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Janeiro/Fevereiro/Março, 2020
RH INOVADOR
Educação corporativa Escolas de negócios brasileiras voltadas à inovação
Entrevista Flávia Verginelli, do Google, fala sobre inovação e marketing orientado a dados
Transformação digital Avanços e desafios em um dos maiores grupos mexicanos, o Orbia (ex-Mexichen)
Design de serviços Nova tendência é mudança de foco do cliente para o ecossistema
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NESTA EDIÇÃO
A inovação é uma jornada Case Orbia
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Educação corporativa alternativa Made in Brazil
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Esqueça o foco no cliente
RH, de coadjuvante a protagonista capa
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Flávia Verginelli entrevista
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service design global conference
Jon Medved
Guia de eventos 2020
Não há receita pronta para a inovação
entrevista
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COLABORADORES
Hilton Menezes
Rodrigo Paiva
Cofundador e CEO da Kyvo. Tem
Fotógrafo há mais de 17 anos, cobriu as
especializações em Negócios e em Design
principais notícias do país para meios de
Estratégico, além de um mestrado em
comunicação como Folha de S.Paulo, UOL,
Computação. Nos últimos anos, tem atuado
Editora Abril, Editora Globo, Reuters e Getty
diretamente com o ecossistema empreendedor,
Images. Em 2014, ganhou o Prêmio Editora
como na coordenação dos programas de
Globo de Jornalismo com o vídeo Black Block –
aceleração de startups Visa e do Merkaz.
Brazil de Preto. Também fotografou campanhas
Além da Kyvo, é cofundador da Service Design
para marcas como Volkswagen e C&A. E agora é
Network Brazil.
o mais novo integrante do time The Funnel Brasil.
Fabio Calzavara
Melissa Rossi
Designer e empreendedor social, atua há mais
Jornalista formada há 15 anos, atuou como
de 10 anos com projetos para inovação em
repórter nas editorias de indústria, varejo,
negócios para grandes empresas como Roche,
educação, cultura e gastronomia. Soma 10 anos
Kroton, General Mills e SulAmérica Atualmente
de experiência como relações públicas com foco
é Head de Design & Inovação na Hapvida. É um
em comunicação corporativa no atendimento
dos co-fundadores do Namoa, plataforma de
a grandes empresas. Na área sócio-ambiental,
ações que apoia refugiados, e também dá aulas
trabalhou com o Akatu, ONG que há 18 anos
de Business e Service Design em instituições
promove o consumo consciente por meio de
como Faculdades Rio Branco e Istituto Europeo
iniciativas de educação e transformação cultural
di Design, em São Paulo.
com apoio de empresas associadas.
Juliana & Mariana
Yuka Yamada
Com experiências em projetos de design de
Designer em formação na Universidade do
serviço e visual na Kyvo, a dupla de designers
Estado do Pará, com 2 anos de experiência
é a responsável pela arte da The Funnel Brasil.
em design visual e 6 anos em ilustração.
Graduadas pela ESPM, Mariana Oliveira e
Organizadora do Global Service Jam em
Juliana Alves participam ativamente da
Belém, responsável pela identidade visual e
conceituação, desenvolvimento e entrega da
produção de material gráfico. Na universidade,
arte da revista. Na universidade, já atuaram com
já fez projetos de design de produto voltados à
projetos de identidade visual, editorial, web e
diversidade e sustentabilidade, design de serviço
game design.
e design gráfico. Também atua na arte da The Funnel Brasil.
The Funnel Brasil Diretor-executivo, Hilton Menezes - hilton@thefunnel.com.br | Editor-chefe, Guilherme Manechini - guilhermem@thefunnel.com.br Projeto gráfico e direção de arte, Juliana Alves juliana@kyvo.com.br Mariana Oliveira - mariana@kyvo.com.br Yuka Yamada - yuka@kyvo.com.br Israel Lessak - lessak@thefunnel.com.br | Editor, Dubes Sônego - dubes@thefunnel.com.br Reportagem, Melissa Rossi - melissa@thefunnel.com.br Colaboradores desta edição: Fabio Calzavara, Rodrigo Paiva e Talya Vaish. Redação e correspondência: redacao@thefunnel.com.br | Rua Fradique Coutinho, 212 - Pinheiros, São Paulo - SP Comercial: comercial@thefunnel.com.br Sobre: a The Funnel é uma revista criada pela plataforma de inovação israelense Duco e, no Brasil, é publicada trimestralmente pela Kyvo. A distribuição é gratuita e restrita a um mailing selecionado de executivos ligados à area de inovação em empresas do país. Além das versões israelense e brasileira, a The Funnel é publicada na França.
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EDITORIAL
SAINDO DA SOMBRA
Intraempreendedorismo, jornada flexível, formação de squads, holocracia, diversidade, experiência do empregado, formação de mentores, universidades corporativas...todos esses são temas e desafios para a promoção da inovação que entraram recentemente como prioridade na pauta das corporações. Não bastasse a enxurrada de novos conceitos, tecnologias como Big Data e Inteligência Artificial multiplicam exponencialmente as possibilidades de desenvolvimento de soluções e capacidade de análise de desempenho. O resultado: uma verdadeira revolução na gestão de pessoas. Ao se colocar no lugar de um CEO ou vice-presidente de inovação, de pronto vem a pergunta: o que fazer para enfrentar o desafio? Peça ajuda ao departamento de Recursos Humanos, seria uma das primeiras respostas. O problema? Ele também foi pego de surpresa. E demitir toda a equipe e substituí-la por profissionais alinhados à esta nova mentalidade de inovação está fora de cogitação. Não é de hoje que a discussão sobre a necessidade de um RH mais estratégico ronda os líderes de grandes empresas. Por muito tempo, aliás, eles esperaram por passes de mágica do RH para transformar e engajar suas equipes. A diferença agora é que a competição é mais dinâmica, com novas tecnologias e competidores surgindo quase que em tempo real — que o digam os grandes bancos mundo afora. Portanto, a cobrança por inovação é enorme e seguirá assim por tempo indeterminado. Um estudo recente da KPMG, intitulado o RH do Futuro, dimensiona a velocidade e intensidade das mudanças que estão ocorrendo nos departamentos de gestão de pessoas no mundo inteiro. A partir de uma pesquisa com 1,2 mil executivos de RH, de diversos países, a consultoria mostra que os investimentos em nuvem e softwares de gerenciamento de capital humano subiram 49% e 32%, respectivamente, nos últimos dois anos. E que nos próximos dois, a perspectiva é de que cresçam também em análise preditiva (60%), automação de processo (53%) e inteligência artificial (47%). “A transformação acontece dentro e fora do RH. Ao mesmo tempo, outras áreas demandam um RH mais estratégico, pois também precisam se transformar e, para isso, as principais barreiras são de cultura, mindset, formação. Ou seja, ele tem que cuidar de toda a empresa ao mesmo tempo em que se reinventa”, explicou Patrícia Molino, a sócia-líder de People & Change da KPMG no Brasil, em entrevista para a reportagem de capa desta edição. Ao resumir o que esperar de um RH preparado para os desafios atuais, a executiva cita três características fundamentais: workforce shape, experiência do empregado e as entregas do dia a dia. A boa notícia é que os gestores de pessoas não estão sozinhos nesta missão de reinventar os modelos de trabalho. Há diversas startups olhando para as ineficiências e se valendo de novas tecnologias para aumentar a satisfação e produtividade. Em um dos cases que contamos na reportagem de capa, a startup Vidalink consegue monitorar com precisão a saúde dos funcionários a partir das compras de medicamentos. Parece algo trivial, mas isso permite antecipar crises de stress, ser solidário em um caso de doença de família, entre tantas outras possibilidades que no fim farão o que todo CEO planeja: que a empresa atraia e retenha talentos inovadores.
Boa leitura!
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Guilherme Manechini Editor-chefe da The Funnel Brasil
A inovação é uma jornada Case Orbia por Talya Vaish, de Tel Aviv JORNADA DA INOVAÇÃO
OPEN INNOVATION
CORPORATE VENTURE
GESTÃO
Nos últimos dois anos, o grupo mexicano Orbia, com presença em 13 países, incluindo o Brasil, apostou forte na inovação. E o israelense Shai Albaranes é quem lidera este movimento.
Em
fevereiro de 2018, a Orbia (antiga Mexichem) nomeou Daniel MartinezValle como seu novo CEO. Então no comando da Kaluz, uma empresa do grupo, e com a experiência de ter sido diretor de estratégia e planejamento da Cisco no mundo, MartinezValle tinha uma visão clara do rumo que queria que a empresa tomasse. Em sua primeira semana no escritório, disse que “os últimos 15 anos foram ótimos, mas se queremos que os próximos 15 sejam ótimos também, temos que fazer mudanças significativas”. Para alcançar isso, montou uma equipe de transformação com 15 pessoas de todo
o mundo que abordou diferentes aspectos da organização. O israelense Shai Albaranes era uma dessas pessoas e compartilhou que o primeiro passo era entender e formalizar o objetivo e os valores da organização. Entrei no prédio da subsidiária Netafim em um dia quente. Ele não fica na parte mais glamourosa de Tel Aviv, mas quando entrei, e Shai Albaranes me recebeu, o escritório era convidativo, bem projetado, colorido e muito iluminado. Esse foi o primeiro sinal de que a Netafim e a Orbia não são exatamente o que se espera de um conglomerado industrial.
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Um dos principais grupos petroquímicos do mundo, com vendas anuais na casa dos US$ 7,2 bilhões, com 22.000 funcionários e presença mundial, inclusive no Brasil, a empresa é líder global em cinco verticais diferentes. É o maior produtor de flúor, além de atuar com polímeros, infraestrutura urbana, agricultura (Netafim) e fibra ótica.
A JORNADA DE SHAI
Os executivos de inovação geralmente seguem caminhos não tradicionais e variados antes de vestirem a camisa da área. Shai não é diferente. Ele teve sua primeira experiência empresarial logo após o exército. Era o 50º aniversário de Israel e ele e um amigo, por não estarem muito interessados no que o mercado de trabalho tinha a oferecer aos soldados recém-dispensados, criaram um jogo de tabuleiro que ensinava às crianças a história de Israel. O momento funcionou a seu favor e o jogo recebeu muita atenção da mídia, e grandes lojas e organizações logo quiseram comprá-lo. Com o dinheiro do jogo, viajou por um ano. De volta a Israel, recebeu uma bolsa para estudar ciência da computação no Centro Interdisciplinar. Mais tarde, ingressou no Programa de Empreendedorismo Zell. O programa, considerado um dos melhores do país, senão do mundo, ensinou-lhe muitas das habilidades necessárias para o empreendedorismo. Após se formar, trabalhou em marketing e em desenvolvimento de negócios” em várias startups, depois prosseguiu com seu MBA no INSEAD, ingressou na McKinsey em Londres e voltou para Israel. Começou na Netafim em 2012, gerenciando vários projetos dedicados ao aumento do valor de mercado da empresa, depois liderou equipes de marketing de produtos, bem como a unidade dedicada a culturas estratégicas.
OBJETIVO E VALORES
O novo CEO da Orbia deu grande importância à formalização dos objetivos e valores da organização e os viu, entre outras coisas, como uma maneira de unificar as diferentes empresas que compõem o grupo. “Ele queria responder às grandes perguntas: ‘Por que acordamos de manhã e vamos trabalhar? Por que alguém viria trabalhar para a Orbia? Como resolvemos os maiores problemas do mundo?’”, lembra Shai.
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Após um processo longo e complexo envolvendo funcionários de diferentes verticais, níveis e localidades, eles acabaram criando o objetivo e os valores da Orbia:
OBJETIVO
Melhorar a vida ao redor do mundo
VALORES
Diversidade, Responsabilidade, Bravura
Em paralelo ao processo de objetivo e valores, a equipe de transformação também abordou outros pilares importantes, como estratégia, digital, talento, sustentabilidade, processos internos e inovação. Shai foi escolhido para liderar o pilar da inovação.
TORNANDO-SE VICE-PRESIDENTE DE INOVAÇÃO E EMPREENDIMENTOS
Depois que foi escolhido para liderar a inovação, o executivo começou a conversar com qualquer um que tivesse inovação no título de seu cargo ou estivesse vinculado ao campo de alguma forma (VC, aceleradoras, incubadoras, etc.). “Tentei entender como as pessoas encaravam esse papel de inovação e depois fui desenvolver a minha própria concepção”, disse. A leitura de livros e artigos sobre o tema contribuiu bastante (ele recomendou “Beyond the Champion”, de Gina Colarelli O’Connor, Andrew C. Corbett e Lois S. Peters), mas a principal recomendação foi sair e conversar com as pessoas na mesma posição. Ao ir a campo, Shai resolveu que sua primeira tarefa seria definir o que significa inovação. “Decidimos pela seguinte definição: ‘Criar algo novo, que atende a uma necessidade e cujo valor econômico é maior que o custo de desenvolvimento’”, conta. Ele então definiu, em conjunto com o CEO, o papel da área que liderava para a Orbia - estabelecer um ambiente no qual a inovação pudesse ser sistematicamente criada e comercializada para cumprir o objetivo do grupo e impulsionar o crescimento futuro. “Era importante deixar claro a toda a organização a necessidade de abordar todos os três níveis de inovação - central, adjacente e transformacional (com base no modelo de inovação de Christensen).”
O próximo passo foi chegar a um acordo com o CEO da Orbia sobre os principais objetivos da inovação: “gerar novas receitas, acima e além dos planos de crescimento de cada um dos grupos de negócios, e criar uma cultura de inovação focada em olhar e trazer inovação de fora para aumentar exponencialmente o ritmo da experimentação e de aprendizado”, diz o executivo. Por fim, definiu as quatro principais atividades que passaram a compor o ecossistema de inovação da Orbia. A estrutura inclui:
VENTURES ORBIA
O fundo de capital de risco corporativo (CVC), que é o veículo para investir em startups e permitir trazer inovação de fora para dentro.
PARCERIAS COM STARTUPS
Uma plataforma para parcerias de startups (Open Innovation), independente do fato de ocorrer o investimento. É importante reconhecer que a cultura e a velocidade de uma startup são completamente diferentes da cultura de uma grande organização. Esta é a razão pela qual tantas parcerias fracassam. “Criamos uma equipe dedicada e os processos necessários para tentar superar esses desafios.”
INTRAEMPREENDEDORISMO
Um programa interno de inovação que foi projetado para permitir que cada funcionário da organização sugira sua ideia e, mais importante, crie o programa certo, os processos adequados, o treinamento correto para essas ideias, para realmente ter sucesso e gerar receita para a Orbia.
INOVAÇÃO EM UMA EMPRESA GLOBAL
A Orbia é composta por cinco grupos de negócios, cada um focado em um mercado vertical diferente. Shai acredita que os programas de implementação devem ser adaptados à cultura, habilidades e desafios específicos de cada um dos grupos de negócios. O executivo não está cego para os desafios de seu papel: os efeitos a longo prazo, a suspeita relativa que esse novo papel ainda recebe, a garantia de um orçamento e muito mais. Antes de encerrarmos
Shai Albaranes
LIGHTHOUSE LABS 1. O Lighthouse Labs é o novo
mecanismo de inovação da Orbia - uma colaboração com a IDEO. A visão do Lighthouse é lançar novos empreendimentos ousados que abordem os desafios globais. Estes são os filtros usados na seleção de projetos do Lighthouse:
2. Crítico para a estratégia do grupo de negócios da Orbia.
3. Os projetos também devem estar
na interseção do que o Lighthouse faz de melhor, a inovação centrada no ser humano, tecnologia e a experiência no assunto que cada grupo de negócios traz.
4. Por fim, e talvez o mais importante,
os projetos Lighthouse devem focar-se em questões e encontrar soluções que incorporem o objetivo da Orbia e a visão de futuro para esta empresa.
nossa reunião, Shai mencionou que seu desafio pessoal nesse papel é trazer algo novo ao mundo da inovação. “Gostaria de acrescentar uma nova pedra à estrada da inovação”, revela Shai. Parece ser só uma questão de tempo•
“Gostaria de acrescentar uma nova pedra à estrada da inovação”
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CAPA
RH, de coadjuvant protagonis RH
CULTURA CORPORATIVA
ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS
por Dubes Sônego e Guilherme Manechini
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
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Busca crescente por inovação coloca os departamentos de recursos humanos no centro das prioridades das empresas. Mudança de mentalidade e construção de cultura inovadora são os dois grandes direcionadores
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RH, de coadjuvante a protagonista
A Gupy, nome dado à startup, é hoje uma das estrelas em ascensão do mercado brasileiro de HR Tech, como são chamadas as startups da área de recursos humanos. Mas não é a única. Há mais de 120 HR Techs no país, segundo levantamento recente de Liga Ventures, que crescem impulsionadas por mudanças profundas na forma de se fazer negócios. Atrair e reter talentos, principalmente da área de tecnologia, tornou-se uma capacidade vital. Em um mundo complexo, ambíguo, volátil e incerto, novos modelos de gestão, desenhados para gerar inovação constante, começam a ocupar o espaço das estruturas de comando e controle tradicionais. E para dar conta das demandas e conflitos gerados por todas essas rápidas mudanças trazidas pela tecnologia, os departamentos de RH vêm sendo levados a automatizar processos burocráticos e lidar, cada vez mais, com questões estratégicas. “Esse movimento de inovação e de transformação digital mexe com cultura dentro das organizações e a atitude dos indivíduos”, afirma Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Antes, afirma o dirigente, o grande desafio das empresas era a absorção da 12
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foto por Rodrigo Paiva
Há
cerca de quatro anos, a executiva Mariana Dias era a responsável pelo processo de recrutamento e seleção para fábricas latino-americanas de uma das maiores cervejarias do mundo. Na época, apesar do prestígio da marca como empregadora, a companhia já começava a ter dificuldades para contratar as pessoas certas rapidamente, em um mercado crescentemente dominado por uma nova e mais complexa geração de profissionais. Para resolver o problema, Mariana procurou ferramentas que a ajudassem no processo e não encontrou. Foi então que resolveu montar uma ela mesma. Da ideia até os ajustes finos na plataforma, baseada em inteligência artificial, foram três anos e dois programas de aceleração. Mas quando o produto finalmente ficou maduro, no início deste ano, encontrou uma forte demanda reprimida. “Mais que dobramos de tamanho. Saímos de 52 para 118 pessoas e chegamos a oito países, levados por clientes”, diz Guilherme Henrique Dias, diretor responsável pelo marketing e um dos três outros sócios-fundadores da empresa.
Guilherme Henrique Dias, diretor responsável pelo marketing e um dos três outros sócios-fundadores da Gupy
“Mais que dobramos de tamanho. Saímos de 52 para 118 pessoas e chegamos a oito países, levados por clientes” tecnologia em si. Agora que a grande parte das empresas já entrou em um ritmo cadenciado de atualização tecnológica, avalia ele, a questão passou a ser como criar e manter pessoas capazes de tirar o máximo dela. “Ambientes de inovação indiscutivelmente demandam confiança. E, até recentemente, tolerância a riscos e erros eram coisa rara no mundo corporativo. Mudar essa cultura é, e será, papel do RH”, afirma. Há duas principais frentes através das quais o RH inovador pode causar impacto sobre os negócios. Uma é o uso de ferramentas tecnológicas de ponta, como as fornecidas pela Gupy e outras HR Techs, para baratear e melhorar processos. A outra é a disseminação interna de práticas capazes de tornar as companhias mais ágeis e inovadoras através de novos modelos de trabalho, de remuneração, de atração e gestão de talentos. Entre as tendências apontadas para a área estão o uso de ferramentas de análise de grande volume de dados para a tomada de decisões, análises preditivas, foco em pessoas, uso de inteligência
Pesquisa realizada recentemente pela KPMG com 1,2 mil executivos de RH, de diversos países, indica que os investimentos em nuvem e softwares de gerenciamento de capital humano subiram 49% e 32%, respectivamente, nos últimos dois anos. Nos próximos dois, a perspectiva é de que cresçam também em análise preditiva (60%), automação de processo (53%) e inteligência artificial (47%). “O RH está passando por profunda transformação. A forma de recrutar, treinar, pagar, marcar férias. Isso também acontece com outras áreas. Mas é ao RH que elas vão recorrer. E o RH, recorre a quem?”, diz Patricia Molino, sócia-líder da KPMG no Brasil na área de pessoas e mudança. Segundo a executiva, três características e funções principais são essenciais ao RH inovador. São elas:
WORKFORCE SHAPE
Função mais de engenharia, onde o RH, a partir de dados, atua para decidir questões sobre o quanto de um trabalho vai ser feito por pessoas ou por máquinas, o quanto será terceirizado, o quanto será fixo ou temporário. Tarefas que demandam estatísticos, engenheiros.
EXPERIÊNCIA DO EMPREGADO
Em um mercado em que a maior parte da força ativa de trabalhadores é millennial, é crucial se adaptar às demandas da geração. Para isso, é preciso compor o RH com profissionais de marketing, psicólogos, sociólogos, comunicadores, neuropsicólogos. “A relação com os millennials é muito customizada”, acrescenta Molino.
ENTREGÁVEIS DE RH
O dia a dia da gestão de pessoas, com a coordenação de benefícios e outras funções administrativas.
foto: Divulgação
artificial e experiência do empregado (employee experience). Na prática, isso se traduz em sistemas que permitem mapear o uso de planos de saúde e avaliar ações preventivas para evitar estouro de custos com alta sinistralidade; criar processos de remuneração variável atrelada a projetos, e não a resultados anuais, e oferecer alternativas de desenvolvimento pessoal, em vez de planos de carreira por área, entre outras ações.
Sergio Saraiva, vice-presidente da Cielo
Na prática
A Cielo é um exemplo das transformações em curso. Há cerca de três anos, quando assumiu a vicepresidência de desenvolvimento organizacional da companhia, Sergio Saraiva conta que a área de RH ainda era essencialmente transacional. O executivo e sua equipe começaram a pensar, então, em como poderiam ser mais estratégicos. Uma das primeiras medidas foi rever o funcionamento e realizar ações dentro do próprio RH, diz, para demonstrar aos funcionários que inovação é o dia a dia. “Porque se falo que sou uma empresa de inovação, e só tem papel pra todo lado, se o processo é super burocrático, posso colocar isso na parede, mas não mudo o comportamento das pessoas”, diz. Entre as medidas adotadas, a Cielo abandonou o sistema SAP de gestão de RH e contratou os serviços de uma startup que permitiu que tudo fosse feito por celular. Um contracheque, por exemplo, passou a poder ser acessado em menos de 30 segundos, e os funcionários passaram a bater o ponto com geolocalização. A companhia também implantou um chatbot para tirar dúvidas dos funcionários. Antes, era preciso ligar para alguém. Hoje, o sistema já funciona para às áreas de RH, TI e jurídica, e está indo para a de compras, com 75% de precisão nas respostas. O próximo passo, afirma Saraiva, será permitir a abertura de processos simples, como a troca da data de férias, através do mesmo canal. “Hoje, com as mudanças, nosso RH é menos operacional, e temos menos gente. Mas é gente mais sênior”, afirma Saraiva. Tão sênior que a área está hoje envolvida diretamente no processo de avaliação frequente das competências digitais dos executivos da companhia na linha de sucessão. “Esse é o movimento, ser cada vez mais estratégico”, afirma. JA N E I RO/ F E V E R E I RO/ M A RÇ O, 2 0 2 0 | 1 3
foto: Divulgação
“A partir da plataforma da Vidalink é possível medir quase em tempo real a saúde dos colaboradores [...]”
Luis Gonzalez, criador da Vidalink
Criada no início dos anos 2000 pelo colombiano Luis Gonzalez, a Vidalink começou a operar oferecendo descontos em medicamentos para clientes de planos de saúde, um modelo baseado no mercado americano, onde as operadoras subsidiam boa parte dos medicamentos. Atraiu para o time de investidores figuras como Luis Henrique Fraga, um dos fundadores do Gávea Investimentos, o Grupo Martins, e em 2005 a gigante americana CVS Health, cujo aporte na Vidalink foi o primeiro da empresa fora dos Estados Unidos. O mercado brasileiro, porém, não respondeu como imaginado, afirma Gonzalez. Foi então que o foco da Vidalink passou a ser vender diretamente seus benefícios para as empresas, repassando descontos dados pela indústria farmacêutica. Em 2015, a empresa passou a crescer mais de 40% ao ano atendendo clientes como Embraer, IBM e McKinsey, abrindo uma série de outras oportunidades além dos medicamentos, mais focadas em bem-estar. “Quer saber se uma empresa é boa para se trabalhar, pergunte na farmácia mais próxima que tipo de medicamento os funcionários estão comprando”, provoca o empresário. “Hoje, a partir da plataforma da Vidalink é possível medir quase em tempo real a saúde dos colaboradores, o que permite que o RH da empresa seja muito mais eficaz e estratégico na hora de avaliar o ambiente de trabalho”, conclui Gonzalez. Na Cogna Educacional (Ex-Kroton), é outro exemplo de companhia em que o RH vêm ganhando protagonismo. A área atua hoje diretamente na redefinição da estrutura e em mudanças culturais. “Temos encontros com o vice-presidente de tecnologia e transformação digital, em que temos um papel muito ativo, vendo as tendências de mercado e procurando colocar em prática. Também nos encontramos com diretores e vice-presidentes 14
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para discutir como a estratégia deve estar alinhada à cultura da companhia, e isso nos ajudou a fortalecer nosso papel”, afirma Renata Del Bove, diretora de RH na companhia.
Novas funções
É, de certa forma, um caminho natural. Na medida em que o uso de novas ferramentas digitais libera espaço na agenda, os executivos da área podem se dedicar a atividades que gerem resultados para o negócio sob a ótica de gente: melhoria do clima, do engajamento, gestão de talentos, formas de remuneração, de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Isso inclui a análises de dados para a tomada de decisões e a participação em reuniões de diretoria para discussão de temas estratégicos, em vez da simples execução de tarefas. Em um trabalho realizado entre maio do ano passado e maio deste ano, com mais de 60 RHs de empresas brasileiras, a MicroPower, especializada em transformação de processos organizacionais, identificou seis novas competências esperadas dos gestores da área. Disseminar a metodologia de trabalho ágil, gerenciar mudanças, gerenciar conflitos, realizar a curadoria da cultura organizacional e a criar um ambiente favorável ao autodesenvolvimento dos empregados, através de ações como o aprendizado contínuo, diz o empresário Francisco Antonio Soeltl, fundador e presidente da empresa. Além dessas, Soeltl cita ainda o que chama de contrato de encaminhamento social. “Parte das pessoas não vai conseguir se recapacitar. Contrato de encaminhamento social é preparar a pessoa para que tenha uma ocupação, que é diferente de um emprego. Pode ser motorista do Uber, prestar consultoria, realizar trabalho voluntário, entre outras coisas”, diz.
A Yara, de fertilizantes, por exemplo, iniciou há dois anos um programa de diversidade que teve como um dos objetivos elevar o percentual de mulheres em cargos de liderança. Para isso, um dos indicadores que começou a ser monitorado foi a retenção de funcionárias em licença maternidade. O índice de saída era de 52%, diz Marcia Silva, diretora de operações da companhia norueguesa no Brasil. Para reduzir o problema, a companhia adotou uma série de medidas, algumas por sugestão dos próprios empregados, que incluíram a confecção de uniformes diferentes para homens, mulheres e grávidas; ampliação da licença maternidade, de quatro para seis meses, e da licença paternidade, de cinco para 20 dias. Com isso, e com medidas educativas, o percentual caiu a menos de 10%, diz a executiva. Além de fator gerador de bem-estar e produtividade, o ambiente de trabalho é fundamental para a reputação das empresas na hora de atrair uma nova geração de trabalhadores, preocupada com propósito e com um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. De acordo com o estudo Tendências Globais de Capital Humano 2019, da consultoria Deloitte, o atual contexto social, político e econômico, marcado pela desigualdade, está forçando as organizações a se reinventarem como “empresas sociais”. Ou seja, entidades tão ou mais preocupadas com o impacto social que causam quanto com os resultados financeiros. “Eu preciso ter uma cultura forte, para atrair as pessoas que desejo para fazer o negócio decolar. Preciso ter uma cultura bem estabelecida para que as pessoas se identifiquem e para que os produtos e serviços do banco reflitam essa cultura para os nossos clientes”, diz Rafael Brazão, o executivo responsável pela área de gente e gestão do C6 Bank.
Nascido já com DNA digital, o C6 Bank, iniciou as operações em agosto deste ano e tem uma estrutura e uma estratégia de captação de talentos bastante diferente do modelo tradicional. Apoiado pela Gupy na área de seleção de candidatos, o departamento de RH fica livre para se preocupar mais é com o relacionamento com o público acadêmico, com desenvolvedores e profissionais de áreas específicas, como vendas e TI. A ideia, diz, Brazão, é de que recrutador entenda tanto de tecnologia, ou da área para a qual esteja contratando, quanto o próprio profissional. “Ele pode não saber codar. Mas precisa saber qual tecnologia usamos no banco e por que, o que é novo, o que não é”, afirma o executivo. “Ele precisa conhecer aquela comunidade. E, mais do que conhecer, precisa ser aceito por ela. Isso nos torna muito mais efetivos na contratação”. foto por Rodrigo Paiva
Os que ficarem e se adaptarem, por outro lado, tendem a ter uma vida mais fácil - ao menos em tese. Outra das grandes tendências na nova gestão do RH é a melhoria da experiência dos empregados, a Employee Experience. Para reter talentos, mesmo empresas de setores tradicionais, como o agronegócio, começam a perceber que é preciso adotar práticas mais amigáveis a certos perfis, que até há pouco tempo eram vistos como problemáticos.
Rafael Brazão, responsável pela área de gente e gestão do C6 Bank
“Preciso ter uma cultura bem estabelecida para que as pessoas se identifiquem e para que os produtos e serviços do banco reflitam essa cultura para os nossos clientes”
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Patrícia Molino, da KPMG
Com as mudanças nos modelos de trabalho, e ciclos mais curtos de entrega de produtos, serviços e resultados, questões como avaliação de desempenho e remuneração variável também entram em pauta. Hoje, com a metodologia ágil, novos projetos são lançados em poucos meses e têm atualizações semanais constantes. Com isso, em vez de esperar até final do ano para ter um retorno sobre o desempenho, os funcionários querem receber avaliações e incentivos em prazos menores, para que possam se ajustar às demandas. Ainda sem incluir remuneração variável, foi o que fizeram Alelo e Natura. As duas companhias contrataram duas consultorias para remodelar, a oito mãos, seus modelos de gestão de performance e desenvolvimento. O projeto envolveu pessoas do RH e do negócio das duas empresas, e ambas contribuíram não apenas no entendimento e solução da sua própria organização, como também para a construção da outra, conta Camila Bastos, sócia-fundadora da Gelatina, consultoria especializada em experiência do empregado envolvida no processo. Ao final, ambas saíram com modelos de avaliação com ciclos mais curtos e recomendações de desenvolvimento personalizadas para cada profissional.
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Mas mesmo diante dos problemas, este parece ser ainda o melhor caminho. Segundo outro estudo da KPMG, O futuro do RH no setor de tecnologia, um dos grandes desafios no mundo empresarial, nos próximos anos, será como integrar a força de trabalho atual às ferramentas de inteligência artificial, que são uma das grandes apostas tecnológicas para o futuro. Ter por perto gente que seja capaz de fazêlo, será certamente uma vantagem•
Ação e reação
Como as lideranças do RH estão respondendo à demanda do mercado por transformação digital no mundo
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Estão confiantes que serão capazes de transformar a si mesmos e a força de trabalho
Estão muito confiantes que serão capazes de transformar a si mesmos e a força de trabalho
Estão menos confiantes que serão capazes de transformar a si mesmos e a força de trabalho
fonte: KPMG, O Futuro do RH 2019 (The Future of RH 2019)
foto: Divulgação
Há ainda barreiras a serem transpostas para que o RH possa ser mais efetivo e estratégico em muitas empresas. Nem sempre a mudança é tranquila. O estudo da KPMG já citado aqui indica que, entre as áreas de RH que estão passando ou já passaram pelo processo de transformação digital, os principais fatores que retardam o reposicionamento são deficiências de habilidades (51%), falta de recursos (43%) e a cultura da empresa (41%). “RHs que estão tentando ser mais estratégicos, muitas vezes são bombardeados com demandas de compliance. Não há mágica, é preciso comprometimento da liderança da empresa em transformar a gestão de pessoas”, conclui Patrícia Molino, da KPMG.
IA em movimento
Barreiras
Uso da tecnologia ainda é inscipiente, mas tende a crescer rápido
Motivos apontados como dificultadores da transformação digital
40%
51%
Capacitação Falta de recursos
36%
43%
30%
41%
Cultura
0
60%
14%
10%
Siga o dinheiro
Investimentos projetados para os próximos dois anos devem ser direcionados a... Análise preditiva Intensificação da automação
53%
Inteligência Artificial
20%
0
Investiram na tecnologia nos últimos dois anos
Haviam começado a investir no momento da pesquisa
0
60%
Nos últimos dois anos, os investimentos se concentraram predominantemente em... Gestão de capital humano
70%
49%
Aplicações na nuvem
32% 0
Destaques
60%
é o percentual de executivos de RH que reconhecem a necessidade de transformação da força de trabalho
dos líderes da área
RH dizem ter 40% de um plano para a transformação digital da área
Na balança
Dos entrevistados que já investiram em inteligência artificial...
88%
Consideram que o investimento valeu a pena
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fonte: KPMG, O Futuro do RH 2019 (The Future of RH 2019)
47%
Educação corporativa alternativa Made in Brazil
por Dubes Sônego EDUCAÇÃO
RH
CULTURA CORPORATIVA
LIFE LONG LEARNING
Kaospilot, Singularity e Hyper Island são referência em novas metodologias de ensino lá fora. Mas há no país opções para quem busca algo semelhante sem precisar fazer as malas
A
ascensão das startups e da economia digital trouxe consigo novas formas de gestão e de educação corporativa. Escolas tradicionais de negócios, como a suíça IMD Business School, a francesa HEC, a americana Stanford, a britânica London Business School e a brasileira Fundação Dom Cabral, continuam a ter papel fundamental na formação de executivos de ponta. Mas, a elas, juntam-se aos poucos, e ganham prestígio, instituições baseadas em novas metodologias de ensino, com programas com duração mais flexível e foco em inovação. São, em geral, voltadas 18
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não apenas a temas técnicos, mas também ao ensino de habilidades sociais, emocionais e comportamentais, como a capacidade de se adaptar facilmente, motivar funcionários, aprender a aprender e se comunicar bem. Lá fora, alguns dos nomes mais conhecidos são os da dinamarquesa Kaospilot, da americana Singularity University, e o da sueca Hyper Island. No Brasil, contudo, também há opções para quem quer seguir por esta trilha, sem precisar viajar. Além de Singularity e Hyper Island, que já têm unidades do país, algumas alternativas Made in Brasil são:
foto: Divulgação Sala de aula da Sputnik
SPUTNIK
A Sputnik é o braço de educação corporativa da Perestroika, outra escola baseada em metodologias alternativas de ensino, mais calcadas em inovação e experiências práticas. Surgiu na virada de 2011 para 2012, em São Paulo, depois de uma malfadada experiência de sua CEO e cofundadora, Mari Achutti. Mari já havia trabalhado e estudado na Perestroika, em Porto Alegre, e resolveu contratar a empresa para ajudá-la a montar uma universidade corporativa em um grupo do ramo de moda onde trabalhava. “Só que, no início, deu muito errado. Porque a metodologia havia sido criada para vender cursos no varejo, não para as especificidades do mundo corporativo”, conta. Ajustes feitos, lições absorvidas, Mari conta que procurou os sócios da Perestroika e propôs o novo negócio.
“Uma sala de aula nossa é preparada como se fosse para um show. Como vou despertar o lado cognitivo que tem a ver com o dia a dia do cara do call center, que é massante?”
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Hoje, a Sputnik trabalha em um modelo que segue, em essência, o que foi desenvolvido pela empresa mãe, mas parte de um diagnóstico individualizado de cada corporação, afirma Mari. Basicamente, diz a empresária, a metodologia usada é calcada no princípio de que é preciso gerar vivências episódicas para se alcançar aprendizado efetivo. “Não adianta simplesmente ter um professor lá na frente falando e partir do pressuposto de que todas as pessoas estão prestando atenção. Se aquilo não for interessante para elas, elas não vão absorver assim”, diz. “Uma sala de aula nossa é preparada como se fosse para um show. Como vou despertar o lado cognitivo que tem a ver com o dia a dia do cara do call center, que é massante? Quero competir com um Cirque du Soleil, não com ESPM ou a FGV”, diz. A partir do diagnóstico das necessidades de cada empresa, é feito um programa de ensino sob medida para a empresa, turma a turma, de acordo com o perfil dos participantes. Isso significa que o conteúdo de um mesmo curso pode variar de acordo com o grau de conhecimento de cada equipe sobre um assunto, dentro da mesma empresa.
Em alguns casos, conteúdos comportamentais podem ser dispensados. Em outros, é preciso trabalhar primeiro habilidades sócio-emocionais e comportamentais. É o que acontece com frequências em cursos de metodologia ágil, diz Mari. “Não adianta querer ensinar Scrum e Kanban se as pessoas não sabem conversar”, diz. “É preciso atacar primeiro comunicação não violenta, inteligência emocional e até alguma coisa de autoconhecimento, nesse caso”.
A partir do diagnóstico das necessidades de cada empresa, é feito um programa de ensino sob medida para a empresa, turma a turma, de acordo com o perfil dos participantes.
foto: Divulgação
Sala de aula da Sputnik
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“Eu vou sempre procurar o profissional que está fazendo diferença no mercado e ajudar ele a ser um bom palestrante”, [...]. “Esse é o meu negócio. A gente é um grande radar”.
AFFEROLAB
Há cerca de quatro anos, a Afferolab era uma empresa de RH e de treinamento, muito demandada, como outras no mercado, para o desenvolvimento de workshops e programas de e-learning. Se o cliente queria um tema, a empresa empacotava e entregava nos formatos tradicionais, de forma massificada. “Notamos que o oceano em que estávamos navegando começava a ficar meio vermelho”, diz Bárbara Olivier, diretora de inovação da empresa, em referência a um tipo de mercado no qual há forte concorrência e baixa diferenciação. “Começamos, então, a nos provocar em relação à transformação digital”. Os primeiros passos foram dados internamente: adoção de novas tecnologias, metodologia ágil, Scrum, equipes autogeridas. “Foi um ano suado. A gente testou isso com alguns times”, conta. “Hoje, temos três ou quatro equipes grandes, que se resolvem, até para discutir os méritos. E funciona. Tecnologia, a mesma coisa. Quando a gente faz alguma coisa aqui que o pessoal não adere, já estudamos para ver por que não está funcionando. Porque não dá para recomendar lá fora o que não conseguimos fazer aqui dentro”, afirma a executiva.
foto por Rodrigo Paiva
Uma vez definidos os conteúdos, a Sputnik busca no mercado pessoas com experiência e capacidade didática para atender à demanda. A ideia, de modo geral, diz Mari, é levar os conteúdos para os alunos de forma prática, para que possam ser “protagonistas da história”, em módulos relativamente curtos. Segundo ela, um dos cursos que hoje mais sai na Sputnik é o voltado à preparação de apresentações, chamado Chora PPT, que dura quatro encontros. Mas há também cursos de alguns meses, voltados à liderança, envolvendo vários temas. “Eu vou sempre procurar o profissional que está fazendo diferença no mercado e ajudar ele a ser um bom palestrante”, diz Mari. “Esse é o meu negócio. A gente é um grande radar”. Mari Achutti, CEO e cofundadora da Sputnik
As transformações internas levaram a mudanças na forma de atuação. Hoje, a empresa é quase inteiramente dedicada à educação corporativa e “se plataformizou”, afirma Bárbara. Na prática, afirma, isso quer dizer que funciona como um “Lego de possibilidade”, onde as peças são escolhidas de acordo com o momento, o contexto, as pessoas e os objetivos de aprendizado da empresa cliente, que estão ligados a objetivos estratégicos de fundo.
[...] um “Lego de possibilidade”, onde as peças são escolhidas de acordo com o momento, o contexto, as pessoas e os objetivos de aprendizado da empresa cliente, que estão ligados a objetivos estratégicos de fundo.
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foto por Rodrigo Paiva Bárbara Olivier, diretora de inovação da Afferolab
O trabalho começa, de modo geral, com um serviço de consultoria. Após um período de análise e diagnóstico, a empresa faz recomendações que podem incluir desde melhores práticas de uso dos sistemas internos de LMS (Learning Management System), de gestão de aprendizado, até a identificação de influenciadores internos, com potencial para se tornarem professores, e a curadoria e a produção de novos conteúdos, por equipes próprias ou de terceiros. “E a gente tem ainda uma área de programas tecnológicos para aprendizagem: plataformas, apps, soluções de tecnologia para sala de aula”, diz Bárbara. Entre os conteúdos mais demandados, afirma a executiva, estão principalmente aqueles relacionados às habilidades sócio-emocionais e comportamentais. Mentalidade digital, “por ser o mais difícil” e “abstrato” dos temas, é um dos carros chefes, ao lado de assuntos menos óbvios, como “coragem”, o que mais vende há cerca de um ano, diz Bárbara. “É um tema muito voltado à tomada de decisão, mas com um trisco de resiliência, um trisco de antifragilidade, um trisco de trabalho de confiança no grupo”, afirma a executiva.
Entre os conteúdos mais demandados, [...], estão principalmente aqueles relacionados às habilidades sócio-emocionais e comportamentais. 22
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Para um futuro próximo, Bárbara diz que a empresa trabalha em uma nova plataforma, chamada LXP (Learning Experience Plataform). Segundo ela, será uma uma espécie de interface, que ficará na frente de outros sistemas ou plataformas que o cliente já tenha para aprendizagem. A ferramenta permitirá a coleta de dados e, com base em tecnologia de aprendizado de máquina, recomendações mais precisas e personalizadas de conteúdos.
SKEP
A Skep nasceu há cerca de três anos com a proposta de ser uma startup de educação personalizada. Mas depois de um período de validação do modelo de negócio, os sócios perceberam que a demanda maior vinha de pessoas em processo de transição e evolução de carreira. “Todo mundo que entrava saia empreendendo, e com uma carreira nova”, diz Aziz Camali, um dos fundadores, ao lado de Andrea Gomes e David Frenkel. O programa oferecido pela Skep tem duração média de sete meses. A primeira fase é de avaliação e planejamento. Durante um mês e meio, a startup entrevista o cliente e pessoas de sua rede para identificar medos, comportamentos, capacidades técnicas e prazeres. A partir daí, monta uma grade de aprendizado específica, que inclui habilidades técnicas, sócio-emocionais e comportamentais. Com base nela, é feita a curadoria de cursos, no Brasil e lá fora, que atendam às demandas identificadas e que se encaixem no orçamento. Nem sempre a Skep encontra o que procura. Nesses casos, diz Camali,
foto por Rodrigo Paiva Aziz Camali, um dos fundadores da Skep, ao lado de Andrea Gomes
cria algo com especialistas. Ao longo do caminho, vão sendo feitos ajustes na grade, de acordo com o desenvolvimento do aluno cliente e a afinidade que demonstra com os conteúdos. “Se o cara precisa entender de mercado imobiliário em São Paulo de retrofit, por exemplo, vamos atrás de alguém que conheça profundamente o assunto e pedimos que bole algo para que o cliente possa passar três dias com ele e entender tudo o que precisa”, diz o empresário. Em outros casos, afirma Camali, é preciso negociar com a instituição de ensino para que o cliente da empresa possa fazer apenas uma disciplina em um curso de pósgraduação. Ou visitar uma empresa estrangeira referência em determinado setor. A amostragem de clientes da Skep ainda é pequena. Ao todo, 25 pessoas fizeram o programa. O custo também não é baixo. Varia, de acordo com o perfil do cliente aluno e sai por R$ 80 mil, em média. Mas os resultados já foram suficientes para que a startup fechasse recentemente um piloto com uma empresa de recrutamento de executivos, a Cunha e Petreche Executive Search, para dar suporte a ex-diretores e ex-CEOs de empresas interessados em se reciclar para empreender ou tentar voltar ao mercado. Outros públicos alvo principais da Skep são executivos que querem se atualizar, jovens recém formados na faculdade e sucessores de empresas familiares perdidos profissionalmente.
“Se o cara precisa entender de mercado imobiliário em São Paulo de retrofit, por exemplo, vamos atrás de alguém que conheça profundamente o assunto e pedimos que bole algo para que o cliente possa passar três dias com ele e entender tudo o que precisa” No médio e no longo prazo, diz Camali, a ideia é transformar o que hoje é um serviço em produto. No início, conta, o mais difícil foi mapear cursos e instituições de ensino de ponta ao redor do mundo. Hoje, a Skep já tem identificadas 150 áreas de aprendizado, em 800 instituições/profissionais, em 33 cidades, e desenvolveu ferramentas próprias que permitem automatizar 50% do trabalho. Na medida em que houver maior volume disponível de informações sobre os clientes, o empresário avalia que será possível identificar padrões, de acordo com o perfil dos alunos, e elevar esse percentual usando inteligência artificial. “Ai vamos poder ter uma versão mais simples e barata. Uma tecnologia que permita você fazer isso sozinho. Então, será possível trazer para as pessoas a ‘eu escola’. E muda o jogo”, diz•
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foto: Divulgação
“No Google você nunca verá um projeto de um único dono” Flávia Verginelli, diretora de produtos e soluções do Google Brasil
por Melissa Rossi MARKETING ANALYTICS
GESTÃO DE MARCA
DATA SCIENCE
Lideranças de inovação no Google são comuns. Não se trata de um privilégio, ou de casos isolados. Quem diz é Flávia Verginelli, diretora de produtos e soluções (brand, performance e data) da Google Brasil. Segundo ela, a inovação na companhia é transversal. “Qualquer pessoa pode inovar aqui. Os projetos nascem das pessoas, mas nunca têm pai ou mãe exclusivos. Tudo aqui é desenvolvido a partir dessa forma de pensar o trabalho colaborativamente”, afirma. Ex-executiva da Microsoft e do Portal Terra, Flávia conta a seguir, de seu ponto privilegiado de visão dentro do Google, como as empresas brasileiras estão investindo em marketing digital e inteligência de dados com o objetivo de melhorar a experiências dos clientes com suas marcas, desde a busca até a efetivação da compra.
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GESTÃO DA INOVAÇÃO
Como é liderar uma área de inovação e produtos dentro do Google? A princípio, trabalhar aqui foi muito difícil. O Google propicia um ambiente multidisciplinar e colaborativo que de cara pode assustar um pouco. Lembro de uma diretora que trabalhou aqui e não se conformava em “perder suas ideias”, quando muitas pessoas trabalhavam com livre acesso aos documentos de um projeto, por exemplo. Aqui no Google não é sobre a autoria de uma pessoa, mas como as pessoas em geral colaboram para o sucesso dos projetos, da oferta de produtos e serviços que a empresa quer entregar. Você nunca verá um projeto de um único dono. Não é sobre uma área de inovação, é sobre talentos de diferentes áreas colaborando e inovando juntas. Como é a integração dessa área com as demais no Google? Na área pela qual sou responsável, tenho oportunidade e espaço para fazer imersões com executivos C-Level, mas também interajo com todos os demais níveis e cargos. Qualquer pessoa pode inovar, pois a empresa oferece uma série de ferramentas, práticas e políticas colaborativas que
promovem inovação. Temos, por exemplo, o que chamamos de Projeto 20%. São projetos que ficam disponíveis em uma plataforma geral e qualquer funcionário pode participar, dedicando 20% do seu tempo. Um funcionário de publicidade pode participar de um projeto em cloud computing. É uma ferramenta que permite que os profissionais possam transitar por diferentes áreas e trocar conhecimentos. Promover isso e provocar essa curiosidade é um dos objetivos principais do Google com a inovação.
Quando se pensa em marketing de analytics, o que nós e as empresas desejamos? Informação correta, completa, entregue da melhor forma ao consumidor. Como o Google atua na transformação digital e cultural da comunicação de marcas clientes? Depende do que cada empresa precisa. Se é cruzar dados online e offline com o objetivo de aumentar vendas ou experiências de marca, ou se é iniciar um processo de digitalização dos dados, ou de diagnóstico de como estão sendo utilizados. Para cada caso o Google desenha uma estratégia e um plano de implementação que vai desde coisas simples, como otimização de dados on e off line, até as coisas mais complexas. São projetos que em geral preveem uma mudança de cultura, de mentalidade das empresas. E que exigem investimentos em tecnologia e pessoas. Oferecemos ferramentas que vão se ajustando e se moldando no percurso no projeto. Quais produtos vocês entregam? Um exemplo de produto para anunciantes é o Local Campaigns, lançado no ano passado. Foi o primeiro tipo de campanha em Google Ads criado especificamente para negócios que concentram suas atividades em espaços físicos (mercados, restaurantes, etc.). Você roda uma campanha multiplataforma (Search, Google Display Network, YouTube e Google Maps) e consegue medir o número de visitações na loja física, por exemplo. Carrefour utiliza a ferramenta. Outro exemplo, o Local Inventory Ads (LIA), mostra no Google Shopping os produtos em estoque em uma determinada loja física e oferece as informações para usuários das redondezas que fazem buscas
no Google. Quando os usuários clicam no anúncio, são direcionados para uma página da loja específica, hospedada no Google, chamada de vitrine local, com o estoque disponível, horário de funcionamento, etc. O LIA permite monitorar o impacto dos anúncios digitais sobre o tráfego e as vendas na loja física. De que forma sua área ajuda as marcas a terem mais resultados de negócio? Estudo inédito feito pelo Google e pelo Boston Consulting Group mediu o nível de maturidade em marketing data-driven de algumas das maiores empresas brasileiras. A ideia era entender como elas interligam dados, como buscam a automação de processos e como fazem a tecnologia trabalhar para melhorar resultados. Um dos achados principais é a comprovação de que tratar os dados com carinho pode aumentar seus lucros em até 20%. A pesquisa evidenciou quatro estágios diferentes de maturidade: nascentes, emergentes, conectadas e multimomento - o nível mais evoluído, em que empresas têm execução otimizada e personalizada baseada no resultado individual de cada cliente, em todos os canais. A pesquisa aqui no Brasil mostrou que as companhias têm espaço para evoluir. A maioria (55%) foi classificada como emergente, enquanto 37% ficaram em conectado e apenas 2% em multimomento. As equipes do google que atendem os grandes clientes foram responsáveis por apontar esses dados e diariamente mostram a evolução na maturidade com as ferramentas e soluções que o Google disponibiliza. Essas áreas trabalham num plano de um ano ou mais para ajudar as empresas a ganharem maturidade. Como o Google está orientando os clientes a trabalharem suas marcas e sua comunicação em um cenário difícil como o de hoje? Quando se pensa em marketing de analytics, o que nós e as empresas desejamos? Informação correta, completa, entregue da melhor forma ao consumidor. Se a empresa basear a operação em dados, ela garante a entrega e a melhor experiência do consumidor em relação a sua marca. É por isso que é urgente digitalizar toda a base de dados, do que existe de fato nas lojas (online e física) para que apareçam os melhores resultados com informações completas. Quantas pessoas procuram informação sobre o que querem adquirir ou saber sobre um produto e um serviço antes de efetivamente comprar? O marketing orientado pela análise de dados é sobre isso. Com inteligência JA N E I RO/ F E V E R E I RO/ M A RÇ O, 2 0 2 0 | 2 5
de dados, machine learning - a capacidade que as máquinas têm de processar dados e entregar em milésimos de segundos o melhor resultado -, com implementação de data science.
[...] é preciso colocar mentes colaborativas pensando juntas, sem hierarquia. Falta muito ainda para as empresas entenderem a relevância da inteligência de dados para o branding? Acho que vai ser muito rápida essa transformação. Em segmentos como o varejo, já está acontecendo. O caso do Magazine Luiza comprando a Netshoes é claramente um movimento de super digitalização. Isso faz com que o mercado entenda a importância de estar nesse nível de serviço. Porque a partir do momento que a gente se acostuma com uma experiência de qualidade, não volta atrás. E o mercado já entendeu o quanto frustrar o consumidor pode comprometer seu negócio. Algum case merece destaque no mercado brasileiro? O Carrefour fez a transformação acontecer no digital em campanhas de mídia estratégicas no YouTube, sem perder sua liderança na TV. A estratégia foi usar os mesmos anúncios veiculados na TV na plataforma online. Para o YouTube, foi escolhido o formato Trueview In Stream (em que você pode pular o comercial após 5 segundos), otimizado por algoritmos de machine learning para buscar pessoas mais interessadas nas ofertas. Assim, as taxas de engajamento nos vídeos ficaram iguais às do mercado, mas com custo menor por ponto de audiência, comparado à TV. Para estimular o tráfego nas lojas, em cada vídeo o usuário que assistia à oferta via uma indicação da unidade do Carrefour mais próxima. Semanalmente a equipe de marketing pode avaliar os aprendizados, como a quantidade ideal de ofertas por vídeos. Ou ainda a duração da introdução dos vídeos antes das ofertas em si, o engajamento das visualizações. Diferentemente do off line, as constantes revisões deram recursos - dados e informação - para inclusive melhorar a criação de campanhas futuras. Qual a posição atual do Brasil para o Google globalmente? As empresas brasileiras têm um nível de automação e utilização dos produtos Google muito relevante. Tanto é que o Brasil está sendo priorizado em todos 26
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os lançamentos de produtos e serviços Google. O movimento é crescente. Senti neste último ano uma aceleração muito potente do mercado em volume de startups que nascem. Há cada vez mais Venture Capital investindo e interessado no ecossistema de inovação e tecnologia no Brasil. O que te trouxe ao Google? Qual foi sua principal motivação? Eu já tinha trabalhado por cerca de quatro anos na Microsoft. Participei do lançamento do Windows 95 no Brasil. Atuei também como diretora de publicidade e mídia por dez anos no Portal Terra que, antes do YouTube, fez a primeira transmissão online da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Tive muita sorte de trabalhar em empresas com espírito de inovação forte. Incorporei esse DNA de pensar grande, acreditar que o Brasil pode ser grande. A mudança para o Google foi resultado dessa motivação e de eu vislumbrar o movimento das empresas de tecnologia realizarem a transformação do mercado brasileiro. Por outro lado, sempre tive a responsabilidade de entregar resultado na veia. E essa característica combina com o DNA do Google. Minha principal dificuldade foi entender esse ambiente onde a autoria é compartilhada. Os funcionários do meu time sabem tanto ou mais que eu. Se adaptar, conviver e dividir tarefas, projetos e decisões com pessoas que possuem formas de pensar tão diferentes e trabalham juntas é um grande desafio e minha grande realização.
Senti neste último ano uma aceleração muito potente do mercado em volume de startups que nascem. Há cada vez mais Venture Capital investindo e interessado no ecossistema de inovação e tecnologia no Brasil. Você acredita que o modelo de inovação é essa combinação de compartilhar, de construir de fato uma diversidade cognitiva? É sempre pensar do ponto de partida: qual o problema que você quer ou precisa resolver? Para resolver esse problema de forma inovadora é preciso colocar mentes colaborativas pensando juntas, sem hierarquia. Essa mistura é o que a gente faz aqui no Google•
Sede do Service Design Global Conference, em Toronto
por Fabio Calzavara DESIGN DE SERVIÇOS
foto: Divulgação
Esqueça o foco no cliente GESTÃO
NEGÓCIOS EM REDE
CULTURA CORPORATIVA
Uma das novidades na Service Design Global Conference 2019, maior evento da área no mundo, foi a necessidade de uma abordagem mais ampla, voltada ao ecossistema
A
pós a realização da Service Global Design Conference 2019, em Toronto, em outubro, é comum que resenhas apontem os aprendizados e os principais caminhos que a comunidade do design está enxergando e (ainda bem!) entregando. Se eu tivesse que sair da conferência com apenas um aprendizado, seria “a importância de projetar pensando no ecossistema e suas relações”. Parece algo simples e generalista, mas há muitos elementos que embasam esse pensamento, e vale a pena destrinchá-los.
1. SOLUÇÕES SISTÊMICAS
“Estamos em uma época que é fundamental conhecer nosso cliente. Saber como ele se comporta, pensar na sua jornada e priorizar sua experiência acima de tudo. Google, Netflix, Apple e Amazon fazem isso, não tem mais volta.” Garanto que todos já vimos frases como essas em artigos do LinkedIn, apresentações de consultoria e
propostas comerciais. Eu mesmo já falei inúmeras vezes, mas ela não faz mais sentido nos contextos atuais das relações humanas e de negócio. Um dos grandes pontos abordados na conferência foi a necessidade de se projetar soluções pensando em todo o ecossistema envolvido. Não apenas “pensando”, mas criando novas relações, construindo futuros alternativos da maneira que acreditamos ser a melhor. E quando digo ‘nós’ me refiro a todos os players desse ecossistema. A abordagem deixa de ser individual e passa a considerar todo o contexto social em que estamos inseridos. Não pensemos mais no design como um processo capaz de chegar em um ótimo resultado, mas como um aspecto fundamental das relações sociais, como um método capaz de entender e criar novas relações dentro dos contextos atuais de negócio e empreendedorismo.
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Entender as relações invisíveis - entre cliente e marca, consumidor e produto, empresa e fornecedor, governo e empresa, processos e regulação - é fundamental para conseguirmos criar soluções verdadeiramente sustentáveis a longo prazo. Nesse contexto, pensar apenas na experiência do cliente pode ser extremamente reducionista a arriscado. É fundamental para qualquer negócio especialmente as grandes empresas - estar atento a uma nova forma de desenhar soluções: o pensamento do design sistêmico será crucial na gestão de projetos, no planejamento estratégico e na criação de novos produtos e serviços a partir de agora. Em Toronto, além de cases práticos nas áreas de saúde, habitação, educação e finanças, empresas e universidades como The Design Council e Oslo School of Architecture and Design apresentaram modelos de trabalho tanto para o setor público como para o privado. Esses modelos ilustram uma abordagem mais sistêmica e em rede para solucionar desafios complexos e produzir soluções com diferencial inovador.
Representação do modelo apresentado pela The Design Council, do Reino Unido
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2.
UMA NOVA CULTURA VAI CHEGAR ÀS GRANDES CORPORAÇÕES
Lufthansa, Visa, IBM e Unilever são exemplos de algumas empresas que apresentaram cases ou foram mencionadas como empresas que já absorveram métodos e ferramentas de design de serviços. O próximo passo natural é absorver mais da cultura do design. O principal ponto aqui é como essas - e muitas outras - grandes empresas estão se permitindo criar novas relações dentro dos seus contextos. Estão mais abertas para ouvir e cocriar ideias com seus clientes, parceiros, fornecedores e até mesmo concorrentes. Com essa postura e estimuladas pela abordagem do design de serviço, as possibilidades são inúmeras: cito aqui dois exemplos de como empresas de diferentes setores estão percorrendo caminhos distintos mas com resultados igualmente interessantes. A Lufthansa tem orientado o desenvolvimento das experiências de vôo com um processo que é o ABC do design, aplicando pesquisa junto aos clientes, cocriação colaborativa e validação de ideias antes da sua implementação. Entretanto, por ser um organismo complexo, a Lufthansa entendeu que precisava ir além de ferramentas de design e de um processo estruturado. Um dos pontos apresentados pela companhia foi o trabalho para reduzir os silos internos. É muito comum vermos pessoas reclamando da segregação entre as áreas e é comum que essas reclamações aconteçam em momentos em que elas precisam de algo - seja de acesso aos sistemas, aprovação de uma peça de comunicação ou acesso à base de clientes. O ponto trazido pela Lufthansa foi que, para combater os silos, o time de design é estimulado a entregar algo, e não apenas pedir. E a partir do momento que essa atitude ganha escala para toda a empresa, imaginemos o que pode acontecer - uma organização em que os interesses corporativos superam os sociais, porque as necessidades individuais estão supridas nesse relacionamento de troca entre as pessoas. Assim, a partir do mindset sistêmico e colaborativo do design, constrói-se um modelo de rede atuando em prol dos resultados da empresa.
foto por Nick Herasimenka em Unsplash A alemã Lufthansa foi uma das companhias que apresentou cases de design durante a Service Design Global Conference 2019”
A consultoria Kyvo de São Paulo - única palestra brasileira da conferência - utilizou seu case junto à Visa para apresentar um novo modelo de aceleração corporativa. Chamado de Aceleração 2.0, o modelo utiliza as bases de design de serviço para criar relações mais valiosas entre corporações e startups. Esse modelo vem trazendo resultados para os negócios da corporação, que contrata o programa, e das startups participantes, pois ao longo do processo são conduzidas atividades colaborativas de alinhamento estratégico para ambas as partes, pesquisa etnográfica para coleta de insights e rodadas de validação da solução da startup com o mercado e a corporação. O case apresentado de aceleração da Visa, em que a startup Blu365 criou um novo serviço ao longo do programa, mostrou o valor do processo baseado no design de serviços: a startup criou uma nova oferta que atende a oportunidades descobertas ao longo
da aceleração. Por serem demandas tanto da Visa como dos seus parceiros, a Blu365 entrega mais valor para todo o ecossistema. Entendo que a repetição de modelos de trabalho como esse irá em breve transformar as relações entre corporações e startups e também a própria cultura das grandes empresas, deixando-as pouco a pouco mais colaborativas, holísticas e, sim, ainda mais lucrativas. Vimos em Toronto que apesar de algumas empresas já apostarem nessa mentalidade, esse ainda é um movimento tímido, por vezes restrito ao ambiente acadêmico e governamental. No entanto, resultados vêm sendo alcançados e não tardará para que o design de serviços passe a ser parte do cotidiano de grandes empresas e se integre ao business as usual. Assim, abre-se uma excelente oportunidade para as corporações ocuparem esse território, e quanto mais rápido elas fizerem maior a chance de estarem preparadas para um futuro ainda desconhecido, mas que será de extrema competitividade e de mudanças cada vez mais dinâmicas.
[...] resultados vêm sendo alcançados e não tardará para que o design de serviços passe a ser parte do cotidiano de grandes empresas e se integre ao business as usual.
Representação do modelo apresentado pela Oslo School of Architecture and Design, da Noruega
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3.
RELAÇÕES EM REDE E O MINDSET DA ABUNDÂNCIA
Um terceiro ponto muito abordado no evento foi a necessidade cada vez mais evidente da criação de relacionamentos em rede. Não apenas como networking corporativo, mas verdadeiras conexões que vão além do interesse comercial. Não me entendam mal, os resultados desta relações podem perfeitamente ser financeiros - mas esse não pode mais ser o único objetivo. O maior exemplo dessa tendência apresentado na conferência foi a Loop, uma plataforma ‘zerowaste’ para a venda de bens de consumo criada por Tom Szacky, fundador da TerraCycle. O objetivo? Acabar com as embalagens plásticas de utilização única. O conceito? Tão simples quanto ambicioso: você compra um produto - digamos, um frasco de xampu - e paga um depósito referente à embalagem. Quando termina, você solicita um refil ou devolve o frasco e pega seu dinheiro de volta, tudo sem precisar sair de casa. Parece tudo muito bem, mas... já não tivemos experiências parecidas com essa? Já não passamos anos devolvendo garrafas nos supermercados até o PET descartável ganhar escala? O que seria diferente desta vez?
foto: Divulgação
A resposta está no poder das relações em rede. Em primeiro lugar, se a Loop tem alguma chance de dar certo, ganhar escala e inspirar um modelo de consumo mais responsável é porque Tom teve a habilidade de envolver nesse consórcio algumas das maiores empresas de bens de consumo (e maiores concorrentes), como Pepsico, Nestlé, P&G e Unilever em prol de um objetivo comum. Além do poder de influência massivo que essas corporações têm em conjunto, elas são capazes de suprimir
uma ampla gama de necessidades de consumo das pessoas - se fosse apenas uma marca ou uma linha de produtos, duvido que teria tração para dar certo. Em seguida temos um modelo de negócio sistêmico, que parte do princípio do risco compartilhado: as empresas participantes arcam com o custo das linhas de produção específicas para os produtos em embalagens retornáveis enquanto a Loop se encarrega da distribuição, tanto da logística de entrega ao consumidor quando das parcerias com varejistas, como o Carrefour. Por fim, o design entra como a camada que une todos os players, produtos e serviços desse ecossistema complexo. Não apenas entregando embalagens funcionais e atrativas para o consumidor, mas traduzindo toda essa proposta de valor em um serviço amigável. Reconhecer que a simplicidade de um serviço e sua humanização são essenciais para sua adoção em escala foi um grande acerto da Loop.
[...] não estamos diante apenas do surgimento de um novo modelo de relacionamento entre marca e cliente, mas também entre empresas e ecossistemas de fornecedores, parceiros e concorrentes. A partir do posicionamento de grandes corporações para um assunto tão sério quanto a crise do lixo - um problema que elas próprias ajudaram a criar, digase - mais empresas são estimuladas a participar de uma mudança como essa e aumentar a capilaridade das redes. Por isso é importantíssimo estarmos presentes já nesse movimento inicial, pois não estamos diante apenas do surgimento de um novo modelo de relacionamento entre marca e cliente, mas também entre empresas e seu ecossistema de fornecedores, parceiros e concorrentes. O resultado pode ser de um cenário inédito de abundância, com corporações, antes rivais, colaborando para um mundo mais sustentável• Fabio Calzavara Service designer e head de inovação e design na Hapvida
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“Empreendedor brasileiro tem medo de ser global” foto: Divulgação
Entrevista com Jon Medved, um dos mais respeitados empreendedores em série de Israel e fundador da plataforma de investimentos de risco OurCrowd, recém chegada ao Brasil
por Dubes Sônego STARTUPS
VENTURE CAPITAL
EQUITY CROWDFUNDING
O americano Jonathan Medved tem um longo histórico de investimentos em empresas de tecnologia. Na Califórnia, onde nasceu, ajudou a fundar e foi executivo de empresas como a Meret, pioneira em comunicação de vídeo por fibra ótica. Em meados da década de 1990, mudou-se para Israel e cofundou a Israel Seed Partners (ISP). Nos dez anos seguintes, a empresa, um fundo de capital de risco, alcançaria os US$ 260 milhões em investimentos, distribuídos em cerca de 60 startups, e ajudaria Medved a se tornar um dos americanos mais influentes no país. Desde 2013, dedica-se à OurCrow, plataforma global de investimentos em startups, que acaba de lançar no Brasil. Criada com a proposta de “democratizar” o acesso a boas oportunidades de investimento em capital de risco, a plataforma tem hoje cerca de 37 mil investidores qualificados, em 183 países, e já levantou US$ 1,3 bilhão, investidos em mais de 200 empresas - entre elas, a unicórnio Beyond Meat, de “carne” à base de vegetais. De Israel, Medved falou à The Funnel sobre os planos de sua empresa para o Brasil e a América Latina, o ecossistema de inovação no país e na região, e sobre o futuro do capital de risco no mundo.
ISRAEL
Como você vê o ecossistema brasileiro de inovação e de startups? Quais as principais forças e fraquezas do empreendedorismo no país? A principal força é o enorme mercado interno. É imenso, ainda pouco explorado e pronto para a inovação. E hoje ainda há uma atmosfera muito favorável aos negócios. A principal fraqueza é que os negócios são obsessivamente focados no mercado local. Têm medo de ser globais. Os empreendedores não têm ainda a ousadia de disputar espaço com companhias ao redor do mundo. Porque têm esse grande mercado local. Vemos muitas companhias que não têm materiais em inglês, que querem discutir tudo em reais. Pode funcionar no Brasil. Mas não ajuda a construir uma potencial global. Em Israel, todas as companhias pensam globalmente desde o primeiro dia, porque somos muito pequenos.
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Quais as melhores oportunidades, em termos de setores, no Brasil? E por quê? É muito difícil dizer, porque setores vêm e vão. Somos agnósticos em relação a setores. Investimos em todos. Na nossa plataforma, temos empresas de tecnologia em alimentos (foodtech), agricultura, cyber segurança, inteligência artificial, direção autônoma, saúde digital (digital health). São todos setores interessantes. O problema é que o timing é sempre crítico. Há cerca de um ano e meio, todos estavam absolutamente seguros de que os carros autônomos seriam adotados muito em breve. Hoje, todos entendem que vai haver atraso. Isso não significa que direção autônoma não seja uma ótima área para investir. Estamos pesadamente investidos nisso. E estamos indo bem. Mas significa que você não pode apostar em apenas um setor, assim como não pode apostar em apenas uma companhia. Esse negócio todo é sobre diversificação. Você tem que pegar setores diferentes, empresas em estágios diferentes. É preciso investir como em ações, de forma constante, ao longo do tempo.
Somos agnósticos em relação a setores. Investimos em todos. [...] O problema é que o timing é sempre crítico.
também. Há muito valor a ser desbloqueado ajudando investidores que vivem em São Paulo a se conectarem com empreendedores que estão em Israel. Ou ajudando companhias brasileiras que precisam de novas tecnologias a se associar com companhias que podem estar na Europa, nos Estados Unidos ou em Israel. Os problemas e desafios enfrentados por elas não são regionais. São de todos. Portanto, as soluções, ferramentas e plataformas para enfrentá-los precisam ser globais. O segundo motivo é que acreditamos que a América Latina, e o Brasil em particular, é um dos mercados mais excitantes do mundo, em termos de potencial de crescimento para capital de risco e investimentos em inovação. Na América Latina como um todo, o investimento em capital de risco está em algo entre US$ 2 bilhões e US$ 2,5 bilhões por ano. Israel, sozinho, vai investir cerca de US$ 8 bilhões. Ou seja, o país tem menos de dez milhões de pessoas e está investindo cerca de quatro vezes mais que a quantia investida em toda a América Latina, que tem quase 700 milhões de pessoas. Há muito potencial de crescimento. Há muitas pessoas com as quais estamos conversando investindo grandes quantias de dinheiro aqui. O volume está crescendo de forma dramática.
O que motivou a vinda da OurCrowd ao Brasil? Sempre tivemos a intenção de construir uma plataforma global de investimento em inovação, porque acreditamos que os mercados e a inovação são globais. A maioria dos empreendimentos de capital de risco é muito local ou regional. Mas isso está mudando. O Softbank claramente está tentando fazer coisas globais. Há outros 32
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Como você vê o futuro do capital de risco? Acho que é imenso e mais democrático. Capital de risco tem sido um brinquedo dos ultrarricos e de fundos de pensão e outras instituições muito, muito grandes. Mas mesmo algumas grandes instituições, e a maioria das pessoas ricas, não têm tido acesso. Imagine alguém com US$ 5 milhões. Ele não consegue investir sozinho, não consegue pegar o telefone e ligar para um fundo de investimentos no Vale do Silício e participar deles. Não é assim que funciona. Mas através de plataformas como a OurCrow já é possível que alguém se torne sócio de um Bill Gates em companhias como Beyond Meat. Jon Medved na edição de 2018 do OurCrowd Global Investor Summit, maior evento de investidores em capital de risco de Israel
A OurCrowd está buscando startups para investir ou clientes? Quais os planos no Brasil? Ambos. Começamos trazendo clientes para a nossa plataforma, porque investidores são chave para tudo. Fornecem capital, conexões,
nos apresentam startups e oportunidades de investimento. Em seguida, começamos a incluir empreendedores. Definitivamente, estamos buscando investimentos que possamos fazer no Brasil. E, mais importante de tudo, nossos planos também incluem corporações. Porque o Brasil hoje é um mercado muito grande. As companhias brasileiras precisam de inovação, que pode vir do Brasil ou de fora. Gostaríamos de entender quais as necessidades delas em inovação, e como nosso portfólio, de 200 companhias, pode ajudá-las a suprir essas necessidades. Está então buscando também negócios para as startups investidas pela OurCrowd. Exato. Estamos envolvidos em três grandes atividades. Uma é procurar negócios. Temos que ter constantemente novos negócios vindos de Israel e de outras partes do mundo. Quando olhamos o que está havendo na América Latina, há todo um novo grupo de companhias muito excitantes sendo construídas. Também buscamos investidores, porque estamos construindo uma rede global de investidores. E investidores que trazem não só dinheiro, mas também contatos, conexões e sabedoria. E isso nos leva ao terceiro elemento, que é como podemos ajudar as startups do nosso portfólio a fazerem melhores negócios em uma região como a América Latina e, em particular, o Brasil. Vocês terão um escritório no Brasil? Qual será a estrutura da OurCrowd no país? Temos um representante no país, o Rodrigo Monteiro, que é um dos nossos investidores. No Brasil, nem todos podem investir em companhias estrangeiras. Mesmo para a classe média, não é algo tão fácil. Que tipo de investidores vocês estão buscando? De acordo com a legislação brasileira, você precisa ter cerca de meio milhão de dólares em ativos disponíveis para investimento para estar qualificado. É bastante dinheiro para os padrões brasileiros. Mas o Brasil é um país grande. Estimamos que haja milhões de famílias que atendem o critério. É um grande mercado para nós. Qual é o aporte mínimo na plataforma? É de US$ 10 mil. Muitas startups não lucram por um longo tempo. Amazon e Uber são exemplos disso. Como a OurCrow faz dinheiro para os clientes? Antes, as companhias de tecnologia abriam capital
muito mais cedo. Microsoft, Apple, Google. Hoje em dia, essas companhias permanecem fechadas por muito tempo. Por isso, investidores mais espertos estão sendo forçados a tentar entrar em companhias que ainda são privadas. Mas todos também sabem que é virtualmente impossível ter acesso a elas. Se você é um cara com algum dinheiro, em São Paulo, como você investe em uma companhia privada no Vale do Silício? É isso que estamos fazendo, ajudando as pessoas a terem acesso a esses negócios privados. E fazemos dinheiro quando uma de nossas companhias abre capital ou é comprada. Quando abre capital, nós liberamos as ações para o cliente. Vendemos para ele, se ele quiser, ou as repassamos para que escolha o que fazer com elas. Pode dar exemplos? Uma companhia na qual investimos recentemente foi a Beyond Meat. Tivemos sorte de entrar cedo na companhia e trazer nossos investidores para dentro. Fornecemos acesso a ela a toda a nossa rede no mundo. Todos puderam investir por um valor relativamente baixo. Agora, ela se tornou uma companhia pública, avaliada em quase US$ 10 bilhões. Tínhamos também uma companhia no Canadá, chamada Wave Financial, de softwares de contabilidade para pequenas empresas. Investimos cedo e ela foi comprada recentemente pela H&R Block, companhia americana de preparação de impostos, por US$ 405 milhões. As pessoas que investiram conosco multiplicaram seu dinheiro com uma transação de M&A.
Fornecemos acesso a ela [Beyond Meat] a toda a nossa rede no mundo. [...] ela se tornou uma companhia pública, avaliada em quase US$ 10 bilhões. Qual o retorno médio na OurCrowd? Até agora, se você olhar a performance de todas as companhias, todas as companhias que foram compradas, abriram capital ou fecharam, porque algumas fecham, a taxa interna de retorno foi de cerca de 15% líquidos. Mas algumas pessoas têm portfólios com rendimentos melhores, outras com rendimentos piores. E temos ainda 21 fundos de investimento, vários deles com retornos na casa dos 20% e dos 30%• JA N E I RO/ F E V E R E I RO/ M A RÇ O, 2 0 2 0 | 3 3
Guia de eventos 2020 NETWORKING
INOVAÇÃO
NEGÓCIOS
E
ventos são um dos canais mais dinâmicos de interação com o que acontece em inovação e tecnologia no Brasil e no mundo. Por isso, preparamos para você acompanhar, mês a mês, a programação de 2020. Se for a algum dos eventos abaixo, compartilhe suas impressões através da The Funnel escrevendo sobre o que viu. O site e as redes sociais da revista estão abertos à colaboração de executivos da comunidade brasileira de inovação.
CES - The Global Stage for Innovation 7 a 10 jan | Las Vegas (EUA)
O CES é o mais tradicional evento de tecnologia de consumo do mundo. É também palco dos principais lançamentos do ano de gigantes do setor de eletroeletrônicos e de indústrias de bens de consumo com alto índice de tecnologia embarcada, como a automotiva.
2020 OurCrowd Global Investor Summit 13 fev | Jerusalém (Israel)
Empreendedores, investidores de risco, executivos de grandes corporações e de aceleradoras de startups de todo o mundo se encontram em fóruns e intensas reuniões de negócios. Em 2019, o evento contou com mais de 18 mil pessoas.
SXSW
13 a 22 mar | Austin (EUA) É possivelmente o evento de inovação mais multifacetado da cena mundial de tecnologia. Ao longo de dez dias, a programação vai alternando o foco de atrações musicais para conferências sobre tecnologia, festivais de cinema e mídias interativas.
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VTexDay
15 e 16 abr | São Paulo (Brasil) Trata-se de um dos maiores encontros de negócios digitais do mundo. Um de seus pontos fortes é a apresentação de cases que apresentam um panorama global do mercado. No ano passado, teve o ex-presidente americano Barack Obama como um dos mais de cem palestrantes.
IDTechEx
13 e 14 mai | Berlin (Alemanha) Apresenta as últimas tendências tecnológicas em áreas que vão de impressoras 3D, veículos elétricos e armazenamento de energia, à internet das coisas, grafeno e roupas e acessórios com tecnologia embarcada, os wearables.
Festival Path
6 e 7 jun | São Paulo (Brasil) Guardadas as devidas proporções, é uma versão brasileira do SXSW. Mistura palestras e debates sobre inovação, tecnologia e atrações musicais a shows, filmes, workshops, feira gastronômica, feira de negócios, feira maker e feira de games.
foto: Divulgação Web Summit 2019, em Lisboa (Portugal)
UX and Digital Design Week 10 a 14 ago | Londres (Inglaterra)
É um dos mais exclusivos e intensos eventos do segmento de UX e Design do mercado. Tem apenas 30 vagas. Os participantes têm acesso aos bastidores e às equipes responsáveis por alguns dos produtos mais inovadores do mercado de tecnologia.
HackTown
ASD* | Santa Rita do Sapucaí (Brasil) Desde 2015, o evento transforma a pequena cidade mineira com eventos relacionados à cultura e inovação. A região onde acontece o evento é conhecida como Vale da Eletrônica brasileiro, por reunir mais de 160 empresas de tecnologia.
TechCrunch Disrupt
14 a 16 set | São Francisco (EUA) Trata-se da conferência anual da principal referência do mercado para informações sobre startups, empreendedores e investidores de risco. Reúne ainda hackers e fãs de tecnologia em “batalhas” de startups e hackathons.
Slush Shanghai
25 a 26 set | Shanghai (China) Principal versão chinesa deste evento internacional,
Service Design Global Conference ASD* | Copenhagen (Dinamarca)
É o grande evento do design de serviços no mundo. Organizado pela Service Design Network (SDN), a conferência é o fórum de discussão das principais tendências relacionadas ao tema.
WebSummit
2 a 5 nov | Lisboa (Portugal) Tornou-se um dos grandes símbolos do processo de renovação tecnológica lusitano. Reúne personalidades da política, ícones da tecnologia, CEOs e fundadores de startups de rápido crescimento.
DreamForce
9 a 12 nov | São Francisco (EUA) É o evento de maior prestígio no Vale do Silício. Por conta disso, não faltam grandes nomes da tecnologia mundial e personalidades norte-americanas, como Al Gore, astros do rock e da NBA.
Wired25
ASD* | São Francisco (EUA) Organizado pela mais respeitada revista de inovação do planeta, o evento apresenta uma série de tendências para o futuro relacionadas à tecnologia
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idealizado para facilitar reuniões entre startups e investidores da comunidade internacional de negócios que envolvem tecnologia de ponta. Acontece também em Nanjing, em junho, e em Shenzhen, em agosto.
*A ser definido J A N E I RO/ F E V E R E I RO/ M A RÇ O , 2 0 2 0 | 3 5
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Não há receita pronta para a inovação por Hilton Menezes DESIGN DE SERVIÇOS
PROGRAMAS DE ACELERAÇÃO
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ertezas absolutas não combinam com inovação. Um dos conceitos que se tornou quase unanimidade no mercado hoje é o de que empresas que pretendem inovar têm que estar mais abertas a erros.Tenho rebatido esta premissa em palestras e outras oportunidades de troca de experiências com o mercado, traduzindo o que essa fala tem de melhor: não é sobre erro. Erro é um ponto final. Falhas fazem parte do jogo do empreendedorismo e da transformação do negócio, mas erros geram custos, perda de tempo e talentos, entre outros preços caros a se pagar... O que falta é entender que o caminho para a inovação está atrelado ao comprometimento com o processo de testar e validar um negócio o tempo todo. Quando se fala que a empresa é mais propensa ao risco, o que o mercado quer dizer é que as certezas que ela tem não são certezas; devem ser consideradas como hipóteses. E como toda hipótese, devem ser testadas. Na atual velocidade das mudanças de modelos de negócio, não dá mais para se basear numa lógica estática, em condições “certas”, imutáveis. Até a década de 1990, as mudanças eram muito mais lentas. Era possível fazer um planejamento de cinco anos; dizer “certamente” sobre aspectos de um ou outro movimento de mercado… Agora não. A informação se tornou muito mais acessível. A hiperconectividade e a redução dos custos de tecnologia fizeram com que pequenos novos negócios, de alguma forma, pudessem ameaçar roubar o mercado de grupos que antigamente eram dominantes. O mercado já entendeu parte dessa premissa de abertura aos riscos, mas será que entendeu que é preciso validar hipóteses? Um artigo recente de William R. Kerr, publicado no fim de 2018, na Harvard Business Review (HBR), traz uma excelente reflexão sobre os riscos que grandes empresas
STARTUP
GESTÃO
correm ao deslocar sedes, pessoas, talentos ou parte da empresa para “buscar inovação longe de casa”. O artigo mostra como as empresas podem se beneficiar de centros de inovação sem necessariamente realocar. O autor defende que medidas de deslocamento total da sede tendem a ser muito custosas e aborda soluções mais econômicas e eficientes, como a adoção de sedes menores e mais dedicadas à inovação.
Quando se fala que a empresa é mais propensa ao risco, o que o mercado quer dizer é que as certezas que ela tem não são certezas; devem ser consideradas como hipóteses. Segundo Kerr, os postos corporativos avançados são relativamente baratos de se lançar, pelo menos em comparação com os movimentos de QG -- como os feitos por companhias como a GE e outras tantas nos Estados Unidos, no início dos anos 2000. Como exemplos, ele cita empresas que efetivamente adquiriram um incorporando jovens empresas de tecnologia. Foi o caso do Walmart, que deu um importante passo para o lançamento do Walmart Labs com a compra da Kosmix, em 2011. Vemos muitos exemplos desse tipo de aplicação de processos inovativos no Brasil. Cito aqui as duas diferentes escolhas da Visa para ativar hubs de inovação, uma interna, no VISA Innovation Studio, e outra externa, no espaço VISA InovaBra. São modelos viáveis e relevantes para a empresa, que valida essa combinação de mais de um ponto de contato dedicado à inovação e que, portanto, gera valor para o negócio. A validação de hipóteses deve JA N E I RO/ F E V E R E I RO/ M A RÇ O, 2 0 2 0 | 3 7
foto por Pawel Czerwinski em Unsplash
ser a atividade principal de qualquer modelo de inovação, em diferentes pontas do processo. Em programas de aceleração, por exemplo, startups são provocadas a validar hipóteses desde a concepção do serviço ou produto proposto, até a elaboração de estimativas de escalabilidade, crescimento, etc. No artigo é visível que, em geral, as empresas querem ter presença em dois ou mais clusters de inovação para provar que estão acionando o “fora da caixa”. Mas de fato nunca se sabe onde a próxima ideia principal surgirá. Segundo Kerr, a justificativa é que as empresas podem competir melhor por talentos quando tocam em vários grupos ao mesmo tempo. A Microsoft Research, por exemplo, construiu uma rede de laboratórios nos arredores de Redmond, Washington, e em locais que incluem Cambridge, Massachusetts; Cambridge, Inglaterra; Nova York; Montreal; Beijing e Bangalore. A gigante chinesa de produtos Haier possui cinco centros de pesquisa e desenvolvimento - nos Estados Unidos, Europa, Japão, Austrália e China. O investimento das empresas em startups abrigadas na corporação também é reconhecido como opção relevante para manter o espírito empreendedor ativo. A conclusão do artigo - com a qual estou de acordo - é que há muito o que aprender antes que um novo hub de inovação possa ser eficaz. Mas é fato que o processo de descoberta leva tempo, pois é preciso testar e validar modelos.Os processos inovativos mais assertivos vêm da combinação que melhor se ajusta aos objetivos da empresa que quer inovar de forma sustentável. E isso virá a partir de uma constante atividade de quebrar o que eu chamo de crenças limitantes. O que tem que mudar na mentalidade dos executivos é: transformar essas 38
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crenças limitantes em hipóteses. Ou seja: o que eu acreditava que era verdade antes, já não é mais. Um bom exemplo disso é o setor da construção civil que, de acordo com uma pesquisa feita pela McKinsey nos Estados Unidos em 2017, é o terceiro pior e mais atrasado em relação à digitalização e inovação. Testemunho discussões de construtoras que não conseguem entender o movimento e o sucesso de uma Loft, por exemplo, que vale o que vale estando há pouco tempo no mercado mesmo “sem ter construído nada”.Essas empresas estão pautadas na crença limitante de que empresas de sucesso precisam ter “construído” algo. Mas sabemos que inovação não é sobre construir coisas físicas. É sim sobre desenhar novos modelos para inovar na gestão de obras, comercializar imóveis e rentabilizar espaços ociosos, entre outras coisas, sem esquecer da transformação digital de todo o processo. O leque de opções é vasto e, como o mercado entende, não é uma receita pronta de bolo. É possível combinar um ou mais processos de inovação para as empresas terem o real conhecimento do que funciona para elas. Seja qual for a combinação, é preciso estabelecer metodologias de validação de hipóteses. Nem sempre é válido mudar toda a empresa de lugar, como Kerr menciona no artigo da HBR. Mas testar modelos, práticas e ferramentas de inovação é imprescindível, pois não há mais espaço algum para certezas absolutas• Hilton Menezes Diretor-executivo da The Funnel no Brasil e CEO da Kyvo
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