção de competências dos adultos. As pesquisas mais recentes na economia do desenvolvimento humano e da mobilidade social focam as habilidades e as tecnologias de formação de habilidade. Reforçam a importância dos períodos críticos e sensíveis da infância na formação de competências e habilidades múltiplas necessárias para o sucesso na vida. 3.2. Foco Alguns modelos de pesquisa estabelecem A pesquisa não leva em conta aspectos as relações de pais e mestres-filho como financeiros como disponibilidade de capital sistemas interativos. ou herança recebida. Assim, a pesquisa considera as “habilidades” como o elemento 3. METODOLOGIA explicativo principal por serem pouco exploradas em histórias de empreendedores. 3.1. Pesquisa Exploratória Os estudos de Heckman citados acima enfatizam que as habilidades não cognitivas A pesquisa apresentada neste artigo interferem decisivamente na vida econômica é exploratória. Não selecionou um tipo em aspectos como: níveis de salários, específico, ramo ou tamanho de empresa. participação no crime, divórcios, condições de O objetivo é focar em uma etnia pouco saúde, gravidez na adolescência, tabagismo, estudada e suas características institucionais fracasso profissional e comportamento relevantes. Optou-se pelos imigrantes social de risco. Desta forma, para pesquisar o trentinos devido à carência de estudos sobre sucesso econômico de determinado indivíduo a contribuição dessa população para o Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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ou grupo familiar é preciso considerar os aspectos cognitivos e comportamentais. Por conta da abordagem específica dessa pesquisa considera-se adequado focar apenas os aspectos não-cognitivos dos imigrantes e seus descendentes. Em outras palavras, as entrevistas realizadas focaram os aspectos comportamentais que foram relevantes para o sucesso profissional dos tiroleses e das gerações que se sucederam no Brasil. 3.3. Delimitações É preciso deixar claro que o conceito de “empreendedor” que o artigo utiliza não se limita ao universo dos empresários. O estudo está interessado também em empreendedores no sentido schumpteriano do termo. Desse modo, as pesquisas de campo estão coletando dados sobre indivíduos que empreenderam ou inovaram no mundo artístico e intelectual e no serviço público. Até o momento a pesquisa coletou informações através de entrevistas não estruturadas. Como resultado parcial a pesquisa já conta com algumas indicações de empresários e empresas formadas por imigrantes-empresários e seus descendentes. Da história relatada por parentes e descentes, ou pelos próprios empresários, foram sugeridas algumas explicações provisórias sobre o comportamento empreendedor dos tiroleses no Estado de São Paulo. Ao contrário da pesquisa realizada por Bresser-Pereira (1964) no início dos anos 1960, a maioria dos empresáriosimigrantes já faleceu. Por isso, grande parte das entrevistas devem ocorrer com os descendentes dos imigrantes. Quanto a esse aspecto não há problema algum, uma vez que o que se pretende extrair das entrevistas são as instituições, isto é, as crenças formadoras de comportamento e as habilidades não cognitivas transmitidas pelos imigrantes. Com a sequência desse estudo exploratório será possível um melhor entendimento a respeito das contribuições dos imigrantes para o desenvolvimento paulista. Assim, poderá ser abordado com mais profundidade o papel da imigração como mecanismo 46
de transferência não apenas de mão de obra, capitais e tecnologias, mas, também, de capacidade empreendedora, padrões mentais e instituições favoráveis ao empreendedorismo e à inovação.
4.
ANÁLISE DOS DADOS
A emigração em grande volume de europeus em direção ao continente americano, na segunda metade dos oitocentos, é um exemplo do efeito do “propósito humano” como motor do desenvolvimento. O fenômeno da migração era bastante antigo no Trentino. Todavia, as péssimas condições econômicas na segunda metade dos oitocentos retiraram de muitas famílias a esperança de escapar da miséria em solo tirolês (Bassi, 2008, p. 481 e Grosseli, 2000, p. 26). O Trentino-Alto Adge é uma região de antiquíssima ocupação humana. Sabe-se que estabelecia relações comerciais com outras regiões muito antes da expansão do Império Romano. Foi influenciada ou participou diretamente dos principais fatos e processos econômicos e institucionais da Europa Ocidental, como o Concílio Ecumênico de Trento, por exemplo. Por isso, os imigrantes que desta região se deslocaram para o Estado de São Paulo, provavelmente, possuíam habilidades necessárias para o empreendimento em atividades urbanas. Segundo Cunha e Heckman, (2009, p. 04) Marshall já via na família uma importante instituição capaz de criar condições de melhoria na qualidade de vida dos indivíduos. De fato, Marshall enfatiza o papel das mães. Liberdade até agora tem sido considerada como livre de ligações externas. Mas, aquela maior Liberdade que vem de auto-domínio é uma condição ainda mais importante para o trabalho superior. A elevação dos ideais da vida sobre o qual isso depende, é devido por um lado a causas políticas e econômicas a, e por outro por influências pessoais e religiosas; entre os quais a influência da mãe na primeira infância é suprema (Marshall, 1920, p. 115)
É interessante notar que os estudos de Heckman e colegas citados acima apontam para conclusões semelhantes a antigas crenças de diversos povos, inclusive dos tiroleses. A família ocupa um papel de destaque na Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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formação das habilidades não cognitivas fundamentais para o sucesso profissional e valorizadas pela sociedade. As conclusões desses pesquisadores são corroboradas pelas três pesquisas já realizadas. Na primeira entrevista a bióloga e escritora Suzana Facchini Granato relatou que a educação rigorosa e sistemática que recebeu dos pais foi fundamental para seu desenvolvimento pessoal. Na entrevista foi possível constatar que não foi apenas o conteúdo escolar que favoreceram seu sucesso profissional, mas, igualmente, as habilidades não cognitivas apreendidas com os pais. As habilidades não cognitivas citadas nos trabalhos de Cunha e Heckman (2009); Heckman (2011) e Heckman e Rubinstein (2001) que apareceram no depoimento foram, sobretudo, a persistência, o gosto pelo conhecimento, a honradez, a estabilidade emocional e o otimismo. A escritora não soube apresentar nenhum fator herdado da cultura familiar que tenha prejudicado sua profissão. As instituições da primogenitura e do patriarcalismo não estavam presentes na família da escritora. Os privilégios do filho mais velho ou dos filhos sobre as filhas não ocorriam na família Facchini. Nessa mesma família foi entrevistada a senhora Celina Facchini esposa do Dr. Fernando Facchini. Este descendente de tiroleses de Vattaro foi professor e pesquisador do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O Dr. Facchini introduziu métodos inovadores na pediatria neonatal do hospital e na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. (Marba, 2011; Sugimoto, 2007 e Unicamp, 2011). Segundo depoimento de Celina Facchini, esposa do descendente, e da escritora Suzana Facchini Granato, filha do descendente, a educação rigorosa e sistemática era uma exigência que o Dr. Fernando Facchini exigia de si e dos filhos. Aparentemente, da mesma forma que na observação sobre a escritora, não foi apenas o conteúdo escolar técnico apreendido pelo Dr. Facchini que favoreceu seu sucesso professional, mas, também, as habilidades não cognitivas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
apreendidas com os pais. Uma terceira entrevista foi realizada com Ilse Moreira, descendente de Giusepe Pasquali, empresário do setor comercial da cidade de Amparo/SP. Giusepe Pasquali era do commune de Cognola e filho de Giovanni Pasquali (nascido no mesmo comuni e de antepassados dos comuni de, Sant’Orsola, Fierozzo e Pergine Valsugana) e de Maria Luiza Tomazini de Civezzano. Entrevista com Ilse Moreira, neta do empresário. Segundo depoimento da professora de italiano e tradutora juramentada, Ilse Moreira, Giuseppe Pasquali, montou uma alfaiataria no centro da cidade de Amparo/ SP no final dos oitocentos. Em seguida a alfaiataria passou a contar com uma loja de roupas fabricadas pelo próprio empresário no início do século XX. Quando faleceu o empresário Giuseppe Pasquali deixou sua microempresa para os irmãos. Segundo consta na história da família os novos empresários se recusaram a comercializar produtos baratos que entraram em uso em meados dos anos 1930, as “rancheiras”. Aparentemente essa opção empresarial decorreu do fato dos empresários se sentirem orgulhosos por comercializar apenas produtos de alta qualidade, de confecção própria e com uso de tecidos finos ingleses. Em meados do século XX a economia da cidade de Amparo sofreu um retrocesso o que prejudicou o faturamento da alfaiataria/loja. Provavelmente, devido a esses fatores o negócio foi descontinuado por falta de sustentação financeira. Segundo a professora, na família Pasquali todos tinham que estudar. “O estudo não era uma opção, mas uma obrigação, tanto para homens quanto para mulheres”. Não havia uma sobreposição dos interesses dos filhos sobre os interesses das filhas e nem um maior incentivo ao estudo dos netos masculinos de Giuseppe Pasquali em relação às netas. As habilidades não cognitivas citadas por Cunha e Heckman (2009); Heckman (2011) e Heckman e Rubinstein (2001) que puderam ser detectadas nas entrevistas como sendo estimuladas na família Pasquali 47
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hospedagem, produtos de madeira, produtos de couro, seda e transporte. A região tirolesa superou várias fases econômicas desfavoráveis durante centenas de anos. Nesse processo o Trentino-Alto Adge propiciou o que Hayek definiu como um processo pelo qual padrões mentais individuais se tornam instituições coletivas. A população tirolesa pode assim, ser portadora de uma “cultura” ou, nos termos de North e Commons, de “instituições” específicas que lhe conferiam virtudes favoráveis ao sucesso no trato de fatores relacionadas ao empreendedorismo. Entretanto, apesar de um histórico de superações, a região foi palco de um grande fluxo migratório de caráter permanente em meados do século XIX. Tais imigrantes se deslocaram para uma região de fronteira econômica levando não apenas recursos financeiros, capacidade empreendedora e de trabalho, mas um “padrão mental” e “institucional” apurado por séculos de experimentações, diferenciações e seleção de modelos de negócios. Os resultados das entrevistas demonstram ser promissora a abordagem da teoria do capital humano para estudar o fenômeno do empreendedorismo dos imigrantes trentinos. Inserido em um ambiente econômico definido como de expansão e seleção, o uso da cultura e das regras de comportamento familiar podem ser bastante úteis para entender o sucesso e/ou fracasso de empreendimentos levados a cabo por imigrantes e seus descendentes. Para testar tal a hipótese de Heckman é necessário ampliar a atual pesquisa de 5. CONCLUSÕES campo. Para isso, é preciso lembrar que os Trentinos mantêm organizações culturais Provavelmente a região trentino-tirolesa estruturadas – os Círculos Trentinos e em meados dos oitocentos favoreceu o Museus Históricos – que permanecem em crescimento de uma cultura empreendedora e funcionamento a mais de um século. Os laboral urbana ligada ao comércio e ao setor Círculos Trentinos como os de São Paulo, de manufaturados. Segundo relatos coletados Piracicaba e os Museus históricos como os pela pesquisa até o momento, muitos dos de Amparo e Casa Branca são importantes imigrantes tiroleses que vieram para o Estado fontes de dados para gerar informações a de São Paulo se dedicavam, em seus “comuni” respeito da contribuição dos Trentinos para de origem à produção de alimentos e o desenvolvimento paulista. Tais fontes, bebidas, beneficiamento de cereais, comércio, entretanto, ainda não foram estudadas bem foram a tenacidade, a perseverança, a honradez, a autoestima, o autocontrole e o comportamento prospectivo. Estas entrevistas oferecem algumas pistas sobre o empreendedorismo dos tiroleses e seus descendentes. Pode-se imaginar que algumas instituições características da cultura familiar trentina foram fundamentais para favorecer a estabilidade das famílias e o sucesso profissional e empresarial dos imigrantes e seus descendentes. As regiões de emigração do Trentino-Alto Adge não foi capaz de gerar e aceitar novas oportunidades de investimento e empregos no volume necessário. Do outro lado do Atlântico, entretanto, no Brasil e, sobretudo no Estado de São Paulo, havia uma fronteira econômica em expansão. O avanço na tecnologia naval no final dos oitocentos abriu a possibilidade de migração de famílias que carregavam instituições favoráveis ao sucesso econômico. Algumas regiões do Brasil ofereciam condições de desdobramentos e evolução de sistemas produtivos primitivos para estruturas mais complexas e dinâmicas. Indivíduos capacitados conseguiram aproveitar as novas janelas de oportunidades. Mesmo não dominando totalmente o ambiente tais indivíduos conseguiram estabelecer estratégias bem-sucedidas. Ascenderam social e economicamente e conseguiram sustentar um alto padrão cultural dos descendentes. Talvez, nesse ambiente desconhecido, o poder da “emulação” tenha sido ampliado quando associado ao compadrio e a um sentimento de grupo.
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como uma enorme quantidade de empresas identificadas como sendo de descendentes trentinos. Explorar esse material será um desafio estimulante para a continuidade da presente pesquisa.
6.
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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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Aglomerados industriais goianos: reflexões sobre as potencialidades para o emprego industrial e o desenvolvimento regional
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação Renata Ferreira Alves Pinto Economista, mestre em Economia Política (PUC-SP), docente da Universidade Anhembi Morumbi/SP e pesquisadora colaboradora do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento Regional (CPDR) das Faculdades Alves Faria (ALFA). Email: rfap@uol. com.br
Rocco Di Nizo Neto Economista, mestre em Economia Política (PUC-SP), docente da Universidade Anhembi Morumbi/SP e pesquisador colaborador do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento Regional (CPDR) das Faculdades Alves Faria (ALFA). Email: rocco_3@ hotmail.com
Mônica Yukie Kuwahara Economista, mestre em Integração (PROLAM-USP), doutora em Comunicações (ECA-USP). Professora e Pesquisadora da UFABC. Email: monica.kuwahara@ufabc.edu.br Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
AGLOMERADOS INDUSTRIAIS GOIANOS: REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES PARA O EMPREGO INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL INDUSTRIAL CLUSTERS IN GOIAS: REFLECTIOSN ABOUT THE INDUSTRIAL LABOR POTENTIALITIES AND THE REGIONAL DEVELOPMENT RESUMO O presente artigo se preocupa com a identificação de aglomerados industriais consolidados e potenciais para o emprego em Goiás. Estabelece a descrição das principais características da mão de obra empregada em setores potenciais para poder compreender as demandas do mercado de trabalho. Investiga também as atividades destes setores e seu potencial de desenvolvimento local e regional, analisadas a partir da perspectiva da economia regional. As referencias teóricas incluem autores que consideram a importância do desenvolvimento endógeno na formação de clusters capazes de dinamizar a absorção de mão de obra e a competitividade setorial e espacial, contribuindo assim para o desenvolvimento regional. Dados da RAIS para os anos de 2006 e 2013 são utilizados para gerar indicadores de concentração geográfica para os setores industriais dos 246 municípios, agrupados segundo o IBGE em dezoito microrregiões geográficas. Os resultados indicaram cinco aglomerados industriais, três potenciais aglomerados (indústria de biocombustíveis, indústria têxtil e indústria de alimentos e bebidas) e dois já consolidados como polos industriais (indústria de material de transporte e indústria farmacêutica). Todos os aglomerados estão localizados na região Centro-Sul do estado, economicamente mais desenvolvida. Também foi mapeado o perfil da mão-de-obra empregada nestes aglomerados com algumas características gerais: baixa remuneração, baixa qualificação e predominância do gênero masculino distribuído em três faixas etárias (de 18 a 24 anos, de 25 a 29 anos e de 30 a 39 anos). Palavras-chave: Aglomerados industriais; Indústria; Desenvolvimento endógeno; Desenvolvimento Regional; Goiás.
ABSTRACT The main concern of this paper is to identify consolidated industrial clusters for employment in Goiás, searching for new potentialities and activities for workers. It describes the characteristics of the employment of these potential industries to understand which kind of needs there are in the labor market. The paper analyzes the local and regional development associated with those industries, embracing regional economics perspectives. Theoretical references come from authors who consider the importance of endogenous development in the formation of clusters, which are able to streamline the labor-market and sectorial and spatial competitiveness, thus contributing to regional development. RAIS database for the years 2006 and 2013 are used to generate geographic concentration indicators (Location Quotient and Locational Gini Coefficient). They are calculated considering the industrial sectors of the 246 municipalities, grouped in eighteen geographic micro-regions by IBGE. Five industrial clusters were found. Three potential clusters (biofuels, textile and food & beverage industries) and two industrial centers had been established (transport equipment industry and pharmaceutical industry). All clusters are located in the South-Central region of the state, more developed. Mostly of the workers in those clusters have low-incomes and low-skills, they are men and young (from 18 to 24 years, from 25 to 29 years and from 30 to 39 years). Keywords: Industrial clusters; Industry; Endogenous development; Regional development; Goiás.
Classificação JEL / JEL Classification: O18 52
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Renata Ferreira Alves Pinto, Rocco Di Nizo Neto e Mônica Yukie Kuwahara
1.
INTRODUÇÃO
A velocidade da inovação imposta pelo mundo globalizado leva à necessidade de reestruturação produtiva por meio de novos padrões de qualidade, melhora contínua na produtividade, novas tecnologias de informação, processo e de produção, novas formas de organização e controle gerencial e do processo de trabalho. Este movimento proporciona o surgimento de novas configurações produtivas regionais baseadas na aglutinação, ou seja, a aliança entre os principais atores torna-se necessária para o desenvolvimento industrial, visto que nenhum ator isoladamente possui capacidade tecnológica e recursos (físicos, financeiros e humanos) para atender à velocidade das transformações. Consolida-se, portanto, o planejamento e a visão estratégica em detrimento de ações atomizadas e centralizadas nas grandes corporações. Esse processo de desenvolvimento na era da informação e do conhecimento está difundido entre empresas de todos os portes e facilita enormemente a identificação de potencialidades em diversas indústrias e regiões. As novas teorias de desenvolvimento regional consideram diferenças na velocidade de absorção destas transformações, o que afeta os modos de produção e adaptação da mãode-obra e, colabora para o desenvolvimento desigual das regiões. Assim, a identificação de aglomerados produtivos com potencialidade de crescimento e absorção da força de trabalho torna-se um tema relevante para discussão de propostas para o fortalecimento da indústria e da economia local. Nesse aspecto, a abordagem conceitual do desenvolvimento endógeno e de aglomerados industriais (ou clusters) favorece a discussão sobre os condicionantes da competitividade setorial e espacial e ajuda a entender como uma região se desenvolve. O trabalho de Perroux (1967) destaca a capacidade da indústria para irradiar ganhos para diversos outros setores, formando um polo de crescimento. Nem sempre uma indústria apresenta elevada estrutura tecnológica e cooperação produtiva, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
porém a sua concentração geográfica pode estimular um processo de interação local que promove ganhos de eficiência produtiva, o que intensifica a geração de emprego e renda (Krugman, 1991; Putnam, 1996; Arthur, 1994; Schmitz, 1999). O desenvolvimento endógeno fortalece o conceito de clusters popularizado por Porter (1993), no qual aponta que o acesso a insumos e mão-deobra qualificada é um dos motivos para a formação destes aglomerados. Entretanto, trata-se de uma via de mão dupla, visto que a existência destas aglomerações dinamiza o processo de absorção da força de trabalho. No caso brasileiro, a importância deste fenômeno tem sido reforçada pelos estudos de Suzigan et. al. (2001), Britto e Albuquerque (2002) e Crocco et. al. (2003) que baseados em indicadores de concentração espacial e de especialização, analisaram a formação de clusters para estudos de casos de setores industriais em diversas regiões do país. O Estado de Goiás é um dos estados brasileiros que alcançou crescimento acelerado nas últimas décadas, sendo atualmente o nono estado em geração de riqueza, representando 2,7% do PIB nacional. A indústria no estado é responsável por 26,6% da riqueza gerada, um pouco acima da participação nacional de 24,9% (Segplan, 2013), fomentando a discussão sobre a ampliação e o fortalecimento da indústria como estratégia para o desenvolvimento regional. Diante do exposto, a problemática que norteia este trabalho é: quais são os setores industriais goianos com potencialidade para formar aglomerados e ampliar o emprego? O objetivo geral deste trabalho é identificar os setores industriais instalados e com potencialidades para formação de aglomerados em Goiás, bem como analisar o perfil da mão-de-obra absorvida. Para cumprir o objetivo proposto este artigo estrutura-se em cinco seções, contando com a introdução e as considerações finais. Na segunda seção, são apresentadas as contribuições sobre o desenvolvimento endógeno e a formação de clusters discutida pelo campo da economia regional. A terceira 53
Aglomerados industriais goianos: reflexões sobre as potencialidades para o emprego industrial e o desenvolvimento regional
seção descreve as metodologias de análise espacial utilizadas para a identificação de aglomerados partindo-se do emprego industrial formal goiano nos anos de 2006 e 2013. A quarta seção apresenta os resultados da pesquisa, destacando os aglomerados consolidados e os potenciais para o emprego industrial e desenvolvimento regional.
2. DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO E AGLOMERADOS INDUSTRIAIS A reflexão sobre os fatores provocadores da desigualdade socioeconômica regional tem atraído a atenção de vários estudiosos e produzido diversas publicações desde os anos 1950 com grande impacto na adoção de políticas públicas. Muitos dos estudos clássicos apresentados no início da segunda metade do século XX apontavam para a polarização da produção econômica no espaço, as economias externas e a aglomeração como elementos causadores de desequilíbrios e heterogeneidades regionais. Parte desses estudos formularam análises de padrões de atração de investimento e estabelecimento da produção industrial para justificar a presença de maior ou menor desenvolvimento em uma localidade. De certa forma pode-se ater ao espaço geográfico e a formação territorial como veio inicial para definir os elementos de desigualdade econômica, porém essa premissa não foi impeditiva para que os espaços econômicos (Perroux, 1967) fossem demarcados pelo potencial de relações empregadas entre os agentes (empresa, fornecedores e compradores), pela capacidade dos agentes de atrair elementos econômicos e pelas relações advindas de interesses mútuos privados e governo. Isso significa que ao invés de se ater às tradicionais linhas contíguas que dividem cidades, estados e países, alguns propunham utilizar o espaço abstrato para analisar as inter-relações econômicas. A partir dos estudos de Perroux desenvolveu-se o conceito de polos de crescimento. Perceber as disparidades econômicas regionais na segunda metade do século XX 54
era uma tarefa até certo ponto fácil e admitir que o crescimento regional ocorre de forma desigual (Perroux, 1967) e que o sistema econômico é instável e desequilibrado (Myrdal, 1957) passou a ser a primeira premissa do mainstream. Em princípio as economias pouco desenvolvidas possuem entraves baseados na falta de interdependência setorial e nos baixos linkages effects1 (Hirschman, 1958) por isso o desenvolvimento depende da capacidade de investir e do empreendedorismo local. Na falta de empreendedorismo e cooperação em locais pouco dinâmicos deveriam ser estimuladas as atividades locais tradicionais. Havia certa crença de que a industrialização era capaz de irradiar ganhos para diversos outros setores. Portanto, a instalação de um conjunto de indústrias motrizes formaria um polo de desenvolvimento (Perroux, 1967) e se criariam as condições para o surgimento de setores satélites com linkages effects que atrairiam investimentos de regiões mais desenvolvidas (Hirschman, 1958). O contrário, ou seja, a perda de investimentos e competitividade de uma localidade causaria uma migração dos fatores de produção para outras regiões ocasionando aumento do desemprego e queda da renda (Myrdal, 1967). Para o pensamento da época o papel dos policy makers era relevante para impulsionar o crescimento econômico e dinamizar as oportunidades locais (Hirschman, 1958; Myrdal, 1957; North, 1955) já que as livres forças do mercado convergiam para a concentração e os movimentos dos fatores de produção, dos bens e dos serviços não eram capazes de neutralizar essa tendência. A configuração de Estados Nacionais integrados, com os setores público e privado atuando de forma coesa, complementar e cooperativa, propagaria os efeitos positivos que precedem o crescimento harmonizado. 1 Os linkages effects ou efeitos de ligações (tradução livre) são notados por meio das atividades presentes em uma economia e que são capazes de induzir agentes a empreenderem novas atividades. Estes efeitos expressam a relação das atividades em curso e as novas atividades econômicas. Backward linkage effects e forward linkage effects fazem menção ao encadeamento das atividades econômicas como inputs de uma dada atividade que gerará posteriormente outputs que serão usados como inputs em outra atividade (HIRSCHMAN, 1958). Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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A intervenção pública poderia minimizar as disparidades regionais por meio de políticas que desencadeariam melhoria do desenvolvimento em áreas como transporte, educação, saúde, infraestrutura, incentivos fiscais etc. (Myrdal, 1967). Existem certas semelhanças entre as abordagens teóricas predominantes e os desdobramentos das ações políticas voltadas ao crescimento econômico no Brasil daquele período. Optou-se no Brasil por uma política econômica expansionista, com investimentos de longo prazo e planejamento regional como foram os casos do Plano de Metas (1956-60), do Milagre Econômico (1967-73) e do II PND (1974-79). As mudanças políticas foram acompanhadas no campo teórico por novos estudos que buscavam investigar como se estabelecia a nova dinâmica econômica sem a presença firme do Estado nas principais questões da economia real. A partir daí as políticas de desenvolvimento regional mudam o foco de atuação deixando de atacar problemas nacionais para se fixarem em problemas locais. Dessa forma, altera-se o modelo de crescimento e desenvolvimento regional pautado no planejamento e intervenção estatal para um modelo que amplia a base de decisões autônomas dos atores locais. No campo teórico, a contribuição veio por meio da teoria do crescimento (desenvolvimento) endógeno2, que do ponto de vista da economia regional expressa a importância da sociedade civil e seus processos de organização e relação social visando atingir crescimento equilibrado e sustentável no longo prazo e que segundo Amaral Filho (2001), pode ser entendido como
econômico gerado na economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões.
O caráter endógeno atribuído ao desenvolvimento regional ganha importância com o estudo conduzido por Robert Putnam e apresentado em seu clássico livro Comunidade e Democracia em que expõe as características de organização social e relações cívicas que diferenciam duas regiões italianas, uma localizada ao norte e rica enquanto a outra localizada ao sul e pobre. Na visão de Putnam (1996) o capital social formado pelo conjunto de valores, normas de comportamento, redes de relações, obrigações, confiança e canais de informação distingue o desenvolvimento de regiões distintas. Estes elementos quando bem estruturados e organizados se constituem em facilitadores do progresso econômico e social. Krugman, em sua obra clássica Geography and Trade (1991), incorpora as ideias marshallianas de externalidades – i) concentração do mercado de trabalho; ii) oferta de insumos intermediários e; iii) externalidades tecnológicas que afetam o ritmo de adoção e difusão de inovações em determinados mercados – para discutir a localização industrial. A combinação destas externalidades com os fatores históricos (denominados por Krugman de “condições iniciais”) resultam em múltiplas formas de cooperação produtiva e tecnológica. Schumpeter (1988) já destacava a importância da intertemporalidade no processo de desenvolvimento regional, ao dizer que o passado influencia o presente e este, consequentemente influencia o futuro. O resultado dos trabalhos de Krugman Um processo de crescimento econômico que (1991) e Arthur (1994) aponta para o implica uma contínua ampliação da capacidade surgimento de rendimentos crescentes no de agregação de valor sobre a produção, bem interior de mercados nos quais algumas como da capacidade de absorção da região, das externalidades estão presentes, o cujo desdobramento é a retenção do excedente que contribui para a formação de uma aglomeração industrial (cluster). 2 Surge como resposta crítica ao modelo de crescimento de SoPara Schmitz (1999) as externalidades low que não consegue explicar de que forma se podem atingir as mudanças tecnológicas. Os principais formuladores foram Paul Ro- marshallianas definem uma “eficiência mer e Robert E. Lucas que elaboraram modelos onde o crescimento coletiva” que explicam como se dá o ganho baseia-se nas inovações que permitem a criação de novos produtos. O conceito de ideias pode explicar não só a introdução de novos competitivo das empresas agrupadas espacial produtos, mas também o desenvolvimento de melhores técnicas de e setorialmente. Segundo o autor, a eficiência produção e de mais qualidade em produtos antigos.
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coletiva é a vantagem competitiva que vem da soma das externalidades (geradas de forma não intencional) e da ação conjunta (caracterizada por medidas intencionais que as empresas tomam para obter vantagens em relação às empresas que não participam do aglomerado). Britto (2013) destaca que o estudo das externalidades “funciona como um fator de fortalecimento das interdependências entre unidades produtivas inseridas nestas indústrias, possibilitando a caracterização dos mercados respectivos como uma rede de agentes interdependentes”. As teorias do desenvolvimento endógeno fortalecem o conceito de cluster, o qual foi popularizado por Porter (1993) e refere-se à emergência de uma concentração geográfica setorial de empresas, a partir da qual são geradas externalidades produtivas e tecnológicas indutoras de um maior nível de eficiência e competitividade, conferindo vantagens competitivas no nível industrial para uma região particular, permitindo explorar diversas economias de aglomeração (Britto, 2013, p.225).
Não à toa a cooperação (Fukuyama, 1995) tem sido destacada como uma das principais estratégias de desenvolvimento econômico para as próximas décadas. As regiões mais prósperas serão aquelas que estiverem mais bem preparadas para forjar práticas colaborativas e voluntárias entre os cidadãos. As práticas colaborativas tendem a impulsionar as inovações e as políticas públicas devem servir de estímulo ao processo. Assim, na esteira dos estudos sobre a localização da produção no espaço geográfico e do uso intensivo de modelos econômicos matematizados ressurge a Nova Geografia Econômica que busca se distanciar das teorias clássicas na explicação das desigualdades regionais. Nesse aspecto, o que define a geografia econômica:
Para a Nova Geografia Econômica, cujas ideias são encabeçadas pelo estudo de Krugman (1991), a presença de rendimentos crescentes de escala, concorrência imperfeita, equilíbrios múltiplos e imprevisões funcionam como variáveis explicativas para a concentração econômica. Para efeito das decisões empresariais sobre os locais de produção considera-se o tamanho do mercado - geralmente onde a demanda é grande -, o acesso aos recursos produtivos e também onde existem custos menores, principalmente de transporte. Esses espaços escolhidos acabam atraindo naturalmente outras empresas em um processo concentrador e autossustentável aprofundando as desigualdades regionais.
The first idea is that, in a world where increasing returns and transport costs are both important, forward and backward linkages can create a circular logic of agglomeration. That is, other things being the same, producers want to locate close to their suppliers and to their customers – which means that they want to locate close each other. The second idea is that the immobility of some resources – land certainly, and in many cases labor – acts as a centrifugal force that opposes the centripetal force3 of agglomeration. And the tension between these centrifugal and centripetal forces shapes the evolution of the economy’s spatial structure. (Fujita; Krugman; Venables, 2000, p. 345).
Porter (1999) enumera cinco motivos para a formação de aglomerados industriais: i) acesso a insumos e pessoal qualificado; ii) acesso à informação; iii) acesso a instituições e bens públicos; iv) complementariedade (entre as atividades dos diferentes participantes leva a um aumento de produtividade); v) incentivos e mensuração de desempenho (rivalidade entre concorrentes locais é um efeito estimulante). Assim, a teoria do desenvolvimento regional endógeno considera que as disparidades podem ser superadas pela observância de fatores de produção como disponibilidade da força de trabalho bem como o seu nível de [...] is the need to explain concentrations of qualificação. population and of economic activity: the distinction A mão-de-obra exigida passa a ter um novo between manufacturing belt and farm belt, the existence of cities, the role of industry clusters. Broadly speaking, all these concentrations form and survive because of some form of agglomeration economies, in which spatial concentration itself creates the favorable economic environment that supports further or continued concentration (Fujita; Krugman; Venables, 2000, p. 4).
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3 Forças centrífugas são aquelas que provocam reação contrária a aglomeração, pois repelem investimentos: imobilidade dos fatores, aluguel ou arrendamento da terra, os congestionamentos e as deseconomias. As forças centrípetas são aquelas que provocam atração e, portanto, a concentração da produção: encadeamento produtivo (linkages), mercado robusto, transbordamentos setoriais e outros fatores relativos à economia externa. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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perfil que vai além das habilidades técnicas, incorporando as competências cognitivas e de comunicação social. Uma região pode ter uma elevada força de trabalho, mas sem atributos para ser absorvida pela nova indústria, o que colabora para a existência de desemprego estrutural ampliando os gargalos para o crescimento regional. Esta visão é defendida por Britto (2013, p. 224) ao destacar o conceito de distrito industrial, o qual relaciona “ganhos proporcionados pela especialização produtiva das empresas e pela sofisticação da divisão do trabalho proporcionada pela aglomeração espacial de empresas atuantes em um mesmo ramo de atividade”. Assim, estes distritos são marcados pela especialização produtiva em nível local, com base num processo histórico de competências (técnicas, produtivas e da força de trabalho), por uma divisão de trabalho em termos intra e interindustriais capaz de reduzir custos de transação das empresas que estão dentro dos aglomerados; por um nível de especialização capaz de ampliar e acumular a base de conhecimento dos atores locais, o que facilita a incorporação de novas tecnologias e o aumento da produtividade. Ainda segundo Britto (2013) a divisão do trabalho nos aglomerados industriais está baseada na geração de “economias de especialização” na produção de insumos, partes e componentes, visando reduzir custos, facilitar adaptações e aumentar a produtividade, o que consolida a importância da qualificação do trabalhador como fator de manutenção da eficiência dos clusters. A defasagem na qualificação da mão-deobra é o principal fator de assimetria entre a demanda e oferta de trabalho e as medidas para atenuá-la requerem uma ação cooperativa de empresas e setor público. Não se trata de ações conjunturais; deve-se pensar estrategicamente em um processo produtivo que seja sustentável ao longo do tempo, visto que exige investimento, atualização constante e longa maturação.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O Estado de Goiás está localizado na Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
região Centro-Oeste do Brasil. Possui 246 municípios e é o nono estado em geração de riqueza, representando 2,7% do PIB nacional (IMB, 2013). A indústria é responsável por 26,8% da riqueza gerada, um pouco acima da participação nacional (24,9%); os dez municípios com maior participação no PIB industrial do estado detém 65,86% do valor adicionado gerado, o que já representa um indicador de concentração. A concentração é ainda mais evidente quando se reduz a amplitude espacial; se considerado apenas os quatro primeiros maiores municípios do estado - Goiânia, Anápolis, Catalão e Rio Verde - em participação no PIB industrial, a concentração atinge 46,54%. A concentração também é verificada quando se analisa a variável ‘emprego formal’. A partir dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), produzidos pela Secretaria de Políticas de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2013 o número de empregos formais do estado de Goiás totalizou 2.445.481, destes 396.997 estão alocados na indústria (16,24%). Os dez maiores municípios goianos por valor adicionado na indústria abrigam 217.198 destes empregos, o que representa 54,71% do total de emprego industrial do Estado. Já quando considerado apenas os quatro primeiros municípios por valor adicionado da indústria, o total de empregos formais atinge 157.408, ou cerca de 40%. Para identificar e avaliar possíveis aglomerados industriais no estado de Goiás utilizou-se uma metodologia exploratória, por meio da aplicação de indicadores que procuram captar a distribuição geográfica da produção e a existência de uma especialização regional. 3.1. Quociente Locacional (QL) Um dos indicadores de localização escolhido para este estudo é denominado de Quociente Locacional (QL). Utilizado nos estudos de desenvolvimento regional desde o trabalho de Isard em 19604; ganhou 4 ISARD, W. Methods of regional analisys. Cambridge,
Massachusets: The MIT Press, 1960.
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destaque após o trabalho de Haddad et. al. (1989, p. 231), no qual descreve o QL como “a participação percentual de uma região em um setor particular com a participação percentual da mesma região no total da economia nacional”. A área geográfica utilizada como base de comparação dos dados tornou-se uma fonte de divergência entre os autores, dada a dificuldade em muitos casos em comparar setores ou regiões específicas com a economia nacional. Crocco et. al. (2003) apresentam uma solução ao incorporarem o conceito de “economia de referência”; assim, o QL compara a “economia de estudo” com a “economia de referência”, o que flexibiliza e amplia as possibilidades de estudo. A presente pesquisa apoiou-se na abordagem de Suzigan et. al. (2001) que utilizam microrregião em relação ao Estado e de Britto e Albuquerque (2002) que não utilizam o número de estabelecimentos como base de dados; consideram para o cálculo do QL as variáveis emprego e remuneração. Assim, o Quociente de Localização (QL) é dado pela seguinte fórmula:
Esm = número de empregos do setor no município; Em = número de empregos total do município; Esr = número de empregos do setor no estado; Er = número de empregos total do estado.
Um QL superior a 1 em determinado setor de atividade indica a especialização da produção deste setor em relação à economia de referência, ou seja, “a atividade econômica é considerada significativamente importante na geração de empregos para a região, logo deverá ser considerada relevante para o desenvolvimento local” (Olivares, 2011). Para o cálculo deste indicador utilizou-se os dados da RAIS para os anos de 2006 e 2013, 58
referentes ao emprego com vínculo formal, com carteira assinada. A escolha desta base de dados se justifica pelo detalhamento das informações apresentadas, já que utiliza o emprego como a variável-base; por considerar todos os municípios e tipos de atividade presentes na economia brasileira e; por ser a mais utilizada pelos autores para a identificação e análise de aglomerações de empresas (Suzigan et. al., 2001; Olivares, 2011). Como determinação das atividades econômicas adotou-se inicialmente as divisões da classificação CNAE 2.0 Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - apresentadas na base de dados da RAIS. Entretanto, conforme destacam Suzigan et. al. (2001) o QL apresenta algumas distorções: a primeira, por não considerar os estabelecimentos, pode identificar um QL elevado para uma região com uma indústria pouco desenvolvida simplesmente pela presença de uma unidade produtiva, não obrigatoriamente de grande porte; a segunda, municípios com elevada densidade demográfica e consequentemente elevado emprego total podem apresentar um QL baixo mesmo com uma estrutura industrial densa e diversificada, como é o caso de municípios que compõem regiões metropolitanas. Para solucionar parte destas distorções foram incorporados à análise os dados dos números de estabelecimentos por setor de atividade e município, conforme informações do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo este banco de dados, a indústria de transformação é dividida em 12 subsetores, assim, para permitir a padronização das informações, as divisões da CNAE.2.0 foram reagrupadas nos subsetores apresentados pelo CAGED. São eles: i) indústria de produtos minerais não metálicos; ii) indústria metalúrgica; iii) indústria mecânica; iv) indústria do material elétrico e comunicações; v) indústria do material de transporte; vi) indústria de madeira e do mobiliário; vii) indústria do papel, papelão, editorial e gráfica; viii) Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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indústria de borracha, fumo, couro, peles, similares e ind. diversas; ix) indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria; x) indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos; xi) indústria de calçados; xii) indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico. Além, desses setores, considerou-se a indústria extrativa mineral e a indústria de biocombustíveis, totalizando 14 (catorze) subsetores industriais. Suzigan et. al. (2001) ainda destacam que os aglomerados industriais, a partir de seu QL, possuem dois tipos de relevância para o desenvolvimento local – importância elevada ou importância reduzida. Seguindo esta divisão, optou-se por utilizar os critérios adotados por Olivares (2011) nos quais será considerado um aglomerado de importância elevada o setor em cada município goiano que apresentar um QL superior ou igual a 5 (cinco), tiver um percentual de emprego igual ou maior que 1,00 (um) e 5 (cinco) ou mais estabelecimentos. Os aglomerados classificados como de importância reduzida para o local serão aqueles que apresentarem QL maior ou igual a 1 (um) e QL menor que 5 (cinco), com percentual de emprego igual ou maior que 1,00 (um) e tiver no mínimo 5 (cinco) estabelecimentos. 3.2. Gini Locacional (GL)
de localização5 para cada um dos setores da indústria e, para tanto, primeiramente, ordenase as regiões (ou municípios) em ordem decrescente de número de trabalhadores formais na indústria e, em seguida, apuram-se a participação acumulada do emprego da região (ou município) no emprego total do estado, que será o eixo horizontal; e a participação acumulada do emprego de um determinado subsetor da indústria na região (ou município) em relação ao total do emprego do mesmo subsetor no estado, obtendo-se o eixo vertical.
Figura 1 – Curva de Localização e área de concentração Fonte: Elaboração própria com base em Suzigan et. al. (2003)
A figura 1 ilustra a Curva de Localização tendo o emprego industrial como variávelbase. Segundo Suzigan et. al. (2003), por definição, o Gini Locacional (GL) será a “relação entre a área de concentração indicada por α, e a área do triângulo formado pela reta de perfeita igualdade com os eixos das abscissas e das ordenadas”. Como este triângulo representa a metade inferior da área do gráfico, é dado por 0,5, e com isso temse que: GL = α/0,5 = 2α. Uma vez que α está compreendido na outra metade da área do gráfico, seu valor está entre 0 e 0,5 e, portanto, tem-se que 0 ≤ GL ≤ 1. Assim, quanto mais próximo de 1 for o coeficiente GL, maior será a concentração espacial do setor, indicando maiores chances de a atividade fazer parte de algum tipo de aglomerado industriais.
O Coeficiente de Gini é tradicionalmente utilizado nos estudos sobre distribuição de renda, mas pode ser aplicado para identificar o grau de concentração espacial de uma determinada variável, representando um importante instrumento para “mapear a distribuição espacial da atividade econômica em determinada área geográfica” (Suzigan et. al., 2013). A utilização do GL é também uma forma de corrigir as distorções e limitações do QL. A utilização do Gini Locacional foi proposta por Krugman (1991) para identificar áreas geográficas com concentração de emprego. Ele pode ser calculado a partir do QL ou de outra 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS variável-base como o número de trabalhadores Os critérios metodológicos estabelecidos formais empregados por setor em cada município da região estudada, escolhida para a presente pesquisa. Constrói-se então a curva 5 No Gini tradicional esta curva é denominada de curva de Lorenz.
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Aglomerados industriais goianos: reflexões sobre as potencialidades para o emprego industrial e o desenvolvimento regional
foram aplicados para o número de trabalhadores formais da indústria dos 246 municípios goianos alocados segundo os 14 subsetores industriais. Os coeficientes de Gini Locacional são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 – Gini Locacional (com base no número de empregados) – Goiás.
SUBSETORES Ind. Calçados Ind. Material de transporte Ind. Material elétrico e de Comunicações Ind. Química de prod. Farmacêuticos, Veterinários e Perfumaria Ind. Papel, Papelão, Editorial e Gráfica Ind. Borracha, Fumo, Couro, Peles, Similares e ind. Diversas Ind. da Madeira e do Mobiliário
GL GL 2006 2013 0,9869 0,9874 0,9847 0,9850 0,9857 0,9831 0,9774 0,9783 0,9723 0,9731 0,9612 0,9637 0,9645 0,9591
Ind. Metalúrgica
0,9543 0,9460
Ind. Mecânica
0,9613 0,9408
Ind. de Biocombustíveis Ind. Têxtil do vestuário e artefatos de tecidos Ind. de prod. Alimentícios, Bebidas e Álcool etílico Ind. Extrativa mineral Ind. de Produtos Minerais não metálicos
0,9682 0,9319 0,9558 0,9133 0,8886 0,8911 0,8989 0,8784 0,8414 0,8222
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2006 e 2013
Nota-se que todos os subsetores industriais goianos apresentaram elevados Coeficientes de Gini em ambos os períodos, o que revela que existe elevada concentração da cada atividade em poucos municípios do estado. Porém, esta análise isoladamente não permite identificar potenciais aglomerados, dado que a concentração pode ocorrer em municípios com pequeno número de trabalhadores. É o caso das indústrias de calçados e de material elétrico e comunicações, que pelo GL despontam como os setores geograficamente mais concentrados, porém absorvem, respectivamente, 0,70% e 0,56% dos empregos industriais formais do Estado, percentuais sem significância para caracterizar a formação de um aglomerado industrial. O Quociente de Localização (QL) foi aplicado para todos os municípios agrupados conforme as 18 (dezoito) microrregiões
geográficas estabelecidas pelo IBGE6 e apenas três subsetores apresentaram classificação “importância elevada” em alguma microrregião. São eles: indústria de material de transporte, indústria extrativa mineral e a indústria de borracha, fumo, couro, peles, similares e indústrias diversas. A indústria de material de transporte absorve 2,28% do emprego industrial do Estado de Goiás, e apresenta elevados indicadores de concentração no município de Catalão (QL de 15,52; concentra 38,43% do emprego do setor distribuídos em 10 estabelecimentos e 35,36% dos trabalhadores do município estão neste setor). Trata-se de um tradicional polo de fabricação e montagem de veículos automotores, com a presença das montadoras Mitsubishi e John Deere. Neste setor, destacase também a cidade de Anápolis, com um QL menor (2,89) e participação de 31,84% dos empregos do setor no estado, contando com a montadora Hyundai Caoa. Este subsetor ainda influencia positivamente duas indústrias que formam a cadeia retrospectiva: a indústria metalúrgica e a indústria mecânica, que respondem, respectivamente, por 5,20% e 4,04% dos empregos industriais formais, transbordando as atividades para as microrregiões de Goiânia e Entorno de Brasília, na região central do Estado, e de Porangatu na região norte do estado. Juntos estes três subsetores tornam Goiás o 5° polo metalmecânico do país. A indústria extrativa mineral absorve apenas 2,87% do emprego industrial do Estado, pulverizados em diversas regiões e atividades (extração de diversos materiais metálicos e não metálicos). Cabe ressaltar que na maioria dos municípios extrativos o emprego industrial é intensamente dependente destas atividades, como por exemplo, Crixás no noroeste do estado (com QL de 31,40), cuja indústria de extração de minérios de metais preciosos emprega 90,38% dos trabalhadores industriais formais do município, mas não mostra capacidade de transbordamento para os municípios vizinhos e, portanto, não pode ser classificado como um aglomerado 6
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Resolução – PR n° 11 de 05/06/1990. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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significativo. Pela sua complementariedade, este efeito se repete na indústria de produtos minerais não metálicos, o que justifica a classificação dos dois subsetores como os menores GLs do estado. A diversidade de atividades, que compõem a indústria de borracha, fumo, couro, peles, similares e produtos diversos, aliada à presença em praticamente todas as microrregiões do estado também dificulta a identificação de aglomerados significativos. A indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários e perfumaria apresenta GL elevado e QL de 2,20, representando 6,88% dos empregos industriais do Estado distribuídos em 52 estabelecimentos. Anápolis se consolida neste setor ao abrigar o DAIA, Distrito Agroindustrial de Anápolis, que é a sede do Polo Farmacêutico Goiano, contando com mais de vinte empresas farmacêuticas de médio e grande porte, como os laboratórios Teuto Brasileiro (do grupo Pfizer), Neoquímica (da Hypermarcas), Greenpharma, Geolab, Champion, Kinder, Vitapan, Novafarma, Genoma, AB Farmoquímica, FBM, entre outros, além de outras 17 indústrias do setor químico, que juntas empregam mais de 13 mil pessoas, o que representa 29,58% do emprego industrial do município e 47,42%
dos empregos do setor. O município está localizado próximo à Goiânia e Brasília e o DAIA ainda abriga uma Estação Aduaneira do Interior (EADI ou Porto Seco), o que facilita a distribuição de medicamentos para todas as regiões brasileiras e a atuação no comércio exterior. A região já é considerada como o segundo maior polo farmacêutico do país, especialmente na produção de genéricos. As indústrias da madeira e do mobiliário e de papel, papelão, editorial e gráfica apresentam maior representatividade na microrregião de Goiânia, com destaque para os municípios de Goiânia e Aparecida de Goiânia. Por ser a mais importante região metropolitana do estado apresenta uma diversidade industrial o que impede a concentração do emprego em apenas um subsetor, o que a descaracteriza como um aglomerado industrial específico. Assim, além dos dois polos industriais já consolidados, é possível destacar três subsetores com potencialidades para a formação de aglomerados significativos para o emprego industrial do estado, destacados na tabela 2. O setor de biocombustíveis concentra 8,88% do emprego industrial do estado e apresenta indicadores de concentração em quatro microrregiões que se intensificaram entre 2006 e 2013, o que reforça sua
Tabela 2 – Aglomerados industriais potenciais em Goiás - 2013.
Concentração do % emp. do setor Número de setor no emprego 2013 estabelecimentos da microrregião SUBSETOR: BIOCOMBUSTÍVEIS Ceres 2,87 12,96% 3,86 17,41% 10 34,25% Sudoeste de Goiás 0,28 3,16% 2,27 26,04% 24 20,15% Vale do Rio dos Bois 2,68 9,48% 3,74 13,22% 13 33,21% Meia Ponte 1,25 7,97% 2,00 12,75% 16 17,73% SUBSETOR: INDÚSTRIA TÊXTIL DO VESTUÁRIO E ARTEFATOS DE TECIDO Anápolis 0,86 13,44% 1,49 23,09% 1334 19,05% Iporá 0,39 0,20% 4,04 2,04% 79 51,81% Anicuns 0,33 0,94% 1,78 5,09% 220 22,78% Goiânia 1,27 46,08% 1,39 50,50% 4034 17,79% SUBSETOR: INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS, BEBIDAS E ÁLCOOL ETÍLICO Entorno de Brasília 0,86 3,76% 1,12 4,89% 395 39,84% Sudoeste de Goiás 1,30 14,94% 1,72 19,75% 338 61,04% Vale do Rio dos Bois 0,68 2,41% 1,34 4,73% 115 47,42% Meia Ponte 0,63 4,03% 1,41 9,02% 320 50,09% Pires do Rio 1,21 2,32% 2,05 3,91% 125 72,75% Quirinópolis 0,58 1,75% 1,71 5,17% 96 60,53% Microrregião
QL 2006
% emp. do setor 2006
QL 2013
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2006 e 2013. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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Aglomerados industriais goianos: reflexões sobre as potencialidades para o emprego industrial e o desenvolvimento regional
potencialidade, porém o emprego do setor está limitado a poucas empresas. Por exemplo, na microrregião de Ceres, localizada na parte Central do estado, destacam-se os municípios de Carmo do Rio Verde, Goianésia, Itapuranga, Rubiabata e Itapaci, este último possui maior dependência do setor para geração de emprego e renda, já que apresenta um QL de 10,77 em 2013 e emprega 95,71% de seus trabalhadores industriais no setor distribuídos em apenas duas empresas. O aglomerado têxtil está localizado no centro do estado e ganhou potencialidade nos últimos anos, dado que os indicadores de 2006 para as quatro microrregiões não permitiam tal classificação. A produção de artefatos têxteis não exige necessariamente grandes investimentos e tecnologia de ponta, abrigando empresas de todos os portes e por essas características apresenta-se diluída em diversos municípios das microrregiões, com destaque para Anápolis, Inhumas, Jaraguá – pertencentes à microrregião de Anápolis -, além de Aparecida de Goiânia, Trindade e Goiânia – pertencentes à microrregião de Goiânia. A indústria têxtil goiana emprega 12,83% dos trabalhadores industriais. A indústria de alimentos, bebidas e álcool etílico é a mais representativa em termos de emprego, visto que 35,49% dos empregos industriais do estado de Goiás estão alocados neste subsetor. O aglomerado industrial de alimentos e bebidas está localizado no sul do estado e em 2006 apresentou indicadores que não permitiram classificá-lo como área
todos os municípios que compõem estas seis microrregiões, abrigando 47,47% do emprego do setor no estado distribuídos em 1389 empresas de todos os portes. O município de Rio Verde, na microrregião de Sudoeste de Goiás, é a quarta maior cidade do estado e pode ser considerado um aglomerado consolidado, pois nele encontram-se estabelecidas empresas globalmente conhecidas como a Brasil Foods, Bunge Alimentos, Cargill e Ambev; a concentração também é evidente quando se analisa o número de empregos, já que 76,08% dos empregos industriais do município estão neste subsetor. Após a identificação dos aglomerados industriais goianos faz-se necessária a exploração das características da mão-deobra destas regiões. As variáveis utilizadas foram nível de escolaridade, faixa etária e rendimento médio, considerando apenas os municípios das microrregiões com potencialidade para a formação de aglomerados. A tabela 3 apresenta a distribuição dos trabalhadores por gênero nos cinco aglomerados e percebe-se que nos setores de transporte e biocombustíveis a mão-deobra é essencialmente masculina com baixa participação das mulheres; no setor de alimentos e bebidas a mão-de-obra feminina também é minoria, porém, mais representativa do que nos dois setores descritos, ocupando cerca de 32% dos empregos no setor. O setor farmacêutico é o que apresentou maior equilíbrio entre os gêneros e no setor têxtil as
Tabela 3 – Distribuição do emprego industrial por gênero - 2013
Subsetor Gênero Masculino Feminino
Material de transporte 82,32% 17,68%
Farmacêutico
Biocombustíveis
Têxtil
52,47% 47,53%
88,93% 11,07%
35,83% 64,17%
Alimentos e Bebidas 68,45% 31,55%
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2013.
geográfica potencial, já que para a maioria das microrregiões os QL foram menores que 1. Em 2013, este indicador sofreu elevações e associado aos demais parâmetros utilizados neste estudo, tornam o setor um potencial aglomerado. A produção de alimentos e bebidas está presente em praticamente 62
mulheres ocupam a maior parte dos postos de trabalho. Já a tabela 4 apresenta a distribuição do emprego por grau de instrução para os cinco aglomerados. Nota-se que o perfil da mão-deobra apresenta nível de qualificação formal de médio para baixo, visto que a maioria Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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Tabela 4 – Distribuição do emprego industrial por grau de qualificação - 2013
Grau de Instrução Analfabeto Até 5° ano incompleto 5° ano completo Do 6° ao 9° ano incompleto Ensino fundamental completo Ensino Médio Incompleto Ensino Médio Completo Superior incompleto Superior completo Mestrado/Doutorado
Material de transporte 0,05% 0,11% 0,475 1,68% 2,94% 11,44% 64,09% 3,79% 15,42% 0,00%
Subsetor Farmacêutico Biocombustíveis 0,12% 1,29% 0,63% 3,56% 4,44% 12,73% 56,20% 6,75% 14,23% 0,04%
1,23% 8,50% 5,58% 27,04% 15,00% 11,14% 24,32% 2,61% 4,57% 0,02%
Têxtil 0,35% 1,11% 1,81% 5,71% 12,97% 23,79% 50,76% 1,92% 1,57% 0,02%
Alimentos e Bebidas 0,62% 14,33% 6,72% 15,68% 10,10% 13,20% 31,66% 3,01% 4,63% 0,05%
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2013.
dos trabalhadores se encontra nas faixas “ensino médio completo” e “ensino médio incompleto”. As indústrias de material de transporte e Indústria Farmacêutica, por apresentarem um maior grau de complexidade produtiva e tecnológica, demandam uma mão de obra mais qualificada, o que explica as faixas de ensino superior com percentuais
biocombustíveis e materiais de transporte, a faixa de remuneração da maioria dos trabalhadores sobe para até 3 salários mínimos, com percentuais de 68,11% e 77,89%, respectivamente. O percentual de trabalhadores que recebem mais de 10 salários mínimos é insignificante na indústria têxtil, menor que 2% nas indústrias de alimentos
Tabela 5 – Distribuição do emprego industrial por faixa etária - 2013
Faixa Etária 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 64 anos 65 anos ou mais
Material de transporte 1,95% 24,03% 22,02% 37,81% 11,41% 2,72% 0,05%
Subsetor Farmacêutico
Biocombustíveis
Têxtil
1,12% 32,26% 23,50% 29,52% 10,41% 3,04% 0,15%
0,16% 22,27% 20,97% 31,27% 16,77% 8,21% 0,35%
2,75% 30,86% 18,02% 27,02% 14,92% 6,22% 0,21%
Alimentos e Bebidas 1,03% 28,93% 21,75% 29,16% 13,35% 5,49% 0,28%
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2013.
maiores do que as dos demais setores. Destaca-se também, o percentual significativo de trabalhadores com nível fundamental incompleto no setor de biocombustíveis, o que permite classificálo como o setor menos qualificado dentre os cinco estudados, especialmente se comparado com os setores têxtil e de alimentos que possuem empresas de todos os portes e atividades de diferentes graus de complexidade, o que permitira uma maior diversidade no nível de instrução entre os seus trabalhadores. Também é possível tecer comentários sobre a faixa etária dos trabalhadores. Percebe-se na tabela 5 que a maior parte dos trabalhadores do setor de biocombustíveis está acima dos 30 anos de idade (56,60%), este é o setor com Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
maior representatividade de trabalhadores acima de 50 anos dentre os cinco setores estudados. Já o setor farmacêutico é o que apresenta o maior percentual de jovens trabalhadores, tanto na faixa de 18 a 24 anos como na de 25 a 29 anos. Analisando o perfil de remuneração da mão-de-obra nos aglomerados consolidados e potenciais (Tabela 6) percebe-se um baixo nível de remuneração. A indústria têxtil é a que apresenta a menor faixa de remuneração, visto que 81,56% dos trabalhadores ganham até 1,5 salários mínimos e apenas 2,28% ganham mais que 4 salários mínimos. Na indústria de alimentos e farmacêutica a maior parte dos trabalhadores recebem até 2 salários mínimos, na ordem de 62,02% e 61,71%, respectivamente. Já nas indústrias de 63
Aglomerados industriais goianos: reflexões sobre as potencialidades para o emprego industrial e o desenvolvimento regional
Tabela 6 – Distribuição do emprego industrial por faixa de remuneração - 2013
Remuneração Média
Subsetor
(em Salários Mínimos)
Material de transporte
Farmacêutico
Biocombustíveis
Têxtil
Alimentos e Bebidas
Até 0,5 SM 0,51 a 1,00 SM 1,01 a 1,50 SM 1,51 a 2,00 SM 2,01 a 3,00 SM 3,01 a 4,00 SM 4,01 a 5,00 SM 5,01 a 7,00 SM 7,01 a 10,00 SM 10,01 a 15,00 SM 15,01 a 20,00 SM Mais de 20,00 SM Ignorado
0,09% 4,13% 16,83% 30,62% 26,21% 8,94% 3,67% 3,64% 2,15% 1,77% 0,62% 0,78% 0,54%
0,34% 4,77% 36,07% 20,53% 14,86% 8,09% 4,54% 4,45% 2,00% 1,68% 0,68% 0,90% 1,07%
0,16% 1,69% 12,76% 20,75% 32,76% 17,19% 6,49% 3,80% 1,63% 0,98% 0,26% 0,30% 1,22%
0,57% 14,29% 66,71% 9,52% 5,33% 1,31% 0,38% 0,32% 0,10% 0,05% 0,02% 0,02% 1,40%
0,59% 6,10% 29,76% 25,56% 20,20% 7,33% 3,33% 2,67% 1,47% 0,67% 0,21% 0,20% 1,89%
Fonte: Elaboração própria com base na RAIS/MTE, 2013.
e bebidas e de biocombustíveis, e atinge o como um polo na cidade de Anápolis. Um patamar de 3% nas indústrias farmacêuticas dos aglomerados potenciais é a indústria e de materiais de transporte. de alimentos e bebidas, que se destaca em seis das dezoito microrregiões geográficas, 5. Considerações Finais todas localizadas ao sul do estado goiano, absorvendo 35,49% do emprego industrial Este artigo buscou identificar os setores e tendo como exemplo de potencialidade o industriais instalados e com potencialidades município de Rio Verde. A indústria de artigos para formação de aglomerados em Goiás, têxteis apresenta-se como um aglomerado partindo da premissa teórica que a presença potencial, abrangendo quatro microrregiões de clusters estimula a competitividade localizadas na parte central do estado de setorial e colaboram para o desenvolvimento Goiás, o que absorve 12,83% e mostra-se com regional, ao promover uma interligação de grande potencial de transbordamento, já que atividades e empresas, irradiando ganhos vários municípios se destacam. A indústria para outros setores e dinamizando o processo de biocombustíveis também apresenta de absorção da mão-de-obra. elevados indicadores de concentração em Aplicou-se a metodologia de identificação quatro microrregiões, com destaque para de concentração geográfica tendo como base a região de Ceres, localizada no centro do a variável emprego por meio da utilização estado. Estes indicadores mostram que as dos dados da RAIS e do CAGED-MTE para os regiões industriais potenciais localizam-se anos de 2006 e 2013. Calculou-se o quociente na região centro-sul do estado goiano, região de localização (QL) e o Gini Locacional (GL), economicamente mais desenvolvida. além de utilizar como filtros a participação Após identificar os aglomerados percentual do setor no emprego industrial industriais relevantes, buscou-se analisar goiano e o número de estabelecimentos em o perfil da mão-de-obra absorvida nestes cada setor da indústria do estado. setores. Os resultados indicam características O resultado foi a identificação de cinco comuns como a baixa remuneração e aglomerados: dois consolidados e três baixa qualificação, uma predominância de potenciais. Os clusters consolidados são o trabalhadores do gênero masculino (com de Material de Transporte com participação exceção da indústria têxtil) com idade entre relevante na microrregião de Catalão e forte 18 e 39 anos. poder de transbordamento para as cadeias Este mapeamento permitiu avaliar as regiões retrospectivas metalúrgica e mecânica; industriais potenciais para a formação de e a indústria Farmacêutica, que já é tida 64
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aglomerados e a geração de emprego e renda, sugerindo a continuidade da pesquisa para ampliar a discussão sobre as necessidades de adequação da mão-de-obra para tais setores e as políticas para estimular a intensificação destas atividades e o transbordamento para outras microrregiões como forma de promoção do desenvolvimento regional.
6.
REFERÊNCIAS
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Mais informação, menos conhecimento: as contradições da presença de novas tecnologias de informação
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
MAIS INFORMAÇÃO, MENOS CONHECIMENTO: AS CONTRADIÇÕES DA PRESENÇA DE NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO MORE INFORMATION, LESS KNOWLEDGEMENTS: THE CONTRADICTIONS OF THE PRESENCE OF NEW INFORMATION TECHNOLOGIES
Mônica Yukie Kuwahara Economista, mestre em Integração (PROLAM-USP), doutora em Comunicações (ECA-USP). Professora e Pesquisadora da UFABC. Email: monica.kuwahara@ufabc.edu.br
RESUMO Este artigo tem por objetivo identificar algumas das características das novas tecnologias de informação e de seus efeitos sobre a contemporaneidade. Realiza uma reflexão sobre as revoluções industriais seculo XVIII buscando o caráter distintivo das novas tecnologias de informação. O artigo identifica a constituição de um novo “paradigma tecno-econômico”, marcado pela presença destas novas tecnologias, capazes de sustentar um novo padrão de acumulação de capital, ao permitir novas formas de apropriação do valor gerado e, portanto, novas formas de riqueza. Riqueza não mais associada à materialidade dos bens, mas associada progressivamente ao conteúdo informacional de bens e serviços. Acredita-se que estas novas tecnologias estejam ampliando a centralização no conhecimento, o que pode implicar tanto novos desafios quanto oportunidades ao desenvolvimento. Palavras-chave: Novas Tecnologias de informação, Paradigmas tecnoeconômicos.
ABSTRACT
Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
This article aims to identify some of the characteristics of the new information technologies and their impacts on contemporary social relationships. It analyzes the eighteenth century industrial revolution seeking the distinctive characteristics of the new information technologies. The article identifies a new “techno-economic paradigm” associated with the presence of these new technologies, that is capable to sustain a new pattern of capital accumulation by allowing new forms of appropriation of the generated values and, therefore, new forms of wealth. The materiality of goods would not be the bases of the wealth anymore. The values come through more information contents of goods and services. These new technologies are increasing knowledge centralization, which may involve new challenges as well as opportunities for development. Keywords: New Information Technologies, techno-economic paradigms.
Classificação JEL / JEL Classification: O33 66
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Mônica Yukie Kuwahara
1.
Introdução
As inovações tecnológicas do último quartel do século XX, notadamente as novas tecnologias de informação e comunicação, aceleraram o processo de acumulação de capital, alterando as condições necessárias para a produção e a distribuição da riqueza, assim como a circulação de mercadorias e de serviços, refletindo-se nos padrões de concorrência e nas formas de organização das empresas. Ao longo deste processo a informação ganha um sentido mais amplo do que a simples transmissão de saberes e se transforma em um novo paradigma a sustentar e organizar a sociabilidade contemporânea. A emergência desse novo paradigma, por sua vez, se depreende da análise das alterações provocadas pelas inovações tecnológicas e da forma como a base material da produção se altera a partir da aplicação comercial das mesmas. Este artigo se propõe a identificar algumas das características das novas tecnologias de informação e de seus efeitos sobre a contemporaneidade. Por “tecnologias de informação” entendese o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação, telecomunicações/radiodifusão e optoeletrônica, abarcando também a engenharia genética e suas evoluções por concentrar-se na decodificação, manipulação e reprogramação dos códigos de informação da matéria viva. Essa classificação abrangente estaria apresentando, de forma implícita, a concepção de informação como um conhecimento codificável e, por ser passível de codificação, também comunicável; não apenas dados organizados, mas conhecimento passível de ser padronizado, simplificado e transformado em mercadoria. Segundo Muniz Sodré (2002, p.78) “informação é algo que se vende, é o modo mais avançado de realização de valor do capital”. O artigo propõe-se analisar o papel da informação e do conhecimento na geração de ciclos de inovação, considerando-a um processo complexo, interativo e não-linear, Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
que reflete condições específicas de produção, conhecimento científico acumulado, disponibilidade de recursos e necessidades de mercado. No primeiro item realiza-se uma periodização das inovações tecnológicas a partir das Revoluções Industriais, com a descrição dos sistemas tecnológicos gerados, assumindo que a existência de novos sistemas não só depende, como também expressa patamares distintos do conhecimento e da informação que, por sua vez, dependem de múltiplos fatores, desde a criatividade e inventividade humanas até do próprio padrão de acumulação de capital vigente. No segundo item discute-se o novo paradigma tecno-econômico marcado pela presença de novas tecnologias de informação. O conceito de paradigma tecno-econômico, emprestado dos teóricos neo-schumpeterianos, expressaria um conjunto de determinações sociais, culturais, econômicas e científicas para a emergência das inovações e que justificariam o alcance de suas influências sobre a sociedade. As reflexões aqui propostas procuram evidenciar que a produção e difusão dos sistemas tecnológicos, assim como o estabelecimento de novo paradigma, ocorrem de forma assimétrica, com impactos negativos, principalmente sobre os países que, como o Brasil, apresentaram dificuldades históricas em superar, e até mesmo em assimilar, os sistemas tecnológicos anteriores.
2. Paradigmas TecnoEconômicos: As Lições das Revoluções Industriais A literatura sobre o período das Revoluções Industriais é tão vasta que até um grande historiador como Eric J. Hobsbawm (1986, p.8) chegou a admitir que “só para o período de 1789 a 1848 há uma quantidade tal de literatura secundária que ultrapassa o conhecimento de qualquer indivíduo, mesmo daquele que domina todos os idiomas em que ela se encontra escrita”. Contemporaneamente, não só o volume das obras, mas também a multiplicidade de temas e a diversidade de abordagens se ampliaram, 67
Mais informação, menos conhecimento: as contradições da presença de novas tecnologias de informação
do século XVI estariam diferenças e assimetrias no comércio Este-Oeste europeu, gerando zonas produtoras de alimentos (leste) com economia servil e sustentando a urbanização da Europa Ocidental. Uma segunda contradição verificar-se-ia na forma e nos impactos das expansões comerciais espanholas e portuguesa, que não puderam estimular as exportações européias em um nível equivalente ao afluxo de metais e bens importados, gerando inflação e pressão deficitária na balança comercial européia. A terceira contradição decorreria da rápida expansão econômica do século que não foi acompanhada por uma correspondente melhoria na produtividade agrícola, não sendo possível, portanto, atender à crescente demanda de alimentos e gerando diferencial elevado de preços entre os produtos agrícolas e os manufaturados. Esta última contradição, de certa forma, apresentou-se como uma evidência às teses dos fisiocratas franceses sobre o desenvolvimento econômico. Mostrou-se um argumento importante principalmente para a tese malthusiana de taxa de crescimento da população superior à da capacidade produtiva. O conjunto destas contradições imprimiriam ao século XVI as seguintes características, importantes para a compreensão do pioneirismo britânico: primeiro o fato de tais crises debilitarem mais aos sistemas e empresas do tipo feudal do que as progressistas; segundo, a complementaridade e unicidade da economia européia e as suas colônias; e terceiro, a geração de condições sociais para o advento da revolução burguesa. Em fins do século XVI, tornava-se evidente que o sistema necessitava de um tipo distinto de economia para poder cualquier análisis de este tipo tendrá que utilizar as potencialidades econômicas do demostrar de una u outra manera cómo las século por vir.
de modo que, dados os limites deste artigo, uma revisão bibliográfica completa seria tão exaustiva quanto contraproducente. O objetivo do resgate aqui proposto, portanto, não é fornecer uma narrativa pormenorizada, mas sim uma interpretação sobre algumas das características das sociedades produzidas pelas revoluções industriais, no sentido de destacar as alterações que foram mais significativas na constituição e posterior superação de paradigmas tecno-econômicos. As chamadas Primeira e Segunda Revoluções Industriais foram revoluções pela intensidade e pelo alcance das transformações dos processos de produção e distribuição determinadas por um aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas do conhecimento científico até então acumulado (Castells, 1999, p.53). Em ambas, os conhecimentos científicos foram decisivos para sustentar e guiar o desenvolvimento tecnológico, verificando-se um período de aceleradas transformações tecnológicas que permitiram não apenas a multiplicação de suas aplicações pelo processo produtivo e distributivo, mas que implicaram em novos produtos e em novas relações de poder, à medida que se alterara a localização das fontes de riqueza no mundo. A Primeira, 1770/80 a 1880/90, tem sua trajetória associada e localizada na Inglaterra. Tal ocorrência está intimamente ligada à forma como esse país superou a recessão econômica e a crise social do século anterior, que por sua vez, seria explicada pela forma de desenvolvimento, o que configuraria um conjunto específico de condições sociais e econômicas que justificariam a localização e os efeitos da revolução. Para Hobsbawm (1980, p. 79), barreras impuestas al desarrollo económico, por la economía pre-capitalista predominante, impidieron a la expansión económica del siglo XVI alcanzar el punto de despegue hacia el crecimiento autosostenido y casi seguramente también mostrará cómo el mismo proceso de expansión económica bajo esas condiciones produjo las contradicciones que generaron la crisis subsiguiente.
Entre as contradições do desenvolvimento 68
Si eso fue resultado de una revolución burguesa, es una cuestión a discutir (...) Pero dificilmente pueda negarse que en algún momento en el transcurso del siglo XVII, digamos entre 1620 e 1670 – Inglaterra se transformó de una economía dinámica e interesante, pero secundaria, en una economía que pareció ser capaz de iniciar y conducir la revolución económica del mundo, lo que por cierto hizo. (Hobsbawm, 1980, p.85)
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Segundo Hobsbawm (1986), as condições econômicas, no sentido de técnicas e materiais, eram necessárias, mas não suficientes para fazer a revolução. Seria necessário, também, que os interesses manufatureiros já presentes no século XVII vencessem os interesses mercantis do antigo regime. Segundo sua análise, uma política estatal “burguesa” não surgira em nenhum outro país, exceto na Inglaterra de meados do século XVIII, de modo que seu aparecimento alteraria radicalmente o desenvolvimento mundial posterior. A forma com que vencera as contradições dos períodos anteriores transformara a Inglaterra na primeira economia a eliminar os agricultores, produtores e comerciantes da pequena atividade mercantil; foi também o país onde a urbanização mostrara-se, desde meados do século XVIII, de forma completa, haja vista a forma específica como resolvera o problema agrário. Do ponto de vista das idéias, foi o único país onde o liberalismo econômico tinha sido aceito com poucos reparos. Os níveis de capitais e de qualificação de mão-de-obra necessários para um esforço industrializante não eram muito altos naquele momento, se comparados com os níveis do século XX, e mesmo que o fossem, em termos de capitais, ao menos, a Inglaterra não teve problemas, desobrigando o Estado de financiar as estradas de ferro, como ocorrera nos demais países. Apesar da maior parte dos conhecimentos científicos necessários à primeira Revolução Industrial estarem disponíveis à maioria dos países europeus cem anos antes dela eclodir (Dobb, 1980), somente a Inglaterra reunira as propriedades sinergéticas necessárias à geração do ciclo inovativo. A Inglaterra contava com centros de pesquisa, instituições de ensino superior, empresas de tecnologias avançadas e redes auxiliares de fornecedores que, junto com a existência de organizações com capital de risco para aplicar no empreendimento, garantiriam a sinergia necessária para o processo de inovação. Dentre estes atributos, considerados “meios de inovação”, o que as outras nações não possuíam eram Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
empresas e instituições com capital de risco para financiar os novos empreendimentos. “Capital” esse resultante de seu domínio sobre fluxos comerciais e financeiros sobre as metrópoles e suas colônias. A Revolução Industrial inglesa, portanto, mostra-se produto da etapa de desenvolvimento que o capitalismo da Grã-Bretanha já alcançara e não um resultado fortuito de circunstâncias externas, mas resultado de um conjunto de fatores inerentes e associados ao seu processo de desenvolvimento. O primeiro paradigma tecno-econômico da primeira Revolução Industrial (Freeman, 1982; Lastres; Ferraz, 1999) encontrava-se definido pela mecanização da produção, que seria acompanhada por novos sistemas de organização da produção envolvendo, inclusive, uma maior divisão e especialização do trabalho que passaria a distanciar-se, cada vez mais, do modo artesanal de produção, gerando novas estruturas de custos e proporcionando novos produtos. Os insumos responsáveis pela queda dos custos relativos, ou seja, os fatores-chave seriam o algodão e o ferro fundido. O primeiro amplamente disponível tanto nas colônias britânicas quanto nas demais colônias americanas. O crescimento econômico do período 1770/80 a 1830/40 vê-se intimamente influenciado pelos avanços do setor têxtil e de seus equipamentos (teares mecânicos são o exemplo recorrente), do setor de fundição e moldagem do ferro e pelo setor de maquinário para aproveitamento da energia hidráulica. A infraestrutura necessária é a de transportes, que se desenvolve com a construção de canais navegáveis e com melhorias nas estradas, permitindo o escoamento cada vez mais rápido da produção que se amplia em um ritmo acelerado (Hobsbawn, 1986). A questão dos transportes também é importante para se compreender a profunda alteração da concepção de mundo que se opera no final do século XVIII e início do século XIX e que, de certa forma, contribui para a compreensão da emergência do segundo paradigma tecno-econômico da primeira Revolução Industrial. Segundo Hobsbawm (1986), o “mundo de 1780” 69
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era ao mesmo tempo pequeno e enorme. Pequeno, porque mesmo as pessoas mais bem educadas e infomadas da época conheciam apenas pedaços do mundo. Do ponto de vista da geografia, apesar de se conhecerem os contornos dos continentes, pouco se conhecia da topografia das cordilheiras asiáticas, africanas e latino-americanas e a população, por sua vez, era reduzida e mais dispersa pelo globo (Hobsbawn, 1986). A vastidão do mundo de 1780 seria atestada por três circunstâncias principais: primeiro pela mera dificuldade ou incerteza das comunicações que tornavam o “mundo” algo vasto e desconhecido; segundo, porque os transportes terrestres eram inferiores aos transportes marítimos, em quantidade e qualidade, tornando viagens entre capitais distantes mais recorrentes e “fáceis” do que se deslocar do campo à cidade (HOBSBAWN, 1986, p.18). Por fim, mesmo com a expansão dos correios e a posterior circulação de jornais e periódicos, as informações, no geral, eram escassas e restritas a poucos letrados. Entre as necessidades de expansão comercial, portanto, encontrar-se-ia a superação dos limites dados pelo sistema de transporte terrestre, levando à emergência do segundo paradigma tecno-econômico da primeira Revolução Industrial (1830/40 a 1880/90), definido pela força a vapor e pelas ferrovias, tendo como fatores-chaves o carvão e o sistema de transportes. As máquinas a vapor e as ferrovias eliminaram limites à expansão produtiva relacionados ao tamanho do maquinário ou até ao volume e quantidades a serem transportados, permitindo que máquinas mais complexas fossem criadas. O raciocínio técnico adquiriu um ímpeto cumulativo de forma que, a cada novo avanço no maquinário, estabeleciase uma maior especialização das unidades produtivas e da equipe humana, favorecendo a emergência de um paradigma tecnoeconômico de produção em massa (o quarto, segundo a cronologia desta pesquisa) que se consolidaria no século XX. O crescimento, no segundo paradigma, é alavancado pelo setor produtor de máquinas e navios a vapor, máquinas “pesadas” para 70
geração de energia, ferramentaria, de materiais mais resistentes, e equipamentos ferroviários. Durante a sua consolidação, da mesma forma como ocorrera no paradigma anterior, novos setores crescem a partir dos efeitos de difusão do novo sistema tecnológico e entre os setores em desenvolvimento destacamse o setor de produção de aço, eletricidade, processamento e distribuição de gás, corantes sintéticos e a engenharia pesada. O desenvolvimento desses setores configuraria um terceiro paradigma tecno-econômico, o da eletricidade, que passou a ser associado à segunda Revolução Industrial. A Segunda Revolução Industrial, 1880/90 a 1920/30, apresentaria como paradigmas tecno-econômicos a energia elétrica e a engenharia pesada, possuindo como setores alavancaladores do crescimento a engenharia em equipamentos elétricos e em equipamentos pesados, transporte marítimo, armamentos e química. Os setores que crescem rapidamente ao longo da vigência desse paradigma são a indústria automobilística e a aeroespacial, rádio e telecomunicações, metais e ligas leves, bens duráveis e semiduráveis, petróleo e plásticos. Esta parece ter sido mais dependente dos conhecimentos científicos do que a primeira, pois o conjunto de “novos” setores criados parece localizar-se em patamares mais elevados de conhecimento geral, exigindo esforços mais intensos de criatividade e inventibilidade, tanto para a sua criação quanto para a sua utilização no sistema produtivo. As competências intelectuais exigidas pela manipulação dos fatoreschave da primeira Revolução Industrial – algodão, ferro fundido, carvão e transporte – são menos complexas do que as exigidas para dominar o fator-chave da segunda Revolução: o aço. Nos dois séculos seguintes, as Revoluções Industriais, originadas na Europa Ocidental, se estenderam para a maior parte do globo, em um ritmo muito lento, se comparado ao padrão de expansão tecnológica atual, mas suficientemente normal a ponto de, de acordo com Maurice Dobb (1980, p.258), transformar as idéias do Homem sobre a
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sociedade de uma concepção mais ou menos estática de um mundo onde, de uma geração para outra, os homens estavam fadados a permanecer na posição que lhes fora conferida ao nascer e, onde, o rompimento com a tradição era contrário à natureza, para uma concepção do progresso como lei da vida e do aperfeiçoamento constante como estado normal de qualquer sociedade sadia.
A transformação na concepção de mundo não se explica apenas pela revolução na forma de produção. Há que se considerar também o que Hobsbawm chama de “dupla revolução”, ou seja, a influência da ocorrência conjunta da primeira Revolução Industrial inglesa e da Revolução Francesa. Resgatando a idéia de “destruição criativa” schumpeteriana, é possível afirmar que as revoluções industriais do século XVIII e XIX reforçaram o processo de “destruição” das estruturas de oferta anteriores, que se iniciara desde os primeiros movimentos de expansão comercial dos séculos XV e XVI. Naquela altura, o contato com civilizações com níveis tecnológicos mais desenvolvidos, principalmente do ponto de vista da tecnologia bélica, aniquilara a maior parte das civilizações pré-colombianas da América. As primeiras revoluções industriais, com suas novas tecnologias, não aniquilariam civilizações, mas condicionariam a produção doméstica da maior parte das economias, seja pelo estabelecimento de novos paradigmas tecno-econômicos, seja pelo simples caráter de dominação colonial, que posteriormente (no século XIX) assume um caráter imperialista. O caráter dinâmico do sistema capitalista explicaria que durante a consolidação de um novo padrão tecnológico possa verificar-se a emergência de outros setores crescendo rapidamente a ponto de se transformarem em setores alavancaladores do crescimento da nova fase, tal como ocorrera com o setor de máquinas a vapor e maquinaria geral, eletricidade e aço. O mundo econômico do século XIX passa a ser passível de interpretação somente se considerado o seu potencial de transformação e de movimento, incluindo movimentos entre-cruzados que transformariam relações culturais, sociais, políticas e econômicas. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
A importância das primeiras revoluções industriais, portanto, não se restringe ao conjunto de resultados em termos de inovações tecnológicas, sendo essa uma dimensão menor de sua relevância. Elas demonstram a importância da tecnologia como instrumento de hegemonia, pois o poder passara a ser associado àqueles países e elites capazes de comandar o novo sistema tecnológico. O progresso técnico passara a ser um elemento do mundo econômico aceito como normal e não como algo excepcional e intermitente. A “normalidade” do sistema social, por sua vez, contaria com as influências da Revolução Francesa na consolidação de uma esfera, denominada de “esfera pública burguesa”, que “com atuação política passa a ter o status normativo de órgão de automediação da sociedade burguesa com um poder estatal que corresponde às suas necessidades” (Habermas, 1984,p. 93). A “Revolução”, conforme se afirmou anteriormente, justifica-se não apenas porque houve um grande aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas, transformando os processos de produção e distribuição, criando novos produtos. Justifica-se também pela alteração na localização das riquezas e na configuração do poder, estabelecendo em um processo onde macroinvenções abrem caminho para microinvenções que, de acordo com as especificidades de cada local, se estenderam mais ou menos amplamente aos processos produtivos do conjunto das economias. As dificuldades para se apropriar dos novos sistemas tecnológicos reforçam a divisão do trabalho no interior das economias nacionais, assim como a própria divisão internacional do trabalho, ampliando as disparidades e assimetrias do crescimento. A forma particular do desenvolvimento econômico inglês indica que durante o período recessivo de 1880/1890, a Inglaterra foi obrigada a financiar parte da modernização do mundo capitalista através da exportação de capitais e, assim, acabou reduzindo sua capacidade de indução tecnológica, ficando para trás em sua base tecnológica e produtiva. Ademais, alterações profundas nessas bases 71
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implicariam em sucateamento do capital já empregado. Apesar de permanecer detentora da hegemonia mercantil-financeira até o início da primeira Grande Guerra Mundial, o centro de gravidade da Revolução Industrial se deslocara, definitivamente, da Inglaterra para os Estados Unidos e para a Alemanha, onde ocorreu a maior parte dos desenvolvimentos em produtos químicos, eletricidade e telefonia. Embora as especificidades locais sejam importantes para explicar a existência de meios de inovação em determinado país, a lógica da acumulação, implicando na busca constante de lucratividade, constitui o principal determinante das inovações e do alcance de seus impactos em termos de relações produtivas e sociais. Segundo Manuel Castells (1999), as duas Revoluções, tomadas em conjunto, podem ser analisadas como momentos em que as inovações tecnológicas atuaram sobre o processo central de todos os processos, ou seja, a energia necessária para se produzir, distribuir e comunicar e, por isso, puderam ser difundidas por todo o sistema econômico, interferindo em todas as dimensões da realidade social e não apenas na dimensão econômica, apesar da diferença no tempo que cada região demorou a incorporar os novos sistemas tecnológicos. Numa outra leitura dos argumentos do autor, a energia permitira novo impulso ao capitalismo pela sua capacidade de padronização e mercantilização do fator trabalho. Na primeira revolução ampliara-se a possibilidade de exploração da força humana, seja pela mecanização ou pela utilização da força a vapor. Na segunda, ampliara-se a forma de exploração, com a especialização da mão de obra e extensão da jornada de trabalho. A comparação entre a primeira e a segunda Revolução Industrial e a análise dos seus respectivos paradigmas tecno-econômicos permitem indicar algumas características gerais de uma revolução tecnológica: a) a importância do conhecimento científico; b) a necessidade da existência de um conjunto de condições que permitam a sinergia entre sistemas de produção e 72
distribuição para que se instaure um novo sistema tecnológico, posto que a inovação não é uma ocorrência isolada; c) a existência de uma defasagem temporal entre a emergência de um novo sistema tecnológico, a sua difusão e extensão pelo resto do mundo; d) a associação entre domínio do novo sistema tecnológico e relações de poder; e) o estabelecimento de novos paradigmas tecno-econômicos em cujo interior se desenvolvem novos fatores-chave que permitirão novos paradigmas, derivado da relação entre o domínio da tecnologia e as relações de poder. A revolução tecnológica, cujos efeitos estão se fazendo sentir contemporaneamente, apresenta as mesmas características gerais atribuídas à primeira e à segunda Revolução Industrial, embora os paradigmas tecnoeconômicos tenham se alterado, tornando a revolução em curso também caracterizada pela penetrabilidade em todos os domínios da atividade humana, sendo voltada para e gerada por processos, além de induzir novos produtos. Antes de discutir-se o paradigma tecnoeconômico da Revolução das Tecnologias da Informação, talvez seja útil comparálo ao anterior, o paradigma do fordismo, que emergira dos avanços conseguidos na produção, armazenamento e processamento de energia e conseqüentes impactos sobre as relações de produção. Na qualidade de paradigma tecnoeconômico, o fordismo inicia-se na década de 20 do século XX e prevalece até meados da década de 70, quando a crise do sistema econômico mundial, deflagrada pela crise do petróleo, torna-o insuficiente para sustentar os padrões de acumulação capitalista. Entre as principais inovações técnicas desse quarto paradigma estariam os motores à explosão, prospecção, extração e refino de petróleo e minerais e a produção de derivados de petróleo. A produção “fordista” é intensiva em energia e materiais e os setores alavancaladores do crescimento são a indústria de automóveis, caminhões, tratores, tanques, a (indústria) Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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petroquímica, a (indústria) aeroespacial e a (indústria) de bens duráveis. Pela característica dos seus setores alavancadores, a infraestrutura relevante são as autoestradas e os aeroportos. Os setores citados também são responsáveis por transformações significativas e profundas nos produtores de materiais naturais, como madeira, vidro e outros produtos também ligados aos recursos naturais, gerando contestações quanto ao padrão de exploração da natureza. Nos anos 70, quando emerge o novo paradigma das tecnologias de informação, o movimento pela proteção ao meio-ambiente surge como uma das novidades na organização social e um dos primeiros movimentos sociais a fazer uso das novas tecnologias para ampliar o grau de alcance de suas reivindicações. A linha de produção fordista acelerou a velocidade de produção simplificando movimentos que, ao se tornarem padronizados e simplificados, puderam ser reproduzidos por máquinas. Também insumos foram padronizados de modo que as peças utilizadas no processo produtivo pudessem encontrar facilmente seu correspondente. “Uma rosca servir a qualquer parafuso” implica em redução do tempo necessário para ajustes ao produto, que se torna também padronizado, permitindo-se, em última instância, a produção em grande escala de um mesmo produto. Em termos organizacionais as inovações foram a produção em massa que resultou da especialização da divisão do trabalho e da automação crescente dos processos de produção, impondo à produção não apenas uma elevada dose de padronização, mas também de hierarquização e departamentalização administrativa, além de permitir um aumento substancial da oferta de bens e serviços. Amplamente difundido, tanto no sentido de paradigma tecno-econômico, como também no sentido de tema de debates acadêmicos e empresariais, o “fordismo” é recorrentemente associado a uma forma de produção de massa, com maquinário especializado e com produtos padronizados, de forma a apresentarem custos relativos Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
reduzidos. A opulência é um dos reflexos do paradigma e a expansão de bens de consumo de massa uma de suas marcas. Uma análise não muito divulgada é a do “fordismo” como resultado da forma de superação da crise enfrentada pelo capitalismo em fins do século XIX, que inclui desde a crise da hegemonia inglesa até insuficiências crescentes do sistema monetário internacional definido pelo padrão-ouro (1879-1914). A crise de 1873 a 1890 promovera alterações profundas no capitalismo, reforçando tendências de concentração e centralização de capitais decorrentes das suas necessidades de acumulação. Tais modificações implicaram articulações entre o capital bancário e o industrial que permitiram não apenas a emergência de grandes empresas capitalistas, mas que também intensificariam a concorrência entre capitais, configurando a passagem de um capitalismo concorrencial para um capitalismo monopolista, marcado por lutas devastadoras entre os países imperialistas que culminam com as duas grandes guerras mundiais do século XX.
3. A Emergência do Novo Paradigma Tecno-Econômico O novo paradigma das tecnologias da informação baseia-se em “um conjunto interligado de inovações em computação eletrônica, engenharia de software, sistemas de controle, circuitos integrados e telecomunicações, que reduziram drasticamente os custos de armazenamento, processamento, comunicação e disseminação de informação” (Lastres ; Ferraz, 1999, p. 33). O fator chave é o microprocessador, amplamente aplicável a novas técnicas, ao mesmo tempo em que apresenta um custo decrescente. O microprocessador − que nada mais é que os bilhões de transistores, semicondutores presentes em um único chip -- permitiu a instalação de capacidade de processamento de informações em todos os lugares, inaugurando uma acirrada disputa por alcançar possibilidades cada vez maiores 73
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de integração dos circuitos contidos em um chip, que foi ampliando não apenas sua capacidade de integração, mas sua capacidade de memória e sua velocidade. Os avanços da microeletrônica constituíram o que Castells denomina de “revolução dentro da revolução” (Castells, 1999, p. 61), permitindo que as suas aplicações nas atividades econômicas superassem alguns dos desafios da sociedade industrial de produção em massa com “a diminuição de tempos mortos, o controle e gerenciamento de informações e o aumento da variedade de insumos e produtos” (Lastres ; Ferraz, 1999, p.33). Os “tempos mortos” do “fordismo” associavam-se a períodos quando a produção não era possível diante da necessidade de matérias primas ou de deslocamentos de insumos dentro da própria fábrica, por exemplo, e incluía o desperdício de recursos decorrentes de falhas na linha de produção que comprometiam todas as operações subseqüentes. O “tempo morto”, portanto, decorria da rigidez das linhas de produção que dependiam de componentes e movimentos padronizados, inseridos em estruturas produtivas intensivas em capital fixo. Esta rigidez no processo é considerada um dos principais limitadores do crescimento do modelo fordista e foi confrontada com novos modelos de gestão da produção e de processos que emergiram principalmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, especialmente afetados pelo “milagre japonês”. Nos novos modelos de gestão, as técnicas de otimização de estoques e do tempo são aplicadas à produção no sentido de reduzir o tempo ocioso (kan-ban), combater a imobilização em estoques (just in time) e impor a automação flexível que, ao flexibilizar as linhas de produção, muda a relação causal entre máquinas e produção. Tais técnicas são potencializadas pela presença das novas tecnologias de informação que ampliam a capacidade de circulação de informação no ambiente organizacional das empresas, dando maior agilidade e flexibilidade às ações e à produção. Se no “fordismo”, as máquinas 74
definiam os produtos, no novo paradigma, o produto, pré definido (decidido ex ante), define as máquinas. Da mesma forma, enquanto no “fordismo” vende-se o que já foi produzido, no novo paradigma, produz-se o que já foi vendido. A objetivação da plena eficácia produtiva do gerenciamento da produção, acompanhada de processos administrativos flexíveis e processos de integração da produção e do consumo descrita nos parágrafos anteriores também é associada ao taylorismo. Para João Pissarra Esteves (2003, p. 178), na sua origem, o taylorismo não dependia de um suporte tecnológico, uma vez que se restringia a uma forma de organização e de processamento administrativo de ordem técnica. O autor contesta o pretenso papel “revolucionário” atribuído às novas tecnologias, afirmando que a questão tecnológica só adquire relevo “quando o taylorismo se projeta em plenitude como filosofia social e passa a visar processos sociais que estão além dos procedimentos do trabalho” (Esteves, 2003, 179). Esteves apresenta ainda uma alternativa de interpretação das alterações promovidas pelas tecnologias de informação: a idéia de que os processos de administração científica se estenderam do domínio da produção para o do consumo de forma que as alterações não se localizam mais, estritamente, na esfera da reprodução material da sociedade, mas sim na dimensão simbólica dos processos culturais. Na tentativa de se atingir um maior aperfeiçoamento do sistema produtivo, o taylorismo, que o autor entende como uma filosofia social, se desenvolveu na forma de uma doutrina empresarial que se apropriou das novas tecnologias, utilizandoas no sentido de obter um maior controle do processo de consumo, manipulando consumidores através de novas técnicas comunicacionais - marketing e publicidade – com um forte suporte tecnológico. Consideradas as reflexões de Esteves, poderse-ia incorporar o taylorismo, na qualidade de filosofia social, ao conjunto de características do novo paradigma tecno-econômico. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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De tal feita, uma decorrência possível dessa extensão da esfera de produção para a dimensão simbólica apontada por Esteves seria o fato de que no novo paradigma tecno-econômico há a exigência de maior complexidade para os conhecimentos requeridos, uma vez que não apenas as percepções “médias” (no sentido weberiano de consumidor ideal) sejam captadas, mas também os particularismos de cada “preferência”. Os novos conhecimentos e tecnologias utilizados pela sociedade são cada vez mais complexos também no sentido de exigirem a geração de novos conhecimentos – ou “necessidades” – de forma acelerada, assim como a difusão de inovações devem ocorrer em processos acelerados que reduzam velozmente os ciclos de vida, tanto dos processos quanto dos próprios produtos. Amplia-se a capacidade de codificação de conhecimentos e, portanto, há maior volume de informação disponível, circulando em velocidade cada vez maior. O conhecimento não codificável (denomidado tácito por autores neoschumpeterianos), porém, não circula com a mesma velocidade, ao mesmo tempo em que impõe a necessidade de investimentos cada vez maiores em treinamento e qualificação, organização e coordenação de processos com o objetivo de se preservar, ou criar, diferenciais competitivos suficientemente fortes para contrapor a tendência de pulverização do conhecimento codificável. O aprofundamento do nível necessário de conhecimentos tácitos torna a atividade inovativa ainda mais localizada, mais dependente das condições peculiares de cada unidade produtiva, de cada setor em seu ambiente competitivo específico, fazendo com que não apenas a forma de gestão e de organização empresarial se alterem, como também o próprio perfil exigido dos agentes econômicos. A qualificação da mão de obra passa a incluir critérios como o da amplitude e da flexibilidade, haja vista que a rigidez atribuída ao padrão fordista, associada a movimentos mecânicos, simples e facilmente Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
reproduzíveis pelas máquinas, é preterida em relação a uma maior integração dos departamentos, que exige maleabilidade da mão de obra e domínio técnico da máquina em níveis mais elevados. Enquanto a Revolução Industrial transferia a força humana para as máquinas, na “Revolução” das Tecnologias da Informação transferemse as habilidades humanas para softwares. O know how obriga-se a ser substituído pelo know why, exigindo que os trabalhadores mostrem-se polivalentes. Não apenas os funcionários da administração, mas também os trabalhadores do “chão de fábrica” devem ser capazes de conhecer e aplicar as técnicas em si, discernindo quando e por que fazê-lo, de forma que, no modelo de gestão do novo paradigma, a circulação e a acessibilidade às informações tornam-se vitais. As diferentes funções da empresa tornamse mais integradas e sua interligação com seus consumidores e fornecedores mais intensa, alterando-se os padrões de relacionamento entre empresas de setores diferentes e entre seus respectivos consumidores. Enquanto no “fordismo” a fábrica é o núcleo das decisões em relação ao produto, concentrando departamentos onde a decisão é hierarquizada, mas tomada no “ambiente” da fábrica, no novo paradigma os ambientes são ampliados para além dos limites físicos das paredes da unidade fabril e as decisões dependem da análise de um conjunto maior de relacionamentos, e de informações, extraídas de fornecedores, usuários, consumidores e concorrentes. A integração bem sucedida entre departamentos, empresas e setores definiriam “empresas redes” que se identificariam pela capacidade de gerar e processar informações, adaptando-se aos movimentos da economia global, sendo suficientemente flexíveis para transformar seus meios de produção e organização de forma tão rápida quanto a mudança necessária de objetivos frente a alterações culturais, tecnológicas e institucionais (Castells, 1999, PP 191-192). A lógica das redes, portanto, implica em uma lógica de movimento constante que vai além da flexibilização de processos e de 75
Mais informação, menos conhecimento: as contradições da presença de novas tecnologias de informação
organizações, o que constitui uma quarta característica do paradigma. A organização empresarial característica do novo paradigma, portanto, não é a da “fábrica”, ou sequer a idéia de “grande empresa” definida pela estrutura física de produção. A organização empresarial é formada por pequenas, médias e grandes unidades fabris, comerciais, financeiras, agências de publicidade e propaganda em um conjunto articulado de empresas autônomas que se encontram espalhadas pelo mundo, dividindo o trabalho de acordo com decisões tomadas em um centro, que mesmo juridicamente independente das demais unidades, comanda os movimentos dessas ao dominar as marcas e as tecnologias estratégicas de produtos e de processos. A organização empresarial é, portanto, marcada pela descentralização produtiva e centralização do conhecimento, notadamente o tácito, e tem sido denominada de “corporação rede” (Dantas, 1999). Entre os exemplos amplamentes citados estão o caso da Nike e da Bennetton que mesmo não possuindo grandes quantidades de fábricas próprias, strict sensu, encontram-se entre as líderes em seus setores. A produção em massa, padronizada, é substituída por uma produção não apenas mais flexível do ponto de vista da oferta, com estruturas menos intensivas em capital fixo, imobilizado, mas por produtos diversificados, assumindo-se a existência de um consumo variável, diferente do padrão fordista. Variabilidade não apenas no sentido de produtos diferentes, mas de um mesmo produto com especificidades tais que possam atender a um conjunto amplo e diverso de consumidores e de preferências, além de uma instabilidade também maior dos movimentos da demanda. A flexibilização permitida pelas novas tecnologias de informação facilitaram a produção de customerized goods1, sem que 1 Costumerized goods seriam bens diferenciados de acordo com as preferências dos consumidores. Um exemplo pode ser o caso de um automóvel que pode ser produzido de acordo com as especificações de um comprador individual, que envia ao fabricante suas exigências sobre o produto através de múltiplos padrões disponíveis em seus “sites” de venda. Note-se que os Costumerized goods tor-
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isso implicasse em elevação dos custos de materiais, pois a flexibilidade também significou uma maior possibilidade de se ajustar a novos movimentos do mercado, sendo possível reprogramar e reaparelhar a base material da organização sem que a inversão das regras incorra na destruição da mesma. Em termos práticos, estruturas produtivas mais “leves”, menos intensas em capital físico fixo, são mais facilmente deslocadas e a integração crescente entre departamentos, somada às facilidades de comunicação, permite grande mobilidade às empresas, ampliando as possibilidades de localização da produção de componentes e aquisição de insumos. Por outro lado, a flexibilização não elimina barreiras à entrada que agora são muito mais associadas ao conhecimento adquirido pela empresa. A barreira de custo de maquinário é substituída pela barreira constituída pelos necessários e elevados gastos em pesquisa e desenvolvimento, ou pela retenção de capital humano detentor de conhecimento tácito, não codificável, de forma que a concorrência mais intensa não significa, necessariamente, uma atomização da oferta. Segundo Castells (1999, p. 78-79), uma primeira característica do novo paradigma seria definido pelo papel assumido pela informação. Ainda segundo o autor, enquanto nas Revoluções Industriais, o conhecimento e a informação eram usados para agir sobre a tecnologia, no novo paradigma, as tecnologias são desenvolvidas para agir sobre a informação. A relevância cada vez maior da informação nos processos de produção e distribuição evidencia-se também no processo que os neo-schumpeterianos denominam de desmaterialização da produção. A desmaterialização seria uma tendência à diminuição da parte material de bens e serviços, tal como se verifica nos softwares, na capacidade de memória dos chips ou naram-se possíveis diante do elevado conteúdo informacional dos produtos em detrimento do conteúdo material. Em outras palavras, o trabalho humano na geração de um bem, no novo paradigma, concentra-se na concepção do bem, no seu desenho e no planejamento de sua produção, enquanto a produção material utiliza cada vez menos trabalhadores e mais máquinas, autonomizadas em relação à manipulação humana. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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nos computadores pessoais. A tendência à desmaterialização, na verdade, é uma tendência de valorização do produto pelo seu conteúdo informacional, o conteúdo de conhecimentos agregados a tais bens. Um automóvel tem cada vez mais “trabalho” humano na forma de design, planejamento, simulações de desempenho do que homens trabalhando no “chão de fábrica”. Ivan da Costa Marques (1999, p 200 ss) apresenta algumas evidências dessa desmaterialização. Na produção de equipamentos eletrônicos, as matériasprimas não representam mais de 3% do custo de produção. Cinqüenta quilos de fibras óticas suportam o mesmo número de conversações e cobrem as mesmas distâncias que uma tonelada de cobre, usando 50% menos energia. Para exemplificar a crescente importância do conteúdo informacional, o autor apresenta comparações entre o projeto do avião B-17 e o Boeing 777. O primeiro, quando projetado na década de 40 envolveu o esforço de 100 engenheiros. O segundo, projetado na década de 90 envolveu a participação de 5.600 engenheiros, espalhados em oito localidades diferentes. Segundo o mesmo autor, o Governo dos Estados Unidos e o Conselho Americano de Pesquisa Automotiva, formado por representantes da Chrysler, Ford e General Motors, associaram-se a Centros de Pesquisa e Universidades para executar um programa de criação de uma nova geração de veículos com o objetivo de reduzir o consumo de combustível, mantendo preços, conforto e qualidade. Esse processo de desmaterialização indica que mesmo quando há uma forma física associada aos bens, esta é de baixo valor. O “valor” que se perde em um bem não se associa à matéria, e sim ao conteúdo de conhecimentos agregados a tais bens. O consumismo é incentivado e incentivador de constantes mudanças no design, mais freqüentes que as mudanças nos materiais propriamente ditos. A tendência não se restringe aos produtos eletro-eletrônicos e envolve também bens de consumo duráveis, não duráveis assim como bens Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
da indústria tradicional. A desmaterialização apresenta-se também como uma característica que desafia os instrumentos tradicionais de interpretação da realidade econômica. Recorrentes são as análises que atribuem à atual fase capitalista a proeminência da financeirização e por essa via se estabeleça um movimento globalizador das sociedades. Financeirização essa que foi potencializada por novos dispositivos tecnológicos de informação. Estas análises são convergentes com as desenvolvidas neste artigo, porém, há uma questão distintiva, complementar ao problema da globalização, que se pretende salientar ao se evidenciar o efeito da desmaterialização. Os movimentos do capital financeiro apóiam-se em novas bases materiais, “seja do ponto de vista das redes de convergência tecnológica que lhe permitiram chegar a um novo patamar espaço-temporal, seja do ponto de vista do deslocamento para um novo regime de acumulação” (Cocco, 1999, p.263). Nesse novo regime, haveria uma concentração da concorrência intercapitalista e interestatal entre grandes blocos de poder de tal forma que a evolução da estrutura internacional do poder assume “a forma de grandes blocos de nações-sede de empresas transnacionais que dispõem de rico acervo de conhecimentos e de pessoal de capacitação” (Furtado, 1998, p. 38). No atual padrão de acumulação, o poder e a riqueza encontram-se muito mais associados à apropriação da informação e do conhecimento, que por sua vez tornamse elementos cada vez mais essenciais do processo de produção, “desmaterializando” a base da acumulação. Assim, a “riqueza” torna-se desmaterializada, no sentido de não ser mais mensurada por padrões materiais. O conceito de produtividade, por exemplo, tido como a quantidade de produto por hora de trabalho, deixa de fazer sentido, pois há um novo modo de ser da riqueza contemporânea. Esse novo modo de ser é essencialmente financeiro e a própria valorização financeira baseia-se em um regime de acumulação distinto. Essa dimensão financeira da riqueza altera as condições da valoração da 77
Mais informação, menos conhecimento: as contradições da presença de novas tecnologias de informação
informação e do conhecimento com impactos muito profundos sobre as condições de sociabilidade. Empresas como a Bennetton, por exemplo, divide o processo produtivo em três fases. Em uma primeira fase, poucas pessoas são empregadas para se dedicar a pesquisa de mercado, de cores e modelos, estabelecendo planejamento estratégico da empresa. Estas pessoas lidam diretamente com a informação, obtendo-a, processando-a, comunicando-a etc. Em uma segunda fase, a informação transmitida é transformada em tecidos, cores, modelos em fábricas automatizadas, onde a capacidade humana de transformação se restringe a apertar alguns botões que iniciam a objetivação, em um suporte de pano, da massa de informações da primeira fase. Enfim, numa terceira fase, normalmente localizada fisicamente em países onde o custo da mão de obra é mais baixo, a informação se materializa na forma de vestimentas. Quando este vestuário chega às lojas, o seu valor de troca mostra-se composto, majoritariamente, por valor informacional. Este tipo de processo de trabalho da Benetton se repete em muitas corporações rede e evidencia alguns traços da dinâmica capitalista no novo paradigma tecnoeconômico. Primeiro que o “valor” das mercadorias e dos serviços está cada vez mais associado ao seu conteúdo informacional e menos associado à sua base material. Enquanto o valor, no sentido marxista do termo, é extraído de trabalhadores espalhados pelo mundo inteiro, a apropriação do valor encontra-se circunscrita aos centros de decisão onde a informação é gerada. Os centros de decisão, por sua vez, encontram-se circunscritos a um grupo de capitalistas geograficamente localizado no que Chesnais (1996) denomina de “tríade”, formada pelos Estados Unidos, União Européia e Japão, que exercem seu poder de domínio sobre regiões periféricas a eles, através do controle dos principais fluxos de investimento, comércio e finanças. As características decorrentes de processos de trabalho, conforme exemplificado acima, ampliam as dificuldades de organização 78
dos trabalhadores, alteram os pressupostos de atuação do Estado além de alterar os padrões de relacionamento entre pessoas e povos, estabelecendo novos desafios ao desenvolvimento, principalmente àquelas sociedades que seguiram à margem do processo. Nesse sentido, evidencia-se a penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias que, baseadas na informação e no conhecimento e inseridas num padrão específico de acumulação de capital, têm a capacidade de interferir por todas as dimensões da atividade humana. A “crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado”, segundo Castells (1999, p. 79), constituiria outra das características do novo paradigma tecno-econômico. Esta característica permite mais inferências quanto à forma de concentração do poder econômico pelas empresas. Enquanto nas Revoluções Industriais, o domínio de um sistema tecnológico implicava em maior poder de mercado, no novo paradigma, passa a ser condição de sobrevivência e o poder dependente mais da capacidade de combinar diversos sistemas e integrá-los. Em outras palavras, o poder de mercado depende muito mais do conhecimento tácito em relação às novas tecnologias, do que da simples aquisição do conhecimento, evidenciandose uma contradição da economia baseada na informação e no conhecimento: a ampliação do conhecimento codificável, informação, acompanhada da restrição ao conhecimento, principalmente tácito, estabelecendo-se um processo em que à maior oferta de informações, segue-se uma maior restrição ao conhecimento. Para reforçar a idéia de dificuldade de acesso ao conhecimento, bastam algumas reflexões sobre a educação. O nível educacional de um país não afeta apenas a capacidade de oferta interna de serviços técnicos, mas condiciona também a capacidade de difusão das novas tecnologias no que se refere à capacidade de utilização das mesmas Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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pelos usuários. Mesmo para os modelos conservadores de crescimento exógeno, discutidos exaustivamente por economistas do mainstream, o progresso tecnológico é vital para o crescimento e as tentativas de endogeneização da tecnologia, apesar dos seus limites, destacam a importância do “estoque” de idéias para ampliar a capacidade de crescimento. Uma adaptação à nova dinâmica do conhecimento exigiria investimentos maiores em educação e em pesquisa e desenvolvimento, que, no entanto, têm sido postergados por sucessivos governos brasileiros diante das urgências de equilíbrio das contas públicas. Neste novo paradigma tecno-econômico da atual fase de acumulação capitalista se amplia uma tendência concentradora dos benefícios do processo de desenvolvimento, elevaram-se os patamares de qualificação de empresas, governos e trabalhadores tornando ainda mais urgentes reconstruções teóricas, e práticas, do desenvolvimento.
4.
Considerações Finais
Tal como ocorrera com as revoluções industriais do século XVIII e XIX, a revolução tecnológica que caracteriza o novo paradigma da década de 70 mostrou-se dependente do conhecimento científico acumulado e de condições que permitissem sinergia entre sistemas de produção e distribuição. As possibilidades e as formas de interação entre a tecnologia e a sociedade, porém, são muito diferentes se comparadas às anteriores. O contexto histórico específico da revolução das tecnologias de informação é marcado pelas transformações na dinâmica de acumulação de capital, iniciadas em fins do século XIX, que imprimem ao capitalismo do século XX um caráter monopolista, delineando uma nova fase do capitalismo. Isso implica em dizer que as novas tecnologias, apesar do aparente “voluntarismo”, emergem na sociedade já carregadas por uma tendência de concentração. A correlação entre informação, conhecimento e desenvolvimento se reforça em um processo que aparentemente amplia Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
as possibilidades de evolução das sociedades pelo acesso aos mais distantes rincões do planeta, mas que na verdade reforça a concentração do poder econômico, político e simbólico nas mãos daqueles que detêm a capacidade de geração de conhecimento e de inovações. O mundo do século XXI continua tão vasto e pequeno como o mundo do século XVIII. Vasto pela possibilidade de alcance do capital aos diversos mercados mundiais. Pequeno porque os benefícios são ainda restritos a uma elite cada vez mais reduzida. O paradigma tecno-econômico das tecnologias da informação, ao se sustentar em um novo padrão de acumulação de capital, permite novas formas de apropriação do valor gerado e, portanto, novas formas de riqueza. Riqueza não mais associada à materialidade dos bens, mas associada progressivamente ao conteúdo informacional de bens e serviços, ampliando a descentralização produtiva e a centralização no conhecimento que, ao contrário de gerar maior bem estar à humanidade, concentra a riqueza e amplia a massa de excluídos.
5. Referências Bibliográficas CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CHESNAIS, François. A mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996. COCCO, Giuseppe. “A nova qualidade do trabalho na Era da Informação” in LASTRES, H. M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, pp 262-289. DANTAS, Marcos. “Capitalismo na Era das Redes: Trabalho, Informação e Valor no Ciclo da Comunicação Produtiva” in LASTRES, H. M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 216-261. DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. p. 263. [Publicado originalmente em 1963] ESTEVES, João Pissarra. A ética da comunicação e os media modernos. Legitimidade e poder nas sociedades complexas. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenkian, 2003. FREEMAN, Christopher. The economics of industrial innovation. Londres: Pinter, 1982. FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra. 1998. 79
Mais informação, menos conhecimento: as contradições da presença de novas tecnologias de informação
HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984 HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções. Lisboa: Editorial Presença, 1986. [Publicado originalmente em 1962] HOBSBAWM, Eric J. En torno a los origenes de la revolución industrial. Madrid: Siglo XXI, 1980. 114p. HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 17891848. Lisboa: Editorial Presença, 1986. [Publicado originalmente em 1962] LASTRES, Helena Maria Martins ; FERRAZ, João Carlos. “Economia da Informação, do Conhecimento e do Aprendizado”. in LASTRES, H. M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, pp.37-57. MARQUES, Ivan da Costa. “Desmaterialização e trabalho” in LASTRES, H. M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, pp.191-216. PRADO JR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,1995. [Publicado originalmente em 1942] SODRÉ, Muniz Reinventando a Cultura. Petrópolis: Vozes, 2002. TIGRE, Paulo Bastos. “Comércio Eletrônico e Globalização: desafios para o Brasil” in LASTRES, H. M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999, pp 84-104.
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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
AS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E O FINANCIAMENTO BANCÁRIO MICRO, SMALL AND MEDIUM-SIZED ENTERPRISES AND BANKING FINANCE RESUMO
Elizabeth Krauter Doutora em Administração – FEA/USP Professora Doutora do Departamento de Administração da FEA-RP/USP ekrauter@usp.br
Almir Ferreira de Sousa Doutor em Administração – FEA/USP Professor Associado do Departamento de Administração da FEA/USP abrolhos@usp.br
As micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) têm um papel de destaque no desenvolvimento e na economia do Brasil. Apesar de sua importância, existe uma carência de estudos sobre o segmento. O objetivo desta pesquisa foi investigar as questões relativas à obtenção de financiamento bancário pelas MPMEs. A amostra não probabilística é formada por 359 empresas localizadas no estado de São Paulo e cadastradas no DEMPI (Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria) da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). O instrumento de coleta de dados foi um questionário com perguntas fechadas enviado por e-mail ao proprietário da empresa. Os resultados apontaram que: a) 90,1% das empresas que solicitaram financiamento tiveram seu pedido aprovado, sendo que 57,6% conseguiram receber o valor total solicitado; b) mais da metade das empresas solicitou financiamento para capital de giro associado a investimento fixo; c) em relação ao porte, as microempresas solicitaram mais financiamento para capital de giro, as pequenas empresas solicitaram mais financiamento para capital de giro associado a investimento fixo e as médias empresas solicitaram mais financiamento para investimento; d) os respondentes apresentaram baixo conhecimento dos fundos garantidores de crédito. Palavras-chave: pequenas empresas; financiamento bancário; fundos garantidores de crédito.
Dariane Reis Fraga Doutoranda em Administração – FEA/USP Professora do ProCED/FIA dariane.fraga@usp.br
Universidade Federal do ABC Avenida dos Estados, 5001 Bairro Bangu, Santo André - SP. CEP 09210-580 E-mail: inovacao@ufabc.edu.br Coordenação Agência de Inovação InovaUFABC
ABSTRACT Micro, small and medium-sized enterprises (SMEs) have a prominent role in the development and economy of Brazil. Despite its importance, there is a lack of studies on the segment. The objective of this research was to investigate the issues related to obtaining bank financing for SMEs. The non-probabilistic sample consists of 359 companies in the state of São Paulo and registered in DEMPI (Department of Micro, Small and Medium-Sized Industry) of FIESP (Federation of Industries of the State of São Paulo). The data collection instrument was a questionnaire with closed questions sent by e-mail to the owner of the company. The results showed that: a) 90.1% of the companies requesting bank financing had their application approved, and 50.6% were able to receive the full amount requested; b) more than half of the companies requested bank financing for working capital associated with fixed investment; c) with respect to the size, micro-sized enterprises requested more funding for working capital, small businesses requested more funding for working capital associated with fixed investment and medium-sized enterprises requested more funding for investment; d) the respondents had low knowledge of the credit guarantee funds. Keywords: small business; bank financing; credit guarantee funds.
Classificação JEL / JEL Classification: G30 Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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As micro, pequenas e médias empresas e o financiamento bancário
1.
Introdução
As micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) têm um papel importante no desenvolvimento e na economia do Brasil. Elas são responsáveis pela produção de grande parte do total de bens e serviços e pelo emprego de grande contingente de mão de obra com diversos níveis de qualificação, além de contribuírem com a arrecadação de impostos e estimularem a inovação e a competição. No entanto, a taxa de mortalidade das MPMEs ainda é elevada, embora se observe tendência de queda na taxa de fechamento de empresas (Sebrae, 2013). Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) a taxa de mortalidade de empresas com até dois anos caiu de 26,4% (nascidas em 2005) para 24,4% (nascidas em 2007) (Sebrae, 2013). A dificuldade de obter financiamento é sempre citada como uma das razões para o fechamento das empresas (Machado; Espina, 2007; Sebrae, 2007; Zica; Martins, 2008). Segundo Zica e Martins (2010), as MPMEs têm encontrado muitas dificuldades para obter financiamento, seja em instituição financeira pública ou privada. Para estimular o empreendedorismo e a sustentabilidade das MPMEs, o governo brasileiro adotou diversas medidas. Em 2013, por exemplo, o segmento das MPMEs recebeu recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no montante de R$63,5 bilhões, crescimento de 26,8% em relação ao ano anterior (Gandra, 2014). Apesar disso, as MPMEs ainda enfrentam muitas dificuldades para obter financiamento bancário (MDIC, 2013). O objetivo deste estudo foi investigar
as questões relativas à obtenção de financiamento bancário pelas MPMEs. Assim, o trabalho levantou: a) as operações de financiamento mais utilizadas pelas MPMEs; b) as principais razões apontadas pelas instituições financeiras para não conceder financiamento às MPMEs; c) a finalidade das operações de financiamento; d) o conhecimento dos proprietários de MPMEs sobre os fundos garantidores de crédito. A pesquisa estudou as MPMEs localizadas no estado de São Paulo, inscritas no cadastro do DEMPI (Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria) da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Apesar da relevância das MPMEs para a economia e a geração de empregos, existe uma carência de estudos e pesquisas sobre o segmento no Brasil. Não foram encontradas pesquisas acadêmicas que estudaram as MPMEs com a mesma abordagem do presente estudo. O Sebrae (2015a) reconhece que um dos maiores problemas nos estudos sobre MPMEs é a escassez de informações e de estatísticas atualizadas, o que ocasiona uma lacuna de conhecimento. O presente estudo contribui para diminuir essa lacuna ao ampliar o conhecimento sobre o tema.
2.
Referencial Teórico
2.1. Definição de Micro, Pequena e Média Empresa Não existe um critério único para definir o porte das empresas (Lima, 2001). As classificações variam de país para país e de acordo com as políticas de apoio e promoção (Souza; Mazzali, 2008). Os critérios quantitativos mais utilizados para
Tabela 01 – Porte segundo a classificação do Sebrae
PORTE Microempresa Pequena Empresa Média Empresa Grande Empresa
ATIVIDADE ECONÔMICA Indústria Comércio e Serviços Até 19 pessoas ocupadas Até 09 pessoas ocupadas De 20 a 99 pessoas ocupadas De 10 a 49 pessoas ocupadas De 100 a 499 pessoas ocupadas De 50 a 99 pessoas ocupadas Acima de 500 pessoas ocupadas Acima de 100 pessoas ocupadas
Fonte: Sebrae (2015a).
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Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
definir o porte das empresas são número de empregados, receita operacional bruta anual e faturamento bruto anual. No Brasil, as classificações variam dependendo do órgão/ entidade. O Sebrae define o porte em função do número de pessoas ocupadas e do setor de atividade econômica (Tabela 01). 2.2. Importâncias das Micro, Pequenas e Médias Empresas Em 2013, na maioria dos países, as grandes empresas não representavam mais de 5% do total de empresas existentes (London, 2013). O relatório anual elaborado pela European Comission (Annual Report on European Smes 2013/2014, 2014) aponta o importante papel que as MPMEs tiveram na recuperação da economia dos 28 países da União Europeia (UE). Em 2013, elas representavam 99,8% do total de 21,2 milhões de empresas não financeiras; empregavam 88,8 milhões de pessoas (66,9% do total de empregos) e representavam 58,1% do PIB (Tabela 02).
2.3. O Financiamento nas Micro, Pequenas e Médias Empresas A decisão de financiamento é uma das três decisões financeiras que o empresário precisa tomar para atingir o objetivo de maximizar o valor da empresa. As outras duas são: decisão de investimento e decisão de alocação do resultado líquido. A empresa pode utilizar capital próprio e capital de terceiros para financiar suas atividades. O capital próprio é formado por recursos dos proprietários. Já o capital de terceiros é formado por recursos financeiros onerosos, como as linhas de crédito bancárias, e por recursos financeiros não onerosos, como o pagamento de fornecedores a prazo (Lemes Júnior; Pisa, 2010). Muitas pesquisas mostram que os empréstimos bancários são a fonte de financiamento mais utilizada pelas MPMEs (MDIC, 2013). No Brasil, as linhas de crédito bancárias podem ser classificadas, segundo a origem, em crédito direcionado e crédito livre.
Tabela 02 – Nº de empresas, nº de empregos, participação no PIB das MPMEs na UE em 2013
PORTE Microempresa Pequena Empresa Média Empresa MPMEs Grande Empresa Total
Nº DE EMPRESAS (%) 92,4 6,4 1,0 99,8 0,2 100,0
Nº DE EMPREGOS (%) 29,1 20,6 17,2 66,9 33,1 100,0
PIB (%) 21,6 18,2 18,3 58,1 41,9 100,0
Fonte: Annual report on European SMEs 2013/2014 (2014: 15).
Em 2013 no Brasil, o universo das MPMEs representava 99% do total de empresas do país. O segmento foi responsável pela geração de cerca de 67% dos empregos formais, por 59,3% da massa salarial e por 27% do PIB (Sebrae, 2015a) (Tabela 03).
No caso dos recursos livres, as taxas de juros, os prazos e as garantias são determinadas pelo mercado. Os recursos são de fontes privadas e são constituídos de linhas de crédito em bancos privados e públicos. São exemplos, as contas garantidas e o desconto de duplicatas.
Tabela 03 – Nº de empresas e distribuição de empregos por porte no Brasil em 2013
PORTE Microempresa Pequena Empresa Média Empresa MPMEs Grande empresa Total
Nª DE EMPRESAS (%) 92,8 6,2 0,6 99,6 0,4 100,0
Nº DE EMPREGOS (%) 23,5 28,6 15,4 67,5 32,5 100,0
Fonte: Adaptado de Sebrae (2015b: 49 e 181). Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
83
As micro, pequenas e médias empresas e o financiamento bancário
Já nos recursos direcionados, encontram-se os empréstimos do BNDES. Esses créditos têm sua aplicação definida nos programas de crédito de fomento (Banco Central do Brasil, 2013). Quanto à finalidade, os empréstimos bancários podem ser destinados a: capital de giro, investimento fixo e capital de giro associado a um investimento fixo (BNDES, 2015). Dentre as alternativas de financiamento de curto prazo, disponíveis no mercado, podem ser citadas as seguintes: contas garantidas, antecipação de recebíveis, crédito rotativo, vendor, compror (Ross et al., 2013). Para financiamento de longo prazo, as MPMEs contam com os recursos do BNDES. São exemplos: BNDES Automático para projetos de investimento, BNDES Finame para financiamento de máquinas, equipamentos e bens de informática (Bndes, 2015). A proporção de MPMEs que tomou empréstimo em banco cresceu nos últimos anos, passando de 10% em 2009 para 24% em 2014 (Sebrae, 2014b). No entanto, essas empresas enfrentam muitas dificuldades para obter financiamento, seja em instituições financeiras públicas ou privadas (Zica; Martins, 2010). O Sebrae (2014a) realizou uma pesquisa com o objetivo de avaliar as principais características do universo dos pequenos negócios no Brasil, quanto à questão do seu financiamento. A amostra era formada por 5.341 empresas, de todos os estados do Brasil. Quanto ao porte, a amostra era composta por microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, dos setores: indústria, comércio, serviços e construção. O período de coleta de dados foi de julho a outubro de 2013. Os resultados mostraram que, das empresas que solicitaram financiamento bancário, 83% conseguiram realizar a operação e 17% tiveram seu pedido negado. As principais razões apontadas pelos bancos para negar o financiamento foram: saldo médio insuficiente com 14% e insuficiência de garantias reais com 13%. Pesquisa mais recente realizada pelo Sebrae (2014b) com o mesmo objetivo de avaliar as 84
principais características do universo dos pequenos negócios no Brasil, quanto à questão do seu financiamento, contou com uma amostra de 1.500 empresas, de todas as regiões do Brasil, dos setores: indústria, comércio e serviços. Quanto ao porte, as empresas da amostra englobavam microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. As entrevistas foram realizadas por telefone no período de agosto a setembro de 2014. A pesquisa revelou que, das empresas que solicitaram financiamento bancário, 28% tiveram seu pedido negado. As principais razões apontadas pelos bancos para não conceder o financiamento foram: conta corrente (ou empresa) muito nova com 11% e registro da empresa no Cadin/Serasa com 10%. 2.4. Fundos Garantidores de crédito A baixa qualidade das informações disponibilizadas pelas MPMEs e as metodologias de análise de crédito utilizadas pelas instituições financeiras, que não são adequadas às peculiaridades das MPMEs, acabam criando barreiras de acesso ao crédito pelo segmento (Mdic, 2013). Para compensar o risco percebido, as instituições financeiras exigem garantias para conceder empréstimos. A insuficiência de garantias é apontada como a principal restrição para a concessão de empréstimos para as MPMEs (Stiglitz; Weiss, 1981; Carvalho, Abramovay, 2004; Morais, 2008; Sebrae, 2009); Para tentar minimizar esse problema, foram criados os fundos garantidores de crédito. Eles são uma alternativa para as MPMEs que não possuem garantias reais suficientes para serem utilizadas nas operações de crédito (CNI, 2010). A utilização dos fundos aumenta a chance de as empresas terem seus financiamentos aprovados (CNI, 2000). Os quatro principais fundos são: Fundo de Aval, Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas, Fundo Garantidor de Investimentos e Fundo de Garantia de Operações. O Fundo de Aval (FDA) é um fundo operado pela Desenvolve SP e conta com recursos do Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
Tesouro do Estado de São Paulo. Aplica-se a todas as linhas de financiamento exceto para operações de capital de giro. Já o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (FAMPE) é um fundo do Sebrae e tem a finalidade exclusiva de complementar as garantias exigidas pelas instituições financeiras (Desenvolve SP, 2014). O Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) é um fundo administrado pelo BNDES e oferece garantias às linhas de crédito oferecidas pelo BNDES (Cni, 2010). O Fundo de Garantia de Operações (FGO) é um fundo administrado pelo Banco do Brasil e oferece garantias às linhas de crédito de capital de giro e investimento (Cni, 2010).
3.
Metodologia
Segundo Kerlinger (1980: 321), a pesquisa “é dirigida para a solução de problemas práticos especificados em áreas delineadas e da qual se espera melhoria ou progresso de algum processo ou atividade, ou o alcance de metas práticas”. Esta pesquisa classifica-se como exploratória, descritiva, de campo e bibliográfica. Segundo Vergara (2006), a pesquisa é exploratória quando há pouco conhecimento acumulado sobre o tema. É descritiva quando tem como objetivo descrever as características de determinada população. É de campo quando faz uma investigação empírica e é bibliográfica quando faz uso de material publicado em livros, revistas, internet, etc. A fim de atingir o objetivo proposto, utilizouse o método quantitativo. O universo da pesquisa é formado pelas MPMEs localizadas
no estado de São Paulo. A amostragem não probabilística foi adotada. Dentre os tipos de amostragem não probabilística foi utilizada a amostragem por acessibilidade, em que a seleção dos elementos é feita pela facilidade de acesso a eles. A amostra é formada por 359 empresas inscritas no cadastro do DEMPI da FIESP. Para classificação do porte foi utilizado o critério do Sebrae, pois é o critério mais utilizado em pesquisas (Morais, 2008). A coleta de dados foi realizada em setembro de 2013. O instrumento de coleta de dados foi um questionário com perguntas fechadas, enviado por e-mail ao proprietário das MPMEs. Utilizou-se a estatística descritiva para organizar, resumir e apresentar os dados (Stevenson, 1981). O questionário estava dividido em três blocos. O primeiro caracterizava o respondente, com perguntas sobre cargo e escolaridade. O segundo bloco caracterizava a empresa com perguntas sobre localização, setor de atividade econômica e porte. O terceiro levantava informações sobre as operações de financiamento das empresas, com perguntas sobre as solicitações de financiamentos bancários no momento da pesquisa; a finalidade desses financiamentos; as operações de financiamento mais utilizadas; e o conhecimento dos respondentes sobre os fundos garantidores de crédito.
4.
Análise dos Resultados
O primeiro bloco do questionário procurava caracterizar o respondente. Quanto ao cargo, 255 (71%) eram sócios da empresa e 302 (84,1%) tinham cargo de direção. Quanto à escolaridade, 306 (85,2%) tinham graduação
Tabela 04 – Porte e setor de atividade econômica das empresas da amostra
ATIVIDADE ECONÔMICA PORTE
Indústria
Comércio
Serviços
Total
n
%
n
%
n
%
n
%
Microempresa
102
44,9
26
57,8
48
55,2
176
49,0
Pequena Empresa
93
41,0
16
35,6
20
23,0
129
35,9
Média Empresa
32
14,1
3
6,6
19
21,8
54
15,1
Total
227
100,0
45
100,0
87
100,0
359
100,0
Fonte: Própria. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
85
As micro, pequenas e médias empresas e o financiamento bancário
Tabela 05 – Percentual contratado em relação ao valor solicitado
PERCENTUAL CONTRATADO
n
%
20%
11
12,0
40%
24
26,1
60%
36
39,1
80%
21
22,8
Total
92
100,0
Fonte: Própria.
ou pós-graduação. O segundo bloco caracterizava a empresa. Quanto à localização, 170 estavam localizadas na cidade de São Paulo. A Tabela 04 apresenta o porte das empresas, segundo o critério de classificação do Sebrae. A maioria (63,2%) é do setor indústria, 24,2% do setor de serviços e 12,5% do comércio. Cerca de 85% da amostra é formada por microempresas e pequenas empresas. O terceiro bloco do questionário tinha como objetivo levantar informações sobre as operações de financiamento das empresas. Conforme a Figura 01, 283 empresas tinham solicitado financiamento bancário na época da realização da pesquisa. Essas solicitações foram feitas a bancos privados (54,6%) e a bancos públicos (45,4%). Das 283 empresas, 255 conseguiram realizar a operação, mas apenas 163 conseguiram receber o valor total solicitado. As demais 92 empresas conseguiram receber apenas parte do valor solicitado. A porcentagem de empresas que solicitou financiamento bancário e teve seu pedido aprovado – sem considerar se conseguiu o valor total ou parte do valor solicitado – foi de 90,1%, maior que a porcentagem de 83%
da pesquisa do Sebrae (2014a). Figura 01 – Empresas da amostra que solicitaram financiamento bancário
Fonte: Própria.
Das empresas que conseguiram receber parte do valor solicitado, 22,8% receberam 80% do valor, 39,1% receberam 60% do valor e 26,1% receberam 40% do valor (Tabela 05). Foi solicitado a essas empresas que não conseguiram receber o valor total solicitado, que indicassem as razões apontadas pelos bancos para não conceder o financiamento no valor solicitado. As duas principais razões foram: saldo médio insuficiente (25,9%) e garantias reais insuficientes (19,3%). A pesquisa realizada pelo Sebrae (2014a) apontou as mesmas razões para a não concessão de financiamento pelos bancos. A Tabela 06 mostra a finalidade da
Tabela 06 – Finalidade da operação de financiamento
FINALIDADE
n
%
Capital de giro
77
27,2
Investimento
62
21,9
Capital de giro associado a investimento
144
50,9
Total
283
100,0
Fonte: Própria.
86
Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
operação de financiamento. Mais da metade das empresas da amostra (50,9%) solicitou financiamento para capital de giro associado a investimento fixo. Em segundo lugar ficou o financiamento para capital de giro e em terceiro lugar, o financiamento
capital de giro (22%), financiamento de máquinas, equipamentos e softwares (17,8%) e financiamento de veículos (14,8%). Chama a atenção o fato de algumas empresas contratarem operações de curto prazo para financiar investimentos
Tabela 07 – Operações de financiamento vs finalidade do financiamento
FINALIDADE Capital de giro Investimento % n % n 155 15,4 112 14,3 120 11,9 86 11,0 138 13,7 83 10,6 40 4,0 29 3,7 58 5,8 39 5,0 246 24,5 172 22,0 129 12,8 116 14,8 111 11,0 139 17,8 9 0,9 7 0,8 1006 100,0 783 100,0
OPERAÇÕES DE FINANCIAMENTO Cheque especial Conta garantida Desconto de duplicatas Cartão de crédito Desconto de cheques Capital de giro (até 24 meses) Financiamento de veículos Financiamento de máquinas, equipamentos e softwares Antecipação de contrato de câmbio (ACC) exportação Total Obs.: O respondente podia assinalar mais de uma alternativa. Fonte: Própria.
para novos investimentos. Quanto às várias modalidades de operações de financiamento disponíveis às MPMEs, quando a finalidade era capital de giro, as operações mais realizadas foram: empréstimo para capital de giro (24,5%), cheque especial (15,4%) e desconto de duplicatas (13,7%) (Tabela 07). Na pesquisa realizada pelo Sebrae (2014a), o cheque especial também apareceu em segundo lugar, porém com uma frequência de uso bem maior. O cheque especial é uma modalidade de financiamento mais cara que o empréstimo bancário. Sua utilização pelas MPMEs sugere dificuldade de acesso a modalidades de financiamento com taxas de juros mais baixas. Quando a finalidade era financiamento para investimento, as operações que mais se destacaram foram: empréstimo para
de longo prazo e outras contratarem operações de longo prazo para financiar capital de giro. Esse comportamento precisa ser melhor investigado. Das 283 empresas que solicitaram financiamento bancário, a Tabela 08 apresenta o porte e a finalidade do financiamento. As microempresas solicitaram mais financiamento para capital de giro. Já as pequenas empresas solicitaram mais financiamento para capital de giro associado a investimento. E as médias empresas solicitaram mais financiamento para novos investimentos. Como a insuficiência de garantias é uma das principais razões para a não obtenção de financiamento pelas micro, pequenas e médias empresas, procurou-se verificar o conhecimento dos respondentes sobre
Tabela 08 – Porte da empresa vs finalidade do financiamento
FINALIDADE
PORTE Microempresa Pequena Empresa Média Empresa Total
Capital de giro n % 49 63,6 19 24,7 9 11,7 77 100,0
Investimento n % 26 41,9 20 32,3 16 25,8 62 100,0
Capital de giro associado a investimento n 55 71 18 144
% 38,2 49,3 12,5 100,0
Obs.: O respondente podia assinalar mais de uma alternativa. Fonte: Própria. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
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As micro, pequenas e médias empresas e o financiamento bancário
os quatro principais fundos garantidores: FGO, FDA, FGI e FAMPE. Os respondentes de 284 empresas (79,1%) declararam não conhecer os fundos. Dos 75 respondentes que afirmaram conhecer os fundos, o FGO é o mais conhecido e o FAMPE, o menos
“saldo médio insuficiente” e “garantias reais insuficientes”. A literatura aponta que a insuficiência de garantias reais é a maior barreira à concessão de financiamento bancário para as MPMEs. Para tentar minimizar esse problema, foram criados
Tabela 09 – Conhecimento dos respondentes sobre os fundos garantidores
FUNDO GARANTIDOR
n
%
FGO – Fundo Garantidor de Operações
51
37,2
FDA – Fundo de Aval
34
24,8
FGI – Fundo Garantidor de Investimentos
34
24,8
FAMPE – Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas
18
13,2
Total
137
100,0
Obs.: O respondente podia assinalar mais de uma alternativa. Fonte: Própria.
conhecido (Tabela 09). O conhecimento dos fundos garantidores por parte do micro, pequenos e médios empresários é muito baixo. As instituições responsáveis pela administração dos fundos precisam rever suas estratégias de divulgação. Elas não estão atingindo seu público-alvo. Diversas análises complementares foram realizadas, cruzando as respostas com cargo e escolaridade dos respondentes, setor e porte das empresas. Não foram encontradas associações.
5.
Considerações Finais
O objetivo desta pesquisa foi investigar as questões relativas à obtenção de financiamento bancário pelas micro, pequenas e médias empresas. A estatística descritiva indicou que 71% dos respondentes eram sócios das empresas e 85,2% tinham curso superior. A maioria das empresas está localizada na cidade de São Paulo e é do setor indústria. Por volta de 85% da amostra é formada por microempresas e pequenas empresas. Duzentas e oitenta e três empresas tinham solicitado financiamento bancário na época da pesquisa. Cerca de 90% dessas empresas tiveram seu pedido de financiamento aprovado, mas apenas 57,6% conseguiu o valor total solicitado. As principais razões apontadas pelos bancos para não conceder o financiamento no valor solicitado foram: 88
os fundos garantidores de crédito. A pesquisa mostrou que o conhecimento desses fundos por parte dos respondentes é muito baixo e sugere deficiências na veiculação de informações por parte das instituições responsáveis pela administração desses fundos. Essas instituições não estão conseguindo atingir os empresários de micro, pequenas e médias empresas. As ações precisam ser revistas. As operações mais realizadas quando a finalidade era capital de giro foram: empréstimo para capital de giro, cheque especial e desconto de duplicatas. Quando a finalidade era investimento, as operações mais realizadas foram: empréstimo para capital de giro, financiamento de máquinas, equipamentos e softwares e financiamento de veículos. A utilização de cheque especial, uma modalidade de financiamento mais cara, sugere dificuldade de acesso a outras modalidades de financiamento mais baratas. A utilização de empréstimos para capital de giro para financiar investimento e financiamentos de longo prazo para financiar capital de giro precisam ser melhor investigados. As instituições financeiras utilizam os mesmos parâmetros de avaliação para conceder crédito às MPMEs e às grandes empresas. O segmento das MPMEs tem suas peculiaridades, que deveriam ser consideradas pelas instituições financeiras. Parâmetros diferentes poderiam ser utilizados na Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação
Elizabeth Krauter, Almir Ferreira de Sousa e Dariane Reis Fraga
avaliação de crédito das MPMEs. A pesquisa apresenta algumas limitações. O método de amostragem empregado para selecionar as empresas da amostra é não probabilístico. Assim, não é possível generalizar os resultados encontrados para a população. O fato de o questionário da pesquisa ter sido preenchido pelo próprio respondente também é uma limitação. Este estudo levantou um conjunto de informações sobre a questão da obtenção de financiamento bancário pelas MPMEs que poderão servir de base para a realização de outras pesquisas, ampliando o conhecimento existente sobre o segmento.
6.
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empresas 89
As micro, pequenas e médias empresas e o financiamento bancário
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