prêmio energisa de artes visuais

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Ministério da Cultura apresenta

edital de ocupação | residência artística | 2011.2014


2 Homenagem do Prêmio Energisa de Artes Visuais ao artista paraibano Braz Marinho (Sousa, 1961 – Recife, 2013)

Braz Marinho por Roberto Ploeg


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edital de ocupação. residência artística. 2011-2014

João Pessoa, Paraíba

2015


4 Energisa Paraíba Diretor-Presidente | André Theobald Assessora de Marketing, Comunicação e Cultura | Marina Rievers Fundação Ormeo Junqueira Botelho Presidente | Mônica Pérez Botelho Prêmio Energisa de Artes Visuais Produção | 2OU4 Coordenação | Cleide Barros | Dyógenes Chaves Coordenação técnica | Dyógenes Chaves Secretaria | Fábio Queiroz | Margarete Aurélio | Rogério Maurício Monitoria | Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues Assessoria de imprensa | AMCC Energisa | Fábio Queiroz | William Costa Programação visual | 2OU4 | Dyógenes Chaves Fotografia | Adriano Franco Arquitetura de Montagem | Dyógenes Chaves Montagem | Elizon Rodrigues | Joab Raiff | Joálisson Cunha | Marcos Aurélio da Silva | Margarete Aurélio | Rinaldo Nunes Marcenaria | Pedro Juvino Webdesigner | Café Dias Impressão offset | Gráfica JB Ltda.

Ficha catalográ ca elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

P925

Prêmio Energisa de Artes Visuais: edital de ocupação, residência artística, 2011-2014 / Dyógenes Chaves Gomes (Org.). – João Pessoa: 2OU4, 2015. 60p. : il. ISBN: 978-85-66615-03-6 1. Artes plásticas. 2. Artes visuais. 3. Salão de arte. 4. Arte brasileira - Século XXI. Gomes, Dyógenes Chaves CDU: 73

produção

patrocínio

realização


5 A arte se espalha. Ou se revela. Por vezes é necessário dizer que, também fora do eixo Rio-São Paulo, há inúmeras manifestações artísticas de qualidade, organizadas e promovidas em diversos rincões do país. Para nós, da Energisa Paraíba - Distribuidora de Energia S.A., sem falsa modéstia, o Prêmio Energisa de Artes Visuais, ocorrido entre 2011 e 2014 na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, se insere entre os eventos que mais se destacaram no segmento das artes visuais em nossa região, notadamente, nesse período. Na verdade, este Prêmio Energisa foi concebido com o objetivo de dar continuidade a uma discussão moderna que se desenrola em várias instâncias, de caráter público e privado, sobre esta fórmula de ação no sistema das artes visuais – o Salão de Arte – e que tem envolvido estudiosos, artistas, instituições o ciais e privadas em diversas ações abertas pelo país. E, de fato, em duas ocasiões anteriores, no início dos anos 2000, já havíamos emprestado patrocínio nesse mesmo tema: os salões Cataguazes-Usiminas e CataguazesLeopoldina de Artes Visuais. Embora esses salões tivessem alcance limitado às cidades onde o Grupo Energisa (na época, Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina - CFLCL) atuava na concessão de energia elétrica, eles nos serviram como modelo e experiência. Sim. Temos muito orgulho de nossa atuação (e tradição) na área cultural. As usinas culturais mantidas pelo Grupo nessas cidades são ótimos exemplos. Em João Pessoa, ao longo de mais de uma década, a Usina Cultural Energisa se transformou em vitrine de uma produção convergente de talentos de distintos segmentos artísticos, tornando-se referência para a vida cultural da cidade, do Estado. Nesse período, a nossa Usina foi sede de grandes eventos como a Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul e o Festival Mundo, assim como organizamos, por meio da Fundação Ormeo Junqueira Botelho, várias edições do Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa - Cineport, além de termos abrigado dezenas de exposições de artes visuais, outras tantas exibições de música, teatro e cinema, o cinas e workshops, palestras, seminários e lançamentos de livros. Aprendemos e surpreendemos! E é assim que pretendemos continuar. André Theobald Diretor-Presidente da Energisa Paraíba


6 A Usina Cultural Energisa Desde que foi inaugurada, em 29 de maio de 2003, a Usina Cultural Energisa (sede da lial paraibana da Fundação Ormeo Junqueira Botelho) tem se consolidado como uma das principais instituições culturais da Paraíba, notadamente após a realização, entre 2007 e 2012, de três edições do Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa - Cineport, evento multicultural que atraiu audiência de, em média, 40 mil pessoas. Localizada em área de preservação histórico-cultural na cidade de João Pessoa, Paraíba, o espaço funciona em duas edi cações erguidas na primeira metade do século XX e rodeadas de ampla área ajardinada. A instituição dispõe de galeria de arte, café, livraria, espaço multifuncional para a realização de atividades variadas, além do Museu Espaço Energia, espécie de museu temático didático-interativo sobre a história da energia elétrica e a importância de seu uso racional e e ciente. Considerado pela Eletrobras o primeiro centro de referência sobre e cientização energética da América Latina, o Espaço Energia já recebeu, desde sua implantação em julho de 2005, cerca de 150 mil visitantes. A galeria de arte da Usina Cultural Energisa – seguramente o mais bem equipado espaço expositivo de João Pessoa –, também inaugurada em maio de 2003, desde então realizou, aproximadamente, 90 exposições temporárias de artes visuais, com a participação de artistas paraibanos, brasileiros e estrangeiros, com destaque para as mostras: Arte Brasileira na Coleção Lily Marinho (2008), Memória das artes visuais na Paraíba – do século XIX à contemporaneidade (Conexão Artes Visuais/Funarte/MinC/Petrobras, 2008), NAC 30 anos: sobrevivendo nas Trincheiras (Rede Nacional Funarte Artes Visuais, 2009), Cartas e trajetos (em parceria com o Centro Cultural Banco do Nordeste, 2009) etc. Em 2005, foi lançado o Edital de Ocupação da Galeria de Arte 2005-2006, cuja seleção teve curadoria de Fernando Cocchiarale, Anna Bella Geiger e José Ru no. Paralelamente a algumas das mostras acima, foram realizadas na Usina várias atividades educativas (o cinas, visitas guiadas, palestras etc.), tendo em vista estimular o desenvolvimento de uma consciência crítica entre os jovens, o reconhecimento da obra de alguns dos mais representativos artistas paraibanos e a re exão sobre temas signi cativos, tais como: gestão e manutenção de acervos, arte pública, colecionismo e o papel das artes visuais na contemporaneidade. Em 2010, foi realizada a mostra Hélio Oiticica e Jackson Ribeiro: do neoconcreto à arte pública, através do edital Rede Nacional Funarte Artes Visuais, composta de exposição iconográ ca, seminário e o cinas. Além disso, duas residências artísticas, realizadas em parceria com o MAMAM no Pátio (Recife) e patrocinadas pelo Programa BNB Cultural 2010, culminaram com duas mostras individuais e uma performance, todas realizadas na galeria.


7 O Prêmio O Prêmio Energisa de Artes Visuais, promovido pela Energisa Paraíba por meio da Fundação Ormeo Junqueira Botelho, teve como principal objetivo selecionar propostas de artistas e/ou coletivo de artistas brasileiros para ocupar a galeria de arte da Usina Cultural Energisa no período de 2011 a 2014. De acordo com sua metodologia, o Prêmio Energisa resultou num formato híbrido (salão de arte e edital de ocupação), as o cinas e debates ocorreram em torno de temas atuais da arte contemporânea e, se comparado a eventos de artes visuais similares no país, apresentou inovações nas formas de inscrição (exclusivamente pela internet, algo inédito na área de artes visuais), de premiação (prêmios aquisição, na ideia de formar coleção na Usina Cultural Energisa), de mediação (ações educativas para estudantes de escolas públicas) e de participação (exposições coletivas e individuais, residência artística, o cinas, debates abertos entre artistas e público). Nos intervalos das exposições coletivas, aconteceram três mostras individuais de artistas paraibanos, convidados, a saber: José Ru no, Marlene Almeida e Sergio Lucena. Conforme o Edital, os artistas selecionados não residentes em João Pessoa são convidados a “residir” nesta cidade, com direito a patrocínio de deslocamento, hospedagem e alimentação para que participem da programação e da produção/montagem das exposições. Buscando revelar re exões originais sobre este formato, o Prêmio Energisa buscou, desde seu primeiro momento, indicar novas diretrizes para uma política pública que discuta o estado da arte contemporânea e incentive não só a participação das novas gerações de artistas e estudiosos da arte, mas o entrelaçamento entre a produção artística e a sociedade civil por meio de diversos e vários caminhos de atuação: con itos e contradições entre arte e mercado; instituições, arte contemporânea e agentes do sistema da arte; linguagens artísticas da produção contemporânea; arte e tecnologia, mídia e comunicação; crítica de arte hoje; apropriações, hibridizações de suportes, esfacelamento das fronteiras entre os gêneros das artes; arte brasileira, arte local, arte internacional; arte e cidade... Nas estatísticas do Prêmio Energisa de Artes Visuais, no período de 9 de junho a 17 de julho de 2011, houve um total de 406 inscrições ( nalizadas na plataforma virtual) em diversas categorias, das quais 218 (54%) em técnicas tradicionais, 80 (20%) em mídias contemporâneas, 27 (7%) em site speci c, e 82 (20%) em instalação. As inscrições – 383 de artistas individuais e 23 de coletivos de artistas – foram oriundas de todas as regiões do país: 232 do Sudeste, 116 do Nordeste, 40 do Sul, 16 do Centro-Oeste, e 2 do Norte. Dos estados, São Paulo (120), Rio de Janeiro (66), Paraíba (65), Minas Gerais (43), Rio Grande do Sul (17), Paraná e Pernambuco (16), Ceará (14) e Brasília (12) foram aqueles com maior número de inscrições. Outro dado relevante foi a média de idade (32 anos) dos artistas. Dos paraibanos, 72 artistas disseram ser residentes ou aqui nascidos.


8 Ata de Seleção e Premiação Nos dias vinte e seis e vinte e sete do mês de julho do ano de dois mil e onze, esteve reunida na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, Capital do Estado da Paraíba, a Comissão de Seleção e Premiação, encarregada de selecionar os artistas que farão parte do Prêmio Energisa de Artes Visuais, proposto pela Fundação Ormeo Junqueira Botelho e patrocinado pelo Ministério da Cultura/ Lei de Incentivo à Cultura. Integrada pelos curadores, Fernando Cocchiarale, Glória Ferreira e Raul Córdula, esta comissão deu início aos trabalhos, com a análise, segundo critérios previstos no edital, das quatrocentas e seis inscrições encaminhadas via internet, levando em consideração: a) propostas que apontam para processos investigativos; b) unidade de cada proposta, como fator demonstrativo de atitude re exiva diante da produção artística contemporânea; e, c) adequação entre conceito e linguagem utilizados. Após avaliação de todas as propostas inscritas, tendo em vista sua conformidade com os critérios adotados na seleção, a referida comissão optou pela indicação dos artistas, Amanda Mei (SP), AoLeo (RJ), Braz Marinho (PB), Carlos Mélo (PE), Chico Dantas (PB), Julio Leite (PB), Julio Meiron (SP), Laércio Redondo (RJ), Márcio Almeida (PE), Márcio Sampaio (MG), Rafael Pagatini (RS), Grupo Mesa de Luz (DF) e Túlio Pinto (RS), para a premiação. Também, decidiu pelo seguinte: a) ampliar de dez para treze os artistas selecionados, pela qualidade dos trabalhos e possibilidade de captar novos recursos junto à Lei Rouanet; b) destinar uma mostra individual para o artista, Márcio Sampaio, por sua dimensão histórica; e, c) de nir os artistas para compor quatro exposições coletivas, da seguinte maneira: 1) Braz Marinho, Julio Meiron e Laércio Redondo; 2) Amanda Mei, Chico Dantas e Rafael Pagatini; 3) AoLeo, Carlos Mélo e Túlio Pinto; e, 4) Julio Leite, Márcio Almeida e Grupo Mesa de Luz. Além dos selecionados, a Comissão de Seleção e Premiação resolveu divulgar os artistas pré-selecionados, a saber: André Hauck (MG), Aprígio Fonseca (SP), Aslan Cabral (PE), Aurílio Santos (PB), Bruno Vieira (PE), Claudia Bakker (RJ), Dami-1 (SP), Daniel Feingold (RJ), Deborah Engel (RJ), Eduardo Salvino (SP), Elisa Castro (RJ), Fabiano Gonper (PB), Fábio Alves (PR), Fábio Okamoto (SP), Fabrício Carvalho (MG), Geh Lima (PB), Guilherme Dable (RS), Hélio Branco (RJ), Jaime Lauriano (SP), Jimson Vilela (RJ), João Castilho (MG), Louise D.D. (RJ), Luiza Baldan (RJ), Mariana Katona Leal (RJ), Pedro Victor Brandão (RJ), Rubens Pileggi Sá (RJ), Siri (RJ), e Wellington de Medeiros (PB). Não havendo mais nada a tratar, eu, Maria Cleide de Carvalho Barros, coordenadora da Usina Cultural Energisa – e coordenadora geral do Prêmio Energisa Artes Visuais –, encerro a presente ata, que vai assinada por mim e pelos membros da Comissão de Seleção e Premiação. João Pessoa, 28 de julho de 2011. (segue assinaturas de Maria Cleide de Carvalho Barros, Fernando França Cocchiarale, Maria da Glória Araújo Ferreira e Raul Córdula Filho).


9 Os curadores Fernando Cocchiarale. Carioca, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Crítico de arte, curador e professor de Estética do Departamento de Filoso a da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/PUC-RJ, e da Escola de Artes Visuais do Parque Laje-EAV, Rio de Janeiro. Curadorchefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro-MAM (2000-2007). Curador-coordenador do Programa Rumos Artes Visuais, Instituto Itaú Cultural, São Paulo (2001-2002). Autor de Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira dos anos 50, em parceria com Anna Bella Geiger, Rio de Janeiro, MEC/Funarte, 1987; e Quem tem medo da arte contemporânea, Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006. Glória Ferreira. Maranhense, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Doutora em História da Arte pela Universidade de Paris I - Sorbonne. Crítica de arte e curadora independente. É professora da Escola de Belas Artes/UFRJ. Entre suas curadorias destacam-se Trilogias, Nelson Felix (2005); Situações arte brasileira anos 70 (2000); Ecco, Artistas italianos por artistas brasileiros, 1999; Hélio Oiticica e a cena americana, 1998; Luciano Fabro, 1997; Amílcar de Castro, Retrospectiva, 1989; Hélio Oiticica e Lygia Clark, 1986. Com publicações em diversas revistas nacionais e internacionais, é co-editora da revista Arte & Ensaios e dirige a Coleção Arte + (Jorge Zahar Editor). Entre outras publicações, destacam-se Conversas entre Nélson Félix e Glória Ferreira, 2005, e a coorganização das coletâneas Clement Greenberg e o debate crítico, 1997 e Escritos de artistas, anos 60/70, 2006. Raul Córdula. Paraibano, vive e trabalha em Olinda-PE. Pintor, designer e crítico de arte (ABCA/AICA). Vice-Presidente da ABCA para o Nordeste. Representante no Brasil da Association Culturelle Le Hors-Là, de Marselha/França. Tem na pintura sua principal atividade, mas executa também com intensidade gravura em várias técnicas, desenho, escultura, mídias contemporâneas (xerox, VT, fotogra a etc.), estamparia, joalheria, tapeçaria, artes grá cas e artes aplicadas à arquitetura. Criador e dirigente de instituições ligadas à arte e cultura na região Nordeste do Brasil: Núcleo de Arte Contemporânea-NAC/UFPB, Museu de Arte Assis Chateaubriand-MAAC, Casa da Cultura/Recife. Realizou exposições em várias cidades do Brasil e no exterior: Santiago do Chile, Canes-Sûr-Mer, Paris e Marselha (França), Berlim e Hamburgo (Alemanha).


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11 08 setembro - 04 dezembro 2011 Divortium Aquarum | Instalação | José Ru no Divortium Aquarum: expressão latina para região/local onde se separam as vertentes de duas ou mais bacias hidrográ cas.

Divortium Aquarum | por Fernando Cocchiarale O trabalho instalado por José Rufino na galeria da Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, foi concebido a partir da história do entorno urbano da própria Usina, originado no antigo cruzamento das estradas de Tambaú e Bessa, então chamado de Cruz do Peixe. Tais referências histórico-temáticas, no entanto, não estão ilustradas neste Divortium Aquarum criado pelo artista. A ordenação, no espaço expositivo, dos objetos escolhidos e apropriados por Rufino, que evocam essas memórias urbanas, não obedece à lógica dos fatos registrados pela escrita ou por imagens documentais: resulta de sua livre reinvenção poética . Não é, portanto, a partir da tradução de informações visuais para a esfera verbal ou escrita que podemos nos aproximar desta e das demais obras que delineiam a trajetória poética do artista. Narrativas destinadas ao olhar, aliás, não podem ser explicadas somente por meio da palavra: precisam ser primeiramente experimentadas e, sobretudo, vistas, antes da busca ansiosa, hoje em voga, por atalhos verbo-explicativos. Ainda quando intencionalmente referidas a acontecimentos ocorridos na esfera pública ou extraídos da vida privada, documentados, descritos e fixados, como é caso do conjunto da produção de José Rufino, obras são irredutíveis à palavra, pois pertencem a regimes de comunicação e de produção de sentido totalmente diversos daqueles da linguagem natural. Menos precisa e unívoca que a lógica que costura o discurso verbal (evidentemente não me refiro à poesia ou à literatura) – já que os produtos da imaginação e do devaneio poético se abrem a pluralidade de leituras e livres interpretações –, a lógica que preside a produção artística, ao contrário, não respeita coerências, verdades concretas, nem mesmo o próprio mundo real, pois os trabalhos que dela resultam pretendem reinterpretá-lo e não reproduzi-lo. O processo criativo de Rufino é, portanto, marcado pela superação crítica, nas obras, das memórias pessoais e coletivas que inicialmente as motivaram. Essa superação, no entanto, só tem sido possível graças a uma torção discursiva, que neutraliza os conteúdos verbonarrativos de memórias específicas (documentos, recordações etc.) ou os substitui por utensílios, objetos e imagens – esses pequenos monumentos silenciosos e banais de cotidianos superados pelo tempo e relegados pela história –, que integravam ou poderiam ter integrado a cena sensível em que tais lembranças tiveram lugar.


12 Determinado o âmbito poético do trabalho, Rufino inicia a seleção e coleta desses objetos. Legitimada desde Marcel Duchamp (ready-made) e do surrealismo (objet trouvé) como um procedimento alternativo ao fazer puramente manual, a apropriação não deve ser reduzida à mera coleta de materiais de trabalho inusitados, extraídos do cotidiano. Mesmo quando deslocados de seu contexto original, objetos que nos são familiares terminam por transpor para o âmbito da obra significados (sobretudo os metafórico-simbólicos) que previamente possuíam. Instalações como a Divortium Aquarum resultam, portanto, da edição no espaço expositivo desses fragmentos semânticos (os objetos apropriados pelo artista), cuja conexão baliza as diversas possibilidades de interpretação, de leitura e de experimentação sensível do trabalho. Inicialmente lhe interessaram as memórias de uma família de senhores de engenho, na qual seu avô, além de patriarca, simbolizava o poder político então predominante no Nordeste brasileiro. Tratava-se, então, de transformar em obras as reminiscências de sua história familiar, registradas nas milhares de cartas guardadas em caixas por antepassados. Era preciso fazê-las transbordar de seu leito discursivo para o campo visual produzido pelas relações entre todos os elementos apropriados e os espaços em que esses trabalhos foram efetivamente instalados. Na apresentação do projeto Divortium Aquarum – na verdade, uma espécie de diário que registra o amadurecimento dessa instalação que hoje ocupa a galeria da Usina Cultural Energisa –, Rufino esclarece-nos: “No retorno da expedição ao Curimataú, já estava decidido a tomar como partido principal para a obra da Usina Cultural o mote inicial da toponímia de onde o trabalho se desenvolverá: a Cruz do Peixe. Isto significa usar mecanismos de levantamento de dados, cruzamentos de informações, de impressões e de relações improváveis, para trazer à tona a atmosfera daquele antigo entreposto de peixes e cruzamento de linhas de bonde.” Finalmente, tomada a decisão sobre o partido principal da obra, o artista iniciou a escolha e a aquisição dos objetos com os quais a instalação foi montada no espaço expositivo. “A instalação, finalmente, terá sete barcos, um tronco de um antigo trapiche, incrustado de ostras e cracas, e uma réplica de meu corpo, segurando dois cachos de garrafas e garrafões de vidro, contendo fragmentos de desenhos impermeabilizados e águas coletadas no rio Paraíba e alguns de seus afluentes e tributários (Sanhauá, Preto, Soé etc.). De olhos fechados, este autorretrato sobre o tronco, voltado para os barcos à sua frente, terá função de ‘guia’ dos barcos.” A elaboração, por José Rufino, de memoriais sensíveis (obra) a partir de memoriais afetivos e sócio-históricos, muitas vezes ligados ao passado do lugar em que são exibidos, não está, no entanto, a serviço de pulsões nostálgicas deflagradas por tradições perdidas: ela transfigura essas tradições, de modo a superá-las sensorialmente, operação que, ao contrário do que possa parecer, é concebida de um ponto de vista vivo e atual, ancorado no presente.


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16 “Da entrada de Mandacaru para leste, começava a Cruz do Peixe, nome originado pelo cruzamento das estradas de Tambaú e Bessa. No local vinham os condutores de peixe pousar sua carga, incrementando uma feira de pescados, pois os atravessadores ali os adquiriam para revendê-los na Quitanda ou nas ruas centrais da cidade. No sítio Cruz do Peixe, na área hoje ocupada pelo hospital de Santa Izabel, a Província construiu e inaugurou o Colégio de Educandos Artí ces, fechado e extinto, por medida econômica, depois de alguns anos de funcionamento. Delimitando a praça do Colégio, se alinhavam casas de palhas, erguendo-se por traz da Escola os muros de um cemitério, fechado após o ano de 1877, e por m arrasado para levantarem dependências do hospital. O distrito abrigava uma população irrequieta, barulhenta, sempre movimentada por valentões e desordeiros, constituindo-se motivo de muito trabalho para a polícia. Com o passar dos anos, pessoas de distinção preferiram o arrabalde para domicílio, constituíram casas confortáveis, enxotando, aos poucos, os maus elementos. Cruz do Peixe ia terminar nas matas que ensombravam a estrada de Tambaú, verdadeira oresta, coito de pretos fugidos e malfeitores que, vez por outra, assaltavam os transeuntes, arrebatando-lhes quanto conduziam. E a oresta tomava grandes proporções, especialmente antes do Sobradinho, na Cruz do Caboclo, onde se bifurcava um caminho para Cabo Branco. Segundo a tradição, mataram ali um caboclo foragido da Penha, após o assassinato que praticara para roubar o dono daquela propriedade. Assim após longos anos, quem passava no local via, à margem do caminho, uma cruz de madeira indicando a sepultura do malfeitor.” Coriolano de Medeiros, “O Tambiá da minha infância”, 1942.

Fachada da atual Usina Cultural Energisa. Acervo Walfredo Rodrigues. Anos 1940.

Av. Epitácio Pessoa, entroncamento com a Cruz do Peixe. Foto: Voltaire D’Ávila. Anos 1940.


17 O artista José Ru no. Paraibano de João Pessoa, iniciou sua carreira na década de 1980. Tendo herdado do avô paterno um acervo documental – cartas e bilhetes – que conta muito da história de sua família, ele decidiu utilizar o memorial como meio de produção artística. A forte referência familiar também é expressa em seu nome. Registrado como José Augusto Costa de Almeida, ele optou por se apresentar no universo artístico com o nome do avô, José Ru no, homenageando-o. É graduado em Geologia e tem mestrado e doutorado em Geociências pela Universidade Federal de Pernambuco. Na atualidade, é professor da Pós graduação em Artes Visuais/Universidade Federal da Paraíba/ Universidade Federal de Pernambuco. Fora do país, participou de importantes exposições coletivas: Bienal Barro de América, na Venezuela (1998); VI Bienal de Havana (1997); 1ª Bienal de Arte Contemporânea do Fim do Mundo, na Argentina (2007) e na Embaixada do Brasil, em Berlim (2006). Entre as exposições individuais, está a mostra Náuseas, que teve quatro versões e foi apresentada, inclusive, em Milão, em 2009. No Brasil, desenvolveu uma intensa trajetória, expondo no Espaço Cultural Sérgio Porto; Galeria Vicente do Rego Monteiro, em Recife (1997); Galeria Adriana Penteado, em São Paulo (1998); Museu de Arte Moderna de Recife (2003) e Museu de Arte Contemporânea, em Niterói (2004). Em Salvador, participou da mostra coletiva Saccharum, no MAM-Bahia, e da exposição Sertão Contemporâneo, na Caixa Cultural Salvador, ambas em 2009. www.joseru no.com

Ficha técnica Coordenação Cleide Barros | Secretaria Fábio Queiroz | Texto Fernando Cocchiarale | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Assessoria de imprensa William Costa | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia Adriano Franco | Paulo Santos | Arquitetura de Montagem José Rufino | Montagem Dyógenes Chaves | Joab Raiff | Joálisson Cunha | Projeto de iluminação Kelly France Kirwan | Eletricista Marciel Norberto | Marcenaria Pedro Juvino | Elizon Rogrigues | Rivaldo Pereira | Apoio para moldagem Salathiel Castor | Pintura Alcione Félix | Dinarte Boavinda | Joselito Custódio | Leonílson Rodrigues | Apoio, pesquisa e coleta Adriano Silva | Carlos Macedo | Charlison Bezerra Brazão | Pêta | Romero Sousa | Zezinho do Peixe | Motorista Júnior | Laércio | Equipe Atelier José Rufino Flávio Batista de Farias | Natanael | Severino Lucas Silva | Wallace Ramon Rolim | Webdesigner Café Dias | Edição de vídeo Toni Neto | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


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19 Coletiva 1 | 19 janeiro - 26 fevereiro 2012 Estudos e Memórias Urbanas | Pintura, fotogra a | Amanda Mei Tô dentro. Tô fora | Instalação, vídeo | Braz Marinho Carmen Miranda – Uma Ópera da Imagem | Instalação | Laércio Redondo

Estudos e Memórias Urbanas | por Amanda Mei “Construo o espaço destruindo o instantâneo, trabalhando com um novo tempo. (o tempo interferindo no espaço, o outro lado do tempo)” A inversão da ordem dum espaço comum, como uma metáfora para a passagem do tempo. Onde está o tempo?

Trata-se de um conjunto de pinturas e fotografias que tem como intuito aproximar diferentes técnicas e apresentar outros modos de perceber os espaços que nos circundam, onde se revelam sintomas das transformações presentes no ambiente urbano. A seleção aqui apresentada compõe um arranjo inédito no qual as fotografias aparecem como testemunhas dos espaços corrompidos pelo tempo, como uma paisagem descontinua que se forma na memória e as pinturas resgatam alguns dos elementos vitais nos processos da transformação e da destruição do que está associado à memória. As afirmações da presença, das mudanças e dos processos de desenvolvimento revelam-se através dos trabalhos e da articulação entre eles.

Pintura Articulada I Acrílica e papel de parede sobre portas e madeira | 128x150x29cm | 2010


20 Tô dentro. Tô fora | por Fernando Cocchiarale Ao ver a instalação Tô dentro. Tô fora, de Braz Marinho, lembrei-me imediatamente de outro trabalho – 1) De Dentro Para Fora 2) Simples......... – realizado, em 1970, pelo artista lusobrasileiro, Arthur Barrio. Montado sobre uma base, o trabalho se resumia a um televisor ligado em um canal qualquer e um lençol branco, que o cobria totalmente. Tratava-se de um objeto fechado em si mesmo, mas incapaz de reter as imagens que, bloqueadas por sua muralha translúcida, lhe escapavam permanentemente de dentro para fora, atravessando-a com fantasmagórica facilidade. A lembrança de Barrio, no entanto, é uma evocação por contraste, já que o trabalho de Marinho, especialmente concebido para a Galeria da Usina Cultural Energisa, foi pensado de um ponto de vista oposto. Braz vem de uma trajetória marcada pelo construtivismo, de longa tradição no país. No entanto, seu processo criativo há certo tempo abriu-se, e algumas de suas construções acolheram, no espaço auto-referente da geometria, elementos icônicos. Tô dentro. Tô fora resulta somente de imagens da Av. Epitácio Pessoa (no sentido praia), em João Pessoa, captadas em tempo real e projetadas na parede logo à esquerda da entrada da galeria, paralela à avenida. Integrada à sala, a projeção traz intencionalmente para dentro do espaço expositivo a paisagem urbana exterior que suas paredes bloqueiam. Oferece ao olhar do visitante, numa escala próxima à escala real, o ponto de vista externo, perdido desde a construção do prédio. Ao atravessar os muros de alvenaria por meio de imagens externas da cidade, onde a vida corre, e trazê-las para o cubo branco, destinado às imagens da arte, Tô dentro. Tô fora derruba poética e visualmente essas fronteiras e potencializa ao limite sua inserção no espaço da galeria.


21 Carmen Miranda – Uma Ópera da Imagem | por Fernando Cocchiarale Em Meditações Sobre Um Cavalinho de Pau, Ernst Gombrich procura deslocar a noção de imagem da representação da aparência exterior de um objeto, para outras instâncias de caracterização. Ele valoriza o que chama de relevância biológica, em detrimento da habitual verossimilhança mimética. A transformação de uma vara em um cavalinho de pau, por exemplo, não se baseia na imitação morfológica: a semelhança é estabelecida conceitualmente, a partir do ato de montar. Carmen Miranda – Uma Ópera da Imagem, de Laércio Redondo, em colaboração com Márcia Sá Cavalcante Schuback, é uma delicada metáfora poética de um Ícone internacional do século XX. Carmen foi uma das cantoras e atrizes mais lmadas e fotografadas de seu tempo. Lançou moda então e segue tendo sua imagem reproduzida e reprocessada tanto gra camente quanto em outros inúmeros produtos por todo o mundo. Laércio introduz na fábrica de sonhos (a mesma que reduziu Carmen a uma imagem e, indiretamente, a levou à morte) seu cavalinho de pau (ou de Tróia). Sete móbiles – confeccionados com folhagens e frutas arti ciais, lupas, cristais, contas, plumas, cores, re exos, brilhos etc. – movimentam-se ao sabor do deslocamento de ar no espaço. A eles estão acoplados pequenos alto-falantes, que emitem o som de uma voz, lendo o texto poéticolosó co de Márcia Schuback sobre Carmen, especialmente escrito para o trabalho. Nada aqui é ilustrativo ou caricatural. Tanto a matéria poética (invenção) quanto os materiais apropriados por Laércio estão comprometidos com dois traços essenciais ou conceituais do trabalho de Carmen Miranda. São eles: o movimento e as referências tropicais da fase norte-americana. Tais escolhas bloqueiam a canibalização da imagem física (ponto de encontro entre pessoa e clichê) de Carmen, signi cativamente ausente do engenho poético dessa Ópera da Imagem.

O artista é representado por Silvia Cintra + Box4


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23 Os artistas Amanda Mei. São Paulo-SP, 1980. Vive e trabalha em São Paulo-SP. Licenciatura e bacharelado em Artes Plásticas (FAAP, 2003/2004). Participa de grupos de estudo e projetos de pesquisa desde 2004 (CCSP, Instituto Itaú Cultural, 28ª Bienal de São Paulo, Faculdade Santa Marcelina, Instituto Tomie Ohtake). Individuais: Como fazer tempo com sobras (Galeria TAC); As sobras e desconstruções (Caixa Cultural, São Paulo); II Mostra do Programa de exposições (CCSP). Coletivas selecionadas: I Concurso Itamaraty de Arte Contemporânea; Salão de Arte do Mato Grosso do Sul; Rumos Artes Visuais: Trilhas do desejo; Anarcademia (28ª Bienal de São Paulo); 59º Salão de Abril (Fortaleza); 12º Salão Paulista de Arte Contemporânea; TRIPÉ (Sesc Pompéia); Vorazes, Grotescos e Malvados (Paço das Artes). Prêmios: Cité Internacionale des Arts [residência] (Paris); I Salão dos Artistas Sem Galeria; 17º Encontro de Artes Plásticas de Atibaia; 11º Bienal Nacional de Santos; 35º Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto; 8ª Bienal do Recôncavo (São Félix-BA). amandamei@gmail.com | www.issuu.com/amandamei Braz Marinho. Sousa-PB, 1961 - Recife-PE, 2013. Residiu em Jaboatão dos Guararapes-PE, em São Paulo e Portugal. Individuais em João Pessoa (Usina Cultural Energisa, Centro Cultural São Francisco, Núcleo de Arte Contemporânea); Recife (Galeria Mariana Moura, IAC, MAMAM, Museu Murilo La Greca, Museu da Abolição, Fundação Joaquim Nabuco); Salvador (Galeria Fabio Pena Cal); Belo Horizonte (Galeria Quadrum); Brasília (Galeria Fayga Ostrower/ Funarte). Coletivas no Brasil e em países como: Itália, Argentina, França e Espanha. Prêmios no Salão Nacional de Belo Horizonte (Museu da Pampulha, 2000 e 2001). www.brazmarinho.com Laércio Redondo. Paranavaí, Paraná, 1967. Vive e trabalha entre Estocolmo e Rio de Janeiro. Cursa artes plásticas (FAAP, 1998); Pós-graduação (Konstfack, Estocolmo, 2001). Ministrou workshops no Moderna Museet (Estocolmo); Hochschule für Bildende Künste-HBK (Braunschweig, Alemanha). Individuais: Para mirar al sur (Galeria Box 4, Rio de Janeiro, 2007); Listen to me (Kunsthalle Göppingen, Alemanha, 2005). Coletivas: Arte Pará (2009); Leibesubüngen (Galerie Hochschule für Bildende Künste, Braunschweig, 2008); Maybe at home (Pyramida Centre for Art, Haifa, Israel, 2007); XI Triennale Índia (Nova Delhi, 2005); Im Bild (Kunsthalle Göppingen, 2004); Bienal do Mercosul; Modos de usar (Galeria Vermelho, São Paulo, 2003). Artista residente no programa Batiscafo (Havana, Cuba, 2007); Akademie Schloss Solitude (Stuttgart, Alemanha, 2004-2005); IASPIS (2008); Residence Botkyrka (Estocolmo, 2011). www.laercioredondo.com | laercioredondo@gmail.com

Ficha técnica Coordenação Cleide Barros | Secretaria Fábio Queiroz | Textos Amanda Mei | Fernando Cocchiarale | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa Fábio Queiroz | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia Adriano Franco | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Montagem Dyógenes Chaves | Joab Raiff | Eletricistas Eleinilson Alves de Souza | Oziman Xavier de Souza | Marcenaria Pedro Juvino | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


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25 Coletiva 2 | 08 março - 15 abril 2012 Elementos (da série Exercícios de re exão) | Fotogra a | AoLeo Terceiros | Vídeo, fotografia | Chico Dantas Sala de Reforma | Site speci c | Julio Leite

Elementos | AoLeo Desdobramento de uma pesquisa que consiste em fotogra as com espelhos. O trabalho insere o corpo na paisagem e a paisagem no corpo através de um jogo de re exão. Prudência | por Raphael Fonseca As bordas de uma imagem fotográ ca e as linhas que contornam os espelhos: polígonos. No seu entorno, dois elementos cujo domínio pelo viés da geometria foi tentado à exaustão em séculos de produção de imagens: o corpo humano e a paisagem. Se em sua autoimagem o artista se encontra parcialmente “ao léu”, desnudo, o mesmo não pode ser dito quanto à sua proposta poética. A experiência fenomenológica do indivíduo com a natureza e seu fugidio re exo são transformados em imagens estáticas. Toda fotogra a e todo espelho são propositores de mediação, duplo e metade, imitação e distorção; o simulacro aqui se dá de modo inevitável. E seria possível apreender a existência de modo não instrumentalizado? A prudência, tida desde a Antiguidade como a mãe das virtudes, possui a iconogra a de uma mulher que se observa em um espelho. Mais do que uma vaidosa autoavaliação, esse ato poderia ser prolongado como uma re exão sobre nossas atitudes e o mundo – “remete às coisas passadas, ordena o presente e prevê o futuro”, diz Cesare Ripa. A pesquisa artística de AoLeo pode, portanto, lançar questão semelhante: existiria um modo prudente de nos relacionarmos com a “natureza”? O quanto de nós mesmos, projeção de carne e ossos, existe dentro da construção deste amplo conceito entre aspas? Por m, até que ponto toda paisagem não é, na verdade, um autorretrato?


26 Terceiros | Chico Dantas Vídeo criado a partir de imagens captadas na Internet e re-editadas, que mostram políticos envolvidos em cenas de corrupção, delinquentes capturados pela polícia e cenas do abate de um porco. Fotomontagens digitais em papel fotográfico plastificadas, que simulam documentos de identidade dos indivíduos, criadas a partir de frames do vídeo e da imagem de um rótulo de embalagem para ração animal, instalados na posição vertical ao lado da projeção do vídeo. Terceiros | por Chico Dantas A descaracterização da identidade de imagens apresentadas pela mídia, que recebem tarjas e outros métodos de camuflagem como forma de proteção da privacidade, coloca outras pessoas como suspeitas das imputações daqueles indivíduos representados. A redução da iconicidade gerada por esse tratamento que embrulha a imagem exime a pessoa que é imputável e passível de identificação no meio social, e expõe o indivíduo – o exemplar de uma espécie qualquer – que pode confundir-se com terceiros por via das eventuais aparências materiais. Nesta separação, a imagem do indivíduo é também, em certo grau, a representação da matéria, que tem nos componentes químicos as referências universais para identificação. Portanto, onde se vêem as imagens de corpos não identificados, impessoais, vejam-se todos os seres compostos de cálcio, fósforo, ferro, potássio, sais minerais, extrato etéreo, umidade, sais minerais... que igualmente identificam-se aqui pela apropriação dos rótulos das embalagens de ração animal.


27 Sala de Reforma | Julio Leite Simulação – usando o conceito de simulacro, de Jean Baudrilard – em que utiliza elementos da construção civil para envolver um ambiente com tal aspecto. Fotogra as de tijolos, pregos, restos e entulhos de construção (madeira, concreto, cimento, areia) e um híbrido sonoro composto por marretadas, marteladas, furadeiras, britadeiras são utilizados para formatar o ambiente da simulação. Sala de Reforma – Por uma ordem aleatória | por Julio Leite “A cidade favorece a arte, é a própria arte” (Argan) Quando Argan aborda a cidade como obra artística pode-se encontrar variáveis desse processo em toda sua malha construtiva e de vários elementos sígnicos. A cidade, sem dúvida, é re exo de um contexto pluralizado, diverso e presumivelmente edi cado para abrigar o homem e suas necessidades. A referência que busco na cidade é a casa, seus cômodos e meios técnicos que me serviu de observação para execução de um projeto de Residência Artística na Fundação Armando Álvares Penteado [FAAP], na cidade de São Paulo. Compreender esse universo foi um desa o contextualizado em um referencial teórico que, além de Argan (História da Arte como História da Cidade), acumularia também Bachelard (Poética do Espaço) e as divisões simbólicas dos cômodos das casas, além do principal fenômeno de contextualização desse meu trabalho composto pela conexão de Jean Baudrilard (Cultura e Simulacro) via conceito de simulacro. Simulação e imitação são coisas distintas nessa órbita teórica. A obtenção de um simulacro requer, segundo Baudrilard, elementos reais e hiper-reais compondo a área da simulação. Tal fenômeno estabelece um leque de efeitos capaz de tornar a comunicação entre as partes algo surpreendentemente reconhecível no campo da nossa percepção. A estetização dos elementos da construção civil (tapumes, cimento, metralha, brita, areia etc.) se contrapõe aos elementos hiper-reais (fotogra as de tijolos que formam uma parede e um híbrido sonoro reproduzindo sons de martelo, furadeira, britadeira, pá, serra e outros instrumentos). Essa fusão de elementos é fecunda e fundamental para caracterização da obra. A importância destas pistas-falsas nada mais é do que a legitimação da veracidade da obra. Busco sistematizar esses signos conforme as dimensões e características do ambiente a ser ocupado, gerando a possibilidade de empreender uma intervenção que estará sempre aberta para novas possibilidades de execução, característica esta que pode ser enquadrada na nomenclatura de work in progress.


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29 Os artistas AoLeo. Rio de Janeiro-RJ, 1983. Vive e trabalha no Rio de Janeiro-RJ. Licenciatura e bacharelado em Artes Plásticas (UERJ, 2004-2009); Programa Aprofundamento (EAV Parque Lage, 2008-2009). Participou de exposições e feiras: ArteForum (UFRJ); Arte BA (Buenos Aires); SPARTE; Residência Interações Florestais (Funarte, Terrauna); Experimentações (Galeria Progetti); Olheiro da Arte. leomottacampos@yahoo.com.br Chico Dantas. Santa Luzia, Paraíba, 1950. Vive e trabalha em João Pessoa. Estudou Pedagogia e Educação Artística na UFPB. Frequentou workshops e o cinas: (Usina Cultural Energisa, NAC/UFPB). Exposições selecionadas: Setembro fotográ co (Funjope, João Pessoa); O costume de Chico Dantas (Usina Cultural Energisa); Alquimia com livro e luvas [vídeo] (XV Bienal de Cerveira, Portugal); Área de risco (Cooperativa Árvore, Porto, Portugal); Execução sumária [instalação] (III Bienal de Gravura/Fenart, João Pessoa); XVI Bienal Internacional de São Paulo/ Núcleo Walter Zanini (1981). http://sites.google.com/site/wwwchicodantas/home | chicodantas81@hotmail.com Julio Leite. Campina Grande, Paraíba, 1969. Vive e trabalha em Campina Grande. Bacharelado em Jornalismo (UEPB, 2000). Estudos na Escolinha de Arte do Recife (1987-88); e, MAC Olinda. Professor da UFCG (Campina Grande, 2002-2005), onde se dedica à pesquisa e orientação de projetos em arte urbana, vídeo, fotogra a, arte e tecnologia. Exposições selecionadas: Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco (1989); Salão de Arte Pará (Belém, 1999 e 2008); Projeto Prima Obra (Sala Guimarães Rosa/Funarte Brasília, 2001); Experimental (Centro Cultural Dragão do Mar, Fortaleza); Projeto Artista Invasor (Centro Cultural Dragão do Mar, 2006); Atos visuais (Funarte Brasília, 2006); Fora do eixo (Brasília, 2009); X Bienal Internacional de Havana (2009); V Bienal Internacional Vento Sul (Curitiba, 2009); Vídeo Urgente (Galeria Cilindro); Residência Artística FAAP (São Paulo); Indicado ao Premio PIPA (MAM-Rio de Janeiro). www. ickr.com/galeriacilindro | julio_arte@yahoo.com.br

Ficha técnica Coordenação Cleide Barros | Secretaria Fábio Queiroz | Textos Chico Dantas | Julio Leite | Raphael Fonseca | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa Fábio Queiroz | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia Adriano Franco | Carol Stéfany | Filipe Chiaromonte | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Montagem Dyógenes Chaves | Fábio Queiroz | Eletricistas Eleinilson Alves de Souza | Oziman Xavier de Souza | Marcenaria Pedro Juvino | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


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Festa/ Fresta/ Floresta I Objeto | 1979


31 26 abril - 27 maio 2012 Poesia além do verso | Exposição retrospectiva (Instalação) - 1960-2000 | Márcio Sampaio

Poesia além do verso | Márcio Sampaio Retrospectiva de criação na área genericamente denominada de poesia experimental comprendendo objetos, instalações, propostas de ações interativas com o público. Seleção de trabalhos realizados a partir da década de 60, integrantes da I Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, das exposições de poema/processo; aos trabalhos realizados nos anos 1990/2000.Materiais e suportes variados, incluindo canos de PVC, caixas com fósforos, cabides plásticos, bolas de isopor com aplicações de letras, folhas acrílicas, letras de macarrão, jornais, textos plotados, pequenos objetos refugados. O objetivo da mostra é colocar o público em contato com um tipo de produção poemática, para além do verso, decorrente de experiências de comunicação poética verbal e não verbal, convite ao público (crianças e adultos) para experimentar e criar junto com o autor. Márcio Sampaio | por Bartolomeu Campos de Queirós Se pertence à ordem do visual, está no campo da leitura. Se passa pela carne, reside no espaço da poesia. Por ser assim, a obra de Márcio Sampaio é uma apurada escrita poética. Ao apropriar-se do mundo, ele o torna mais vasto por não ignorar a autonomia de sua desmedida fantasia. E dessa soma de corpo e fantasia – do vivido e do sonhado – ele registra em nós, ávidos leitores, um terceiro universo, que só adentramos recorrendo ao nosso imaginário. Diante da poesia desenhada por Márcio Sampaio, um diálogo cuidadoso e subjetivo se estabelece. É que passamos a nos perguntar desde quando tudo é real e desde quando tudo é ideal. O artista, ao se ausentar e nos deixar sua obra como herança maior, inaugura em nós um horizonte solitário que somente com o nosso próprio olhar podemos desobscurecer. Mas o olhar acaricia a casca. O dentro das “coisas” só a fantasia alcança. Daí, ser a sua obra um convite para um profundo mergulho em nosso inesgotável imaginário. Ao derramar cor, sombra, luz e proporção sobre suas construções, Márcio Sampaio se torna responsável pelo que provoca em nós de inquietações e surpreendências. O que existe de humor, ironia, crítica ou subversão em seus escritos surge vestido de elaboradas técnicas, de re nada percepção, que con rmam a força da arte como elemento


32 capaz de nos mobilizar usando das incertezas da dúvida. Suas metáforas nos desequilibram e nos convidam a exercer a cruel liberdade de ter que escolher entre “ou isso ou aquilo”, entre o riso e o espanto. A obra de Márcio Sampaio é propícia a todos. Sem ter apenas os iniciados como destinatários, ela se faz um livro aberto com uma escritura que permite vários níveis de entendimentos. Sua produção é um exercício democrático e cumpre de nitiva função social ao aproximar os fruidores e concorrer para que todos desejem dar corpo às fantasias que dormem na intimidade de cada um de nós. Estar diante da obra de Márcio Sampaio é como percorrer uma livraria. Lugar em que grande parte do mundo, com suas incoerências e acertos, se encontra à disposição de todos. De todos aqueles que sabem que expressar as emoções que moram no nosso corpo é revelar dores e riscos, mas perseguindo sempre o desejo de deparar com a beleza. Só ela é capaz de apaziguar o desassossego do humano que pulsa em nós.

Efemérides I Instalação | 1960-2005 (detalhe)

Alfabeto das pequenas coisas I Poema colagem | 1977

Dossiê da estupidez I Pintura sobre jornal | 60x35cm | 1991


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Dossiê da estupidez I Intervenção de pintura em página de jornal | 60x70cm | 1991


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35 O artista Márcio Sampaio. Santa Maria de Itabira, Minas Gerais, 1941. Vive e trabalha em Belo Horizonte. Artista plástico, professor, poeta e crítico de arte. Formação: Escola de Belas Artes da UFMG (1964-67). História da Arte com Frederico Morais e Orlandino Seixas. Gravura em metal com José Lima. Sociologia e Estética com Guido Almeida (Colégio de Aplicação/UFMG, 1962-63). Exposições desde 1962 em Belo Horizonte, Ouro Preto, Galeria Ipanema (Rio de Janeiro), Museu de Arte da UFMT (Cuiabá), Sala Miguel Bakun (Curitiba). Retrospectivas: Fundação Cultural (Brasília, 1985), Palácio das Artes (Belo Horizonte, 2005), Poesia além do verso, Galeria Cemig (Belo Horizonte, 2010). Coletivas: Arte Latina (Recife); Visão da Terra, MAM (Rio de Janeiro); Tradição e Ruptura, Fundação Bienal de São Paulo; Raízes e Atualidade [Coleção Gilberto Chateaubriand], Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo; Salão Nacional de Belo Horizonte; Salão de Arte Global (Recife); Salão do Ceará; Salão da Funarte; IX Bienal Internacional de São Paulo. Vários prêmios em artes plásticas e literatura. Fez curadorias, colaborou em jornais e revistas e publicou livros de poesia, catálogos e ensaios: Amílcar de Castro, Jorge dos Anjos, Mário Bhering. http://www.crap-mg.art.br | sampaiomarcio@yahoo.com.br

Ficha técnica Coordenação Cleide Barros | Textos Ângelo Oswaldo de Araújo Santos | Bartolomeu Campos de Queirós | Márcio Sampaio | Moacy Cirne | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa Fábio Queiroz | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia André Fossati | Adriano Franco | Márcio Sampaio | Miguel Aun | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Márcio Sampaio | Montagem Fábio Queiroz | Elizon Rodrigues | Marcos Aurélio da Silva | Eletricistas Eleinilson Alves de Souza | Oziman Xavier de Souza | Marcenaria Pedro Juvino | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


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37 14 junho - 08 julho 2012 Tempo para o destino | Instalação | Marlene Almeida Como caminhar ao contrário, pisando nas mesmas marcas se o retorno é impraticável, e os rastros se apagaram? Como enganar o tempo, este inimigo invisível, e sair como louca, ocultando-me do mesmo, e virando tudo ao avesso, como um rio que estanca ante o desaguadouro natural, rejeita o mar e lança-se, não mais como um lete manso, mas como uma torrente caudalosa e voraz, em busca da sua nascente? A nal não é esse nosso desejo mais intenso? Revolver a vida ou pelo menos, parar ante o inevitável destino? (Marlene Almeida)

Tempo para o destino | por Dyógenes Chaves Aos 70 anos, Marlene Almeida dá continuidade à sua obra desenvolvida a partir de 1958, fortemente ligada à terra, a princípio, como re exo de seu envolvimento ideológico e, desde o nal dos anos 1970, também pela escolha de materiais naturais, utilizados desde sua primeira exposição individual (em 1979) na Fundação Cultural da Paraíba. A partir da década de 1990 o trabalho da artista tem como foco o tempo, ou mais especi camente, a passagem do tempo. “A impermanência ou a fragilidade é uma das maiores angústias do ser humano. Tendo desenvolvido a capacidade de pensar, o homem racional é condenado a entender-se passageiro. Impossível mudar a realidade. Difícil caminhar sobre o aguçado o da navalha”, reitera Marlene. Em 1990, a artista montou a exposição Passatempo, com objetos efêmeros, que lembravam ampulhetas modi cadas. A exposição foi apresentada no Centro Cultural São Francisco, em João Pessoa, e depois na Galeria Valú Ória, em São Paulo e no ICBRA, em Berlim, na Alemanha. As exposições seguintes também falavam do tempo: Tempo (no NAC/UFPB), Zeit vergeht, Der Natur der Zeit (Galerie Drei, em Dresden, na Alemanha), Grenze (Galerie Forum, Berlim), Limite (NAC/UFRN), Zeit/Grenze (Galerie Weisser Elephant, em Berlim), Resistentes (NAC/UFPB) e Passageiros (Galeria Sierra, João Pessoa). A exposição Tempo para o destino toma dos monitores dos voos internacionais, o aviso do tempo que falta para chegar ao próximo aeroporto: time to destination. Fora do contexto e sem a informação do tempo restante, a expressão passa a indicar um destino desconhecido, incerto, sem data ou horário previstos. “Que destino? O seu? O meu? O de todos? O do planeta? E, se não sabemos qual é o destino, como contar os dias, marcar os minutos, os segundos?”, questiona a artista. Conjuntos de objetos, em tecidos laminados – prata, cobre, cinza – organizados serialmente na parede, preenchidos com areia, como ampulhetas onde o tempo não pode passar, parece expressar o desejo de todos. Uma grande instalação, composta por tubos de algodão cru, suspensos no teto e iluminados, lembra os instrumentos mais ancestrais de medir o tempo: as varas de sombra.


38 A exposição também apresenta pinturas, em têmpera sobre tela. Ainda tendo como foco a precariedade, ou a ação implacável do tempo, no fundo claro (terra branca) surgem restos vegetais retorcidos, fragmentos da natureza (a grande paixão da artista), em cores escuras e tons terrosos; sendo duas pinturas de grandes dimensões e três trípticos, um díptico, e um conjunto de telas de pequenos formatos. Dedicada ao aprofundamento de sua pesquisa, Marlene Almeida construiu uma obra em que o produto estético é fruto das suas inclinações político-ideológicas, resultando numa con uência de força e sensibilidade raramente vistas nas artes visuais. Sua obra é uma extensão do seu pensamento sobre a condição e a fragilidade humanas. São re exões de uma mulher, mãe, militante, ativista e artista, que ao longo de sete décadas não se curvou à cronologia do tempo.


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Pintura I TĂŞmpera (pigmentos naturais) sobre tela | 140x210cm | 2012


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41 A artista Marlene Almeida. Bananeiras, Paraíba, 1942. Vive e trabalha em João Pessoa. Artista visual e restauradora. Graduação em Filoso a (UFPB); cursos de Pintura, desenho e escultura (Coex/UFPB). Desenvolve pesquisa sobre a manufatura de tintas à base de pigmentos e resinas naturais. Em paralelo à produção artística, preside a Associação dos Artistas Plásticos Pro ssionais da Paraíba (1981-1983). Ministra cursos sobre pigmentos e resinas naturais (Festival Nacional das Mulheres nas Artes; Festival de Verão de Petrõpolis; MAM Rio). Em 1994, fundou o Centro de Artes Visuais TambiáCAVT, para desenvolver atividades de ensino de artes e intercâmbio com outros países. Exposições: Galeria Tomás Santa Rosa (Funcep, João Pessoa, 1979); Terra (Decom/UFPB, 1983); Da esperança a ser reinventada (Galeria Gamela, 1983); Fruto da terra (Escolinha de Arte do Recife; Galeria Gamela, João Pessoa, 1984); Museu de Arte da Bahia (Salvador, 1985); A cor da terra (Fundação Cultural, Brasília, 1986); Galeria Ars Artis (São Paulo, 1987); Museu da Universidade do Pará (Belé, 1987); Paço das Artes (São Paulo, 1987); Paisagem para Schenberg (Galeria Gamela, 1990); Corpus Terrae (NAC/UFPB; Galeria Unter dem Wasserturm, Alemanha, 1997); Passatempo (Centro Cultural São Francisco, 1999); Brasilien in Barsikow (Galerie Barsikow, Bradenburgo/Alemanha, 2000); Zeit vergeht (ICBRA, Berlim, 2000); Passatempo (Valu Oria Galeria de Arte, São Paulo, 2000). marlenealmeida@superig.com.br

Ficha técnica Coordenação Dyógenes Chaves | Secretaria Fábio Queiroz | Texto Dyógenes Chaves | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa Fábio Queiroz | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Marlene Almeida | Fotografia Adriano Franco | Cácio Murilo | Marlene Almeida | Arquitetura de Montagem Marlene Almeida | Montagem Dyógenes Chaves | Elizon Rodrigues | Marcos Aurélio da Silva | Severino Lucas | Eletricista Marciel Norberto | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Magia | Apoio Alcione Félix | Dinarte Boavinda | Leonílson Rodrigues | Rivaldo Pereira


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43 Coletiva 3 | 15 agosto - 16 setembro 2012 Absorção | Site speci c | Julio Meiron Habite-se | Instalação (work in progress) - 2006-2011 | Márcio Almeida remixCIDADE: João Pessoa | Vídeo, instalação, performance | Grupo Mesa de Luz

Absorção | Julio Meiron Série foi iniciada em 2008, em uma viagem de barco (transformado em ateliê utuante) pelo Rio São Francisco, em meio às obras da Transposição. Nesta viagem, o artista acolchoava elementos do barco e da paisagem, aludindo à absorção arti cial das águas. A proposta é envolver elementos da Usina Cultural Energisa (e outros elementos de “fora”) com espuma de acolchoamento como forma de trazer o rio “absorvido” para a galeria, só que não através da engenharia, como pretende o polêmico projeto de transposição de suas águas, mas através da porosidade da arte contemporânea. Absorção | por Julio Meiron Acolchoando com espuma amarela de estofamento (amarrada por barbantes) elementos signi cativamente eleitos, formam-se composições e conjuntos estranhos em relação aos elementos cotidianos. Na Usina Cultural Energisa, acolchoaremos um conjunto composto por cadeira de praia com guarda-sol e ventilador. Além disso, com a obra montada, o ventilador acolchoado cará ligado, criando uma corrente de ar em direção à cadeira com guarda-sol. O visitante poderá percorrer por toda a obra. Assim, irá se criar um ambiente absurdo, uma espécie de praia falsa e irônica, com os elementos de veraneio remetendo à “temperatura” do amarelo e aludindo à arti cialidade cada vez maior da paisagem do Nordeste brasileiro, transformado por grandes obras de infraestrutura atualmente em curso. A série Absorção começou em 2008 com uma viagem de barco transformado em ateliê utuante pelo Rio São Francisco, em meio às obras de sua transposição. Nesta viagem, acolchoávamos elementos do barco e da paisagem, aludindo à absorção arti cial das águas. Em obras posteriores, o trabalho com estes materiais foi se ampliando além das margens do rio. “O sertão está em toda parte”, como disse Guimarães Rosa. Com João Pessoa sendo a capital de um dos Estados receptores que “absorverão” as águas transpostas do Velho Chico, acreditamos que é um bom local para continuar desenvolvendo e discutindo as ações artísticas suscitadas. Temos consciência que o espaço da Usina, ampli cado, atrela-se a discutir erros e acertos na construção da territorialidade.


44 Realizar uma obra envolvendo elementos na galeria com a mesma espuma de acolchoamento que usamos nas margens do São Francisco é uma forma simbólica de nos antecipar e trazer o rio “absorvido”, só que não através da engenharia, como pretende, de forma diversa, o polêmico projeto de transposição de suas águas, mas através da porosidade da arte contemporânea. Assim ca instaurada a arti cialidade da arte diante da arti cialidade da engenharia. Como se comportarão?

Habite-se | Márcio Almeida Ação de fotografar a colocação de obeliscos em determinados locais, signi cativos para determinada pessoa ou grupo de pessoas (curadores, artistas envolvidos na mostra e pessoas comuns) da cidade onde será realizada a exposição, dois meses antes da realização da mostra que deverão fotografá-los e enviar as fotos por e-mail, para que possa compor o work in progress. O indivíduo e suas relações com a cidade, a ocupação e a apropriação dos espaços são algumas re exões sugeridas pelo trabalho. As DemarcAções de Márcio Almeida | por Paulo Bruscky Conheço o artista Márcio Almeida e o seu trabalho dis/forme em relação à SituAção através de suas propostas/instalações, sempre com referências ao ser humano e seus questionamentos. Nas palavras do artista, uma das funções do seu projeto “é gerar o pensamento e o questionamento do global em contraposição com o local”. O próprio título da exposição – Habite-se – faz uma alusão ao documento/licença da prefeitura para liberação do imóvel para habitação e esta exposição, composta por fotogra as, cerca de 60 obeliscos (feito a ferro soldado do tipo vergalhão e cuja oxidação também é incorporada à sua ideia) e um vídeoregistro feito por Oriana Duarte em função do arrombamento do seu carro e que, ao prestar queixa na polícia, lmou a vidraça quebrada e o obelisco deitado num banco, tendo passado despercebido pelo ladrão, é apenas uma parte do registro do seu projeto obelisco andarilho (ao contrário dos obeliscos convencionais, que são grandes, imponentes e imóveis, que servem para registros de marcos históricos), que já transitou por diversas cidades brasileiras e também no exterior, a exemplo de Paris, Londres, Roma e Berlim, entre outras. Esses objetos foram retirados da sua produção de desenhos/pinturas, em que eles estavam sempre representados. Observando as fotos tiradas na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, o artista percebeu um fato curioso: a ausência de sombra do obelisco nas fotos tiradas nas ruas em plena luz do dia. Ao entregar o seu objeto para as pessoas ele recebeu uma documentação foto/grá ca bastante diversi cada no que se refere a situAções/habitações/lembranças de locais bastante inusitados como banheiros, praças (numa delas um guarda protege o obelisco),


45 lojas, fundo do mar, superposições com monumentos, en m, uma série de registros que merecem uma análise sociológica e antropológica. Em uma série de fotogra as do seu work in progress as projeções das sombras dos obeliscos se confundem com o próprio objeto, gerando uma perspectiva inovadora. Sendo Márcio Almeida um artista pesquisador nato e multimídia, esta propostAção não é um trabalho isolado na sua diversi cada e inteligente produção. Ele é um dos poucos artistas brasileiros, ao lado de Nelson Félix e Eleonora Fabre a trabalharem com GPS, que o público pernambucano conheceu quando da sua participação como artista convidado do 45º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, realizado na Fábrica da Tacaruna em 2002/2003, momento em que ele montou a obra intitulada De-Formação (Ação/Marcação) na parte interna e externa da fábrica e, segundo depoimento do próprio artista, “(...) deu sequência à série Ação/Marcação utilizando instrumento de localização por satélite, o GPS (Global Position System). De-Formação investigou posições e deslocamentos, em uma ação marcada por três etapas: registro e marcação de um determinado ponto, a partir das coordenadas da latitude e longitude; interferência do artista neste lugar, retirando a matéria (areia) e substituindo-a por água; e transposição da matéria (areia) para o espaço expositivo, sobre pondo as matérias de dois pontos geográ cos distintos”. Além da produção citada acima, Márcio realizou diversas intervenções urbanas e recentemente um trabalho bastante conceitual que foi a transposição de um barraco de uma favela para o Museu de Arte Contemporânea de Olinda, em 2006, como projeto de pesquisa contemplado no último Salão de Arte Contemporânea do Museu do Estado de Pernambuco. Ele também tem uma produção signi cativa nos seus trabalhos de vídeo, a exemplo do Direita/Esquerda, Mani-Oca, Game Over, Delivery e PA #1, 2 E 3, entre outros, que de uma certa forma estão sintonizados com sua produção como um todo. Por m, faço uso de outra frase do artista que resume muito bem a sua proposta: “o trabalho fala pouco e pergunta muito mais.

remixCIDADE: João Pessoa | Grupo Mesa de Luz A apresentação de cinema ao vivo – remixCIDADE: João Pessoa – trata de um retrato da cidade de João Pessoa em que os artistas do grupo se propõem a desenvolver uma pesquisa de campo, coletando sons e objetos descartados ou esquecidos da cidade que farão parte de uma apresentação de cinema ao vivo, mostrando assim a percepção dos artistas em relação à cidade e os seus restos. Com o olhar estrangeiro, in uenciados pela paisagem, pela arquitetura e pelas pessoas, os artistas de forma intuitiva criarão um inventário de objetos descartados ou esquecidos que representarão percepções inusitadas de João Pessoa. A partir desta pesquisa, o grupo conceberá o espetáculo, onde os sons são remixados e as imagens criadas ao vivo.


46 remixCIDADE: João Pessoa | por Christus Nóbrega A mesa, esta aparentemente ingênua peça de mobiliário, que pode ser facilmente reduzida a um objeto, é na verdade um território; um território relacional por excelência. À mesa não nos nutrimos apenas de alimentos, mas, principalmente, um dos outros. Ela sustenta a construção de um corpo biológico, mas também de um corpo-matilha. Um corpo que deseja sempre estar em contato com outros, se construindo coletivamente através da experiência do compartilhamento. Assim, ao eleger a mesa como artefato estruturante de suas performances-cinema, o Grupo Mesa de Luz, composto pelos artistas brasilienses Hieronimus do Vale, Marta Mencarini e Tomás Seferin, atualiza esse objeto-território, resigni cando a experiência de portar-se à mesa. Sobre ela os artistas põem e nos servem os fragmentos de um cotidiano contemporâneo multiversal, construindo, desconstruindo e reconstruindo imagens oníricas e lúdicas na proposição de (des)narrativas audiovisuais em cena. Em suas apresentações, trabalham com um denso aparelhamento técnico multimidiático que possibilita a captação e manipulação em tempo real das imagens e dos sons postos sobre a mesa. Em João Pessoa, o grupo apresenta a performance-cinema, remixCIDADE: João Pessoa. Nela, os artistas em uma atitude âneur, através de perambulações pela cidade até então desconhecida, coletaram diversos objetos descartados, e em uma atitude poético-arqueológica, os reeditam ao vivo. Esta apresentação desdobra-se da pesquisa que o Grupo Mesa de Luz vem realizando desde 2008 e apresentando em vários eventos nacionais e internacionais de arte contemporânea. No portfólio do grupo destacam-se as participações no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica - FILE (São Paulo, 2009), Festival de Arte Digital - FAD (Belo Horizonte, 2010), Circuito SESC de Artes (15 cidades no estado de São Paulo, 2010), Festival Internacional de Teatro Cenacontemporânea – Território de risco (apresentação: CUBO), em parceria com a Companhia B de Teatro (Brasília, 2010), DF Depois das Fronteiras (CCBB, Brasília, 2010).


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49 Os artistas Julio Meiron. Raul Soares, Minas Gerais, 1982. Vive e trabalha em São Paulo-SP. Bacharelado em Artes Plásticas (USP), Mestrando em Estética e História da Arte (MAC/ USP); Licenciatura em Arte (Centro Universitário Belas Artes de São Paulo). Principais realizações: Individual (Galeria Rita Castellote, Madri); Residência artística na cidade histórica de Areia-PB (Museu Pedro Américo), através do edital Interações Estéticas (Funarte); ilustrações para o jornal Folha de S. Paulo (2010); projeto Expedição Francisco (Conexão Artes Visuais, MinC/Funarte/Petrobras); X Bienal Nacional de Santos (2006). Atua nas performances de Laura Lima e do grupo Super ex (27ª Bienal de São Paulo). Prêmio no 33º Salão de Arte Contemporânea de Santo André (2005). www.juliomeiron.com Márcio Almeida. Recife, Pernambuco, 1963. Vive e trabalha em Recife-PE. Individuais: Galeria Renato Carneiro Campos (Museu do Estado, Recife); Espaço Cultural Bandepe (Recife); Galeria Dumaresq (Recife); Objetos encadernados e outros objetos (NAVE-Núcleo de Artes Visuais e Experimentos, Recife); Habite-se (Galeria Amparo 60, Recife). Coletivas: Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco (Recife, 1988, 1989 e 1992); VI Samap (João Pessoa, 1991); Treze artistas em tempos de cólera (Espaço Quarta Zona de Arte, Recife, 1992). www.marcioalmeida.com.br Grupo Mesa de Luz. Brasília-DF. Artistas do grupo: Hieronimus do Vale é bacharel em Artes Plásticas pela UnB. É artista plástico e VJ desde 2004; Tomás Seferin estuda Artes Plásticas (UnB) e cursou Engenharia de Audio (SAE, Paris). É artista plástico, produtor musical, sonoplasta e DJ; Marta Mencarini é mestre em Arte e Tecnologia e bacharel em artes plásticas (UnB). É artista plástica e professora de artes plásticas. Atuações recentes do Grupo: Fora do Eixo (Brasília); 1º Salão de Arte Contemporânea do Centro-Oeste (Goiânia-GO); Circuito Sesc de Artes (15 cidades no interior de São Paulo); Festival de Arte Digital (Belo Horizonte); Brasília aos ventos que virão... (Brasília); Festival Internacional de Teatro Cenacontemporânea (Brasília); DF Depois das Fronteiras (Brasília); 1277 Minutos de Arte Efêmera (Brasília); 61° Salão de Abril (Fortaleza); Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (SESI, São Paulo); Fora do Eixo Precipitações (Brasília); #7 Encontro de Arte e Tecnologia (Brasília). www.grupomesadeluz.tumblr.com

Ficha técnica Coordenação Dyógenes Chaves | Secretaria Rogério Maurício | Textos Christus Nóbrega | Julio Meiron | Paulo Bruscky | Monitoria Cristina Calaço Garcia | Daniele Tito Calaço | Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa Fábio Queiroz | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia Adriano Franco | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Montagem Elizon Rodrigues | Rogério Maurício | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


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Contemplação azul I da série Um lugar comum | Óleo sobre tela | 195x195cm | 2014


51 04 setembro - 04 outubro 2014 Horizonte comum | Pintura | Sergio Lucena Começava a década de 80 quando conheci aquele que viria a ser o meu mestre, o pintor Flávio Tavares. Generosidade sempre foi a marca do Flávio, ele abriu-me a porta do mundo, eu entrei, ele mostrou-me caminhos trilhados e disse-me: para o artista só o próprio caminho é válido. Flávio acreditou que eu poderia encontrar meu caminho, e estava certo. Nesta época, costumava visitar o professor Hermano José Guedes, levava minhas primeiras pinturas para dele ouvir algo que iluminasse o caminho. Numa ocasião, ele falou: o artista só começa a pintar depois dos cinquenta anos. Eu tinha pouco mais de dezoito, aquilo me pareceu absurdo. Hoje compreendo, assim como Flávio, Hermano também estava certo. Eu dedico esta exposição a Flávio Tavares e a Hermano José Guedes, dois grandes mestres e amigos que me ensinaram ver que tudo está certo, como sempre esteve. (Sergio Lucena, São Paulo, 08 de agosto de 2014)

Horizonte comum | por Júlia Lima “A pintura catalisa um estado”: é assim que Sergio Lucena descreve sua prática artística. Estar frente a uma de suas telas torna-se uma experiência sensorial, mexe com o corpo, com a mente. É possível ser transportado para os mais distintos lugares, estados de espírito, de consciência. A cor, a luz e o volume da tinta envolvem o espectador numa atmosfera potencialmente subjetiva e transformadora, que oferece a possibilidade de mergulhar e envolver-se em si mesmo, e numa nova percepção da realidade. Enfrentar esse mergulho é paradoxal, pois ao mesmo tempo em que desperta lembranças e experiências passadas, também nos aponta ao novo e ao desconhecido. Horizonte comum apresenta o percurso da produção de Sergio Lucena, do início de 2004 até uma nova fase que se iniciou em 2012, atravessado por digressões que permitem conhecer amplamente os esforços do artista em seu constante enfrentamento com a pintura. Com algumas obras inéditas, a mostra investiga os diferentes espaços que o exercício artístico ocupa: seja a pulsão por esgotar as possibilidades da cor sobre a tela; sejam os desafios de criar luz a partir da tinta preta; seja a disputa sutil entre figuração e abstração presentes em momentos-chave de sua obra. Esses momentos são marcados pela dedicação exaustiva à temática da paisagem, buscando novos modos de olhar o mesmo cenário que encarava enquanto criança no Sertão da Paraíba. No entanto, seus interesses recentes vão mais longe e concentram-se na tentativa de compor atmosferas que imprimam no público um estado singular de consciência e presença.


52 Os trabalhos pictóricos do início de sua carreira – parte surrealistas, parte regionalistas, parte barrocos – traziam um universo fantástico e assombroso, povoado de animais míticos e rebuscados. No entanto, Lucena saltou, como num movimento pendular, do rebuscamento barroco ao extremo da pintura abstrata. É nesse momento em que passa a apurar a fatura e a técnica para elaborar imagens indiciais de paisagens e cenas marinhas, empregando uma outra palheta de cores, outra pincelada e ocupando-se, assim, de outro universo. Notável, no entanto, é o denominador comum a toda sua produção. Há uma luminosidade inerente a todo trabalho. O que sempre interessou ao artista não eram primeiramente as formas e as guras, mas sim a cor e a luz. Natural que, com o esgotamento do expediente da ilustração e da narrativa, viesse o abandono da guração. Logo mudaram seus procedimentos perante a tinta e a tela, em pinturas erguidas laboriosamente com in nitas sobreposições de camadas de tinta, na busca pela luminescência. É a partir de então que se revela o fascínio de Lucena pela matéria, não apenas pelo prazer palpável da lida com as tintas, mas também por uma ânsia alquímica de combinar elementos para alcançar um resultado quase mágico. Esse interesse pelo misticismo, antes presente na guração, permeia agora as imagens misteriosas que cria. As pinturas, assim, são intensos e rigorosos experimentos de um cientista da arte que, por meio do exercício repetitivo de aplicar e retirar tinta, oferece a possibilidade de experiência subjetiva. Sergio ainda pinta como o menino no Sertão da Paraíba que subia em uma pedra e olhava para o mundo. Infinitas pedras, infinitos horizontes.


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O profundo sono da beleza | da série Um lugar comum | Óleo sobre tela | 200x150cm | 2014

Pintura N° 23 | da seŕ ie Ænigma Lucens | Óleo sobre tela | 140x120cm | 2012


55 O artista Sergio Lucena. Paraibano de João Pessoa, 1963. Trabalha e reside em São Paulo, desde 2003. Estudou Física e Psicologia na Universidade Federal da Paraíba. Dos 17 aos 20 anos de idade, recebeu do artista Flávio Tavares orientação informal em pintura e desenho. Artista autodidata, ao longo da sua carreira obteve prêmios nos principais salões do país, participou de workshops, intercâmbios e residências em Berlim, Washington DC e Dinamarca com exposições em galerias e instituições de arte do Brasil e exterior. Em 2012 recebeu o Prêmio Mário Pedrosa, como Artista Contemporâneo de 2011, da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). www.sergiolucena.net | sergiolucena@uol.com.br

Ficha técnica Patrocínio Fundo de Incentivo à Cultura-FIC Augusto dos Anjos | Coordenação Dyógenes Chaves | Curadoria Júlia Lima | Monitoria Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa AMCC Energisa | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Sergio Lucena | Fotografia das obras Claudio Wakahara | Márcio Fischer | Fotografia do artista Roberto Loffel | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Sergio Lucena | Montagem Elizon Rodrigues | Marcos Aurélio da Silva | Rinaldo Nunes | Marcenaria Pedro Juvino | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor | Transporte, embalagem e seguro de obras Millenium


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57 Coletiva 4 | 23 outubro - 23 novembro 2014 Três invertido | Vídeo | Carlos Mélo Conversas com a paisagem | Xilogravura | Rafael Pagatini Nadir #9 | Instalação | Túlio Pinto

Três invertido | por Carlos Mélo “Sintra é um belo lugar para morrer”, esta frase é do cineasta brasileiro Glauber Rocha, que viveu os últimos dias de sua vida em Sintra, Portugal, onde o vídeo Três invertido foi produzido mediante residência artística em 2010 – Home & abroad da Triangle Network. Sintra foi fundada pelos Maçons, o três invertido é o um dos símbolos que indicavam as casas onde aconteciam cerimônias secretas. O vídeo é uma exão da morte, da decadência do corpo e do lugar. Assim como Glauber estava vivendo, naquele período, um momento de desfalecimento tanto da sua obra quanto do seu corpo (ele faleceu no Rio de Janeiro em 1981). A mala lançada à piscina com água estagnada, metáfora da crise econômica e política do país atualmente, o esvaziamento da mala, assim como um “certo corpo que cai”, re ete fortemente os uxos de passagem, limpeza, e esgotamento deste corpo, sua inversão e os acontecimentos secretos que nele habitam.


58 Conversas com a paisagem | por Rafael Pagatini Nesta mostra apresento exemplares da série Conversas com a paisagem que, a partir de pesquisas e viagens pelas cinco regiões brasileiras e por meio de técnica que aproxima e funde fotogra a e xilogravura, retrata a geogra a do país, como um convite ao conhecimento que passa pelo viajar, pela vivência de diferentes ares, culturas e modos de pensar, ampliando horizontes. Os trabalhos apresentados na exposição apresentam estradas soturnas pelas quais o artista transitou e coletou madeiras encontradas ao longo das jornadas e nas quais gravou imagens de seus deslocamentos. Os títulos dos trabalhos são decorrentes de anotações e diálogos com pessoas que o artista encontrou ao longo das viagens e que foram reunidos na publicação Conversas com a paisagem.

Conversas com a paisagem I | Xilogravura sobre papel Gynriushogi | 60x90cm | 2013 | 4/10 Já é noite. Parto da cidade conseguindo visualizar apenas as luzes das casas. Quanto mais nos distanciamos, mais elas diminuem, até sumirem completamente na penumbra da noite. Aos poucos, somos um ponto luminoso em uma linha escura que corta Minas Gerais. A paisagem se materializa no colorido das luzes alaranjadas, brancas e rosáceas dos postes que vamos deixando para trás. Os faróis dianteiros abrem caminho e iluminam a vegetação à beira da rodovia. Essa passagem pela capital mineira revelou-me como os encontros ocorrem nos momentos mais inesperados, como nos apaixonamos tão rapidamente e esquecemos por instantes todo o peso de nossos compromissos e de nossas relações, abrindo-nos para as surpresas do mundo, além de propiciar situações em que nos vemos em um enredo e nas quais criamos memórias, marcas em nossas vivências.


59 Nadir #9 | Instalação | Túlio Pinto Além de uma chapa de vidro transparente e cordas especiais, o artista utilizou areia de rio e pedras calcárias retiradas de uma pedreira localizada no bairro Alto do Céu, na periferia de João Pessoa. A queda interrompida pela gravidade | por Eduardo Biz Como acontece nos passes de mágica, quando se materializa aquilo que era aparentemente impossível, a arte de Túlio Pinto faz duvidar sobre a realidade dos fatos e incita a questionar se a existência da obra é forjada ou real. Causando uma espécie de ilusão de ótica, “Nadir” desperta um estado de alerta que faz o espectador buscar atentamente por um deslize qualquer, uma inexistente instabilidade que, a qualquer momento, revele que tudo não passa de um truque. Não há aqui, entretanto, nenhuma ilusão incapaz de ser explicada pela física. Trata-se de uma lâmina de vidro inclinada, de 220 centímetros de altura, 90 centímetros de largura e 0,8 centímetros de espessura, cuja queda é interrompida por um cabo sintético que mantém uma pedra a alguns centímetros do chão. A outra ponta do cabo está amarrada a uma segunda pedra, criando um gra smo utuante que, simultaneamente, sustenta e faz levitar a escultura. O equilíbrio do vidro torna-se um evento ancorado e desenhado no espaço. O contraste de forças – característica bastante presente na linha de pensamento do artista – resulta em um equilíbrio improvável que coloca o frágil versus o bruto. Ao inverter as potências de uma pedra e de uma lâmina de vidro, “Nadir” revela simultaneamente a força e a fragilidade oculta nos materiais. É precisamente neste delicado momento que a obra localiza seu estado de graça: na precisão estática que mantém de pé aquilo que aponta para um colapso iminente. Em outras palavras, a obra cria uma zona de tensão na qual qualquer instabilidade se acentua, inclusive a do próprio espectador. Ao ver-se em contato com um campo gravitacional que foge da ordem de seu conhecimento, o espectador se percebe frágil enquanto ser vivo. É preciso reaprender sobre si mesmo quando se é exposto a alternativas que coexistem na mesma realidade. Deste modo, faz sentido o título da escultura. Nadir é o termo utilizado na astronomia e na geogra a para designar o ponto inferior da esfera celeste segundo a perspectiva de um observador na superfície do planeta. É a linha imaginária traçada a partir de seus pés até o outro lado da Terra; um canal por onde o corpo ui até o in nito. Em vez de apontar verdades, a obra conduz ao conhecimento de uma outra realidade possível. Por meio de um jogo lúdico, em muito semelhante a um truque de mágica, “Nadir” ajuda a compreender o que nosso pensamento condicionado se limita a considerar impossível: a existência, ainda que oculta, do outro lado da moeda.


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61 Os artistas Carlos Mélo. Riacho das Almas, Pernambuco, 1960. Vive e trabalha em Recife-PE. Artista que investiga o lugar que o corpo ocupa no mundo. Atua com vídeos, performances, fotogra as e instalações. Sobre sua obra, Moacir dos Anjos escreveu: Aproximando imagens e palavras, o artista fez convergir, por vezes, fotogra as de seu corpo em situações de interação com a paisagem e diagramas conceituais que o sugerem como matéria em uxo, de nido sempre de modo transiente e relacional. São trabalhos que buscam dissolver a materialidade do corpo nos lugares onde realiza ações – confundindo carne e espaço – e, por meio do ‘contorcionismo semântico’ que faz, transformá-lo também em conceito. Com várias formações e pesquisas no ramo das artes e loso a, desenvolve atividade artística regular de âmbito nacional e internacional. Expõe regularmente em circuitos institucionais, entre estes, Paço das Artes (São Paulo), MAMAM e Fundação Joaquim Nabuco (Recife), Itaú Cultural (São Paulo), MAM (Salvador), Plataforma Revólver (Lisboa, Portugal). Premiado em diversos salões de arte no país, e em 2014 foi o idealizador e coordenador geral da 1ª Bienal do Barro do Brasil (Caruaru-PE). carlosmeloart@hotmail.com Rafael Pagatini. Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, 1985. Vive e trabalha em Vitória-ES onde atua como professor da Universidade Federal do Espírito Santo. É bacharel em Artes Plásticas e Mestre em Artes Visuais pela UFRGS. Sua produção contempla principalmente pesquisas utilizando as linguagens da gravura e fotogra a a partir de re exões sobre paisagem e memória. Participou de exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. rafael_pagatini@yahoo.com.br Túlio Pinto. Brasília-DF, 1974. Vive e trabalha em Porto Alegre-RS, onde é membro e co-fundador do Atelier Subterrânea. Graduou-se em Artes Visuais, com ênfase em escultura na UFRGS em 2009. Também trabalha com instalação, desenho, pintura e fotogra a. Entre suas principais realizações artísticas estão as individuais no Museu de Arte de Ribeirão Preto (2011); Instituto Goethe (Porto Alegre, 2009); Galeria Iberê Camargo, Usina do Gasômetro (Porto Alegre, 2009); e coletivas no Centro Cultural Parque de España (Rosario, Argentina, 2011); Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 2011); 35° SARP – Salão de Arte de Ribeirão Preto Nacional Contemporâneo (Ribeirão Preto-SP, 2010), onde obteve o Prêmio Aquisição Leonello Berti. tuliopinto@gmail.com

Ficha técnica Coordenação Dyógenes Chaves | Secretaria Margarete Aurélio | Textos Carlos Mélo | Eduardo Biz | Rafael Pagatini | Monitoria Elizon Rodrigues | Assessoria de imprensa AMCC Energisa | Programação visual 2OU4 | Dyógenes Chaves | Fotografia das obras Rafael Pagatini | Túlio Pinto | Fotografia do artista Maiia Saienko (Túlio Pinto) | Arquitetura de Montagem Dyógenes Chaves | Montagem Elizon Rodrigues | Marcos Aurélio da Silva | Rinaldo Nunes | Marcenaria Pedro Juvino | Webdesigner Café Dias | Impressão offset Gráfica JB Ltda. | Impressão de textos Art Cor


62 Prêmio Energisa de Artes Visuais Estatísticas nais (das inscrições)


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64 ISBN 856661503-4

6 788566 615036

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produção

patrocínio

realização


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