RETROSPECTIVA 50 ANOS
Chico Pereira e o Arquivo Chico Pereira Qualquer definição é insuficiente para definir o artista paraibano Chico Pereira (Campina Grande, 1944). Multimídia, educador, fotógrafo, arquivista, editor, curador, enfim, em duas palavras: artista contemporâneo. Se meios e técnicas não definem sua prática artística, Chico Pereira foi ainda mais: um “guardador” da memória das artes visuais da Paraíba nos últimos 50 anos. Como historiador e crítico do sensível, sempre dedicou-se ao estudo e pesquisas de temas afeitos à arte de nosso tempo: do artesanato à arte contemporânea, da iconografia do cotidiano à literatura de cordel. Foi um dos pioneiros da intervenção urbana quando, em 1979, propôs a obra Um dia de sol, recolhendo todo o lixo produzido pela população da Praia de Tambaú e mostrando-o na Feirinha, aos próprios frequentadores da praia. Pela primeira vez se experimentou a possibilidade da arteecologia e do seu papel nas artes plásticas. Recentemente, volta-se também para a pesquisa de suas raízes paraibanas por meio do registro e pesquisa sobre as principais atividades culturais e dos artistas de sua terra. Daí, vem a publicação do seu livro Paraíba – Memória Cultural (Grafset, 2012) sobre a história da produção artísticocultural paraibana, que se destina, inclusive, a complementar a bibliografia da rede estudantil do Estado. Além disso, já publicou um livro sobre uma das maiores feiras populares do Nordeste: a Feira de Campina Grande. E, em parceria com o artista Raul Córdula, escreveu Os Anos 60 – Revisão das artes plásticas na Paraíba (Funarte/ UFPB, 1980) sobre a produção de artes plásticas no Estado e foi co-editor do Almanac, espécie de relatório sobre a vigorosa e atualíssima programação do Núcleo de Arte Contemporânea-NAC, da UFPB (1979-84).
RETROSPECTIVA 50 ANOS www.arquivochicopereira.com.br
João Pessoa/ Paraíba Grafset 2017
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João Pessoa/ Paraíba Grafset 2017
Chico Pereira – Retrospectiva 50 anos
Nos dias de hoje, a própria história da arte não dá conta de toda a multiplicidade de poéticas das artes visuais. No caso da Paraíba, ainda há enorme lacuna no que tange ao reconhecimento de obras, ações e artistas considerados seminais para “explicar” a arte contemporânea no Estado. Felizmente, ainda há tempo e oportunidade para tal reconhecimento, notadamente por intermédio da universidade, onde se pode resgatar tudo aquilo que sempre esteve à margem da narrativa oficial. Pouca gente sabe, por exemplo, que a trajetória do artista Chico Pereira se confunde com a própria história da arte da Paraíba. Basta dizer que sua vida (e sua arte) está diretamente associada a todas as ações de vanguarda no campo das artes visuais no Estado. Das incursões na arte multimídia – em que foi forjado um artista completo – até a atuação de técnico idealista e visionário na articulação do curso de Educação Artística e do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB (NAC), assim como na instalação do Museu de Arte Assis Chateaubriand e da Associação Le Hors-Lá (intercâmbio internacional entre a França e o Brasil), Chico Pereira tem sido, ao mesmo tempo, mentor e ator de nossa história artística – e política, claro – mais recente. A produção de Chico Pereira nas artes visuais se constitui em um exercício experimental da mais completa liberdade. Sua mensagem poética e sua postura política remetem aos múltiplos sentidos da arte contemporânea, em que a opção do indivíduo por ser artista é apenas um fato transitório entre criação e ação. Desde que, em Campina Grande, no final dos anos 60, se integrou como artista ao grupo Equipe 3 (juntamente com Eládio Barbosa e Anacleto Elói), até a realização de seu último trabalho (um painel de cobogós produzido para a Estação Cabo Branco, em João Pessoa), Chico Pereira “viajou” em todas as possibilidades de interação entre utopia e realidade, imaginação e ação produtiva, arte e vida, atelier e escritório, amor e ódio. Que fique bem claro, este não é um artista “comercial”, daqueles que buscam os holofotes nas colunas sociais. Melhor seria vê-lo como misto de Dom Quixote e Sancho Pança, embora qualquer definição que a Chico se atribua seja de fato insuficiente. Chico Pereira é um homem de mil instrumentos: aquele que atua em várias frentes – da diversidade de linguagens à profusão de suportes – e para quem tudo se torna campo de ação e objeto de investigação. Meios e técnicas não determinam sua prática artística, Chico revela-se um colecionador de “lembranças arquivadas aleatoriamente durante décadas e reconstituídas artisticamente como um quebracabeça”. Sua obra é um verdadeiro relicário nos moldes dos arquivos do pernambucano Paulo Bruscky, do alemão Boris Nieslony ou do internacional grupo Fluxus. Este catálogo, que ora apresentamos, não pretende uma organicidade em sua imensa produção, seja artística ou intelectual. Parte do registro de suas mais recentes exposições na área – o projeto Conexão Desconexas e a mostra com o parceiro e amigo, Raul Córdula, por exemplo – até o resgate de um mural executado nos anos 60, em Campina Grande, este, talvez um dos primeiros a serem produzidos na técnica do grafite em todo o país. Também há lugar para informações e imagens sobre duas obras que, hoje, certamente configuram marco imprescindível na recente história da arte na Paraíba: o mural Varanda de rede (instalado na Estação Cabo Branco) e o livro Paraíba – Memória Cultural. A mostra Conexões Desconexas, patrocinada e organizada pela Usina Cultural Energisa em 2008, teve sua primeira versão apresentada no Núcleo de Arte Contemporânea, em 2001, e também exibida na Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, em 2007. A mostra evidencia apenas uma face da
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obra de Chico Pereira, não por acaso pouco conhecida entre nós. Trata-se de um arquivo de ideias, documentos e objetos, que tem origem no exercício de observação cotidiana realizado pelo artista e engloba desde fatos nas áreas da política e da comunicação até uma profunda pesquisa da cultura popular. Nada escapa ao seu trabalho de memorialista – às vezes, irônico e sarcástico – deste mundo contemporâneo cada vez mais escravo da “ditadura da imagem visual” e das efemeridades que nos assolam. O próprio artista avisa: “Essa mostra é apenas um capítulo de um projeto mais abrangente – a que chamei de Memórias e Anotações –, que possui certa anarquia ideológica e nenhum compromisso com a angústia do perfeccionismo da arte tradicional, embora, ao mesmo tempo, seja comprometida com a história humana e com meu livre pensar como artista”. Esta instalação (ou site specific), mesmo obedecendo a uma museografia que pode ser “lida” do começo ao fim (ou inversamente), deve ser “degustada” item a item, ou não. É o mesmo caso desta publicação – algo work in progress – em que o artista claramente convoca o espectador a enveredar nos meandros da própria história da arte em busca de algumas das perguntas (e respostas) que dão sentido à construção de nossa identidade cultural. Não por acaso, a mostra realizada em Maceió teve a participação do amigo de longeva parceria, Raul Córdula. A pertinência da apresentação da dupla reitera as experiências e vivências administrativas desde 40 anos quando, juntos, ajudaram a criar e foram os primeiros coordenadores do Museu de Arte Assis Chateaubriand (Campina Grande) e do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB (João Pessoa), além de produzirem o livro Os Anos 60 – Revisão das artes plásticas da Paraíba e o documento gráfico Almanac (ambos, edições da Funarte e UFPB). Simultaneamente à exibição de pinturas de Raul Córdula e assemblages do projeto Memórias e Anotações, Chico Pereira apresentou uma mostra iconográfica do livro Os Anos 60, momento em que divulgou, além mares, um resumo da nossa produção de artes plásticas na capital alagoana, fato que se confunde com a atuação destes dois artistas – Raul Córdula e Chico Pereira – seminais para a arte paraibana. Aliás, a arte paraibana é o centro da sua obra mais recente, o livro Paraíba – Memória Cultural (Editora Grafset), em que o autor resgata apaixonadamente a cultura da Paraíba, da conquista do rio que lhe dá identidade até os dias atuais. A proposta, na verdade, além de documentar nossa história é atestar que um estado tão pequeno e com tamanhas limitações tem na cultura sua maior riqueza. E a maior prova da “grandeza” paraibana está presente na profícua parceria entre Simeão Leal e Chico Pereira, a quem Simeão confiou, antes de seu falecimento em 1996, cuidar para que sua imensa biblioteca viesse servir aos seus conterrâneos da Paraíba. Altruísta, Chico Pereira resolveu, em conformidade com a viúva, Eloah Drummond, doá-la ao Governo do Estado. E hoje, graças também à dedicação da professora Bernardina Freire, a biblioteca de José Simeão Leal é objeto de inúmeras pesquisas acadêmicas e de registro documental e guarda do seu acervo, que inclui dezenas de obras de arte de sua autoria e de objetos pessoais. Por causa do gesto do confidente e amigo, Chico Pereira, talvez seja, hoje (e no futuro) devidamente reconhecida a vida (e obra) de uma das personalidades mais festejadas da cultura brasileira, entre os anos 1940 e 60, quando atuava no Ministério da Educação e Saúde e no governo Carlos Lacerda, do Rio de Janeiro, entre outras instituições – Associação Brasileira de Críticos de Arte, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Superior de Desenho Industrial etc. – que ajudou a criar e/ou colaborou efetivamente. Mas, das obras artísticas de Chico Pereira ainda pouco reconhecidas estão seus trabalhos em murais e, embora tenha produzido diversas peças de arte pública, há duas que se destacam. A
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primeira, dos anos 1960, é um painel “tropicalista” pintado numa das dependências de um edifício da UEPB (antiga URNE), em Campina Grande. Nesta obra, o artista empregou o grafite, técnica que viria se transformar, alguns anos depois, a partir dos Estados Unidos, na mais pura e verdadeira expressão da arte pública. A outra obra é o imenso painel Varanda de Rede, confeccionado em peças de cobogós e instalado recentemente, por decisão pessoal do arquiteto, Oscar Niemeyer, na Estação Cabo Branco. Esta obra é singela homenagem à nossa cultura popular e nos apresenta formas tão simples que, paradoxalmente, seus elementos vão compor toda a complexidade da trama da renda nordestina. Neste mural de mais de 40 metros, o artista traz para a arquitetura contemporânea alguns arquétipos – gráficos, estéticos, sociais, culturais – tão caros à nossa cultura popular de rendas e tecelagens. Por estas e por outras, de fato, a “obra” de Chico Pereira se constitui em um exercício experimental da mais completa liberdade e inventividade.
Dyógenes Chaves (ABCA/AICA) Curador
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Chico Pereira: o Poptropicalista das terras tabajaras
Em recente visita à Campina Grande – segunda maior cidade da Paraíba e outrora maior entreposto de peles, algodão e gêneros alimentícios que, por sua privilegiada localização, interligava todas as regiões do estado no sentido Leste-Oeste, Sul-Norte –, fomos ao encontro do painel Tropicália, de Chico Pereira, pintado sobre parede com tinta acrílica, esmalte e spray, medindo 220x600cm e executado em 1969, que adorna o antigo restaurante universitário da Universidade Regional do Nordeste (URNe), hoje UEPB. A obra, restaurada em finais de 2011 pelo próprio autor, permanece atual e é uma das mais importantes referências da arte mural paraibana. Para sua execução o artista se utilizou de elementos visuais, materiais e técnicos do movimento Pop Art, o que sugere também incluir a obra na seara do Graffiti (com o uso de spray e estêncil, já naquela época) e do Muralismo na região. É importante situar o uso pioneiro de recursos do Graffiti por Chico Pereira, já que, somente a partir de 1978 é que se tem notícia semelhante protagonizada pelo artista etíope-brasileiro, Alex Vallauri (1949-1987), que apresentou a famosa série A Rainha do Frango Assado na Bienal Internacional de São Paulo. No entanto, mesmo tratando-se de obra localizada em ambiente interno – o restaurante da URNe –, o que contribuiu para mantê-la quase intacta, o mural Tropicália recebe até hoje imenso fluxo de estudantes, professores e servidores ao longo destes anos. Com a intenção de melhor analisar a obra e reconhecer seu pioneirismo, optamos por fazer uma viagem no tempo revendo os principais momentos vividos pelo artista Chico Pereira – nascido em Campina Grande, em 1944 –, afora outros acontecimentos artístico-culturais que justificam sua atuação como protagonista da cena cultural paraibana há mais de cinquenta anos. Estamos no ano de 1967. Anacleto Elói, estudante de Belas Artes em Recife, mas também atuante em Campina Grande, sua terra natal e onde faz parte do primeiro coletivo de artistas da cidade – o Equipe 3 –, ao lado de Chico Pereira e Eládio Barbosa, é um dos poucos artistas paraibanos a participar da I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em Salvador. Em reportagem publicada no jornal Diário da Borborema (Campina Grande, 29/06/1967), seu depoimento ao jornalista (e cineasta) Machado Bitencourt aponta para algumas das preocupações da arte local na época. A dúvida que permanece é se, hoje, sua análise continua atual ou apenas foi puro arroubo idealista de todo jovem artista. Vejamos: “José Anacleto tem ideias próprias sobre as causas originárias do atraso cultural de Campina Grande no que se refere às artes plásticas. Segundo os termos de sua análise, os motivos fundamentais desse atraso são as ausências das influências históricas. Campina Grande foi uma cidade que durante muitos anos interpretou a arte como o ‘agradável’ ou o ‘bonitinho’, e que aplaudiu espetáculos medíocres, contribuindo dessa maneira para manter um estágio de gritante alienação. ‘Agora, quando Campina Grande já toma consciência cultural, implantando e mantendo uma universidade, o problema tende a desaparecer (não a curto prazo!) inicialmente com o preenchimento das lacunas existentes’, afirma o artista.” Alguns meses depois, em 20 de outubro de 1967, era inaugurado em Campina Grande o Museu de Arte Assis Chateaubriand, numa grande festa pública com a presença de personalidades do mundo político, empresarial e cultural de todas as regiões do país. “Entre os convidados, estavam os críticos Mário Pedrosa e Mário Barata e os artistas Rubens Gerchman, Alexandre
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Filho, Anna Maria Maolino, o grego Gaitis, Emeric Mercier e Antônio Dias, que retornava à sua terra natal depois de quase 10 anos. O Museu, por força do acordo estabelecido entre a Campanha dos Museus Regionais e a Prefeitura de Campina Grande, seria gerido pela Fundação Universidade Regional do Nordeste (FURNe) com a condição de preservá-lo e dinamizá-lo como instituição universitária, e também ficou acertado anexar ao mesmo uma galeria de arte para exposições periódicas, voltada principalmente para a arte local”, afirma o artista e segundo diretor do Museu, Chico Pereira, que sucedeu a Raul Córdula, este, deixando a direção lopo após a inauguração. No mesmo local, simultaneamente à recepção pública do acervo, foi aberta uma mostra coletiva com os artistas mais representativos da arte produzida em Campina: Raul Córdula, Eládio Barbosa, Anacleto Elói e Chico Pereira. A inauguração do Museu de Arte Assis Chateaubriand, além de ser uma grande conquista para a cidade, oferecia a possibilidade de se enxergar além dos horizontes locais. Foi, de fato, o primeiro contato com a arte brasileira dos últimos cem anos e o despertar – pelo acervo estrangeiro – das questões estéticas contemporâneas, permitindo a partir daí, uma reflexão mais aprofundada do processo criativo e apontava sobre o que fazer para uma atualização adaptada às condições culturais da região. Como depõe Chico Pereira: “Esse acontecimento foi marcante na vinculação dos artistas de Campina Grande, notadamente do Equipe 3, a outros centros artísticos, mais efetivamente à Capital João Pessoa. Passamos então a frequentar nos finais de semana os ambientes artísticos e intelectuais da Capital, ampliando as informações e abrindo o intercâmbios. O Museu, de certa forma contribuía para animar o panorama que, ajudado pela efervescência de criação noutras áreas, formava ao seu lado o conjunto de atividades que marcaram profundamente a cultura paraibana daí por diante. Em João Pessoa, sob a liderança de Raul Córdula, que mais uma vez deixara Campina Grande, Breno Mattos, Guy Joseph, Mardem Rolim, Cleófas Leonan, Unhandeijara Lisboa, Pontes da Silva, Régis Cavalcanti, José Lucena, Flávio Tavares (jovem artista que se revelava) e Miguel dos Santos, formavam o grupo dos principais artistas jovens. Juntavam-se aos mesmos os poetas e compositores do Grupo Sanhauá: Marcus Vinícius, Anco Márcio, Severino Marcos, Sérgio de Castro Pinto, Carlos Aranha e Marcos dos Anjos. As visitas a exposições e ateliês terminavam sempre em noitadas poéticas e tinham como ponto de partida obrigatório a Churrascaria Bambu, na Lagoa, onde geralmente, à mesa do escritor Virgínius da Gama e Melo, se reunia esta geração de jovens a outros intelectuais da terra para discussões intermináveis de estética e política. Às vezes, o Equipe 3, por intermédio de Anacleto, que estudava em Recife, se deslocava para encontros desta natureza em Pernambuco, quase sempre com Jomard Muniz de Britto e outros intelectuais e artistas que atuavam entre Recife-Olinda.” Se voltarmos ao ano de 1957, vamos encontrar o ainda menino Chico Pereira como aluno de pintura e desenho da Escola de Arte de Campina Grande, dos professores Jorge Miranda, Pedro Corrêa e Nourival Gonzaga. Era algo raro – o ensino de arte – numa cidade que à época não tinha qualquer referência ou tradição nas artes plásticas – como abordara Anacleto Elói em seu desabafo publicado no Diário da Borborema – exceto a pintura do forro da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, executada por Miguel Guilherme, pintor nascido em Sumé, no Cariri paraibano. Essa obra, que viria a ser demolida em 1963 por razões inexplicáveis, era para Chico Pereira motivo de deleite quando frequentava com seu pai as missas de domingo. A obra de Miguel Guilherme era um belo conjunto de paineis distribuídos na nave da igreja e nas suas laterais e, curiosamente, em meio às cenas bíblicas estavam várias figuras da sociedade local retratadas pelo autor num estilo quase ingênuo. Ao longo dos primeiros anos da década de 60, é importante pontuar alguns poucos eventos de artes plásticas em Campina. Apesar de poucos, eles foram marcantes para a juventude que almejava alguma atuação na área artística, incluindo
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aí os jovens artistas do Equipe 3. Vejamos: logo em 1960, novembro, acontece a exposição com artistas de João Pessoa – Archidy Picado, Raul Córdula, Pontes da Silva, Leonardo Leal e Ivan Freitas – mais o campinense Flávio Bezerra de Carvalho, na Fundação para o Desenvolvimento da Arte, Ciência e da Técnica (Fundact). A mostra tinha por objetivo difundir uma arte mais “contemporânea” e aproximar os artistas das duas maiores cidades do Estado, notadamente trazer obras mais instigantes visto que vingava em Campina Grande uma produção ainda acadêmica. E, no ano seguinte, ocorre uma exposição promovida pelo Diretório Acadêmico, da Escola de Economia, durante a I Semana de Cultura Universitária de Campina Grande, com a participação de artistas locais, de todas as linguagens e técnicas. Eládio, Flávio Bezerra e Chico Pereira receberam premiação neste evento. Vale aqui lembrar da criação da Associação Campinense Pró-Arte, entidade que durante quase quatro anos movimentou o panorama cultural da cidade, mais efetivamente na área da música erudita. A Pró-Arte promoveu diversos concertos e recitais e também o ensino da música. Foi de fato a primeira entidade voltada especificamente para a cultura com todos os aspectos legais para funcionar, inclusive com registro no Mec. A Pró-Arte ampliou suas atividades com cursos de dança, por exemplo, e mesmo assim, com todo o esforço dos seus dirigentes, não conseguiu sobreviver pelo mesmo motivo da Escola de Arte: falta de apoio oficial. O ano de 1964 trouxe diversos acontecimentos que modificaram profundamente a vida da cidade, e as mudanças políticas ocorridas abalaram as relações de sua economia que praticamente se sustentava no comércio. A restrição de crédito, a severa vigilância do sistema de desconto bancário e a ausência de moeda corrente, somando-se à cassação dos direitos políticos de alguns “comunistas” provocou grande rebuliço, exatamente no ano do primeiro centenário da cidade. “Foi no meio dessa conturbação e da falta de horizontes mais largos para a cuItura que se criou, tendo em vista os festejos dos 100 anos, a Comissão Cultural do Centenário, constituída por intelectuais e pessoas de notoriedade, com a finalidade de coordenar as atividades artísticoculturais, objetivamente a edição de documentos e livros, exposições de arte, atividades musicais, as artes cênicas e, principalmente, a descoberta de valores locais. Essa Comissão foi mais tarde transformada em Comissão Cultural do Município e se responsabilizou por diversas edições históricas e literárias, entre elas o Jornal de Arte, coletânea de crônicas e críticas de arte de Rubem Navarra, pseudônimo de Rubem Agra Saldanha, numa homenagem a esse campinense que junto a Mário Pedrosa e Antonio Bento, também paraibanos, formam o grande pensamento da crítica das artes plásticas brasileiras.”, escreve Chico Pereira em artigo publicado no livro Os anos 60 – Revisão das artes plásticas na Paraíba (Mec/Funarte, UFPB, 1979). Nota: A obra de Rubem Navarra sobre o Barroco mineiro e o Modernismo (além de crônicas, algumas ainda inéditas), compõe um apanhado da maior importância para o estudo e a compreensão da arte brasileira. Infelizmente, é pouquíssimo conhecido até em sua terra natal. Desde 1963, estava em fase final de construção o Teatro Municipal. Antes mesmo da sua conclusão, foi oficialmente inaugurado, considerando que isto coincidia com a posse do novo prefeito. O teatro, a partir daí, mesmo precariamente, transformou-se no principal local para as manifestações culturais da cidade. Em outubro, mês de aniversário de Campina Grande, realizou-se durante a programação oficial, a Exposição de Arte do Centenário, reunindo obras de alunos e professores da Escola de Arte e artistas de João Pessoa; entre estes a jovem Celene Sitônio, na sede da Fundact. Neste período três acontecimentos irão marcar definitivamente a vida cultural da cidade: o Cinema de Arte do Cine Capitólio, criação dos jovens Luiz Carlos Virgolino e Hamilton Freire, que, com a exibição de clássicos “da hora” – como as obras de Glauber, Pasolini, Bergman, John Ford, Fellini, Lattuada entre outros – num programa de interesse crítico que uniu intelectuais e aficionados pela sétima arte, nos moldes de um cineclube, chegando a provocar deliciosos debates sobre estética e vanguarda. Outro evento foi
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o I Salão de Fotografia, no Hall do recém inaugurado Teatro Municipal, sob a coordenação de Machado Bitencourt e José Clementino. E esta foi a primeira vez na cidade que se mostrou fotografia que não fosse apenas “retrato e pôr do sol”. Também foi criado o Teatro Universitário Campinense motivado pela existência do Teatro Municipal. Foi nesse ano – 1965 – e novamente no Hall do Teatro que Chico Pereira inaugurou em maio sua primeira mostra individual, Arte das cousas, com grande sucesso de público e de venda. Uma semana depois, o jovem crítico pernambucano, Jomard Muniz de Britto, apresentava o espetáculo Festival Bossa I, sob a coordenação de Anacleto Elói, já estudante de Belas Artes em Recife. O evento serviu de ligação definitiva entre os artistas de Campina e Recife-Olinda, culminando com a presença dos paraibanos no lançamento do Manifesto Tropicalista de 1967, que teve a presença de Gilberto Gil e Caetano Veloso em Recife. Em 1966, foi criada a Universidade Regional do Nordeste, mais um espaço para a discussão cultural na cidade e, ao mesmo tempo, somando-se à UFPB, tornava Campina Grande um pólo de educação superior no Nordeste. Neste mesmo ano, aconteceu a segunda edição do Salão de Fotografia, desta vez no hall do Edifício Jabre, que prestava homenagem aos criadores do Cinema de Arte, Virgolino e Hamilton. Nas comemorações, numa fazenda próxima à cidade, faleceu, por afogamento, o jovem homenageado, Luiz Carlos Virgolino. A tragédia abalou artistas e intelectuais e levou-os a criar, dias após e em sua homenagem, uma fundação cultural (com seu nome) que passou a promover várias atividades nas áreas do teatro, cinema, artes plásticas, música, literatura etc. Transcrevo aqui o depoimento de Chico Pereira sobre as “aventuras” do Equipe 3, publicado no livro Os anos 60. “O ano de 1967 foi gratificante para nós do Equipe 3. Já vínhamos acumulando individualmente experiências em participar de exposições oficiais em várias partes do Brasil, comprovando a nós mesmos a possibilidade de extrapolarmos a condição de artista provinciano. Nossa preocupação se revestia no desejo íntimo em fazer explodir toda a energia acumulada pelas experiências práticas e informações obtidas nos catálogos, revistas especializadas e nas leituras que nos aprofundava nas questões da linguagem contemporânea que chegavam no intercâmbio que se abria no Museu e nos contatos com outros centros de criação. Tal entusiasmo nos levou no final desse ano a empreender uma viagem de caráter artístico-cultural que possibilitaria uma melhor compreensão da arte brasileira e internacional. Fixamos um roteiro estratégico que nos ligasse ao que pretendíamos saber. Visitamos a Bienal Nacional [de Artes Plásticas] em Salvador, o Salão de Belas Artes da Prefeitura de Belo Horizonte, as cidades coloniais de Ouro Preto, Congonhas e Sabará; em Brasília, o Salão Nacional de Arte Moderna; no Rio de Janeiro, o Salão de Arte Moderna do MEC e quase todas as galerias de arte; em São Paulo, finalmente, visitamos o principal objetivo: a IX Bienal Internacional, onde Eládio fora classificado na área de Desenho. Nas cidades históricas de Minas vimos detalhadamente a criatividade do Barroco e do colonial brasileiro e, em Brasília, com sua engenharia urbana e a sua arquitetura contemporânea, relacionamos o Brasil do passado e do presente; em São Paulo, o contato com a arte internacional completou nossa visão para o entendimento daquilo que vivíamos e necessitávamos compreender. De volta da viagem já era 1968. Em março, mais uma vez, o Equipe 3 montou uma exposição conjunta de trabalhos individuais e do grupo, na galeria do Museu, denominada Expressão coletiva. Foi aberta no dia 4 pelo Senador João Calmon. O Correio da Paraíba em reportagem sobre o acontecimento batizou-a de ‘exposição Che ou Não Che’ em alusão à presença da imagem do guerrilheiro Guevara entre tubos de katchup derramado, num dos trabalhos de Chico Pereira.
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O principal objeto da exposição era um grande tríptico representando uma nave espacial, a mais nova pesquisa do Equipe 3, experiência realizada a partir de uma planta em escala reduzida que, dividida em três, uma parte para cada artista, foi ampliada cada pedaço nos painéis, tendo cada artista realizado individualmente uma parte, simultaneamente passando de mão em mão. Era um trabalho inédito pelo menos não encontrado em nenhum dos salões ou galerias que visitamos. Nesse período juntou-se a nós um jovem artista que trabalhava com objetos montados com peças de automóveis e formava com esses elementos representações de órgãos do corpo humano. Era Amaro Muniz, na época estudante de Arquitetura, que, por nosso intermédio, passou a fazer parte do movimento da jovem arte paraibana. Para definir nossa posição diante do público, lançamos na exposição um manifesto que representava sinteticamente nossas ideias. Machado Bitencourt, que naquela época atuava na imprensa, escreveu um artigo que explicava nosso trabalho e que transcrevemos aqui como ilustração. Em manifesto de abril de 1967, este grupo de artistas plásticos assim fazia a apresentação de seu primeiro Triálogo: Desde então outras obras foram realizadas, mas aquelas ideias permaneceram como elemento comum a todo o processo criativo subsequente. Seus autores sentem, a cada dia que passa, o quanto o seu trabalho é para eles viável e oportuno, que estas imagens criadas a seis mãos correspondem a uma real necessidade de pesquisa de cada um, a uma curiosidade e sobretudo, a uma vontade de fazer jogo livre mais do que propriamente fazer Arte. O curioso é que as realizações destes três artistas em nada se assemelham. Nas ocasiões em que expõem seus trabalhos individuais (I Bienal Nacional de Salvador, III Salão Nacional de Arte Moderna do Distrito Federal, IX Bienal de São Paulo, Salão Esso de Artistas Jovens, Museu de Arte de Campina Grande) fica patente as divergências nas concepções e nos resultados obtidos. Atualmente, mais do que nunca, essas diferenças se fazem sentir: Anacleto compõe quebra-cabeças e jogos de peças para montar; os desenhos de Chico são um amontoado aparentemente caótico de figuras e objetos, gravatas, batmans, peças íntimas do vestuário, chapéus, “Guevaras”, bandeiras e rótulos. E as palavras que Eládio usa para definir o que ele faz serve talvez como uma apresentação da obra dos três no pouco que ela tem em comum: ‘Se eu faço esses desenhos é por que quero criar imagens. Fazer Arte – pelo menos no sentido que a palavra teve ate agora – não é minha principal preocupação. Uso um de seus processos, o desenho, de uma maneira mais ou menos ortodoxa simplesmente pelo fato de que tal processo tornou-se mais familiar do que qualquer outro, apresentando portanto maiores facilidades na fabricação de minhas imagens’”. Manifesto do Equipe 3 Partimos do princípio de que a Arte é uma expressão em totalidade, particularmente em nosso século, das diversas tendências e manifestações de caráter estético de uma comunidade. Situamonos numa região onde os contatos com os maiores centros do país são de acesso difícil, quando não algumas vezes impossível, e este nosso trabalho é caracterizado por uma resposta ao nosso meio ambiente no que ele nos agride em sua estrutura carcomida pelo subdesenvolvimento. A nossa experiência, individualmente, assemelha-se e foi motivadora para este trabalho que resume as nossas aspirações, como o tema, e as nossas técnicas, como diversidade. Cada “unidade” do tríptico foi trabalhada pelos três artistas de uma maneira quase simultânea. Sendo por sua própria natureza um trabalho que não deixa margem a virtuosismos, foi permitida a cada artista uma total liberdade na escolha das técnicas a serem empregadas. Ficou, apenas, como ponto de referência, o intuito de se obter uma forma de expressão coletiva, a exemplo do que já havia sido tentado nos jogos automáticos de palavras dos dadaístas e primeiros surrealistas. Como pesquisa, este trabalho seria
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vazio se não mostrasse um caminho a ser trilhado: o da expressão/comunidade, arte/multidão. É nosso pensamento que, sem ferir seus fundamentais objetivos e princípios, o campo das artes plásticas seria enriquecido pelo trabalho em conjunto de artistas de uma coletividade. Iniciamos com três, mas esperamos resultados idênticos com quatro, cinco, dez ou muito mais indivíduos trabalhando a fim de obterem novas perspectivas nestes domínios da expressão artística. Campina Grande, 18 de abril de 1967. Eládio de Almeida Barbosa Francisco Pereira da Silva Jr. José Anacleto Elói de Almeida Voltando ao Museu de Arte Assis Chateaubriand que, sob a coordenação interina de Miriam Asfora, promoveu a I Feira de Arte Popular do Nordeste com o objetivo de romper o aspecto elitista que vinha tomando aquela instituição artística. Durante mais de uma semana, artesãos, artistas populares, poetas e repentistas, se misturaram com as obras dos famosos artistas clássicos e contemporâneos e às conferências e palestras sobre folclore que ali se realizaram. O Museu rompia assim a tradicional ilusão de “templo de arte” e se integrou definitivamente na comunidade. Outras manifestações se sucederam durante todo ano entre elas uma exposição de Arte Sacra. Já, a Escola de Arte que vivia seus últimos dias sob a direção do professor Miranda, inaugurou na galeria do Museu uma exposição com seus poucos alunos. Logo depois a Universidade Regional adquiriu o patrimônio móvel daquela escola: cavaletes, mesas de desenho, modelos de gesso e sua biblioteca. Foi um fim melancólico para uma das instituições pioneiras do ensino artístico na Paraíba. Na verdade, era pretensão da Universidade utilizar esse acervo para fazer funcionar no Museu um setor de ensino de arte e por isso foi incluído na “negociação” a incorporação do próprio professor Miranda ao quadro de pessoal do Museu na função de conservador. Outro evento que antecedeu em poucos dias a inauguração do Museu e que merece registro especial, foi a inauguração, em 16 de setembro de 1967 da galeria Faxeiro Objetos de Arte, de Francisco Duarte, com obras do Equipe 3 e as presenças de Antônio Dias, Rubens Gerchman, Solange Escosteguy e Mário Pedrosa. Apesar de considerada atitude do deslumbramento que vivia a arte local, isso bem demonstra a capacidade de compreensão do que se passava na arte brasileira. Nesta época, anos 60-70, a arte contemporânea no país põe contra a parede as ideias e status quo do modernismo, abrindo-se a experiências culturais as mais diferentes. Daí, instalações, happenings e performances são amplamente realizados, apontando para novas orientações da arte, como “linkar” a criação artística às coisas do mundo, à natureza e à realidade urbana. Aí as obras se articulam e interligam em todas as modalidades: dança, música, pintura, teatro, escultura, literatura etc., pondo em cheque as classificações habituais e a própria definição de arte. Arte e vida cotidiana, assim como o rompimento das barreiras entre arte e não-arte são as preocupações do momento, atentando para ações e novas categorias como performance, happening, arte ambiente, arte pública, arte processual, arte conceitual, land art etc., que remontam às experiências realizadas pelos surrealistas e sobretudo pelos dadaístas. Muitos outros acontecimentos – exposições, happenings etc. – se seguiram a partir da atuação dos artistas do Equipe 3 em Campina Grande, sempre carregadas de novidades estéticas e políticas. E, finalmente, em 1969, é que entra a encomenda do reitor da URNe, Edvaldo do Ó, para Chico Pereira realizar o painel Tropicália, objeto deste artigo. Mesmo com o afastamento do reitor no andamento da execução do painel, houve continuidade da obra e, ao mesmo tempo, em que o artista era elevado à função de novo diretor do Museu de Arte Assis Chateaubriand. O que aqui torna-se relevante destacar é o caráter conceitual da obra, sugerido por Edvaldo do Ó
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ao encomendá-la a Chico Pereira onde, ele próprio afirma, em 1979, no livro Os anos 60: “O painel deveria ser uma obra de referência da arte dos anos 60, um documento visual que registrasse para a posteridade as novas linguagens estéticas que surgiam e a década que ia começar. Por influência do movimento Tropicalista, a obra recebeu uma forte dosagem pictórica de colorismo intenso e dos quadrinhos, na época despontando sob a crítica de uma revisão, participação de seus heróis maculados pelas situações criadas na composição”. Realmente, vemos na obra, inaugurada em 1969, as alegorias, símbolos e signos da Pop Art – como os heróis das HQ’s, Super-Homem, Fantasma, Batman e Mandrake – além das imagens de um astronauta no espaço (ligado a um cilindro de ar comprimido segurado pelo Super-Homem), outro astronauta com garfo e faca em suas mãos, um videocassete, vários sinais de trânsito e símbolos gregos, fotogramas de uma escova de dentes e uma vista da Terra a partir da Lua. Também, uma estrada asfaltada no alto da obra, uma mulher “tropicalista”, flores e frutas estilizados (com o uso do estêncil), a cabeça de uma águia (os Estados Unidos?) e um autorretrato em negativo (essa foi a “assinatura” do artista na obra). No canto esquerdo uma placa com os dizeres “Quem anda com atenção, evita acidentes”... Tudo sob um céu azul típico de Campina Grande. Pelo que fui informado, o cineasta Rômulo Azevedo está produzindo um vídeo-documentário sobre a obra que continua aberta à visitação do público e das centenas de frequentadores diários deste prédio – construído no governo de Plínio Lemos, em 1957 –, agora transformado em Centro Artístico Cultural da UEPB, ali na Getúlio Vargas, por trás dos Correios, no centro de Campina Grande. Enquanto o vídeo não fica pronto, vale uma visita a esta obra que deveria ser imediatamente tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da ParaíbaIphaep. Fica o registro!
Dyógenes Chaves (ABCA/AICA) Curador
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Desenho a nanquim e aguada sobre papel, dĂŠcada de 1960
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Desenho a nanquim sobre papel, dĂŠcada de 1960
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Desenhos sobre papel da primeira exposição do artista (Teatro Severino Cabral, maio de 1965, Campina Grande/PB)
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Madona do Milho (da primeira exposição individual do artista) e outros desenhos da mesma Êpoca
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Viagens Instigantes, nanquim, aquarela e lĂĄpis sobre papel canson, dĂŠcada de 1970
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Cenas da Ditadura, fotogravura (impressĂŁo sobre tecido fotogrĂĄfico), serigrafia e spray, 1968
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Estudo, caneta Bic sobre papel, dĂŠcada de 1970
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“Em Paisagens de Litium (1975) vamos encontrar Chico Pereira não apenas senhor de uma técnica segura e amadurecida, mas também assimilando criticamente as informações do gênero literários mais típico de nossa era tecnológica. O mundo de Litium pode nos oferecer a mesma beleza surpreendente descrita nas crônicas marcianas de Ray Bradbury, e pode nos ameaçar com o retrato de um universo em desagregação como o imaginado por Daniel Drode. E no aspecto puramente plástico, vemos que a técnica de Chico Pereira desenvolve e ultrapassa as formas sugeridas pelo cinema desde os velhos seriados de Flash Gordon até 2001 de Kubrick, passando por Barbarella e por outros universos oriundos das histórias em quadrinhos. É um trabalho que questiona o futuro; não ao nível do conceito, mas, em virtude do próprio meio de expressão que utiliza, ao nível de um levantamento das imagens que o futuro pode ou não nos reservar, as quais repercutem de maneira diferente na sensibilidade de cada observador.” Bráulio Tavares (compositor e escritor paraibano)
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Jogo de Cartas, da sĂŠrie Freudianos, nanquim e aquarela sobre papel, dĂŠcada de 1970
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Jogo de Cartas, da sĂŠrie Freudianos, nanquim e aquarela sobre papel, dĂŠcada de 1970
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Jogo de Cartas, da sĂŠrie Freudianos, nanquim e aquarela sobre papel, dĂŠcada de 1970
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O painel Tropicália, pintado sobre parede com tinta acrílica, esmalte e spray, medindo 220x600cm e executado em 1969, que adorna o antigo restaurante universitário da Universidade Regional do Nordeste (URNe), hoje UEPB. A obra, restaurada em finais de 2011 pelo próprio autor, permanece atual e é uma das mais importantes referências da arte mural paraibana. Para sua execução o artista se utilizou de elementos visuais, materiais e técnicas da Pop Art, o que sugere também incluir a obra na seara do Graffiti (o uso de spray e estêncil, já naquela época) e do Muralismo na região. É importante situar o uso pioneiro de recursos do Graffiti por Chico Pereira, já que, somente a partir de 1978 é que se tem notícia semelhante protagonizada pelo artista etíope-brasileiro, Alex Vallauri (1949-1987), que apresentou a famosa série A Rainha do Frango Assado na Bienal de São Paulo. No entanto, mesmo tratando-se de obra localizada em ambiente interno – o restaurante da URNe –, o que contribuiu para mantê-la quase intacta, o mural Tropicália recebe até hoje imenso fluxo de estudantes, professores e servidores ao longo destes anos.
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Estudos, nanquim, crayon, lĂĄpis cera e grafite sobre papel, dĂŠcada de 1970
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Estudos, nanquim, crayon, lápis cera e lápis pilot sobre papel, década de 1970
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Desenho, nanquim sobre papel, dĂŠcada de 1980
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Desenho, nanquim sobre papel, dĂŠcada de 1980
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Desenho, nanquim sobre papel, dĂŠcada de 1980
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Desenho, bastĂŁo de cera sobre papel, dĂŠcada de 1980
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Desenho, bastĂŁo de cera sobre papel, dĂŠcada de 1980
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Raio negro, da série Carretéis, acrílica e metálica sobre tela, 1988
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Serpente, da série Carretéis, acrílica e metálica sobre tela, 1984
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Abstração com triângulo, da série Carretéis, acrílica e metálica sobre tela, 1988
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da série Carretéis, acrílica e metálica sobre tela, 1984
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Carretel vermelho, da série Carretéis, acrílica, metálica e colagem sobre tela, 1987
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Carretel branco, da série Carretéis, acrílica e metálica com colagem sobre tela recortada, década de 1990
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“O coração é a mais universal das logomarcas: aquela que todo mundo entende, e que todo mundo tem o direito de guardar para uso próprio. Num universo de códigos analíticos como é o das línguas ocidentais, o coração é um pictograma de impacto mental instantâneo, herdeiro em linha direta dos ideogramas do oriente: a ideia condensada numa única forma, numa Gestalt compacta e inequívoca que parece saltar intacta da página para a consciência do leitor sem ter que passar pela alfândega da decodificação. Símbolos religiosos como a Cruz, o crescente e a estrela de Davi podem não ser compreendidos por quem não compartilha de cada uma dessas tradições; mas o coração, um símbolo alegremente profano, não sofre esse tipo de restrição. Onde quer que a cultura-de-massas tenha penetrado, ele está presente: na TV, no cinema, nos quadrinhos, na publicidade, na moda, e em toda a parafernália visual industrialmente produzida e que povos se atrevem a chamar de arte: papel de parede, padrões de estamparia para tecidos, bibelôs de louças ou de terracota, adesivos, chaveiros, bijuterias, cristais, ladrilhos, florões de grades de ferro, formas de confeitaria... O trabalho de Chico Pereira é uma garimpagem paciente das mil e uma metamorfoses desse ícone mutante cuja capacidade adaptativa parece inesgotável. Olhando as mil e uma pegadas que esse arquétipo deixou no barro receptivo da cultura-de-massas, percebemos que estamos diante de uma dessas forças elementares da natureza: uma imagem que se impõe pelo simples fato de ser tão familiar que parece inofensiva.” Bráulio Tavares
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Corações, serigrafia (impressor Dyógenes Chaves), 1991 Coração em retalhos 2, acrílica e colagem sobre tela, década de 1990
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Corações, litografia (NAC/UFPB – impressor Hélio Soares), 1991
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Conquista, acrílica sobre tela, década de 1990
“...A experiência Le Hors-Là parece ter ligado Chico Pereira, de modo mais profundo, à sua mitologia pessoal, abrindo os canais para expressar em sua arte o mito de sua cultura. Confirma, assim, que o inconsciente não se engana. Nós é que nos enganamos. Nessa série Chico Pereira usa o tema de seu mito pessoal – o coração – espelhando o mito de sua cultura. (...) Em 1910, a Rider Company of London publicou um Tarot projetado pelo ocultista Arthur Waite, pintado pela artista Pamela Smith. Nesse Tarot – que criou uma ‘escola’ – o Três de Espadas é representado por um coração transpassado por três espadas. Fosse Chico Pereira um artista trabalhando num Tarot não teria recriado um arcano com maior maestria. E, tenho certeza, ele sequer sabe da existência de Waite... (...) Outro arcano presente é o Ás de Copas. Todos os arcanos são ambivalentes, e Chico Pereira retrata isto explicitamente. O Ás de Copas traz à tona a questão de como se comportam as pessoas nos relacionamentos. É dito na tradição que este é o arcano das raízes do poder do amor. O coração partido de Chico Pereira é o coração partido da Paraíba e é também o coração encimado da divisa ‘Conquista’.” Maria Duques, Jornal Correio da Paraíba, 13/01/1994.
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Coração em retalhos, acrílica e colagem sobre tela, década de 1990
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Sete corações, acrílica sobre tela, década de 1990
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Outdoor para a mostra Paixão de Cristo em Artdoor (João Pessoa, 1992) Outdoor realizado em Marselha/França (1992), durante estadia no programa de intercâmbio das associações Le Hors-Là
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da série Corações, acrílica sobre tela, sem assinatura, década de 1990
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CHICO PEREIRA RAUL CÓRDULA
Convite da mostra Chico Pereira e Raul Córdula – Mundos Paralelos (Pinacoteca da UFAL, Maceió, 2007). Raul, Chico, Silvino Espínola e Laís Aderne (NAC, 1979). Capas do catálogo Le Hors-Là (1992), dos livros Anos 60 (Funarte/UFPB, 1978) e Paraíba – Memória Cultural (Grafset, 2012).
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Painel em homenagem aos 150 anos de Campina Grande. Cerâmica vitrificada, Parque do Bodocongó, inaugurado em 01 de abril de 2017. Alegoria da evolução da cidade, de suas origens aos dias atuais, retratando desde a ocupação pelo colono, os tropeiros, a fabricação da farinha, a grande feira, a revolta do Quebra-Quilos, as prensas de algodão até as primeiras indústrias, à chegada do trem, da eletricidade e do automóvel...
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Painel Varanda de Rede, em cobogós, na Estação Cabo Branco Cultura, Ciência e Arte, em João Pessoa, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, inaugurado em 3 de julho de 2008. Obra que faz referência aos tradicionais rendilhados do nordeste, ideia que contribuiu para que Niemeyer também inserisse outras homenagens à cultura nordestina no edifício, como as figuras do cordel do xilogravador e poeta José Costa Leite.
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Registros em carvĂŁo e bico de pena desenhados por amigos. DĂŠcadas de 1960 e 70.
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Chico Pereira (Francisco Pereira da Silva Júnior) Campina Grande/PB, 1944. Vive e trabalha em João Pessoa.
Artista visual e professor [aposentado] (Depto. de Artes Visuais/UFPB). Estudos básicos na Escola de Artes (Campina Grande/PB). Participa ativamente de movimentos culturais na Paraíba desde o início dos anos 1960, quando, junto aos artistas Eládio Barbosa e Anacleto Elói, criou o grupo Equipe 3, em Campina Grande. Exposições como a Bienal Nacional da Bahia (Salvador, 1968); I Salão MAM-Bahia (Salvador, 1994); alguns Salões Nacionais; a XVI Bienal Internacional de São Paulo (1981) e a Bienal Internacional de Valparaíso (Chile), esta, por indicação da Comissão Nacional de Artes Plásticas (Ministério da Cultura); além de coletivas e individuais em mostras realizadas no Brasil e no exterior (Alemanha, França, Portugal, Argentina, Uruguai etc.). Pesquisas, conferências e livros publicados nas áreas de museologia, história da arte, arteeducação, semiótica e artes gráficas. Ocupou diversas funções: primeiro diretor do Museu de Arte Assis Chateaubriand-MAAC (Campina Grande, 1969-74); fundador e coordenador do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB (João Pessoa, 1979-84); Vicepresidente do Conselho Estadual de Cultura da Paraíba; Pró-Reitor adjunto de Assuntos Comunitários-PRAC e coordenador de Extensão Cultural-Coex da UFPB; Subsecretário executivo de Cultura do Estado da Paraíba; membro fundador da Sociedade Brasileira de Educação Através da Arte; Conselheiro técnico-científico do Conselho Internacional de Museologia (AMICOM/ICOM/UNESCO); representante do Norte-Nordeste da Associação Internacional de Artes Plásticas (AIAP/UNESCO) e representante brasileiro no VII Congresso Internacional da Associação Internacional de Artes Plásticas (Varna/Bulgária, 1979). Participou, como membro do júri de seleção e premiação, de diversos salões de arte no Brasil. Presidente da Associação Cultural Le Hors-Là/Paraíba, de intercâmbio Brasil-França (1992). É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte-ABCA e da Academia Paraibana de Letras-APL, onde ocupa a cadeira nº 15, cujo patrono é Eugênio Toscano de Brito. Pró-Reitor de Cultura da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Em 2012 escreveu o livro Paraíba – Memória Cultural (Editora Grafset, João Pessoa). Além disso, já publicou livro sobre uma das maiores feiras populares do Nordeste: a Feira de Campina Grande (1978). E, em parceria com o artista Raul Córdula, escreveu o livro Os Anos 60 – Revisão das artes plásticas na Paraíba (Funarte/ UFPB, 1980) sobre a produção de artes plásticas no estado e foi co-editor do Almanac, relatório sobre a vigorosa e atualíssima programação do Núcleo de Arte Contemporânea-NAC, da UFPB (1979-84).
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Ficha técnica Patrocínio | Banco do Nordeste do Brasil S.A. Realização | Ministério da Cultura/ Lei Rouanet Projeto | Francisco Pereira da Silva Júnior Produção | 2OU4 Pesquisa | Ana Débora Silva Oliveira | Heberton Adriano Franco Silva | Margarete Aurélio Colaço Agra Web Site | Diego Rodrigues | Heberton Adriano Franco Silva Programação Visual | Dyógenes Chaves (2OU4) Catálogo Edição | 2OU4 Projeto gráfico | Dyógenes Chaves (2OU4) Textos | Amélia Couto | Bráulio Tavares | Chico Pereira | Dyógenes Chaves | Maria Duques | Raul Córdula Fotografias | Adriano Franco | José Moura Júnior Impressão | Editora Grafset Agradecimentos | Editora Grafset (Vladimir Neiva e equipe Grafset) Capa | Hiroshima, Enola Gay chegou ! (AST, 2002) | Fotografia de Marcos Veloso (detalhe) Logomarca 50 Anos | Rodolpho Freitas Contatos chicoperreira@uol.com.br (83) 98817.7885 | 99613.7999 www.arquivochicopereira.com.br Rua Francisca Dantas de Souza, SN - Jardim Cidade Universitária João Pessoa/PB - 58052-492
Este catálogo é parte integrante do projeto Chico Pereira Retrospectiva 50 Anos, aprovado no Edital de Seleção de Projetos Culturais 2016, incentivados pela Lei Rouanet, Artigo 18. Foi composto em fontes da família Corbel. O papel utilizado foi o couche fosco 150g/m2 (miolo). A impressão e acabamento de 1 mil exemplares ficaram a cargo da Editora Grafset Ltda., em João Pessoa, Paraíba, setembro de 2017.
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Sem dúvida, o mais pungente testemunho do espírito contemporâneo da obra de Chico Pereira é o seu arquivo. Constituído como parte de sua obra, o Arquivo Chico Pereira funde-se e confunde-se com ela. Trata-se de algo vivo. Como o trabalho da memória, esse arquivo não é estático, mas dinâmico, está em constante movimento, é eruptivo, mistura a história com uma forte carga afetiva da memória e reconstrói-se a cada dia. Desse arquivo partem os principais documentos (e registros espontâneos) de sua ampla participação na vida artísticocultural da Paraíba: do Museu de Arte Assis Chateaubriand, de Campina Grande (foi seu primeiro diretor) às ações de políticas públicas (foi Subsecretário de Cultura e presidente do Conselho de Cultura do Estado), da arte-educação (é professor aposentado do curso de Artes Visuais da UFPB) aos intercâmbios internacionais (é o representante na Paraíba da Association Le Hors-Là, de Marselha, França), da produção de ensaios e textos sobre artes visuais (é membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte-ABCA) à participação efetiva na difusão e discussão sobre a arte contemporânea na Paraíba e no Brasil (ele, mais Antonio Dias, Raul Córdula, Paulo Sérgio Duarte e Silvino Espínola, foi um dos criadores do Núcleo de Arte Contemporânea-NAC, da UFPB). Há pouco foi empossado membro da Academia Paraibana de Letras-APL, ocupando a Cadeira nº 15, cujo patrono é Eugênio Toscano de Brito. Todos sabemos, a história dos multimeios e das atividades de artes visuais no Brasil preserva-se em arquivos como este, que, labirinticamente, mantém a memória do nosso presente. Daí, após concluído, estará disponível para o público, pesquisadores e interessados nas artes visuais da Paraíba, por meio do website: www.arquivochicopereira.com.br.
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