Meio Ambiente
Por: Djenane Arraes | Fotos: Victor Hugo Bonfim
Mancha verde ameaçada Parque Nacional de Brasilia sobrevive ao longo de cinco décadas, sempre ameaçado pela especulação imobiliária
S
ão 42 mil hectares de cerrado preservado por lei há 50 anos. Chegar ao coração do Parque Nacional de Brasília e olhar a imensidão verde que abriga centenas de espécies de animais e plantas,traz a sensação de quietude. No dito popular: é chão que não acaba mais, mas acaba. A imensa mancha verde está ilhada e ameaçada pelo avanço desenfreado das cidades do Distrito Federal e por todos os problemas gerados pelo adensamento populacional. O que muita gente pensa ser apenas o clube Água Mineral, não sabe que naquele “mato torto” nascem águas que abastecem parte do DF, ajudam a regular o clima e servem de base a dezenas de estudos científicos. A equipe de reportagem da Plano Brasília acompanhou os agentes ambientais federais Valdivino Bernardes de Moraes e Otaciano Matos, subchefe da fiscalização em uma expedição que começou a partir da Administração que fica ao lado do clube Água Mineral, o único espaço aberto à visitação pública que tem acesso pela via EPIA. Os caminhos pelo Parque começaram pela via Epia e depois pela via EPCT, que dá acesso ao chamado Lago Oeste para que os agentes pudessem abrir um dos portões a um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).
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Ainda no asfalto, Otaviano apontou para algumas construções. “São áreas invadidas. Essas pessoas se dizem donas, mas não possuem documentos para comprovar posse.” Os processos estão à espera de uma decisão na justiça, cuja lentidão é motivo de crítica por parte do agente. O Lago Oeste é separado do Parque pela estreita Epct, onde constatamos a existência de áreas invadidas e abastecidas por poços artesianos que, além de impactar negativamente o meio ambiente, também não estão regularizadas e passíveis de constantes autuações por parte do poder público. Outro esforço é desocupar áreas que foram anexadas ao DF para abrir espaços até o estado de Goiás na tentativa de se formar um corredor natural para que os animais tenham por onde sair para regiões próximas. Na estrada de chão que margeia os limites da área, mais invasões.É possível encontrar carcaças de carros e de gado pelo caminho. “Muitos ladrões ateiam fogo nos carros aqui. Eles tiram pneus, rádio, algumas peças e queimam o resto só por causa das digitais”, explicou o agente.
Montanha de dejetos À medida que se avança na estrada, os sinais da cidade Estrutural e do lixão começam aparecer. Moscas, urubus e
sujeira – literalmente uma montanha de sujeira –, tomam conta da paisagem. Grandes tubos são visíveis no alto da montanha de dejetos. Eles são fundamentais para a liberação do gás metano, mas podem provocar o efeito estufa. A inalação da substância também causa asfixia e paradas cardíacas. Outro produto do lixo é o chorume, a substância líquida resultante da decomposição da matéria orgânica. Este material é extremamente poluente e os danos à saúde são imprevisíveis. No lixão de Brasília, o chorume é depositado num enorme tanque isolado por lonas. Existe o temor de que o material contamine o solo e os lençóis freáticos. É possível ver tocos de plástico e metal ao longo da pista próxima à montanha de sujeira. São tubos por onde a Companhia de Saneamento do DF (Caesb) retira amostras de água dos lençóis freáticos que passam por ali para analisar os índices de contaminação. Outro alvo de constante análise é a nascente do córrego Peito de Moça. A água brota da terra há poucos metros de casa construída ilegalmente e de uma carcaça de carro incendiado. “Antigamente a água jorrava como se fosse um cano quebrado”, lembrou o agente Valdivino. “Mas daí construíram essa casa e furaram um poço. Agora a nascente
está minguando”. A população que vive abaixo da linha da pobreza também invade o Parque para pescar na barragem de Santa Maria. Caçadores também atuam clandestinamente lá dentro. O bicho homem também é responsável pela entrada de cachorros e gatos. No meio natural, explica o biólogo Guth Berger, os animais domésticos tornam-se selvagens e caçam animais menores, provocando desequilíbrio na frágil cadeia do Parque. “Os felinos, por exemplo, são animais que costumam caçar apenas para matar. Faz parte do instinto deles. Já ouvi algumas histórias sobre matilhas de cachorros lá dentro”, explicou. Esses problemas não estão concentrados apenas nos limites da área de preservação. No interior, próximo à barragem de Santa Maria, existem algumas clareiras de terra vermelha e solo duro. “Isso está aí desde a época da construção de Brasília”, disse Otaciano. “Extraíram tantos minerais que nem grama conseguiu nascer de novo. Mas há projetos para tentar recuperar essas clareiras.”
Ciência bem-vinda “Vou mostrar a você o lado feio e o bonito do Parque”, prometeu Otaciano antes de embarcarmos na caminhonete para a ronda. O lado bonito é a própria exuberância do cerrado. Podemos encontrar campos sujos, limpos e até pinturas rupestres. Há cerrado denso e galerias – que se assemelham muito com o aspecto da mata Atlântica. O lado feio é todo o tipo de mal que as pessoas causam àquele ambiente. Mas existe a ação humana que é desejável: a científica. Existem dezenas de grupos de pesquisadores que atuam dentro do Parque Nacional de Brasília. Depois de liberar a entrada para os pesquisadores da UnB a caminho do interior, a equipe de reportagem cruzou com alguns desses pesquisadores. O primeiro deles, um grupo de analistas ambientais, fazia mapeamentos de espécies de pássaros. Naquele ambiente também são encontrados
animais ameaçados de extinção como o Lobo-Guará e a Sussuarana, além de capivaras, antas, tamanduás e diversas espécies de répteis e anfíbios. Ao longo da estrada de chão, onde não raras às vezes minas d’água surgiam por ali, existem laços de panos de cores fortes, recurso que pesquisadores utilizam para demarcar áreas. Algumas delas estão cercadas com linhas e barbantes. “Tem muito estudos sobre plantas medicinais por aqui”, disse Otaciano. “A estrela do momento dos pesquisadores é a ‘Canela de Ema’, uma planta medicinal e que também pode ser combustível”. Estima-se que 10% das espécies de árvores e arbustos sejam medicinais, como a popular arnica-brasileira que é muito usada pela população como anti-inflamatório e analgésico.
Tremores registrados Em alguns pontos do Parque é possível ver instrumentos redondos de metal que lembram grandes teias de aranha fincadas ao chão. Perto delas existem outros aparelhos fixados em bases de cimento. São as estações sismográficas de alta sensibilidade, administradas e usadas pelo Observatório Sismológico da UnB. Algumas delas estão em atividade desde 1968, quando a Unesco recomendou a instalação do equipamento no Parque Nacional de Brasília. “O Parque foi escolhido para se instalar os arranjos por sua localização, pela geologia favorável, e por ser um ambiente de quietude sísmica. Ou seja, não havia trafego de carros e de pessoas”, explicou Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico. No parque estão também instalados aparelhos de alta sensibilidade capazes de registrar explosões nucleares realizadas no subsolo e na atmosfera. “Se um país fizer um disparo clandestino, isso será registrado em nossos sistemas”, explicou Barros. É que o Centro Sismológico de Brasília faz parte de uma rede mundial de monitoramento de abalos e o trabalho dos geólogos da UnB tem papel fundamental neste processo por ser uma das principais bases da América do Sul.
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