Outubro/Novembro/Dezembro, 2019 #02
ACELERAÇÃO MUTANTE
Service Design
Conexão Lusa
Impacto Social
Entrevista
Programas de aceleração chegam à “era do serviço”
Um panorama da inovação que desponta em Portugal
Empreendedores exploram potencial inovador das favelas
Alexander Albuquerque fala dos planos para o Banco Maré
oportunidade
Achamos uma oportunidade no meio dos seus problemas de negócio.
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Serviço de inovação aberta para problemas complexos de negócio. Um ótimo remédio para disrupção digital.
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NESTA EDIÇÃO
Alexander Albuquerque entrevista
Aceleração Mutante
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Formalizar o informal
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capa
16 Programas de inovação aberta chegam à era do serviço
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Da favela para a favela
Portugal Exponencial
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Empreendedorismo no Brasil
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COLABORADORES
Hilton Menezes
Guilherme Manechini
Co-fundador e CEO da Kyvo. Tem
Jornalista especializado em Economia e
especializações em Negócios e em Design
Negócios, já trabalhou nas principais redações
Estratégico, além de um mestrado em
da área no Brasil (Valor Econômico, Revista
Computação. Nos últimos anos, tem
Exame, Portal iG, jornal DCI e Agência Dinheiro
atuado diretamente com o ecossistema
Vivo). Entre 2014 e 2018 foi editor da revista GQ
empreendedor, como na coordenação dos
Brasil. Atualmente, é Head de Comunicação da
programas de aceleração de startups Visa e
Kyvo e um dos curadores do Wired Festival.
do Merkaz. Além da Kyvo, é co-fundador da Service Design Network Brazil.
Dubes Sônego
Israel Lessak
Jornalista com 20 anos de experiência como
Especialista em Human-Centered Design e co-
repórter e editor de Economia e Negócios.
fundador da Kyvo, lidera o Labs, frente que atua
Passou por Gazeta Mercantil, Valor Econômico,
na estruturação de novas parcerias, projetos
Meio&Mensagem, Revista Foco, América
e programas da consultoria. Também está
Economia, Brasil Econômico, iG e Época
envolvido ativamente na liderança de iniciativas
Negócios. Foi vencedor da edição 2016 do
locais de fomento ao ecossistema de inovação
prêmio da Associação Brasileira de Private
por meio do design (Service Design Network e
Equity & Venture Capital (ABVCAP), com
Global Service Jam).
reportagem sobre economia compartilhada, na revista Capital Aberto.
Juliana & Mariana
Yuka Yamada
Com experiências em projetos de design de
Designer em formação na Universidade do
serviço e visual na Kyvo, a dupla de designers
Estado do Pará, com 2 anos de experiência
é a responsável pela arte da The Funnel Brasil.
em design visual e 6 anos em ilustração.
Graduadas pela ESPM, Mariana Oliveira e
Organizadora do Global Service Jam em
Juliana Alves participam ativamente da
Belém, responsável pela identidade visual e
conceituação, desenvolvimento e entrega da
produção de material gráfico. Na universidade,
arte da revista. Na universidade, já atuaram com
já fez projetos de design de produto voltados à
projetos de identidade visual, editorial, web e
diversidade e sustentabilidade, design de serviço
game design.
e design gráfico. Também atua na arte da The Funnel Brasil.
The Funnel Brasil Diretor-executivo, Hilton Menezes - hilton@thefunnel.com.br | Editor-chefe, Guilherme Manechini - guilhermem@thefunnel.com.br Projeto gráfico e direção de arte, Juliana Alves juliana@kyvo.com.br Mariana Oliveira - mariana@kyvo.com.br Israel Lessak - lessak@ thefunnel.com.br | Editor, Dubes Sônego - dubes@thefunnel.com.br | Reportagem, Melissa Rossi - melissa@thefunnel.com.br Colaboradores desta edição: Manuel Machado, Clara Bidorini, Rodrigo Terron, Amanda Souza, Daniel Seewald Redação e correspondência: redacao@thefunnel.com.br | Rua Fradique Coutinho, 212 - Pinheiros, São Paulo - SP Comercial: comercial@thefunnel.com.br Sobre: a The Funnel é uma revista criada pela plataforma de inovação israelense Duco e, no Brasil, é publicada trimestralmente pela Kyvo. A distribuição é gratuita e restrita a um mailing selecionado de executivos ligados à area de inovação em empresas do país. Além das versões israelense e brasileira, a The Funnel é publicada na França.
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EDITORIAL
DA PONTE PRA CÁ
A maioria esmagadora das startups nasce com um propósito: atacar uma ineficiência. Em geral, utliza-se tecnologias que até há pouco não eram viáveis, ou então tinham preços proibitivos, para se construir uma solução de um problema que perdura há tempos. Parece óbvio, e é. Acontece que a base dessa lógica só se tornou mais democrática na última década, a partir da maior capacidade de armazenamento e processamento de informações e com a revolução nada silenciosa dos smartphones. É neste contexto que as ineficiências passaram a ser atacadas, por startups e grandes empresas, em um ritmo assustador. Na realidade brasileira, é evidente que não nos falta ineficiência. Tampouco potencial de mercado. Essa combinação alavancou o Brasil a um palco importante no surgimento de novos unicórnios e também para a estratégia de gigantes da nova economia, como Amazon e Netflix. No primeiro caso, a empresa de Jeff Bezos acaba de eleger o país para uma ofensiva bastante agressiva. O Amazon Prime chega ao país custando um quinto do que é cobrado nos Estados Unidos. Mas como fazer isso em um país continental e com infraestrutura deficitária? O CEO da Amazon no Brasil, Alex Szapiro, pode se inspirar no que fez o Netflix, que precisou de cinco anos entre lançar, fracassar e ajustar a operação brasileira até ela virar referência para outros países. Mercado fechado para produtoras estrangeiras, praticamente monopolizado por um grande player, com internet ruim e idioma restrito a poucos países eram alguns dos desafios no Brasil. A solução veio do time escalado para a operação brasileira e previu até o financiamento a melhorias nas redes de internet das grandes operadoras de telefonia, algo que o headquarter do Netflix nos EUA não estava pensando. Ou seja, o olhar local é necessário e, muitas vezes, mais inovador do que supomos. Na 3ª edição da The Funnel Brasil, fomos buscar inspiração na inovação que nasce com a marca da ineficiência. É isso que grupos como a Holding Favela, Vale do Dendê, Anip, Banco da Maré, Fa.Vela e Abellha estão fazendo ao fomentar o empreendedorismo e a inovação em diversas comunidades carentes espalhadas pelo país, numa tentativa de mostrar o conhecimento represado que há nelas. Ou então, entendendo como é possível ajudar empreendedores que são da base da pirâmide, que conhecem pela vivência os problemas que têm, a criar negócios de impacto na periferia, voltados para a periferia. Há alguns meses conversei com um executivo de uma financeira nova e que vem assustando os bancos com a velocidade que tem crescido. E uma das bases desse crescimento, segundo ele, é a diversidade. De raça, credo, classe social, gênero… “Se eu contratar apenas alunos das melhores universidades, só vou gerar soluções para o público da av. Faria Lima ou do Leblon. E definitivamente esse não é o meu público”, disse ele. O mesmo recado vale para as aceleradoras de startups, o tema da nossa reportagem de capa. Por alguns anos, a maioria tentou replicar o modelo americano de aceleração. Resultado: a taxa de sucesso foi muito inferior ao que era imaginado. Enfim, lições de um mercado de mais de 200 milhões de pessoas, repleto de ineficiências e oportunidades para quem pensa e vive a inovação diariamente.
Boa leitura!
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Hilton Menezes Diretor-executivo da The Funnel no Brasil e CEO da Kyvo
entrevista com
ALEXANDER ALBUQUERQUE Fundador do Banco Maré, em uma favela do Rio de Janeiro, agora prepara o lançamento de uma bolsa de valores de negócios de impacto social, a [BVM]12 por Dubes Sônego FINTECH
STARTUP
NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL
Há três anos, Alexander Albuquerque fundou um banco em uma favela no Rio de Janeiro. O nome e a ideia, tirou da comunidade onde vivem cerca de 200 mil pessoas, na Zona Norte da capital fluminense, o Complexo da Maré. Apesar do tamanho da população, em 2016 a Maré ainda não tinha agência bancária, lotérica ou caixa eletrônico onde os moradores pudessem realizar saques, depósitos e pagamentos. O Banco Maré nasceu como fintech, com aplicativo e moeda própria, a Palafita, baseada em plataforma blockchain, para atender à demanda reprimida na região, e se tornou referência em negócios de impacto social no Brasil. Na entrevista que segue, Albuquerque fala sobre o processo de expansão geográfica em curso no banco; sobre a bolsa de valores especializada em negócios de impacto social que está lançando, a [BVM]12, e sobre as dificuldades e o potencial dos negócios de impacto social, principalmente no Brasil, onde nunca conseguiu investidores.
BLOCKCHAIN
Como funciona o Maré? Depois de baixar o aplicativo, onde você deposita o dinheiro para começar a usá-lo, já que não há agências? O depósito você faz através dos nossos Kioscos (pontos de atendimento onde os clientes são atendidos por moradores da região) ou através de um comerciante autorizado. O cliente dá o dinheiro para o comerciante, que tem já uma conta pré-paga, e transfere a Palafita, nossa criptomoeda, para a carteira digital do cliente. Com esse saldo, o cliente pode pagar contas, fazer transferências e até comprar no comércio local, via QrCode, usando o celular. Quantos comerciantes credenciados o Banco Maré tem hoje? Temos mais de mil comerciantes cadastrados na plataforma. Mas não falamos muito sobre os volumes movimentados, porque Rio de Janeiro e São Paulo são cidades extremamente perigosas. Atingimos hoje mais de 36 mil pessoas, que são usuários frequentes. Estamos no Rio de Janeiro, em Heliópolis (favela de São Paulo), e em Arapiraca, no interior de Alagoas. Agora, estamos indo para Petrolina, no interior de Pernambuco. Este ano, pretendemos chegar a 80 mil clientes. E, até o meio de 2020, a 250 mil clientes. Queremos expandir para o Brasil inteiro, através de representantes Maré e, depois, escalar para a América Latina, através da Argentina, México e outros países. Como funciona o representante Maré? Ele baixa o aplicativo do Maré e se cadastra como comerciante. Lá, ele tem outros serviços. Pode pagar conta dos clientes, fazer transferências, recarga de celular,
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compra de passagens de ônibus, consulta ao SPC/Serasa (serviço de proteção ao crédito). Até ingresso de futebol ele pode comprar através do aplicativo para os seus clientes. E ganha por isso. Ganha uma receita a mais e atrai mais pessoas para o seu negócio.
A Palafita hoje tem paridade com o real, não? Ninguém está lá, nas Hoje, é um pra um. Mas, a partir do favelas, querendo saber mês que vem, ela vai ser atrelada a uma cesta de moedas que inclui dólar, quais os problemas de euro, yuan e o próprio real. A cesta vai inclusão financeira, de balizar o valor da Palafita, dar mais estabilidade a ela, permitir que seja pagamento de contas. muito mais escalável. Queremos ser uma empresa global, ela vai poder estar listada em exchanges. Qualquer pessoa no mundo vai poder comprar e investir nessa bolsa, Hoje, o banco é mais focado em comunidades que vai ter empresas brasileiras e estrangeiras. pobres, como a Maré e Heliópolis. Mas a ideia é que ele saia desses círculos? E ela já está aprovada? Está tudo pronto para o Heliópolis, Arapiraca e Maré foram nossos pilotos. lançamento? A gente precisava entender a demanda dessas Estamos liberando o mercado primário com a pessoas. Ninguém está lá, nas favelas, querendo CVM (Comissão de Valores Mobiliários). E, a partir saber quais os problemas de inclusão financeira, de outubro, o secundário, que é uma novidade de pagamento de contas. Tivemos esse trabalho até para a gente. Não esperávamos ter grandes de desenhar o produto com os moradores. Tudo parceiros, como o R3 (consórcios de blockchain em que a gente for lançar, vai ser sempre testado lá que relevantes instituições financeiras são parte). E e em Heliópolis. A gente tem Arapiraca também outras multinacionais, que vão ser anunciados nos porque a cultura do Nordeste é diferente. Um próximos meses. Então, tem tudo para dar certo. exemplo. Cerca de um terço da população nordestina não têm smartphone. A gente usa muito Vocês já têm mapeadas as empresas que poderão o WhatsApp no banco para mandar comprovante. ser lançadas nessa bolsa? E eles começaram a reclamar que não recebiam. Já. Serão doze empresas, na fase piloto (incluindo Descobrimos que é porque só têm o celular, o próprio Banco Maré). Todas as empresas mesmo, com SMS. Então, estamos desenvolvendo brasileiras têm mais de um ano de funcionamento uma tecnologia para pagamentos via SMS, e passagem pelo programa de aceleração do pensando nessa população. Facebook na Estação Hack, em São Paulo. As estrangeiras, também passaram por um fundo de Foi preciso estar lá para descobrir. aceleração. De fora, são seis: duas do Quênia, Estar presente nessas regiões é muito importante duas da Índia, uma da Colômbia e uma dos para você criar algo junto com quem tem o Estados Unidos. No final do ano, a gente abre um problema de fato. E a gente contrata pessoas escritório em São Francisco (Califórnia), para fazer dessas regiões. Eles nos trazem os feedbacks. O a captação de investidores, e vamos começar a que está acontecendo, o que pode melhorar, quais procurar empresas relevantes, no Brasil e lá fora, são as dores. para participarem da bolsa. Quais os desafios que tem pela frente? Um problema no Brasil, para empresas de impacto, e não só o Maré, é financiamento, crédito. Nunca recebemos investimento no Brasil. Só nos Estados Unidos e na Argentina. E acabamos criando um meio de resolver o nosso problema e o de outras empresas de impacto também. Estamos lançando em outubro outra empresa, que se chama [BVM]12. É uma bolsa de valores, igual a B3, só que exclusiva para empresas de impacto social, no Brasil e lá fora. Para investir, será preciso usar nossa criptomoeda, a Palafita, para comprar os tokens que representam as ações das empresas. 8
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É um projeto que anda em paralelo ao Banco Maré? Sim. A Bolsa vai atrair empresas que vão ter, imagino, na pior hipótese, movimentação de R$ 10 mil por mês. Já é mais que cem clientes do banco. E esse dinheiro estará no Banco Maré. Porque as empresas (da bolsa) terão obrigatoriamente que ter uma conta no banco. Como custodiante, o Maré consegue se capitalizar, ter clientes maiores e se expandir. Quais os principais problemas que você enxerga para que essas comunidades sejam uma fonte de mais empresas de impacto social? Educação? Dinheiro? As duas coisas. Mas o maior entrave para a criação
de startups é a educação. Na Maré moram 200 mil pessoas e não tem escola de ensino médio. A pessoa termina o ensino fundamental e tem que procurar um bairro vizinho para terminar os estudos. É muito desleal a concorrência de uma pessoa que pensa em montar uma startup em uma favela e quem está aqui, na Vila Olímpia. O cara na Vila Olímpia teve educação em bons colégios, têm inglês fluente. O cara da favela estudou na escola pública, sabe-se lá como. Você vai eliminando, segregando as pessoas. Quando ele consegue ter uma boa idéia, e é alguém fora da curva, aí não tem acesso ao crédito. Como ele vai acelerar uma startup? É difícil. Porque o cara que está na Vila Olímpia tem um network muito maior que o cara da favela.
É muito desleal a concorrência de uma pessoa que pensa em montar uma startup em uma favela e quem está aqui, na Vila Olímpia. E o cara bem formado, com acesso a crédito, provavelmente não entende como resolver os problemas do outro lado… Sim. Foi por isso que eu, não sendo da Maré, implementei o Banco Maré dentro da Maré, e ficava lá. Ia todos os dias, eu e um dos sócios, francês, o Benjamin (Drouin). Quando estou no Rio, prefiro ficar lá para ouvir a população e entender os problemas. Mas não é todo mundo que tem essa coragem e iniciativa. Dá medo. Quantas pessoas vão sair da Zona Sul do Rio para ir para dentro de uma favela empreender?
Quais as perspectivas para o futuro? O nosso sonho grande, mesmo, é que outras empresas possam se alocar na Maré, e em Heliópolis também, e trazer transformação. Queremos ser referência e mostrar que é possível. E aí, claro, temos que procurar também os órgãos públicos, para que eles incentivem e façam seu papel. Não é possível você ter uma empresa que movimenta hoje o que o Banco Maré movimenta e a sua sede, na frente, não ter saneamento básico. Não é possível que uma “cidade” como a Maré não tenha escolas de ensino médio. Quem são os investidores do Maré? São fundos de investimento? Não, são pessoas físicas. Tem o CEO da We Work Latam, Pato Fuks, e o Alejandro Frenkel, que é CFO. Outro é o Mick Hagen, americano que já investe em empresas de impacto na África, e está investindo na gente agora. Os aportes do We Work vieram no ano passado. O Mick está chegando agora. São valores pequenos, US$ 200 mil. Mas eles trazem a experiência dentro de negócios já grandes, de expansão. Então, estamos conseguindo contratar gente boa. Acabamos de contratar uma indiana e uma portuguesa que mora em São Francisco, com uma experiência muito grande em fundos de investimento. Como não tem dinheiro no Brasil, temos que buscar lá fora. Um investidor no Brasil oferece R$ 100 mil por 10% da empresa. O americano oferece US$ 100 mil por 2%. É mais justo e mais sábio fazer esse tipo de captação lá fora•
Que tipo de impacto o banco já teve? Antes, só porque eram da Maré ou de Heliópolis, os comerciantes pagavam 12% no crédito, 9% no débito e 17% de antecipação nas máquinas de POS (para recebimento de pagamento com cartões). Conseguimos baixar para 4,9%. Agora, vai para 3,5%. O número de pessoas que pagam as contas atrasadas diminuiu em 65%, porque agora têm acesso a uma conta bancária. Podem fazer transferências para parentes. Não precisam mais juntar todas as contas para ir pagar em um dia só, de ônibus, no bairro vizinho. Comerciantes não correm mais o risco de pegar o movimento de um dia inteiro e ir depositar R$ 10 mil, R$ 15 mil. A gente contrata pessoas dessas regiões e coloca na faculdade. Somos em 26 pessoas, 16 são da Maré. Destas, colocamos onze na faculdade.
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Foto por Bruno Thethe em Unsplash 10
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Da favela para a favela por Dubes Sônego ACELERAÇÃO
EMPRESAS
NEGÓCIOS DE IMPACTO
Startups e aceleradoras de negócios de impacto social surgem em áreas pobres de grandes cidades brasileiras e testam a lógica de que problemas e oportunidades andam juntos Há uma lógica ancestral no mundo dos negócios inexplorada nas favelas brasileiras. A de que as maiores oportunidades se encontram justamente onde estão os maiores desafios. Mesmo com os avanços no combate à pobreza nas últimas duas décadas e meia, o país segue sendo o nono mais desigual do mundo, segundo o ranking da Oxfam (organização humanitária dedicada ao combate a pobreza e a desigualdade). Enquanto 10% dos brasileiros mais ricos concentram 43,15% da riqueza nacional, os 40% mais pobres dividem 12,3% dos rendimentos. Em anos recentes, no entanto, uma série de iniciativas, ainda pontuais, vêm buscando mudar essa realidade. São empresas e aceleradoras de negócios de impacto social voltadas a empreendedores de baixa renda localizados em favelas de grandes cidades, como Fa.Vela, Abellha, Vale do Dendê, Anip e Favela Holding. “O ecossistema de negócios de impacto social no Brasil tem mais ou menos dez anos. E nesse período, grande parte das aceleradoras tiveram origem em classes mais altas, que tentavam beneficiar classes mais baixas. O movimento era do centro para a periferia”, afirma Edgard Barki, coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV (FGVcenn). “Nos últimos anos, cresceu a percepção dentro do próprio ecossistema de que, fazendo só isso, estamos refletindo justamente o sistema que não queremos refletir”, afirma o acadêmico. “Então, passouse a discutir como trabalhar o outro lado. Como é possível ajudar empreendedores que são da base da pirâmide, que conhecem pela vivência os problemas que têm, a criar negócios de impacto na periferia, voltados para a periferia.”
A própria FGV, da qual Barki faz parte, está envolvida em uma dessas iniciativas. É a Aceleradora de Negócios de Impacto de Periferia (ANIP), encabeçada pela Banca, produtora cultural social localizada no Jardim Ângela, em São Paulo, e a Artemisia, organização sem fins lucrativos do fundo de investimento de impacto Potencia Ventures. No Edgard Barki, coordenador do Centro ano passado, quando de Empreendedorismo e Novos começou o programa de Negócios da FGV (FGVcenn) aceleração, foram feitas duas turmas de cinco meses, cada uma com cinco empresas. Este ano, foram mais dez, agora por um período de nove meses. Cada uma delas recebe R$ 20 mil de apoio, além de workshops de formação, mentoria para os negócios e acompanhamento individualizado, diz Barki.
“Como é possível ajudar empreendedores que são da base da pirâmide, que conhecem pela vivência os problemas que têm, a criar negócios de impacto na periferia, voltados para a periferia”
Ao lado: Favela em São Paulo, o morro como fonte de inovação
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Pré-aceleração, Vale do Dendê em Salvador
Entre os negócios já acelerados e em fase de aceleração no programa da Anip, há desde iniciativas como a Ubra, conhecida como o “Uber da Favela”, e a Empreende Aí, de cursos para empreendedores, até a ReciFavela, de reciclagem de resíduos, a Have Options to Dress (HOTD), de aluguel de roupas por assinatura, e a Boutique de Krioula, de moda afro. É um perfil similar ao encontrado em outras aceleradoras criadas em áreas periféricas. A Fa.Vela, de Belo Horizonte, por exemplo, começou a funcionar em 2014 e já atendeu 197 empreendedores, de 163 negócios. Para se bancar, presta consultoria a entidades e empresas interessadas em atuar em áreas de periferia -- atualmente, desenvolve projetos com o grupo educacional Anima, a Brazil Foundation e a Fundação Renova. O programa é focado inicialmente no desenvolvimento de habilidades sócio-emocionais e, em seguida, em conhecimentos mais específicos para os negócios, como educação financeira, gestão e marketing, afirma João Souza, presidente e líder da área de inovação do Fa.Vela. De forma similar, a Abellha, no Rio de Janeiro, dá suporte gratuíto a oito negócios nas favelas do Cantagalo, Pavão Pavãozinho, localizadas entre os bairros de Ipanema e Copacabana, e tinha a perspectiva de começar com outras seis empresas, no morro Santa Marta, em Botafogo, em setembro. Normalmente, cobra mensalidades de startups interessadas em participar de seu programa
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de aceleração. Mas, nos morros, o programa é bancado por empresas, como a VivaRio, pessoas físicas, igrejas e outras instituições. Há ainda a Vale do Dendê, em Salvador, na Bahia, cujo nome faz referência ao Vale do Silício, na Califórnia. Lançada em outubro de 2017, a aceleradora pré-acelerou 30 negócios de economia criativa e tecnologia no ano passado, dos quais dez fizeram o ciclo completo. Cinco acabaram conseguindo investidores, diz Paulo Rogério Nunes, um dos criadores da iniciativa. No início do ano, a Vale do Dendê fez projeto semelhante, mas voltado a empresas de gastronomia, com patrocínio do Assaí. E, agora, no segundo semestre, está com outro processo próprio de aceleração, com foco maior em tecnologia e possibilidade de aporte de R$ 10 mil em cinco negócios, dos 30 préacelerados e dos dez que serão acelerados.
Há ainda a Vale do Dendê, em Salvador, na Bahia, cujo nome faz referência ao Vale do Silício, na Califórnia. Lançada em outubro de 2017, a aceleradora pré-acelerou 30 negócios de economia criativa e tecnologia no ano passado, dos quais dez fizeram o ciclo completo.
Paulo Rogério Nunes, diretor-executivo da Vale do Dendê
A HORA E A VEZ
O que faz com que os negócios nascidos na periferia possam ganhar força justamente agora, na visão dos envolvidos, é uma mistura de fatores. Celso Athayde, CEO da Favela Holding, sócia de 22 empresas em favelas brasileiras, conta uma história pessoal para dizer que as periferias brasileiras sempre foram imensamente criativas para ganhar dinheiro. “Quando eu era criança, na favela do Sapo, minha mãe tinha um negócio que era levar os filhos de outras mães para a praia nas férias. Umas 50 crianças. E ela recebia uma grana para fazer isso. Era um valor baixo, nas férias, mas era todos os dias. Isso tinha a ver com network, com credibilidade”, afirma. “Hoje, quando você pega um Uber, é a mesma coisa. Não vai entrar em um carro preto na porta de casa se não tiver confiança naquela relação”.
A diferença, afirma Athayde, é que mães da época não tinham nem conhecimento nem dinheiro para sistematizar o negócio e levá-lo a outro patamar. “Com a globalização e a internet, os filhos dessas mulheres, como eu, passaram a ter mais acesso a ferramentas que antes não estavam disponíveis”, diz o empresário. “Hoje, é mais fácil escalar um negócio”, concorda Nunes, da Vale do Dendê. “Uma invenção do interior da Bahia pode atender às demandas de outros países da América Latina, da África ou do Sudeste Asiático, por exemplo. Através de sites de comércio eletrônico, aumentou muito o mercado potencial”.
“Com a globalização e a internet, os filhos dessas mulheres, como eu, passaram a ter mais acesso a ferramentas que antes não estavam disponíveis”, [...] “Uma invenção do interior da Bahia pode atender às demandas de outros países da América Latina, da África, do Sudeste Asiático, por exemplo. [...]” Celso Athayde, CEO da Favela Holding
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Barki, da FGV, acrescenta ainda um fator político, relacionado às minorias. “Há um movimento ideológico, uma tentativa de mudança”, afirma. Em anos recentes, mulheres, LGBTs, negros e grupos da periferia vêm ganhando voz em suas lutas por direitos iguais e inclusão social. “São movimentos muito relevantes, que crescem pouco a pouco, até que chega uma hora em que os olhos da maioria se abrem para um problema. Estamos neste momento de inflexão, em que a periferia se torna mais relevante, em todos os aspectos”.
“Há um movimento ideológico, uma tentativa de mudança” [...] “São movimentos muito relevantes, que crescem pouco a pouco, até que chega uma hora em que os olhos da maioria se abrem para um problema [...]” Na outra ponta, a do “asfalto”, com a redução da desigualdade e maior distribuição de renda em um passado recente, muitas empresas também passaram a perceber nas periferias das grandes cidades um público consumidor potencial imenso, que movimenta anualmente quase R$ 70 bilhões, diz Athayde. “A gente passou a tomar conhecimento de que as pessoas não consumiam só pão e cachaça nas favelas. Hoje, nenhum jovem na favela usa quichute ou conga. Usam tênis Nike, original, porque é questão de identidade. Na medida em que as empresas passam a perceber que existe esse recursos disponíveis, começam a pensar em fazer produtos para a classe C, D e E, e em como acessar esses mercados”.
Foto por Sergio Souza em Unsplash
R$ 68,6 bilhões - é o quanto movimentam anualmente cerca de 12,3 milhões de brasileiros que vivem em favelas. (Fonte: Instituto Data Favela / Data Popular / Central Única das Favelas (Cufa), 2015.
Parque Brasil, São Paulo
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BARREIRAS CAPITAIS
Apesar dos avanços recentes, porém, há ainda uma série de entraves para que os projetos deslanchem. Basicamente, relacionados à educação, capital social e financeiro, afirmam os envolvidos com os projetos. O primeiro desafio, concordam todos, é o educacional. “Mais de 70% da população nas favelas é negra. Historicamente, é um grupo que sofre com falta de acesso à educação de qualidade, principalmente em nível técnico profissional e acadêmico”, afirma João Souza, presidente e líder da área de inovação do Fa.Vela. Mas não é só isso. Ele avalia que é preciso que as pessoas tenham acesso a bons processos, de educação formal ou informal, que garantam competências técnicas e sócio emocionais. Mas também são necessárias oportunidades. “Não adianta só ter a formação, sem oportunidades. As pessoas estão sempre batendo na próxima porta, em um labirinto de portas. Consigo colocar os jovens da periferia dentro de uma camada do sistema, mas sempre tem mais uma camada para se transpor, como em uma cebola”, diz. Cor da pele e gênero, avalia Souza, são algumas dessas barreiras sutis. Mas há outras, similares, como a falta de um passado em comum, a distância dos círculos de amizade, a falta de um sobrenome que ajude a abrir portas, novos mercados, fechar parcerias e acessar capital financeiro. “No fim das contas, o investidor só apoia quem ele conhece”, afirma Nunes. “E as pessoas das comunidades periféricas não circulam nos mesmos locais que eles, não estudam nas mesmas escolas, não vão para os mesmos ambientes”.
“No fim das contas, o investidor só apoia quem ele conhece”, afirma Nunes. “E as pessoas das comunidades periféricas não circulam nos mesmos locais que eles, não estudam nas mesmas escolas, não vão para os mesmos ambientes”. A distância entre favela e asfalto, avalia Beta Pontelo, head de aceleração da Abellha, é ampliada ainda pela violência, o medo e o desconhecimento.
“A gente tem uma grande população dentro das favelas, que não vai diminuir nos próximos anos. Pelo contrário, vai crescer. É um público grande, em potencial”, diz. “Mas a gente tem um problema que é a segregação, mesmo. Ainda que essas pessoas estejam inseridas nas nossas vidas das mais diversas formas possíveis -- porteiros, motoristas de ônibus, de Uber --, quando é para ir lá, é um ambiente hostil, uma coisa complicada. Vai muito além do ter ou não ter dinheiro. É a marginalização, literalmente. As pessoas de fora ficam preocupadas. E é meio complicado mesmo fazer o balanço entre uma boa oportunidade e o receio de aproveitar essa boa oportunidade. Porque existe um mercado, mas chegar até ele é complexo”.
Beta Pontelo, ao centro, entre Andressa Abreu (à esq.) e Renata Varella (à dir.), da Clube das Pretas, uma das aceleradas pela Abellha
GANHOS
É por isso, em parte, que Souza, da Fa.Vela, sugere a quem tem interesse em explorar o mercado das favelas busque empreendedores locais, que conheçam o território, e façam parcerias. É assim, basicamente, que vivem as empresas da Favela Holding, de Athayde, que ajuda empresas como P&G, Natura e Flytour a distribui produtos e serviços em favelas. O processo de integração e consolidação da periferia como berço de negócios inovadores, avalia Barki, da FGV, é de longo prazo. Mas, afirma ele, o exemplo de que é possível, fundamental para a mudança, já está sendo dado•
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CAPA
Aceleração Mutante
PROGRAMAS DE ACELERAÇÃO
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INOVAÇÃO ABERTA
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TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
o Após anos de forte expansão, aceleradoras de startups se transformam e buscam novas formas de retorno em um mercado cada vez mais diverso e dinâmico
por Dubes Sônego
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Aceleração Mutante
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enato Valente é um observador privilegiado das profundas mudanças por que vêm passando as aceleradoras de startups no Brasil. Quando assumiu o comando da Wayra no país, em 2016, a iniciativa do Grupo Telefônica (Vivo), lançada em 2011, tinha ainda moldes tradicionais. Anualmente, eram feitas duas rodadas de seleção de startups, com data marcada. As escolhidas recebiam suporte em gestão por um período pré-determinado, além de um valor fixo em troca de participação no negócio. As principais preocupações na hora da seleção eram a equipe, o potencial do mercado e a solução proposta. Como último critério, a possibilidade de fazer negócio com o grupo. De lá para cá, porém, muita coisa mudou. A começar pela forma como a companhia define a Wayra. Em setembro passado, a Vivo passou a posicioná-la como hub de inovação, não mais como aceleradora. Agora, a perspectiva de parceria com a Vivo é fundamental para a aproximação com uma startup. A aceleradora deixou de existir. Porém, empresas embrionárias e com potencial, convidadas pela Wayra como residentes, podem usar gratuitamente o espaço antes dedicado às aceleradas, sem ter que ceder capital. “O modelo de fazer só investimento em empresas muito jovens, em turmas, é muito difícil de ter retorno em prazo razoável”, diz o executivo.
“O modelo de fazer só investimento em empresas muito jovens, em turmas, é muito difícil de ter retorno em prazo razoável” A constatação vêm da experiência não só da Wayra, mas também de outras iniciativas semelhantes. Em junho deste ano, uma das maiores aceleradoras de startups do Brasil, a ACE Startups, com 14 saídas e 300 startups aceleradas, anunciou uma mudança em seu modelo de negócios. Dividiuse em dois braços. Um é um fundo de investimento em startups. O outro, uma consultoria para grandes empresas, chamada ACE Cortex. Antes, em maio, a Oxigênio, aceleradora corporativa da Porto Seguro, havia divulgado a realização da oitava rodada de seu programa sem a troca de investimento por participação nas startups selecionadas. Mesmo a Idexo, da TOTVS, com pouco mais de um ano e meio de atividade, já mudou o posicionamento inicial. De aceleradora, passou a se definir como uma iniciativa de desenvolvimento de negócios em conjunto com startups. O que está por trás das mudanças de agora no mercado é o amadurecimento de estratégias de inovação aberta das organizações, diz Marcus Salusse, coordenador de projetos do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV. Com a forte expansão do interesse e dos investimentos em inovação aberta nos últimos anos, tanto grandes corporações patrocinadoras de programas de aceleração quanto startups perceberam que o modelo tradicional, em muitos casos, já não fazia mais sentido, afirma o acadêmico. “As organizações estão se relacionando com as startups por motivos estratégicos, e não para ter retorno sobre os investimentos. Essa é uma mudança importante”, avalia Salusse.
Flexibilidade que se compra
Renato Valente - country manager na Wayra Brasil
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As primeiras aceleradoras de startups surgiram nos Estados Unidos, em meados da década passada. Inicialmente, eram empresas independentes, com modelo de negócio calcado na oferta de
Sede da Wayra em São Paulo
Salman Khan, do Khan Academy, em palestra na Y Combinator
dinheiro e capacitação a empreendedores com ideias e tecnologias altamente inovadoras. Em troca, a aceleradora ficava com uma participação minoritária no negócio e a vendia mais tarde, com lucros milionários, se tudo desse certo. O sucesso de casos como o da americana Y Combinator, pioneira do ramo famosa por aportes em companhias como Aibnb, Dropbox e Reddit, atraiu a atenção de grandes corporações. E começaram a surgir também aceleradoras corporativas pelo mundo, seguindo inicialmente os mesmos moldes.
head de corporate venture da Kyvo, plataforma de inovação que desde 2017 só atua com programas de inovação corporativa baseados em service design e sem contrapartida acionária.
Com o passar dos anos, porém, as corporações começaram a adaptar os programas a outras necessidades suas e às novas realidades de um mercado cada vez mais dinâmico. De um lado, perceberam que poderiam rentabilizar melhor a proximidade com startups, priorizando potenciais fornecedoras ou parcerias de negócios. De outro, as startups se deram conta de que nem todo programa de aceleração vale a pena, e que ceder capital por pouco dinheiro inicialmente poderia comprometer captações futuras. A combinação levou programas de aceleração corporativa a flexibilizarem o modelo original para atrair startups cada vez mais maduras e capazes de criar rapidamente produtos e serviços inovadores. A relação entre uma grande empresa e uma startup é conflituosa por natureza, pois são velocidades completamente distintas. “Por isso, ao buscar startups mais maduras ou mesmo as chamadas scale-ups [startups em forte ritmo de crescimento], as chances de levar inovação para dentro da empresa são maiores. E no fim das contas este é o principal objetivo de um programa patrocinado por uma grande corporação”, diz Clara Bidorini,
Há cerca de quatro anos, a maioria das aceleradoras brasileiras tinha foco em startups em fase de ideação e pré-seed, etapas em que a ideia é testada e um protótipo do produto ou serviço é construído, afirma Gilberto Sarfati, coordenador do mestrado profissional em gestão para a competitividade da FGV, em artigo na GVExecutivo. Quanto mais embrionário o negócio, maior o risco de fracasso, menor o investimento e o capacidade de colaboração com a empresa investidora. Na medida em que a startup se prova viável, o risco diminui e a chance de negócios conjuntos cresce. Mas também o custo de aquisição de participação na startup acelerada. Em maio de 2018, quando a publicação foi lançada, as aceleradoras já haviam migrado para negócios entre a etapa seed, momento de testes de consistência em escala, e a Series A, primeira rodada de investimentos de fundos de capital de risco. “Esses investidores têm preferido empresas com modelos de negócios consistentes, que já apresentam receita e que demonstram alto potencial de escalabilidade”, escreve Sarfati. “Para nós, o importante é fazer negócios com a Porto”, diz Mauricio Martinez, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Porto Seguro e da Oxigênio. “Que bom se eu puder ganhar dinheiro vendendo a startup. É bom, mas não é o nosso foco”, afirma o executivo. Segundo ele, os aprendizados e ajustes recentes no programa da Oxigênio foram neste sentido. O U T U B RO/ N OV E M B RO/ D E Z E M B RO, 2 0 1 9 | 1 9
Para tentar atrair startups mais maduras, capazes de solucionar problemas internos da Porto ou de seus clientes finais, a companhia primeiro ajustou o valor dos investimentos que vinha fazendo, de R$ 100 mil para entre R$ 300 mil e R$ 500 mil. E, agora, vai testar o modelo sem compra de participação, mirando projetos mais relevantes. “Percebemos que, com o primeiro ajuste, a maturidade das startups mudou bastante. E que hoje, muito mais que investimento, elas precisam é dos primeiros projetos, para começar a abrir mercado”, diz Martinez. “Então decidimos não pedir equity para ver que tipo de startups vamos atrair”. Mauricio Martinez - Gerente de pesquisa e desenvolvimento na Porto Seguro e Oxigênio
Ação e reação
É um movimento que tende a ter reflexo sobre o modelo de negócio das aceleradoras tradicionais. O crescimento da demanda corporativa por serviços de consultoria e gestão na área abriu a oportunidade de ganharem dinheiro com a prestação de serviços, no curto prazo, como farão agora a ACE e a Plug and Play, e já fazem empresas como a Liga Ventures e a Kyvo -- a Plug and PLay, com origem no Vale do Silício, e conhecida por aportes em companhias como Google e Rappi, anunciou em setembro a estreia no país com dois programas que têm como parceiras corporações como Suzano, Elo e Claro. Por outro lado, as
aceleradoras corporativas criaram alternativas para as startups que preferem não ceder capital e, assim, reduziram o número de boas opções de investimento para as tradicionais, que dependem da venda de participação nas startups para se manterem ativas e lucrativas. “O que temos interpretado disso tudo é que o modelo de negócio tradicional das aceleradoras não é financeiramente sustentável no Brasil”, afirma Thomaz Martins, head da aceleradora da FGV, a GVentures, e mestrando com tese sobre aceleradoras. “Aceleradoras tradicionais são investimentos tipicamente de longo prazo, comparáveis aos de fundos de investimento”, diz Vítor Andrade, diretor-geral da Idexo, fazendo um contraponto. Um ciclo típico de um fundo de investimentos é de dez anos, com saídas a partir do sétimo ano, afirma o executivo, que acompanha iniciativas de apoio a startups há doze anos. As primeiras aceleradoras brasileiras surgiram por volta de 2012. “Nenhuma completou ainda um ciclo. Estão chegando aos sete anos. É agora que, teoricamente, começa a retornar o investimento”, diz. “Estamos começando a ter saídas, e vai se provar que o modelo das aceleradoras dá certo. Mas demora muito”, concorda Valente, da Wayra.
Novas métricas Thomas Martins - head da GVentures
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Enquanto o retorno não vêm, as mudanças nos programas demandam dos gestores a definição de diferentes métricas para medir os resultados das parcerias com startups e justificar os investimentos na área. No modelo tradicional, a avaliação do valor de mercado das jovens empresas e o número de saídas é, de certa forma, suficiente. Sem a
aquisição de participação, a métrica deixa de ter relevância e são necessários outros critérios. “As melhores práticas para quantificar os resultados para as empresas e startups depende dos objetivos de cada corporação com a iniciativa de inovação aberta”, diz Andrade, da Idexo. Se o objetivo for a busca de soluções para problemas internos, uma possibilidade é o uso de indicadores que meçam a redução de custos ou de prazos na realização de um processo. Se for a criação de soluções para os clientes finais da empresa, por exemplo, pode ser o volume de vendas conjuntas entre a corporação patrocinadoras da iniciativa e a startup, como no caso da Idexo. Ou ainda uma combinação de tudo isso, com ordens de prioridade e pesos diferentes para cada um dos objetivos e indicadores, diz o executivo.
Alguns efeitos da aproximação com startups, como as mudanças culturais, são mais difíceis de medir. Mas também há formas de fazê-lo. O programa de aceleração da Visa, tocado pela Kyvo, trabalha no modelo livre de investimento em participação societária há três anos. A principal métrica de sucesso, diz Clara Bidorini, é o fechamento de contratos com as startups. Em 2018, por exemplo, foram 110, dos quais 15 fechados com acordo comercial, 15 em desenvolvimento e 80 em análise e desenvolvimento futuro. “Existe uma perseguição ao desenvolvimento de negócios conjuntos, é a contrapartida exigida para ambos os lados, empresa e startup”, afirma a executiva.
Alcance Nacional
Há aceleradoras em todos as regiões do país
Norte
Nordeste
6 Centro Oeste
4
Sudeste Sul
33
6
Mas há também indicadores de impacto cultural, como número de empregados capacitadas em oficinas de mentoria (35, ou 23% do total), O U T U B RO/ N OV E M B RO/ D E Z E M B RO, 2 0 1 9 | 2 1
Fonte: Mapeamento dos Mecanismos de Geração de Empreendimentos Inovadores (Anprotec/MCTIC)
Na Oxigênio, da Porto Seguro, algumas das métricas de sucesso são o número de provas de conceito em andamento (24), projetos em operação (29) e oportunidades identificadas para desenvolvimento futuro em parceria com as startups do programa, afirma Martinez. “A parte de valuation não é tão relevante no momento da entrada. Para mim, é mais importante a capacidade de fazer projetos e, mais ainda, a capacidade de desenvolver produtos novos”, diz. “Se a gente consegue conceber em conjunto com a startup um produto novo, podemos ser sócios. Abro até a minha base de clientes. A startup entra com tecnologia”
Clara Bidorini - head de corporate venture na Kyvo
número de mentores (77, ou 70% do total) e de mentorias realizadas no período (449). “Estes indicadores são igualmente importantes, mas com efeitos positivos na cadeia de valor diluídos em prazos mais longos do que os mensurados nos tradicionais ciclos de aceleração”. “Em 2013, quando se começava um relacionamento com startups, a expectativa era muito mais baixa. As pessoas estavam muito mais explorando”, diz Andrade, da Idexo. “Hoje, qualquer iniciativa que trabalha com startups precisa mostrar captura de valor, algum resultado sendo construído. Varemos cada vez menos espuma. É preciso gerar resultado”.
Peneira
Entre os modelos que começam a ser esboçados para o futuro, estão programas de aceleração colaborativos, com custos compartilhados, e programas voltados a cadeias inteiras de fornecimento, e não apenas a uma empresa específica, afirma Clara Bidorini, da Kyvo. Um exemplo, segundo ela, é o programa de aceleração Merkaz, desenvolvido em parceria entre a Kyvo, a Congregação Israelita Paulista, do Fundo Comunitário e do Clube Hebraica São Paulo, para fortalecer e startups dentro e fora da comunidade judaica. Entre os patrocinadores do programa, há mais de 20 empresas, de setores como construção, saúde e varejo.
Dinheiro na Mesa
Maior parte das aceleradoras aceita menos de dez startups por ciclo*
Injeção de capital ainda é a regra nos programas de aceleração*
3,45% + 15
10,34% 24,14%
Sim, em forma de mútuo conversível em participação societária
15%
11 - 15 27%
6 - 10
62,07%
55%
Até 5
Sim, em contrato de participação societária Não realiza aporte financeiro Outro
3%
Cesta de Serviços
É grande a diversidade de modelos de suporte às startups*
100% 86,21%
80% 60%
55,17%
65,52%
65,52%
72,41%
75,85%
40% 20%
20,69%
0
Outros
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Assessoria em propriedade intelectual
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Apoio para participação em feiras e rodadas de negócios
Assessoria contábil e financeira
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Assessoria jurídica
Apoio na obtenção de capital de risco
Apoio na captação e aplicação de recursos
Diversidade de Atuação As aceleradoras brasileiras atuam majoritariamente em 15 áreas* 0%
13,79%
41,38% 20,69% 7,24%
86,21%
Assessoria em marketing / gestão
89,66%
Participação superior a 11,01% Participação entre 8,01% e 11% Participação entre 5% a 8%
30%
40%
50%
60%
41,38%
Saúde e ciências
41,38% 31,03%
Educação
27,59%
Outros
27,59%
Varejo
27,59%
Indústria
13,79%
Eletroeletrônica
13,79%
Meio ambiente e clima
6,90%
Energia
6,90%
Confecções e têxtil
6,90%
Petróleo e gás natural
3,45%
Mecânica
3,45%
Lawtech
3,45%
Aeroespacial e defesa
3,45%
Participação inferior a 5%
89,66%
Apoio no Treinamentos / capacitações desenvolvimento de produtos e serviços
93,1%
Apoio em networking
96,55%
Oferta de coaching e/ ou mentoria
70%
65,52%
Setor financeiro
6,69% Não houve participação societária
20%
Agronegócio
Toma Lá, Da Cá
Compras de participação inferior a 5% em startups são raras*
10%
Tecnologia da informação e comunicação (TIC)
*Responderam a pesquisa 29 das 57 aceleradoras mapeadas
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Fonte: Mapeamento dos Mecanismos de Geração de Empreendimentos Inovadores (Anprotec/MCTIC)
O contexto de mercado para os próximos anos é favorável à mudança, avalia Valente, da Wayra. “O mercado está amadurecendo. Há três ou quatro anos, não conseguiríamos fazer investimentos maiores, como estamos fazendo hoje, em empresas mais desenvolvidas”, diz o executivo. “Os investimentos e a qualidade dos empreendedores estão aumentando. Os números falam por si”. O Brasil ainda não chegou a um momento como o americano, ou o israelense, em que sobra capital e os investidores precisam disputar a atenção das startups. “Mas a competição está aumentando, e a gente precisa se adequar”, diz.
Foto por rawpixel.com em Pexels
Formalizar o informal Por Daniel Seewald ESTRATÉGIA
RH
CRIATIVIDADE
INTRAEMPREENDEDORISMO
Como criar mudanças através de redes de relacionamentos
N
um dia chuvoso de abril em 1978, um estranho entrou em um laboratório pequeno qualquer e cautelosamente sussurrou ao ouvido de um rapaz que, imediatamente, pegou suas coisas e saiu. Naquela noite o rapaz, depois de sorrateiramente se conectar com outro jovem como ele, voltou para casa e trouxe um item proibido. Matzo: pão sem fermento para as festas dos judeus. Aquele rapaz, meu sogro, vivia sob o regime opressor soviético, o epítome de uma hierarquia inflexível. O sistema soviético eliminava sistematicamente redes paralelas. Redes informais eram uma ameaça à máquina da propaganda do regime comunista. Mesmo assim, a rede informal do meu sogro não só sobreviveu como conseguiu difundir seus valores culturais, crenças e práticas. Redes informais não precisam ser políticas, nem insurgências religiosas. Na maioria das grandes empresas, redes informais são amplamente difundidas. Costumam ser chamadas de panelinhas, grupos de trabalho ou nem ter nomes. Na verdade, em uma grande empresa de saúde, os empregados formaram uma confraria de uísque que também servia para eles fazerem fofocas sobre a empresa e trocarem dicas internas sobre oportunidades que surgiam. Redes internas geralmente preenchem um vácuo de conhecimento e práticas. Embora lhes faltem estrutura e liderança, elas costumam durar, porque há um propósito em comum e confiança entre os membros. Niall Ferguson, em seu livro de história da liderança, The Square and the Tower (em tradução livre, A praça e a torre), discute que o “verdadeiro poder já existe há muito tempo nas redes da praça da cidade”, e não na estrutura formal da torre. A formação de redes informais em 24
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uma organização não deve ser deixada de lado. Depois de arquitetar um dos maiores movimentos de inovação da Fortune 100, conheço as etapas que podem ser deliberadamente seguidas para lançar um movimento de inovação baseado em redes informais dentro de empresas.
A formação de redes informais em uma organização não deve ser deixada de lado.
Daniel Seewald fundador e CEO da Deliberate Innovation, ex-head de inovação mundial da Pfizer
As redes se mostraram um meio efetivo de alcançar os empregados de uma forma autêntica. Com apenas 600 campeões ativos, estimamos que alcançaram a maior parte dos mais de 90 mil empregados em várias ocasiões. Depois de três anos de lançamento do programa, o impacto do Dare to Try era visível. Dados de performance CRIANDO UM MOVIMENTO DE mostraram um crescimento estável no volume INOVAÇÃO NA PFIZER Em 2013, a Pfizer tinha pela frente um futuro incerto. de sessões de inovação e, mais importante, alta significativa de novos conceitos criativos nos planos Várias de suas patentes estavam prestes a expirar, estratégicos dos times. Tão importante quanto a e marcas bem-sucedidas estavam de olho nisso. Ian performance, uma pesquisa interna permanente Read, reconheceu que a Pfizer tinha de avisar aos sobre atitude mostrou mudança significativa na investidores e empregados que a inovação estava crença coletiva na capacidade de inovação da um pouco distante de sua pipeline de produtos, organização, bem como na habilidade individual e estendia à pipeline de pessoas. O CEO ansiava das pessoas de agirem de forma mais inovadora. expandir a mentalidade e a cultura de inovação Talvez, porém, o que mais diz sobre o projeto aos mais de 90 mil empregados. Mas também são as marcas deixadas em toda a organização. reconhecia que não conseguiria isso facilmente Nas redes informais, os campeões costumavam apenas com a sua palavra vinda de cima. Líderes receber e-mails e bilhetes de agradecimento. Os podem mandar seus empregados seguirem regras empregados colaram e regulamentos, mas não os adesivos Dare to Try podem mudar o coração e em seus laptops e nas a mente deles. Para realizar As redes se mostraram um meio portas do escritório com a visão do CEO, meu time efetivo de alcançar os empregados de orgulho. Eles tiveram decidiu criar um modelo uma atitude mais de mudança de gestão uma forma autêntica. empreendedora, como muito diferente. Em vez vimos na criação da de construir um programa nova startup Springworks Therapeutics. Inseriram top-down tradicional, nós o remodelamos em um a expressão “Dare to try”, transformada em verbo movimento descentralizado e social. (Daring to try), em suas comunicações, inclusive até no relatório anual da Pfizer. A iniciativa Dare to Try (em tradução livre, Ouse tentar) na Pfizer começou com um suporte A perenidade do movimento Dare to Try foi mais centralizado, mas rapidamente pivotou para uma que pura sorte. Foi resultado de experimentação abordagem descentralizada. Os empregados de e aprendizado conscientes. Ao longo do tempo, várias regiões geográficas e departamentos foram diversos princípios surgiam e eram os principais primeiro recrutados em habilidades, mas também fatores para o sucesso. em paixão por inovação. O papel dessas pessoas, a quem chamamos de campeões, estava baseado em três objetivos: (1) difundir a mentalidade e as práticas Dare to Try; (2) aplicar essas práticas para resolver desafios locais com times locais e (3) Confira a seguir alguns dos insights recrutar e mentorear membros da rede local. que guardei ao longo desses anos. Embora os campeões trabalhassem com uma autonomia considerável, meu time de base complementou suas ações com promoções periódicas, treinamento e recursos para impulsionar os esforços dos clusters de campeões. Dentro de poucos anos, os clusters formaram redes autossustentáveis, com identidades únicas, canais de comunicação personalizados e planos estratégicos.
Eles podem ajudar uma organização a criar um movimento cultural mais autêntico.
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Forneça uma plataforma
Foto por You X Ventures em Unsplash
Enquanto meu time de base continuava envolvido com ensino, mentoria e suporte às várias redes de campeões, a atitude mais significativa que tomamos foi facilitar a comunicação dentro e entre essas várias redes. Storytelling e diálogo devem acontecer sem intermediação para as redes se sustentarem sozinhas. Para isso, meu time forneceu múltiplas plataformas para conectar as redes. Realizamos uma série regular, no estilo dos talk shows noturnos de TV, para os times compartilharem entretenimento e informação corporativa. Também projetamos e normatizamos o uso regular de uma plataforma de mídia social interna que permitiu que membros do mundo todo se conectassem para compartilhar ideias e práticas. Com o tempo, as redes começaram a operar e se comunicar umas com as outras de forma independente, criando familiaridade e confiança. Até microrredes se formaram - como na América Latina, onde foi criado um grupo de WhatsApp para pedir ajuda urgente e sugestões da rede local de campeões.
Conheça sua rede Um dos eixos para começar suas redes informais é primeiro conhecer em profundidade as estruturas das redes que já existem. Muitas redes já existiam na Pfizer, e elas provavelmente existem em todas as organizações. Para começar, nosso time realizou uma análise de influenciadores-chave, conectores centrais e difusores de inovação. Nosso método era inicialmente qualitativo em natureza, mas, ao longo do tempo, passamos a usar métodos mais quantitativos nas pesquisas com empregados e na análise de redes organizacionais (ONA). Juntamos um time heterogêneo e conduzimos entrevistas por toda a organização. Assim, muitas redes e influenciadores escondidos foram caracterizados e mapeados. A partir da pesquisa, conseguimos recrutar os primeiros grupos do que chamamos de campeões, e muitos deles continuaram ativos por mais de cinco anos após o projeto, e depois lideraram suas redes locais. 26
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Construa confiança Qualidade e confiança dentro da rede são de alta importância. Enquanto a rede informal evolui e cresce, aumenta o risco de os membros atuais e futuros não alcançarem os padrões desejados pela rede, e isso pode diminuir sua credibilidade e valor. É essencial que a rede seja continuamente rigorosa e autorregulável quanto a quem faz parte dela. Já vimos essa prática em ação em uma rede informal no Canadá. Os membros queriam expandir seus números e assumiram a responsabilidade de recrutar, projetar um treinamento e mentoria dos novos membros. Da mesma forma como funciona uma cadeia blockchain, eles pegaram recomendações sobre os novos membros, mas cabia à rede validá-los. Quando vários membros da rede validavam uma pessoa, um novo membro da rede era recebido com confiança.
Abra mão de formalização Há um equilíbrio muito delicado entre galvanizar um movimento natural e orgânico com redes descentralizadas e manter apoio executivo. Enquanto meu time rastreava e relatava uma bateria de métricas de performance e atitude para demonstrar as mudanças em curso, nós também tentávamos evitar que a formalização prejudicasse a natureza orgânica do movimento. À medida que era importante dar suporte aos campeões, fazíamos de tudo para não usar as ferramentas tradicionais do sistema de RH. E quando trabalhamos com a rede campeã para fixar metas e objetivos, de propósito deixamos de medir e fazer relatórios. Deixamos o processo correr de modo individual. Tratar os profissionais como adultos foi um grande passo para mantêlos engajados. Talvez até mais interessante que isso, abandonamos a abordagem de mudança de gestão tradicional, baseada no modelo “treine os treinadores”, e escalamos os insights do Método Montessoriano, que enfatiza a escolha dirigida. É encorajar a liberdade com limites, e construir a confiança nos colegas mais experientes para reforçar os conceitos aprendidos.
Crie um refúgio Os transformadores também precisam de espaço físico para fincar sua bandeira. Ao redor do mundo, espaços Dare to Try começaram a surgir. Começou com meu time na sede de Nova York e, a partir de então, com a disseminação de um manifesto simples sobre como construir outros. Em pouco tempo espaços semelhantes apareceram, de Groton, em Connecticut, a Zurique, na Suíça. Esses espaços mostram que a rede e o movimento são legítimos, e que se criam refúgios onde as regras e comportamentos gerais são diferentes da cultura corporativa tradicional. Eles também viram cápsulas da mudança que você quer ver por toda a organização•
A mudança não acontece da noite para o dia, e raramente é liderada por uma só pessoa.
A mudança não acontece da noite para o dia, e raramente é liderada por uma só pessoa. A criação de uma mudança real e duradoura precisa de uma abordagem pensada e consciente, que deve ser conduzida pelas mesmas pessoas que você quer que façam parte da mudança na empresa. Pode ser muito mais fácil construir uma campanha interna de relações públicas e lançar um decreto, como muitas empresas fazem. Mas esses programas vão dar errado assim que a gerência parar de promovêlos. Por outro lado, mexer na estrutura existente e na natureza das redes informais da sua organização vai transformar seu decreto em um movimento que pode mudar o DNA da organização.
Foto por rawpixel.com em Pexels
[...] a atitude mais significativa que tomamos foi facilitar a comunicação dentro e entre essas várias redes.
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Portugal Exponencial Bonde no Porto, Portugal
por Manuel Machado*, de Portugal TECNOLOGIA
PORTUGAL
STARTUP
NEGÓCIOS
O país isolado e subdesenvolvido que um dia aspirou, pelas palavras do seu primeiro ministro, “transformar-se numa Suíça”, hoje, mais de quarenta anos depois, vive uma era de encanto internacional e prêmios constantes - um Portugal exponencial.
P
ode soar como clichê para quem ouve falar de Portugal, mesmo que remotamente, dizer que o país é hoje um pequeno paraíso. Ainda que relativamente desconhecido mesmo para os europeus, todos os que ouvem falar dele não conseguem escapar da descrição das praias maravilhosas, da gente simpática, da história e, é claro, da comida divina. Mas a visão de que se trata de um país apenas turístico está mudando. Hoje, Portugal fervilha com tecnologia, negócios, inovação e empreendedorismo. Está no centro de rotas globais e o futuro se mostra cada vez mais promissor. O nome (e a marca) de Portugal tem ganhado relevância não só pelos esforços do Turismo de Portugal, ou por nomes como Cristiano Ronaldo e José Mourinho, Mário Centeno (atual presidente do Eurogrupo), Carlos Moedas (comissário europeu para a investigação, ciência e inovação) e António Guterres (atual secretário-geral 28
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da ONU). Mas também pelo trabalho pioneiro de startups e empresas maduras com imenso potencial inovador, nas mais diversas indústrias -- exemplos são o papel higiênico preto da Renova e a entrada da Farfetch na bolsa de Nova York.
Hoje, Portugal fervilha com tecnologia, negócios, inovação e empreendedorismo. Está no centro de rotas globais e o futuro se mostra cada vez mais promissor.
Foto por Ricardo Resende em Unsplash
O anúncio no ano passado da extensão por mais dez anos de edições do mundialmente reputado Web Summit no país, fez com que a alavancagem do potencial de Portugal fosse efetiva. Serviu de carimbo para atestar que viver, trabalhar e investir no país é uma aposta realmente promissora. Uma das muitas provas disso foi o aumento do investimento por parte de fundos de venture capital, que só no ano passado somou mais de 450 milhões de euros, de acordo com dados do relatório deste ano do Transactional Track Record.
Uma das muitas provas disso foi o aumento do investimento por parte de fundos de venture capital, que só no ano passado somou mais de 450 milhões de euros [...]
Em 2015, quando a jornalista Caroline Hyde, da Bloomberg, se referiu a Lisboa como uma São Francisco na Europa, talvez não imaginasse que poucos anos depois as duas cidades estariam conectadas por voos diretos cinco vezes por semana, uma ligação que estreitou ainda mais os 9 mil kms que separam Lisboa daquele que é tradicionalmente conhecido como o centro global para a alta tecnologia e inovação.
Abertura do Web Summit 2018, na Arena Altice, em Lisboa, Portugal.
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Foto por Nuno Presa em Unsplash
Mas não são apenas as semelhanças e a proximidade com São Francisco que tornam Portugal um local atraente para viver e fazer negócios. As condições sociais e políticas são um dos fatores mais importantes para que Portugal seja destaque europeu e mundial. A recente classificação como o 3º país mais pacífico do mundo pelo Global Peace Index confirmou a forte procura por Portugal, ao longo dos últimos anos, por conta da onda de ataques terroristas em toda a Europa. Condições como esta, somadas aos salários baixos (abaixo da média da UE) e fortes apoios ao investimento externo tornam Portugal um país especialmente atraente para empresas que procuram geografias com grande potencial de desenvolvimento. A constante prospecção e consolidação de uma variedade de grandes empresas internacionais, está transformando Portugal em um verdadeiro hub de inovação de nível global. Entre os investimentos já confirmados, estão os seguintes:
VOLKSWAGEN
Inaugurado este ano em Lisboa, o Centro de Desenvolvimento de Software da companhia prevê a contratação, nos próximos dois anos, de 300 profissionais entre engenheiros de software, programadores web e UX designers.
BOEING-EMBRAER
Com a recente aquisição de 80% da empresa brasileira Embraer pela norte-americana Boeing, prevê-se a contratação de mais de 500 engenheiros, nos próximos quatro anos, na fábrica que pertencia à Embraer, em Évora.
Foi anunciada no final do ano passado a expansão do atual centro de inovação do Google em Oeiras, com a contratação de cerca de 800 colaboradores. A meta da companhia é formar 3 mil programadores no sistema operacional Android em Portugal até ao final de 2019.
BMW
Anunciada no ano passado, uma joint venture entre a marca de carros e a empresa tecnológica portuguesa Critical Software deu origem à Critical Techworks, que hoje tem escritórios no Porto e em Lisboa e pretende contratar mais cerca de 500 pessoas até 2020.
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Ponte 25 de Abril, Lisboa, Portugal
DAIMLER AG
Em 2017 nasceu a Mercedes-benz.io, com o Digital Delivery Hub, um centro digital para desenvolver soluções tecnológicas, que estima atingir 300 postos de trabalho até 2020. Ainda este ano (2019), nasce também uma iniciativa da divisão de Trucks & Busses, que pretende trabalhar temas como o “futuro da logística”, como anunciado pela empresa na inauguração.
UBER
Inaugurada em 2017, como centro de excelência para a operação europeia, conta já com 400 colaboradores e pretende contratar mais 200 até o final do ano.
HUAWEI
Vai inaugurar em setembro, em Lisboa, seu único centro de suporte de redes 4G e 5G na Europa, e pretende empregar cerca de 150 engenheiros até o final do ano. A lista poderia ser maior e incluir nomes como Siemens, Continental Mabor, Bosch, Gabor, Cisco, SAS, entre outras, todas empresas internacionais com operações consolidadas e investimentos confirmados em Portugal•
Ecossistema de startups já representa mais de 2,2 bilhões de euros, ou 1,1% do PIB português, que foi de 201 bilhões de euros, em 2018. Mas não só de grandes empresas se faz o progresso em Portugal. Não dá para ignorar o crescente ecossistema de startups que já representa cerca de 1,1% do PIB português, que em 2018 foi de 201 bilhões de euros. O sentido empreendedor sempre foi uma característica marcante do povo português. No passado, com as descobertas marítimas. Hoje, com os negócios. Seria impossível falar de startups portuguesas sem falar de algumas das nossas “jóias da coroa”, como:
Plataforma de tradução com inteligência artificial. Captou, no final do ano passado, 23 milhões de euros com investidores como Microsoft, Samsung e Salesforce.
Pretende ser a “Amazon da moda”. É uma empresa de logística que já recebeu mais de 4 milhões de euros de investimento desde 2014. Planeja expansão para os EUA e vai abrir cerca de 60 posições, até ao final de 2020, nos escritórios em Portugal.
Considerada um dos unicórnios portugueses, recebeu no ano passado mais uma rodada de investimento, de mais de 85 milhões de euros, e está hoje avaliada em 1,2 bilhões de euros. Oferece software empresarial na nuvem para call centers de pequenas e grandes empresas.
Utiliza inteligência artificial para rever códigos. Recebeu o Beta Award em 2014, promovido todos os anos pelo Web Summit. Foi a primeira vez que Portugal e este evento cruzaram olhares. Há quem diga que este foi o momento que serviu de faísca para confirmar a vinda do Web Summit para Lisboa, em 2016.
Uma das primeiras empresas incubadas na Startup Lisboa. Nasceu como marketplace de serviços que quer conectar desempregados com pequenos trabalhos. Foi um dos primeiros investimentos da SIC ventures, unidade de capital de risco do Grupo Impresa, um dos maiores grupos de mídia em Portugal.
Focada na análise de dados para a comunicação homem-máquina, pretende ajudar robôs a compreenderem melhor as pessoas. Quer ser o “próximo unicórnio português”, aspiração baseada no crescimento de 600% ao ano, e prevê uma nova rodada de captação, de 40 milhões a 50 milhões de euros, até o final do ano. O U T U B RO/ N OV E M B RO/ D E Z E M B RO, 2 0 1 9 | 3 1
É importante destacar que a efervescência deste ecossistema tem sido motivada, em grande parte, por sinergias entre o governo, a UE e iniciativas privadas que mostram a acentuada determinação em promover o florescimento deste ambiente, com projetos como:
STARTUP HUB
Plataforma que conecta startups, scaleups, incubadoras, aceleradoras e investidores no ecossistema português.
FINLAB
Instituição pública que junta organizações como o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões para trilhar o caminho na regulação das FinTech, InsurTech and RegTech.
STARTUP VISA
Programa de vistos especiais de residência para fundadores de startups de fora da zona UESchengen. Candidaturas disponíveis durante todo o ano.
Apesar de partilharmos a “casa” com países que lideram a inovação mundial, como a Suécia, Holanda, Alemanha e Reino Unido, o Innovation Scoreboard ainda descreve Portugal como “moderadamente inovador”, um lugar modesto, no meio da tabela e abaixo da média da UE. O mesmo percebe-se no Índice de Inovação da Bloomberg, que coloca Portugal ainda bem abaixo do esperado, atrás de países como a Turquia, a Malásia e a Eslovênia. Destacam-se os valores baixos no que toca à alta tecnologia e à atividade com patentes, uma amostra de que ainda há muito a fazer em termos de inovação em Portugal.
Apesar de partilharmos a “casa” com países que lideram a inovação mundial [...] o Innovation Scoreboard ainda descreve Portugal como “moderadamente inovador” [...]
REDE NACIONAL DE INCUBADORAS
Mapa de mais de 130 incubadoras espalhadas por todo o território nacional, que apoiam mais de 3 mil startups.
FUNDO 200M
Em paralelo a estas iniciativas, a Comissão Europeia apresentou este ano as novas perspectivas de investimento da União Europeia para 2021-2027, assinalando como um de seus principais direcionadores “uma Europa mais inteligente, graças à inovação, à digitalização, à transformação econômica e ao apoio às pequenas e médias empresas”. Este esforço contínuo pela liderança mundial na inovação reflete-se na melhoria dos resultados de desempenho nos últimos quatro anos, no Innovation Scoreboard da Comissão Europeia, no qual a Europa ultrapassa os EUA em 2019.
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Foto por Joseph Gruenthal em Unsplash
Fundo de 200 milhões de euros para coinvestimento entre entidades privadas e startups.
Foto por Matthew Foulds em Unsplash
As lacunas de mão de obra especializada em Portugal levaram à criação de programas de incentivos para a imigração de talentos [...] As lacunas de mão de obra especializada em Portugal levaram à criação de programas de incentivos para a imigração de talentos, como o Programa Tech Visa - programa de vistos inicialmente criado para motivar a imigração de altos talentos tecnológicos, mas agora aberto também a outros setores. A demanda aparece em um estudo da Manpower, empresa de recrutamento de trabalho temporário, que mostra que 46% das empresas não conseguem encontrar o talento necessário, o que foi reforçado pelo coordenador do Observatório da Emigração que afirma que Portugal “precisa desesperadamente” de imigrantes.
Apesar dos desafios, Portugal é hoje definidamente um país voltado para a inovação, os negócios e as pessoas [...]
Bonde antigo em Lisboa, Portugal
Apesar dos desafios, Portugal é hoje definidamente um país voltado para a inovação, os negócios e as pessoas, que aspira novas ideias e tem no empreendedorismo um importante motor de desenvolvimento econômico e social. Um Portugal aberto a novos desafios, que indiscriminadamente procura gente determinada a construir um futuro nada menos que exponencial•
Esta situação agrava-se ainda quando se percebe que a qualificação dos recursos humanos em termos digitais está bastante aquém do necessário. No estudo lançado este ano pela consultoria EY, intitulado Portugal Digital, percebe-se que 74% dos líderes de opinião acham que existe falta de recursos humanos qualificados, com competências digitais, e que os próprios gestores das empresas não têm conhecimentos sobre experiências digitais para tomar decisões ou definir estratégias nesta área.
[...] 74% dos líderes de opinião acham que existe falta de recursos humanos qualificados, com competências digitais [...] O U T U B RO/ N OV E M B RO/ D E Z E M B RO, 2 0 1 9 | 3 3
Foto: reprodução via Facebook
O estado atual do empreendedorismo no Brasil por Amanda Souza* e Rodrigo Terron*, de Menlo Park (EUA) BAY BRAZIL CONFERENCE
TECNOLOGIA
EMPREENDEDORISMO
CAPITAL DE RISCO
País é o destino de mais de 50% dos investimentos de risco em toda a América Latina
Em
sua 8ª edição, a BayBrazil Conference, principal evento da comunidade brasileira de tecnologia no Vale do Silício, convidou ao seu palco empresários, investidores e líderes do setor privado para discutir sobre ciência, tecnologia, inovação e, principalmente, o papel do Brasil na economia Global. O Brasil lidera o mercado da América Latina em investimentos. Em 2018, por exemplo, recebemos US$ 1,3 bilhões, dos US$ 2 bilhões investidos em toda América Latina naquele ano, segundo dados apresentados por Julie Ruvolo, Diretora de Capital de Risco na LAVCA e moderadora do painel. É evidente que, tratando-se de novas tecnologias e novos negócios, o brasileiro está aberto à inovação e é essa linha de comportamento que mantém os olhos do mundo inteiro voltados para o país. 34
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Os convidados do painel eram Edson Rigonatti, da Astella Investimentos, Ekaterina Skorobogatova, da TheVentureCity, Manoel Lemos, da Redpoint e do Cubo Itaú, e Paulo Shargorodsky do Ebanx.
O Brasil lidera o mercado da América Latina em investimentos. Em 2018, por exemplo, recebemos US$ 1,3 bilhões, dos US$ 2 bilhões investidos em toda América Latina naquele ano [...]
Para Edson Rigonatti, da Astella Investimentos, cinco tendências seculares conduziram o Brasil até seu atual status de prestígio no ecossistema. São elas:
As cinco tendências:
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Pessoas que tiveram mais de uma experiência como fundadores;
Expansão do mercado endereçável, com diversas startups tornando-se globais;
Pessoas querendo trabalhar para startups (estamos atraindo talentos de todos os setores);
A abundância de dinheiro investido em todas as partes da cadeia de valor, desde ONG’s até empresas em estágio final;
(E mais importante, segundo Edson): Apenas 20% de nossa capacidade foi preenchida, ainda há muito espaço para investir dinheiro no Brasil e com risco muito melhor do que em países como Israel e China, por exemplo.
Manoel Lemos, da Redpoint, ainda acrescenta mais duas importantes teorias à receita de um mercado empreendedor de sucesso: “[...] é preciso entender a realidade das pessoas” e “[...] o tipo certo de problema cria boas soluções”. “A Resultados Digitais, por exemplo, que levantou o maior investimento entre as companhias de software brasileiras. Eles criaram uma solução perfeita para o mercado emergente, um tipo de solução que não viria de um país desenvolvido.”, ponderou.
A transformação do país no setor de inovação e novos negócios também é notória quando avaliamos a própria infraestrutura brasileira. O pólo tecnológico que antes se concentrava em São Paulo, expande-se para novos territórios. “Hoje em dia, os talentos da área se espalham pelo país inteiro. Um bom exemplo é Curitiba, mas também possuímos muitos outros hubs nacionais.”, disse Paulo Shargorodsky do Ebanx. O maior desafio do mercado no momento é atrair pessoas para o setor de TI. Calcula-se que, até 2022, mais de 400 mil vagas estarão disponíveis, porém, não há mão de obra qualificada o suficiente para preenchê-las. Precisamos de desenvolvedores, mas não os formamos.
Calcula-se que, até 2022, mais de 400 mil vagas estarão disponíveis, porém, não há mão de obra qualificada o suficiente para preenchê-las. Precisamos de desenvolvedores, mas não os formamos. É aí que o investimento no mercado torna-se ainda mais importante, pois quanto maior ele for, mais pessoas se interessarão no setor e, consequentemente, iremos ainda mais longe. A BayBrasil faz um trabalho fundamental para o crescimento do setor, estreitando relações entre profissionais e investidores do ecossistema brasileiro e norteamericano. A organização sem fins lucrativos funciona como um canal de informações sobre tendências e oportunidades de negócios EUA-Brasil. São iniciativas como esta que ajudam a fortalecer a comunidade e tornam o Brasil a potência que o país tem competência para ser. Ainda há muito o que pavimentar pela frente, mas estamos no caminho certo• (*) Amanda Souza é jornalista da Shawee, plataforma para organização de hackathons
(*) Rodrigo Terron é CEO da Shawee, plataforma para organização de hackathons
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Por que programas de aceleração corporativa não funcionam sem um pilar forte de design de serviço? por Clara Bidorini (*) DESIGN DE SERVIÇOS
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PROGRAMAS DE ACELERAÇÃO
ão é de hoje que a discussão produto/serviço no mercado brasileiro vem influenciando o desenho de estratégias e projetos de inovação, o que nos leva à chamada “era do serviço”, na qual o consumidor, o usuário, o cliente, em geral, o ser humano, é colocado no centro do planejamento. Como service designer, mal podia esperar que esse entendimento chegasse aos programas de aceleração. Enfim, chegou. Em linhas gerais, o foco principal da maior parte dos programas de aceleração é fazer o produto das startups ganhar escala. Ou então, no caso dos programas corporativos, muitas vezes o esforço realizado pelas corporações patrocinadoras da aceleração se concentra mais na busca por novos fornecedores do que na procura de novas tecnologias, oportunidades de negócio ou até no fomento ao ecossistema. Para isso, trabalhase muito as frentes de produto, potencial de mercado, base de clientes, KPIs, growth. Todas importantes, sem dúvida. Mas, a meu ver, ainda falta algo essencial, algo fundamental para o sucesso de qualquer negócio, sobretudo quando o objetivo for levar a inovação ao mercado: entender e sucessivamente desenhar os pontos de contatos entre os serviços fornecidos pelas startups com o ecossistema envolvente. E o caminho para isso é a aplicação do Service Design. Um bom serviço é medido pela experiência que proporciona e por seu valor agregado. Por esta razão, a visão de quem projeta o serviço precisa ser
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STARTUP
GESTÃO
abrangente, mais do que apenas a entrega unívoca de servidor a um usuário. Paremos para pensar um pouco sobre quantos serviços entregam valor aos seus usuários, desconsiderando o contexto envolvente. De que forma eles continuariam existindo em vácuo sem o envolvimento com o ambiente que os contém? Qual é a troca de valores que eles estabelecem com esses ambientes? De Von Bertalanffy à Maturana, vários teóricos têm defendido ao longo dos últimos 50 anos a natureza sistêmica de projetos, estratégias, organizações. E com isso a necessidade de ter abordagens próprias para o entendimento da sua complexidade. Hoje, na era do serviço, usar o design como abordagem de gestão para negócios garante mais que outras abordagens à visão sistêmica necessária para gerir a complexidade da entrega de um serviço. A gestão de negócios pelo design não influencia apenas áreas de consultoria, mas também os processos de aceleração. Há exemplos emblemáticos no mercado de como o mapeamento das mais variadas jornadas de consumo de bens e serviços é passo fundamental para chegar ao desenvolvimento de soluções alternativas que ajudem a regular a complexidade dos problemas em seus mercados e contextos, entregando diferenciais verdadeiramente relevantes para o ecossistema envolvente. Essas são as soluções verdadeiramente inovadoras, com visão sistêmica e com a possibilidade de diminuir contextos de escassez, monopólio, univocidade etc. Com
fotos por Andrei Lijakov em Unsplash
esse objetivo, aplica-se o Service Design, na sua vertente mais estratégica, para mapeamento de ecossistemas de inovação em nossos projetos e processos de aceleração, tangibilizando o processo por meio de ferramentas e capacitando os clientes para que o conhecimento de criar soluções inovadoras não fique restrito. Percorrer a fundo todos os pontos de contato do ecossistema da solução em estudo é fundamental tanto para startups como para grandes corporações. A Ant Financial, braço financeiro do gigante chinês Alibaba, por exemplo, não deixou de pensar na fatia da população que não têm acesso à internet quando se propôs ao desafio de acabar com a circulação de dinheiro (papel moeda) em grandes cidades do país. Parece loucura, e talvez seja, mas eles conseguiram. Um dos maiores cases de ‘cashless cities’ encontrou solução até mesmo para o vendedor de rua em Xangai. Ao buscar utilizar o celular como fonte primária de pagamentos, a Ant Financial foi buscar no design de serviço as respostas de como viabilizar isso. Identificou, entre diversas outras coisas, que o dinheiro doado pelas pessoas em épocas festivas era um hábito cultural importantíssimo na China. A solução, neste caso, foi gamificar os aplicativos para replicar toda a simbologia de doar o dinheiro nessas épocas e, assim, fazer as pessoas se sentirem confortáveis de fazer isso via app. No caso do comércio de rua, onde o dinheiro predomina, outro desafio: bancarizar essa população.
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fotos por Andrei Lijakov em Unsplash
Mas como fazer isso com alguém que não tem celular ou que não pretende entrar no mundo dos smartphones? A Ant Financial distribuiu QR Code atrelado à uma conta bancária em que os consumidores o escaneiam para fazer os pagamentos. A solução deu tão certo que até moradores de rua passaram a utilizar o QR Code para adquirir algo. O mapeamento desses atores precisa ser realizado de forma muito séria, não apenas tangibilizando sua existência em mapas de stakeholders, como também entendendo todas as relações e trocas de valor entre eles e relacionadas com os serviços. O caso da Ant Financial serve para ilustrar a importância a ser dada aos stakeholders envolvidos com o serviço, partindo-se do princípio que cada um tem uma relação e uma jornada diferente, pois interage com esse serviço de uma forma distinta. Essas jornadas precisam ser sobrepostas entre si e se comunicar. É isso que chamamos de blueprint de serviço. É através dele que se entende quais são os pontos doloridos que podem afetar o uso e a compra desse serviço. O processo de Service Design estimula a formação e a validação de hipóteses que resolvam esses pontos de dor, evidenciados pelo blueprint de serviço e conectados com o mapeamento de stakeholders. A validação das hipóteses de negócio se dá, por sua vez, por uma metodologia chamada de prototipação. Neste ponto, é que muitas aceleradoras pecam, olhando para o potencial
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de algo considerado escalável, mais na aposta que possa dar certo, do que no questionamento profundo do negócio, com testes, iterações, observações, escuta ativa, pesquisa em campo. Aceleradoras que trocam serviços por equity (participação societária de uma empresa ou startup) estão em uma situação de força, pois caso a startup acelerada não demonstre o crescimento de um produto/serviço, o risco delas será muito baixo em comparação com o da própria startup ou do investidor. Graças à prototipação, as abordagens de design diminuem fortemente as chances de falha de um serviço, reduzindo o risco da própria startup e, consequentemente, de seus investidores. Designers são teimosos na procura por entender quais os verdadeiros problemas que impedem uma empresa de crescer. Não existe mágica. Existe apenas uma persistência em encontrarmos o jeito correto de identificar problemas, construir soluções coerentes com o ecossistema, desenhar todos os pontos dos serviços e testar o que foi cocriado entre startups e corporações. Essa é a alma do design de serviço. Desenhar e construir pontes válidas para empresas e startups conseguirem de fato entregar projetos de valor. Os nossos resultados demonstram que esse é o caminho certo• (*) Clara Bidorini é head de corporate venture na Kyvo Design-Driven Innovation, cofundadora do Programa_Namoa e participa da Rede de Mulheres atuando em Design e Inovação.
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