HISTÓRIAS
Sentidas
Ficha Técnica Título Original Histórias Sentidas Autora Maria Fernanda Gonçalves Revisão Pela Autora Capa D’Almeida Ateliê Impressão e Acabamento D’Almeida Ateliê Edição de Autor Maio 2016
HISTÓRIAS
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Sentidas
Índice
A partida Gostou do desafio Tudo é possível Mentira 2011 = A Crise Nasce o sol… começa o dia!... Os pensamentos da avó Celeste O Padre Abel Quando o pensamento é feitiço… Um passeio de saudade Os bancos da praça O labirinto da vida A esperança não morre O Vendaval Quando o sonho voa… O tempo que resta… O entardecer do destino… E tem de ser assim? O que é isto? O Sol brincalhão Balanço à vida Oração do Santo que não há… Recordo a Nazaré… O tempo que passa!!! Terra virgem Imaginação Filosofias do Tio Belmiro O cisne Começa a manhã O sonho O passeio O sono que não vem… E o futuro aconteceu
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Trilogia Matilde Entre o sonho e a realidade Desejos Descendo a serra Mais um dia… Hoje apetece… Dia da Mãe Os três Mandamentos… A solidão O que falta? O dilema Lucas O bichano Reflectindo… A amizade Só Rosinha!... Reflectindo As confissões da Joana Regresso A avó rezingona O Canto da Sereia A força do querer Regresso As recordações de Emília Uma volta ao tempo que passa Recordar O sino da aldeia Eu e o passado tão presente As recordações de Camila
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Dedicatória Aos amigos pela disponibilidade e incentivo onde busco a ousadia de pôr no papel os devaneios que o sonho permite e os desabafos que a alma liberta. Aos familiares pela paciência com que acompanham o ciclo ambicioso que me leva a escrever. Não sou nem quero ser uma escritora pretensiosa e muito menos uma pretensiosa escritora. Alinhavo umas letras que saem palavras, abro os espíritos à magia duma leitura que pode ou não tocar a sensibilidade de alguém. Aos 88 anos calam fundo as críticas apenas simpáticas ou a sinceridade duma aceitação positiva. É a vida nas suas fases boas ou más que tento retractar nos contos e reflexões que, teimosamente, volto a entregar à Vossa generosidade.
A partida I – Um dia, sentada na soalheira da porta olhava o céu que lhe parecia uma linda estampa polvilhada de brilhantes espalhados num manto que – imaginava ela – iria envolver o seu corpo, quando chegasse a hora de adormecer. Sentiu a azáfama da mãe na cozinha e intimamente sentiu a revolta invadir a sua mente: a cozinha, as panelas e os tachos seriam os horizontes a que podia aspirar. Foi para a cama e o sono não chegou. Tanta coisa passou no seu pensamento e apenas uma delas se manteve colada à sua mente!... Tinha que sair para descobertas que na sua terra e no seio da família nunca iriam materializar-se. – Saiu cedo do quarto logo que a manhã rompeu. – Dispôs-se a enfrentar os pais. Calma e serena mas determinada, comunicou-lhes que nesse mesmo dia partia para Lisboa ao encontro de uma amiga que lhe prometera um lugar de acompanhante de um paraplégico. Não sabia o que ia encontrar mas bastava-lhe saber que era uma possibilidade de trabalho e outros voos. Ia conhecer a realidade que a esperava. Os pais consternados com a rebeldia e preocupados com a aventura que lhes parecia sem futuro, tentaram demovê-la. Nada foi suficiente para alterar a vontade de mudança que vingou forte e resoluta na sua determinação. – Foi. Voltou no outro dia entusiasmada e esfusiante. Era o futuro, era uma vida nova!... Passados os dias de preparativos sempre a ouvir as queixas e recriminações, partiu.
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– Os primeiros dias foram de reflexão e a adaptação ao ambiente de mudança que sentiu à sua volta. Tudo era diferente da pacatez da sua terrinha perdida no meio da serra. – Não mais o coaxar das rãs nas noites de verão. – Não mais o pipilar dos passarinhos a dar os bons dias. – Não mais o copo de leite fresco e o pãozinho saído do forno, tomado na soleira da porta. – Não mais a aragem fresca e suave que batia no rosto e a acordava definitivamente. Agora tudo era barulho e movimento… Atordoada procurava serenar e aceitar a realidade. O doente que a esperava tinha apenas 16 anos. Uma brincadeira de adolescente correu mal e o acidente aconteceu. Numa tempestade de emoções aquele jovem debatia-se entre a esperança e o desespero. Confinado à realidade duma cadeira de rodas, os horizontes limitados aos muros do jardim, o sol mesmo a brilhar era “magro e sombrio”; o dia a palpitar de bulício… era o “inferno aterrador”. A revolta era patente em todas as palavras em todos os gestos. Susana temeu não ser capaz de apaziguar aquele adolescente revoltado, descrente, agressivo e desorientado. Começou por aceitar com naturalidade aquelas manifestações destrambelhadas e às vezes até desproporcionadas e ofensivas. Cedo percebeu que o desconcertava quando num simples mas bem vincado olhar mostrava o quanto estava magoada. Aprendeu a linguagem do olhar a que ele parecia ser sensível.
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Quantas vezes um simples olhar susteve um gesto ou uma palavra mais amarga. Afinal ela própria estava a aprender, a sentir e a lidar com a situação que se descobria a cada momento.
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