The Funnel Brasil - Edition #2

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A REAL DO BLOCKCHAIN Open Innovation dicas para um hackathon de sucesso Health Tech BR

Julho/2019

Entrevista “a inovação é a saída para preservar a Amazônia”, diz Carlos Nobre

#02

startups entram na mira de grandes hospitais e laboratórios

Antropologia compreender o indivíduo é crucial para inovar


Anuncio Kyvo

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NESTA EDIÇÃO

Carlos Nobre entrevista

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A real do Blockchain capa

Guia Hackathon

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As lições de uma unicórnio

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Injeção Digital

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Procura-se: retail jedis e security princess

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Keith Sawyer

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Antropologia a serviço da Inovação

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COLABORADORES

Hilton Menezes

Melissa

Co-fundador e CEO da Kyvo. Tem

Jornalista formada há 15 anos, atuou como

especializações em Negócios e em Design

repórter nas editorias de indústria, varejo,

Estratégico, além de um mestrado em

educação, cultura e gastronomia. Soma 10 anos

Computação. Nos últimos anos, tem

de experiência como relações públicas com foco

atuado diretamente com o ecossistema

em comunicação corporativa no atendimento

empreendedor, como na coordenação dos

a grandes empresas. Na área sócio-ambiental,

programas de aceleração de startups Visa e

trabalhou com o Akatu, ONG que há 18 anos

do Merkaz. Além da Kyvo, é co-fundador da

promove o consumo consciente por meio de

Service Design Network Brazil.

iniciativas de educação e transformação cultural com apoio de empresas associadas.

Guilherme Manechini

Israel Lessak

Jornalista especializado em Economia e

Especialista em Human-Centered Design e co-

Negócios, já trabalhou nas principais redações

fundador da Kyvo, lidera o Labs, frente que atua

da área no Brasil (Valor Econômico, Revista

na estruturação de novas parcerias, projetos

Exame, Portal iG, jornal DCI e Agência Dinheiro

e programas da consultoria. Também está

Vivo). Entre 2014 e 2018 foi editor da revista GQ

envolvido ativamente na liderança de iniciativas

Brasil. Atualmente, é Head de Comunicação da

locais de fomento ao ecossistema de inovação

Kyvo e um dos curadores do Wired Festival.

por meio do design (Service Design Network e Global Service Jam).

Dubes Sônego

Juliana & Mariana

Jornalista com 20 anos de experiência como

Com experiências em projetos de design de

repórter e editor de Economia e Negócios.

serviço e visual na Kyvo, a dupla de designers

Passou por Gazeta Mercantil, Valor Econômico,

é a responsável pela arte da The Funnel Brasil.

Meio&Mensagem, Revista Foco, América

Graduadas pela ESPM, Mariana Oliveira e

Economia, Brasil Econômico, iG e Época

Juliana Alves participam ativamente da

Negócios. Foi vencedor da edição 2016 do

conceituação, desenvolvimento e entrega da

prêmio da Associação Brasileira de Private

arte da revista. Na universidade, já atuaram com

Equity & Venture Capital (ABVCAP), com

projetos de identidade visual, editorial, web e

reportagem sobre economia compartilhada, na

game design.

revista Capital Aberto.

The Funnel Brasil Diretor-executivo, Hilton Menezes - hilton@thefunnel.com.br | Editor-chefe, Guilherme Manechini - guilhermem@thefunnel.com.br Projeto gráfico e direção de arte, Israel Lessak - lessak@thefunnel.com.br Mariana Oliveira - mariana@kyvo.com.br Juliana Alves juliana@kyvo.com.br | Editor, Dubes Sônego - dubes@thefunnel.com.br | Reportagem, Melissa Rossi - melissa@thefunnel.com.br Colaboradores desta edição: Ahi Gvirtsman, Carolina Zatorre Redação e correspondência: redacao@thefunnel.com.br | Av. Rebouças, 1585 - Pinheiros, São Paulo - SP, 05401-200 Comercial: comercial@thefunnel.com.br Sobre: a The Funnel é uma revista criada pela plataforma de inovação israelense Duco e, no Brasil, é publicada trimestralmente pela Kyvo. A distribuição é gratuita e restrita a um mailing selecionado de executivos ligados à area de inovação em empresas do país. Além das versões israelense e brasileira, a The Funnel é publicada na França.

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EDITORIAL

DEPOIS DO HYPE

Na tão propalada curva de Gartner, após o hype, ou seja, a parte em que determinada tecnologia gera grandes expectativas no mercado ainda que não tenha provado sua viabilidade e potencial de ganhar escala, entra-se nas fases de Rampa de Entendimento e Platô de Produtividade. Essas duas fases são os períodos em que se separa o que de fato deverá ser realidade no cotidiano das pessoas de ideias que não se concretizaram. Em outras palavras: é a hora de distinguir o que realmente é inovação e o que é experimentação. Trazendo a discussão para o tema de nossa reportagem de capa, o pós-hype é exatamente o momento que vivemos com a tecnologia de blockchain. Mais do que o Bitcoin, é ela quem deve permear uma série de inovações corporativas nos próximos anos. Inclusive já há diversos exemplos no mercado brasileiro que comprovam esta percepção. Sobretudo pela confiança que o blockchain inspira. É possível que em breve tudo que envolva infraestrutura e banco de dados esteja ligado a algum tipo de blockchain. Ao longo de um mês, o editor da The Funnel Brasil, Dubes Sônego, conversou com empresas e especialistas para mostrar “A Real do Blockchain”. E o que constatou é que a previsão da própria Gartner de que o blockchain deverá criar US$ 3,1 trilhões em geração de valor para os negócios já começa a ser sentida no Brasil. Bancos, empresas de tecnologia, operadores logísticos e indústrias de alimentos são alguns dos exemplos de aplicações reais de blockchain. Então, se a sua empresa ainda não acordou para o tema, é bom correr. De maneira estruturada, claro. Sistematizar a inovação é o que nos lembra o psicólogo americano Robert Keith Sawyer, autor e editor de quatorze livros sobre criatividade e aprendizado, quando questionado sobre processos que podem impulsionar a área dentro das empresas. “Criatividade é como um músculo. Você ficará mais criativo se adotar práticas e exercícios que treinem sua mente em hábitos mentais associados à ainda mais criatividade. Se você quer inovação organizacional, não busque em indivíduos solitários que têm ideias. Busque uma estrutura e uma cultura organizacional que reúnam as pessoas de um modo que suas ideias se juntem e sejam sinérgicas umas com as outras”, diz Sawyer. E essa estruturação de mecanismos para promover a inovação estão presentes em outras matérias desta edição, seja nas dicas para organizar um hackathon eficiente para a sua empresa, nos investimentos em Health Techs por grandes empresas de saúde, ou então na bandeira levantada pelo climatologista brasileiro Carlos Nobre, de que a inovação é a melhor forma de assegurar a preservação da Amazônia. De olho no hype, mas mais atentos ainda no que irá virar realidade em breve. Boa leitura! Hilton Menezes Diretor Executivo da The Funnel no Brasil e CEO da Kyvo

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entrevista com

CARLOS NOBRE

Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas brasileiros, estuda a Amazônia há mais de quatro décadas e desde 2016 busca na inovação uma alternativa para a proteção e valorização da floresta por Melissa Rossi foto José Cruz/Agência Brasil BIOTECNOLOGIA

AMAZÔNIA

Carlos Nobre, cientista paulistano que pesquisa mudanças climáticas e a Amazônia há mais de quatro décadas, lidera e desenvolve um projeto que pretende alavancar o bioconhecimento na região da Amazônia por meio da inovação. “Em vez de agregar valor a recursos naturais ou commodities, usamos o imenso potencial de conhecimento que está presente em toda a floresta”, destaca. Graduado em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carlos Nobre foi pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Confira a seguir a entrevista.

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SUSTENTABILIDADE

BIODIVERSIDADE

O senhor tem defendido, desde 2016, uma quarta revolução industrial na Amazônia. A necessidade de se trazer inovação para combater o desmatamento e aumentar a conservação da floresta. Pode explicar o conceito? A partir do modelo que encara a biodiversidade da floresta como enorme potencial econômico para o país, desperta-se a consciência do desenvolvimento a partir do que a floresta oferece. O exemplo do açaí, entre outros, mostrou que esse potencial é gigantesco. Chegou-se ao modelo de economia de floresta em pé e rios fluindo (sem grandes hidrelétricas com grandes lagos), com base na biodiversidade. O Brasil, pela evolução biológica em dezenas de milhões de anos, nos colocou no continente mais biodiverso do planeta. E nós nunca fizemos uso disso para um modelo diferenciado de desenvolvimento econômico e social. A novidade da nossa proposta é utilizar ferramentas tecnológicas da quarta revolução industrial, mais avançadas, para aproveitar essa diversidade amazônica. Há outros exemplos de exploração bem sucedida da biodiversidade na Amazônia, além do açaí? A Natura é um bom exemplo, mas tem vários outros. Mas, ainda assim, mesmo o açaí, que já tem uma escala de mais de US$ 1 bilhão por ano para a economia da Amazônia, ainda é proveniente de processamento primário. A Amazônia é fornecedora de produtos primários. As indústrias de cosméticos e outras, com exemplos pontuais, ainda procuram desenvolver melhor os benefícios. As populações que participam dessas atividades, dessa rede de cadeias produtivas, se beneficiam mais do que populações que não participam. Bem-estar social e


atuar para se desviar da produção extrativista e “Nunca usamos a contribuir com a região? biodiversidade para um No nosso projeto, começamos com os pés modelo diferenciado de no chão. Desenhamos desenvolvimento” um mecanismo chamado laboratórios criativos da Amazônia. São laboratórios portáteis, itinerantes e montáveis com energia solar, com as tecnologias mais modernas e mais avançadas. O intuito é É deixar de explorar apenas matéria-primas e passar capacitar comunidades para que façam genomas a gerar conhecimento? de espécie, o registro desses genomas e daí, Conhecimento e produtos de valor agregado. Um eventualmente, gerem um enorme valor econômico dos produtos importantíssimos que a Amazônia já no presente. É um modelo disruptivo de mostrar pode gerar para o mundo é conhecimento, sim. O que você pode capacitar comunidades a gerar mundo cada vez mais transforma conhecimento conhecimentos, produtos de alto valor agregado biológico em ativos econômicos. Só que esse e bioindústrias localmente. Estamos buscando conhecimento da biodiversidade tem gerado, apoio financeiro (com fundos de investimento de até agora, pouquíssimo retorno econômico. impacto) para construir os laboratórios. Queremos Então, queremos empoderar a Amazônia com demonstrar que é possível agregar mais valor a conhecimento, ciência e tecnologia, de modo produtos da cadeia do cupuaçu e do cacau, por inovador, e com produtos tangíveis, materiais com exemplo. Lógico que isso tudo tem que estar alto valor agregado, seja na cadeia do açaí, da casado com políticas públicas que favoreçam castanha, do cupuaçu, do cacau ou em centenas sistemas agroflorestais, que favoreçam o subsídio de outras cadeias produtivas. Temos que ir atrás inicial para se implantar um modelo exponencial. desse conhecimento nós mesmos, com instituições e laboratórios avançados. Temos que trazer Então, um dos entraves hoje é o financiamento tecnologia avançada para desenvolver e disseminar dessas iniciativas? esse conhecimento sem nos apropriarmos de nada. É. Para conquistar corações e mentes é preciso Nosso modelo gera conhecimento e bioindústrias. É vencer o entrave do financiamento. um modelo de bioindustrialização, mais do que de industrialização no coração da floresta. Como empoderar a população local e utilizar o conhecimento e a relação que ela tem com a floresta Quais os entraves para o desenvolvimento do como um diferencial? bioconhecimento? Como as empresas poderiam Vamos ter especialistas em capacitação para todo o ciclo digital da cadeia produtiva. Especialistas em prototipagem para testar, estudar e validar sugestões das comunidades locais. O laboratório também terá uma plataforma que, além de ensinar, vai capacitar pessoas dentro da cadeia produtiva. Estamos sonhando com muitos laboratórios que possam realmente conversar e discutir a prototipagem com a população local. Queremos ter pessoas inovadoras associadas aos laboratórios para que desenhem, junto com a comunidade, startups com origem na floresta, mas que possuam um olhar para o explorar pelo explorado, evitando a biopirataria do conhecimento tradicional. Para isso, também estamos desenvolvendo um sistema de registro blockchain, transparente e público. Se alguém quiser usar aquele conhecimento precisará negociar com o gerador do conhecimento. Queremos envolver universidades das cidades qualidade de vida só são possíveis através de empregos de qualidade. Nosso modelo empresta muito do conhecimento observado de perto por esses experimentos, mas vai mais longe. O que queremos realmente é desenvolver uma bioindústria mundial brasileira-amazônica, na Amazônia, com bioindústrias de vários tamanhos.

foto por Nareeta Martin em Unsplash

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“Uma pena que ninguém naquela época vislumbrou que o maior potencial econômico era biodiversidade e não simplesmente a substituição da floresta” amazônicas, chamar alunos de graduação, pós-graduação e já formados para mostrar o potencial de gerar bioindústrias com negócios sustentáveis a partir das comunidades. Estimular o empreendedorismo de pessoas das comunidades que já tenham estudado e tenham capacitação para estabelecer um negócio. Aproximá-las do projeto Conexsus e transformar as ideias em negócios. É preciso também políticas públicas que possam ajudar pelo menos por uns dez anos esses projetos a se desenvolverem. Qual a previsão de lançamento do primeiro laboratório e quem são os parceiros da iniciativa? Estamos na fase de arrecadação de recursos de fundações filantrópicas. Temos o projeto do laboratório para a cadeia do cupuaçu-cacau desenhado, financiado pela Instituto Arapuaú, do Guilherme Leal. Já conseguimos financiamento para desenvolver um desenho para a cadeia da castanha, com a WWF, e estamos finalizando o desenho do laboratório avançado para genoma de plantas e animais. Quem está financiando o desenvolvimento amplo do laboratório de genômica, que vamos submeter ao fundo Amazônia, é a Good Energy Foundation, da Suíça. O próximo passo, já com as cadeias do cupuaçu, do cacau e da genômica, é conseguir os recursos para realmente construir os laboratórios. O projeto está ancorado academicamente no Instituto de Estudos Avançados da USP e na ONG Imazon. Já temos uma parceria com a Biotech, centro de inovação de Belém do Pará, e colaboração com a ONG Conexsus, do Valmir Ortega. Em junho foram divulgados os primeiros dados do Inpe de desmatamento em áreas protegidas em 2019, sob o novo governo. Ao que tudo indica, não teremos uma reversão deste quadro nos próximos meses e anos. Qual seria a alternativa? Para esse ano, acho improvável (que haja qualquer recuo). Não existe nenhuma dinâmica política 8

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que possa garantir a reversão dessa tendência. Numa escala de vários anos, é difícil prever. O desmatamento vinha aumentando desde 2015, com uma leve diminuída em 2017. Portanto, a tendência no Brasil não vem exclusivamente do enfraquecimento da política ambiental. Já vinha ocorrendo e fica ainda mais preocupante, sem dúvida. Portanto, é provável que o desmatamento se mostre maior do que no ano passado. Se essa tendência vai se manter durante os quatro anos (do Governo Bolsonaro), ainda não posso afirmar. Porque o movimento de reação contra o enfraquecimento da política ambiental também tem crescido no Brasil e internacionalmente. Começamos a ver até setores que defendem o agronegócio preocupados em perder mercados internacionais. Um cenário de maior crescimento econômico aumenta o desmatamento? Ou não existe essa relação? De 2004 a 2012, o Brasil teve picos de crescimento. O maior PIB em décadas foi em 2010, um ano de pleno emprego. Durante todo esse período, a produção agropecuária se multiplicou e o desmatamento despencou. Isso mostra claramente que os sistemas são desacoplados. Não existe relação direta entre desmatamento e crescimento econômico. Isso já está bem demonstrado e o Brasil tem o melhor exemplo. Em outros países tropicais também. A Indonésia diminuiu o desmatamento de palma nos últimos dois anos e aumentou brutalmente a produção. Até porque a produtividade agropecuária na Amazônia é tão baixa que há a possibilidade de dobrar ou triplicar a produção nas áreas já desmatadas. O que então justifica esse aumento? O aumento do desmatamento faz parte da dinâmica do pensamento racional econômico, de aumentar a lucratividade. Só que o histórico do desmatamento amazônico nunca teve nada a ver com isso. Está muito associado a um modelo de posse de terra e não a um modelo econômico de produtividade. Nos anos 70, foi um movimento puramente geopolítico, no então regime militar, de ocupação territorial. O desmatador era obrigado a mostrar que tinha desmatado 50% da propriedade e não tinha preocupação com que utilidade. Só depois dos anos 90, no governo Fernando Henrique, começou um avanço, quando foi consolidada a proteção de 80% das áreas de floresta na Amazônia. Ali começou a existir uma dinâmica muito associada ao crime organizado. Desmatar passou a ser crime•


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Guia do hackathon por Dubes Sônego HACKATHON

RH

TECNOLOGIA

MARKETING

Definição de um objetivo claro, atenção na elaboração do regulamento e uma boa curadoria dos participantes são alguns dos pontos fundamentais para o sucesso do evento

Os

hackathons podem parecer, aos olhos de muitos que observam de fora, uma reunião de nerds programadores movida a pizzas e bebidas energéticas. No entanto, atualmente os eventos do tipo vão muito além do estereótipo e ocupam espaço crescente na agenda de grandes companhias, escolas e universidades, no Brasil e lá fora. Apenas no ano passado, foram realizados 5,6 mil hackathons, públicos e corporativos, em todo o mundo. De acordo com levantamento, realizado pela Hackathon.com, maior comunidade online de hackathons do mundo, o número representa um aumento de mais de 40%, na comparação com 2016. Um dos principais motivos é a versatilidade dos eventos do tipo. Além de serem úteis no processo de pesquisa, desenvolvimento e teste de novos produtos, vêm sendo usados para recrutamento e seleção de novos talentos, colaboração com startups, projeção do posicionamento tecnológico da empresa no mercado (seus valores e sua cultura voltada à tecnologia), melhora do relacionamento entre as equipes de diferentes departamentos e a reciclagem de executivos em novas tecnologias, entre outras finalidades. “A principal vantagem é a mudança de mentalidade dentro da empresa, a possibilidade de troca de informações, o contato com novas tecnologias e a oportunidade de testá-las”, diz Rodrigo Terron, presidente da maior empresa de organização de hackathons do país, a Shawee. No Brasil, segundo levantamento feito por Terron, foram realizados cerca de 200 eventos do tipo.

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O que é um hackathon? Hackathons são maratonas de soluções de problemas, nas quais competem grupos de profissionais como programadores, designers e engenheiros, entre outros. Normalmente, os eventos do tipo são realizados aos finais de semana e duram de 24h a 48h. Ao final, as soluções são submetidas a um júri, responsável pela seleção dos vencedores.

Companhias como Globo, Itaú, Ultragaz, Elo e Uber, já estão usando. O tamanho dos eventos, o custo e o modelo, podem variar de acordo com a empresa e o objetivo do hackathon. Mesmo um grande hackathon, porém, a recomendação é de não passar de 150 participantes. O número ideal, avalia Terron, fica entre 40 e 45 pessoas. “Costumo dizer que hackathon é como casamento. Pode ser mais íntimo e barato, ou muito grande e muito caro”, afirma Terron. “Um hackathon corporativo bacana, ‘com flores’, custa por volta de R$ 120 mil. Um menor, pode custar a partir de R$ 70 mil, R$ 80 mil. Já fiz de R$ 30 mil a R$ 500 mil. O valor, porém, depende também do porte e do prestígio da empresa no mercado”. O tamanho da empresa, no caso, leva a expectativas maiores dos participantes e a exigência de investimentos maiores. A mesma lógica vale


Os 3 tipos principais de hackathon Hackathon 2B2

As participantes são startups interessadas em estabelecer relacionamento comercial com empresas maiores e já estabelecidas. Quem entrega o melhor protótipo, abre caminho para uma prova de conceito (PoC).

Hackathon interno

Restritos a profissionais de uma única empresa, são desenhados para encorajar a criatividade, por em prática processos inovadores e treinar equipes em novas tecnologias.

Hackathon de recrutamento

Servem para a seleção de talentos em determinadas habilidades, por exemplo.

Companhias como Globo, Itaú, Ultragaz, Elo e Uber, já estão usando para a premiação, que precisa ser aderente. Por outro lado, quem é grande tende a ter facilidade para fechar parcerias para baratear os custos, outra boa prática na realização de hackathons. Confira a seguir mais algumas dicas de Terron e de outras duas empresas do ramo, a americana Devpost e a israelense Blee, para quem tem interesse em usar esse tipo de ferramenta de gestão.

PRAZO

A organização de um hackathon leva tempo. Recomenda-se começar com 60 dias de antecedência. Um período de inscrições razoável, por exemplo, varia de 25 a 35 dias. Outros dez dias são necessários para que os candidatos selecionados possam ser avisados a tempo de se programarem para participar.

LOCAL E DATA

A escolha de um local com infraestrutura tecnológica adequada, de fácil acesso ao sistema de transporte público é considerado fundamental

para que as pessoas participem. A Devpost recomenda ainda a realização somente aos finais de semana, desde que sem feriados e outros grandes eventos coincidindo.

OBJETIVO

A primeira pergunta que se deve fazer é: por que fazer um hackathon? Ter um objetivo claro, nem amplo, nem específico demais, e alinhado aos objetivos estratégicos da empresa, é fundamental. Saber que não se trata de uma fábrica de produtos, também. “Há uma mentalidade no mercado de que a empresa vai dar pizza para os desenvolvedores e ficar com o resultado do que vão produzir”, diz Terron. “No Vale do Silício, por exemplo, quem desenvolve costuma ficar com o produto”.

INTEGRAÇÃO INTERNA

O ideal é envolver diversos departamento em um mesmo hackathon. Até porque os custo são altos e a natureza do evento permite objetivos casados. A área de comunicação pode aproveitar para dar visibilidade ao posicionamento tecnológico da empresa; o RH pode selecionar talentos e treinar pessoas; a área de tecnologia pode aproveitar para divulgar e levar desenvolvedores parceiros a testar novas APIs, e o comercial pode convidar potenciais clientes, entre outros exemplos.

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Fonte: Corporate Hackaton - 2018-2019 Trends

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519

Estados Unidos

Inglaterra

Canadá

Brasil

França

A capacidade de atrair participantes depende do relacionamento prévio da empresa com o ecossistema de inovação (universidades, aceleradoras, startups). Quem não tem, ou chama quem tem para ajudar, ou correr o risco de ficar sem candidatos. Se tudo for feito corretamente, a demanda será maior que a oferta de vagas e será possível escolher a combinação de perfis adequada.

PARTICIPANTES

A curadoria dos participantes é outra etapa fundamental. É preciso garantir diversidade racial e de gênero e um ambiente de tolerância para que possam surgir ideia mais diversas, diz Terron. “Assim funciona muito melhor”. Outro erro comum é selecionar só profissionais experientes. Isso porque tecnologia é uma área muito dinâmica e o evento, |

Austrália

195

DIVULGAÇÃO

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Alemanha

200

REGULAMENTO

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247

O regulamento é a alma do evento e precisa ser muito bem trabalhado. Isso nem sempre acontece. “Muitas empresas copiam e colam o regulamento de outros eventos”, afirma Terron. Mas nem sempre o que serve para um, serve para outro. É preciso envolver o jurídico e pensar em tudo antes. Quais as regras, por exemplo, sobre quem fica com o produto do hackathon? Se for do desenvolvedor, a empresa tem ou não preferência de compra? Pode ou não vetar a venda a concorrentes? Segundo a Devpost, a comunicação clara dos critérios de avaliação ajuda as equipes a desenvolverem soluções mais adequadas ao objetivo.

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em si, tem caráter educativo. “O ideal é que entre 30% e 40% dos inscritos nunca tenham participado de um hackathon antes”, diz Terron.

PRODUÇÃO

Contratar facilitadores e profissionais de eventos ajuda a evitar erros como, por exemplo, a oferta de wifi de baixa qualidade, a falta de tomadas ou a escolha de um lugar distante e de difícil acesso para o hackathon. Aos facilitadores cabe quebrar o gelo em momentos em que pode haver impasse, como na formação das equipes. A Blee recomenda ainda a disponibilização de ao menos três mentores para orientar os grupos: um para tirar dúvidas das equipes sobre o problema a ser resolvido, um de perfil técnico para dizer que soluções técnicas são viáveis e um, de negócios, para alinhar as soluções propostas aos objetivos de negócios da empresa.

ALIMENTAÇÃO E CONFORTO

É desaconselhável entupir os participantes de pizza e energético. Para garantir uma boa experiência aos participantes, o mais recomendado é a criação de uma área de descanso e a oferta de opções variadas de alimentação, inclusive para quem é vegano ou alérgico a alguns tipos de alimentos.

BANCA JULGADORA

O cuidado com os juízes é igualmente importante. Não se deve chamar um diretor que não sabe nada de tecnologia só por política interna, diz Terron. Também é preciso ter gente com perfis diversos. Segundo a Devpost, bons juízes, com credibilidade no mercado, ajudam a atrair participantes•


Hackathons públicos x privados Total em 2018: 5.636 eventos

64%

36%

Públicos

Privados

Perfis predominantes

Profissionais de Marketing

9% Cientistas de dados

6%

18%

38%

Desenvolvedores

Engenheiros

Habilidades tecnológicas mais comuns 25

21%

20

16% 12%

15

10

5

IA

VR/AR

IoT

11%

Segurança

9% Blockchain

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TRANSFORMAÇÃODIGITAL

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Nova tecnologia, apontada como uma das mais promissoras da revolução digital em curso, ainda engatinha. Mas as aplicações já testadas pelo mercado dão uma ideia do potencial do que vêm por aí e indicam caminhos a serem seguidos

por Dubes Sônego

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A real do Blockchain

A

tecnologia blockchain completa dez anos em 2019 descendo a ladeira do hype da famosa curva de Gartner, que indica o estágio de adoção de novas tecnologias. Ganhou destaque inicialmente com as criptomoedas, como o Bitcoin, hoje em baixa, e, aos poucos, passou a ser vista como revolucionária para uma série de outras aplicações, em diversas áreas. Ainda é considerada imatura e difícil de escalar. Mas as perspectivas que abre fazem com que seja vista por consultorias de tendências como uma das dez tecnologias estratégicas para 2019. Segundo a própria Gartner, o blockchain tem potencial para alcançar US$ 3,1 trilhões em criação de valor para os negócios, por volta de 2030. Por isso, recomenda aos executivos de inovação que comecem a usar a tecnologia para explorar iniciativas de negócios estratégicas. Sempre com cautela, a partir da avaliação do que existe de concreto.

Blockchain é uma arquitetura com muitas aplicações. As criptomoedas são apenas uma delas O momento atual do mercado é de ebulição de primeiros esforços e diversificação de projetos, avalia Rosine Kadamani, co-fundadora da Blockchain Academy, iniciativa pioneira de educação com foco em blockchain e bancos de dados distribuídos no Brasil. “Algumas empresas já perceberam que pode ser interessante e estão tentando fazer alguma coisa. Ou, já perceberam e ainda não começaram a fazer, mas pretendem começar este ano”, afirma. Com base nas pesquisas mais recentes sobre o assunto, do final do ano passado, Rosine diz que o valor médio dos projetos deve variar entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões, em setores como a indústria automotiva, de saúde e de transformação. “É a expectativa”, diz.

Rosine Kadamani - Blockchain Academy

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Carlos Henrique Duarte, diretor técnico (CTO) de blockchain da IBM Brasil, tem visão semelhante. Segundo o executivo, nos últimos dois anos, criou-se muito barulho ao redor do assunto no mercado, com eventos e empresas querendo experimentar a tecnologia. Com isso, avalia, hoje já há alguma maturidade no meio corporativo. Um dos indicadores é a existência de casos de uso mais consolidados e o entendimento das aplicações possíveis. Outro é a percepção de que blockchain e criptomoedas são coisas distintas. “Blockchain é uma arquitetura com muitas aplicações. As criptomoedas são apenas uma delas”, diz.


Marco Righetti - diretor de tecnologia e inovação da Oracle América Latina

Há, contudo, alguns segmentos do mercado mais adiantados, afirma Duarte. Os bancos são talvez o melhor exemplo. Desde 2015, estudam o assunto e testam a tecnologia, de forma isolada ou em conjunto, através de associações como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Outros segmentos importantes que vêm experimentando com blockchain são os de alimentos e logística. Para este ano e o próximo, diz o executivo, o mercado pode esperar a criação de novas redes, por grandes empresas, muitas delas pressionadas em seus mercados por novos entrantes, ágeis e atualizados tecnologicamente. “Tem muita gente que ainda está no começo da jornada? Tem. Tem muita gente ainda desconfiando que é apenas mais uma moda, um hype? Tem”, avalia. “Mas caminha para a maturidade”.

“Tem muita gente que ainda está no começo da jornada? Tem. Tem muita gente ainda desconfiando que é apenas mais uma moda, um hype? Tem. Mas caminha para a maturidade”

Na unidade brasileira da Oracle, onde recentemente foi criado um laboratório de inovação, o movimento de empresas em busca de validação da blockchain em seus negócios tem sido intenso, afirma Marco Righetti, diretor de tecnologia e inovação da Oracle América Latina. São, em geral, operadores logísticos, varejistas e empresas de manufatura, diz. Mas, por ora, estão mais investigando para “ver se aquilo faz sentido ou não”. “A perspectiva de curto prazo é ver alguns pilotos, até para investigar se há retorno de investimento, ou não. Muito nessa linha. Em um ano, dois anos, já vejo coisas práticas”, afirma Righetti. “A parte legal do blockchain é que é uma tecnologia de inovação. Não exige investimento muito alto para experimentar. Dependendo o projeto, dá pra começar com alguns milhares de dólares”. Outro desafio que deverá se impor em breve ao mercado, além do da experimentação e compreensão do uso da nova tecnologia, é o da interoperabilidade das redes de blockchain. Hoje, há diferentes padrões em uso. Entre os mais famosos, estão nomes como Ethereum, R3 Corda, Ripple, Quorum, Hyperledger Fabric, EOS e OpenChain. Cada um tem um protocolo e um “sabor” diferente, uma aplicação para a qual é mais indicado. Por isso, Duarte, assim como a maioria dos especialistas, diz não acreditar que apenas um prevaleça. Em algum momento, as redes blockchain, criadas sobre diferentes padrões, vão precisar conversar, e terá que surgir uma J U L H O, 2 0 1 9 | 1 7


“rede de todas as redes” -- os esforços para que isso aconteça estão ainda começando, através de iniciativas como Polkadot e Hacera. “Mas mais importante que as questões técnicas são as soluções, o que cada blockchain resolve. Como na internet, ninguém mais fala hoje de TCP-IP. Se fala é das aplicações: Spotify, Airbnb, Facebook. Esse momento vai chegar, na medida que as soluções surgirem”, diz. A The Funnel Brasil levantou uma série de aplicações de blockchain em fase comercial ou em estágio avançado de testes, que podem servir de referência para quem está começando a se inteirar do assunto. A seguir, há também uma breve apresentação das diferenças entre os diferentes tipos de blockchain e alguns dos principais

Dez dos mais populares protocolos de blockchain no mercado

protocolos em uso no mercado.

Blockchain X distributed ledger technology (DLT) As duas coisas costumam ser tratadas pelo mesmo nome, blockchain. Mas há diferenças

Muita gente trata blockchain e registro distribuído (Distributed Ledger Technology, ou DLT, na sigla em inglês) como a mesma coisa. Há diferenças. Mas há também boas razões, principalmente comerciais, para que sejam “empacotados” da mesma forma, apenas como blockchain. O blockchain é um tipo de DLT que se tornou imensamente popular na esteira da euforia com o Bitcoin, sua primeira -- mas não a única --, aplicação. Os dois conceitos são difíceis de explicar para quem é leigo. É mais simples, para quem vende a tecnologia como solução, mostrar para que funcionam e ressaltar as características comuns. Um DLT é um banco de dados armazenado de forma distribuída, em uma rede peer-to-peer (P2P), que dispensa uma autoridade central mediadora. Cada computador da rede é considerado um nó, encarregado de guardar uma cópia do banco de dados idêntica a dos demais nós. Quando uma nova informação é incluída em algum ponto da rede, um algoritmo se encarrega de validá-la, gravá-la e distribuí-la a cada um dos computadores, para que todos tenham uma cópia atualizada. A segurança é garantida por criptografia e assinaturas digitais. Em um blockchain (cadeia de blocos), cada novo lote de informações, criado a intervalos regulares de tempo, é reunido em um bloco criptografado, que será ligado aos anteriores, em ordem cronológica. Para quebrar o código de um e alterar informações, é preciso quebrar a criptografia de todos, o que torna a tarefa quase impossível. No blockchain, as regras da rede também costumam ser definidas por um grupo mais amplo e aberto de participantes que nos DLTs. Entre as DLTs mais conhecidas, estão R3 Corda, formada por um consórcio de grandes bancos; já entre os blockchain, o Ethereum é um dos mais conhecidos. Nesta reportagem, assim como boa parte do mercado, tratamos todos os DLTs como “blockchain”.

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O Santander foi o primeiro banco no Brasil a lançar um serviço de remessa internacional de valores baseado em blockchain. O One Pay FX, como foi batizado, chegou ao mercado em abril de 2018 e, inicialmente, permitia apenas o envio de libras esterlinas para a Inglaterra. Hoje, pessoas físicas já podem usá-lo também para remessas em euros, para toda a Europa, e há planos de expansão. Até o final do ano, o serviço será aberto ao dólar americano e a pequenas empresas, diz Alessandro Farias, superintendente de produtos de tesouraria do Santander. Com isso, o percentual das remessas feitas pelo Santander via blockchain, hoje em 50%, deverá encostar em 100%. O serviço, ao menos por ora, é gratuíto. Para quem usa, além do preço, a principal vantagem é o tempo. Pelo sistema tradicional, uma remessa leva no mínimo dois dias para chegar ao destino. Com o One Pay, pode ser feita em menos de duas horas. O desafio agora, afirma o executivo, é conseguir encurtar o prazo quando o destinatário final tem conta em outros bancos. Sobre esta última etapa, afirma, o Santander não tem controle. “Os problemas vão ficando mais evidentes e, com O serviço, ao menos o tempo, serão por ora, é gratuíto. resolvidos”, afirma Farias. Para quem usa, “Internamente, além do preço, a está funcionando super bem”. principal vantagem

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BTG PACTUAL

é o tempo

Mesmo sem o respaldo de uma regulamentação brasileira, em fevereiro, o BTG anunciou o lançamento de uma criptomoeda (security token) com lastro em imóveis recuperados, subvalorizados. A ReitBZ só poderá ser comprada lá fora. Mas os ativos que representa estão localizados em áreas urbanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os ganhos com a vendas dos imóveis, depois de desembaraçados e valorizados, serão distribuídos aos donos dos tokens, segundo a empresa. A captação inicial será de US$ 15 milhões. O banco também anunciou que vai fomentar o mercado secundário para garantir liquidez ao token. A principal vantagem do uso do blockchain para o lançamento é a combinação de baixo custo e o alcance global. “Eu não consigo vender um fundo imobiliário para um investidor em Singapura. Com o blockchain, isso é possível”, disse o sócio do BTG, André Portilho, ao site Seu Dinheiro, de investimentos pessoais. O banco já estuda outros lançamentos.

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foto por Markus Spiske em Unsplash

SANTANDER

IBM

Uma das empresas mais ativas no mercado de soluções blockchain, a IBM dá suporte a clientes que querem colocar de pé projetos independentes, mas também aposta na criação de redes gerenciadas por ela própria, às quais outras empresas podem se integrar. Os dois principais exemplos são a Food Trust, para rastreabilidade de alimentos, e a Trade Lens, de logística. Ambas têm alcance global. O objetivo da primeira, afirma Carlos Henrique Duarte, líder de tecnologia blockchain na IBM Brasil, é reduzir os custos do recall de alimentos. Com a tecnologia blockchain, é possível rastrear todo o caminho percorrido pelo alimento, desde a saída da fazenda até a gôndola. Um dos cases no Brasil, em 2017, foi um piloto para com carne suína da BRF em lojas do Carrefour. A rede varejista francesa e a Nestlé anunciaram adesão à Food Trust, globalmente, este ano. Ao todo, já são cerca de doze empresas. A segunda rede, criada em parceria com a Maersk, uma das maiores companhias de logística do mundo, foi idealizada em 2016 para facilitar a digitização (digitalização e automatização de processos) aduaneira e o transporte de cargas. Além de eliminar papéis, permite a integração com outras tecnologias, como IoT (internet das coisas), para que seja possível monitorar, por exemplo, a temperatura de um contêiner refrigerado e seu local, em tempo real, de ponta a ponta do trajeto, diz o executivo. Além de empresas, a Trade Lens é integrada por instituições como entidades alfandegárias e portos. No caso brasileiro, diz Duarte, já conta com os portos de Pecem e Itajaí, e há conversas com o Ministério da Agricultura e com a Receita Federal. J U L H O, 2 0 1 9 | 1 9


Assim como IBM, Tivit e Rhizon, a Oracle é fornecedora de serviços em blockchain para o mundo corporativo. Um de seus principais clientes na área é a CargoSmart, desenvolvedora de softwares para gestão de expedição de cargas com sede em Hong Kong. No ano passado, a empresa anunciou a formação de uma rede blockchain para digitalizar e agilizar todo o trâmite burocrático do transporte de contêineres, do embarque ao destino final. No momento do lançamento, o consórcio, batizado Global Shipping Business Network, contava com a participação de nove das maiores companhias de logística marítima internacional e operadores portuários, entre os quais a Cosco Shipping Lines, a Yang Ming e o Shanghai International Port. Em outros dois projetos, um com a italiana Certified Origins, e outro com a inglesa Circulor, a tecnologia blockchain é usada para rastrear a origem de alimentos e minerais. No primeiro caso, garante a procedência de azeites produzidos na Toscana, do produtor até o consumidor final. No segundo, cobrindo toda a cadeia de produção, permite saber se as matérias primas usadas em aparelhos eletrônicos vieram ou não de alguma região de conflito ou com uso de trabalho escravo.

Cobrindo toda a cadeia de produção, permite saber se as matérias primas usadas em aparelhos eletrônicos vieram ou não de alguma região de conflito ou com uso de trabalho escravo 20

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TIVIT

foto por Chuttersnap em Unsplash

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ORACLE

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Envolvida com o assunto desde 2016, a Tivit tem dois projetos baseados em blockchain em estágio avançado. Um é um sistema de registro de entregas de produtos e serviços, voltado principalmente ao mercado corporativo. Usa IoT (internet das coisas) para coletar e registrar automaticamente em blockchain uma série de dados que, quando necessário, podem ser consultados através de um aplicativo. O cliente em teste é uma cimenteira que precisava garantir que os dados registrados no mundo virtual correspondiam ao mundo real, diz Robson Rocha, executivo sênior de soluções de tecnologias emergentes da Tivit. O local e o horário de entrega, por exemplo. Uma vez que fornecedor e cliente aceitam a validade da tecnologia, a vantagem é a possibilidade de evitar questionamentos, hoje comuns no mercado, quanto ao que foi combinado em contrato, diz o executivo. O segundo projeto é um sistema de verificação de identidade, com foco no varejo, que deve entrar em fase comercial no segundo semestre. Em vez de levar os documentos a uma loja, ao cliente final poderá se cadastrar em um aplicativo com dados básicos, como CPF, nome, e-mail e uma foto. Com base nessas informações, o sistema fará uma busca em redes sociais e bases públicas de dados para comprovar se a pessoa é mesmo quem diz ser. Se for, remunera o cliente final de acordo com o número de consultas feitas pelos varejista ao seu perfil.


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CARTÓRIO AZEVEDO BASTOS

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SERPRO

O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), maior empresa pública de tecnologia da informação do Brasil, estuda blockchain desde 2016. A aplicação em estágio mais avançado, porém, é um sistema de compartilhamento de informações de contrato de compras governamentais, do qual fazem parte atualmente o Banco do Brasil, a própria Serpro e a Caixa Econômica Federal. Uma das aplicações é a pesquisa de preços para balizar novas compras. Antes, o processo era todo manual e podia levar até 40 dias, diz Marco Tulio da Silva Lima, gerente de produto blockchain na Serpro. Com o sistema criado pela Serpro, o processo é quase instantâneo. Basta digitar o item em uma caixa de texto parecida com a do Google para receber o preço médio, calculado com base nas informações disponíveis. Iniciada no ano passado, a rede já é capaz de varrer todos os contratos de compra realizados pela área de TI das três instituições integradas a ela. A ideia agora, diz Lima, é ampliar o número de áreas cobertas e a própria rede, com a adesão de mais instituições. Segundo o executivo, já há conversas como BNDES e com o Tribunal de Contas da União (TCU), que poderia usar o sistema para fazer auditorias em tempo real.

“Antes, o processo era todo manual e podia levar até 40 dias [...]. Com o sistema criado pela Serpro, o processo é quase instantâneo”

Em atividade desde 1888, o Cartório Azevedo Bastos, de João Pessoa, já oferecia o serviço de autenticação digital de documentos desde 2004. Mas limitações tecnológicas e de custo restringiam a atuação ao mercado corporativo. Para oferecer a opção também para pessoas físicas, o cartório fechou parceria com a OriginalMy, em 2018. A startup, pioneira no registro de documentos em blockchain no Brasil, é capaz de certificar de forma barata, com o blockchain, que uma pessoa é quem diz ser. Era o principal entrave para o cartório. Com isso, os documentos registrados na OriginalMy passaram a poder ser certificados também pelo Azevedo Bastos. O serviço, em muitos casos, acaba com a necessidade de se ir pessoalmente a um cartório. “Nosso serviço funciona como uma apólice de seguro para o serviço de registro da Original My”, diz Válber Azevedo de Miranda Cavalcanti, titular do cartório, que diz enfrentar agora oposição de outros cartórios não digitais.

A startup, pioneira no registro de documentos em blockchain no Brasil, é capaz de certificar de forma barata, com o blockchain, que uma pessoa é quem diz ser

Válber Azevedo de Miranda Cavalcanti, titular do Cartório Azevedo Bastos

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foto por McCutcheon em Unsplash

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BEETECH

Assim como o Santander, a Beetech criou um sistema para o envio de remessas ao exterior usando blockchain, o Remessa Online. O serviço foi para o ar em 2018 e, segundo Tatiana Delgado, líder da área de desenvolvimento de negócios corporativos, permitiu a startup entrar na briga pelo mercado de baixos valores, onde atuam empresas como a Western Union. Até então, o custo, com o sistema tradicional, era proibitivo. Segundo ela, a empresa já chegou a cobrar R$ 50 por um envio. Com o blockchain, o valor caiu para R$ 5,90, em caso de remessas de menos de US$ 1,5 mil. Acima desse valor, não há cobrança. O prazo também foi reduzido de, em média, três a cinco dias, para até 24 horas. O serviço hoje está disponível para a Europa, mas a perspectiva é de expansão para outros mercados, afirma.

Tatiana Delgado, líder de desenvolvimento de negócios corporativos

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RHIZOM

foto por Anastasia Dulgier em Unsplash

Em fase de lançamento comercial, e baseada em um protocolo blockchain escrito 100% do zero no Brasil, a Rhizom tem como principal apelo a escalabilidade. Segundo a empresa, as redes construídas sobre a sua tecnologia são capazes de realizar 100 mil transações por segundo, quatro vezes mais que uma grande operadora de cartão de crédito. Além do protocolo e da venda de uma plataforma de blockchain como serviço, a empresa montou quatro aplicações próprias para acelerar os negócios. São redes voltadas à indústria alimentícia, ao terceiro setor, ao mercado de arte e à indústria criativa. Segundo Luciano Britto, co-fundador e CEO da Enfants Creative, desenvolvedora de softwares que banca o projeto, há conversas em curso também para redes nas áreas imobiliária e de seguros.

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A Dynasty nasceu no Brasil e cedo mudou a sede para a Suíça, por questões regulatórias. O produto idealizado por seus criadores é uma criptomoeda com valor lastreado em ativos reais. No caso, US$ 500 milhões em imóveis comerciais, em diversos países. Além de o preço da carteira imobiliária balizar o preço do DYN, nome dado à criptomoeda, seu detentores receberão o rendimento dos aluguéis. Segundo Fabio Asdurian e Eduardo Carvalho, fundadores do negócio, está tudo pronto para o lançamento. Só falta o sinal verde das autoridades suíças, que vêm adiando a regulamentação. A expectativa inicial, era de que saísse no ano passado, diz Asdurian. A nova, é de que sai até o fim de 2019. Bancando-se com os 3 milhões de francos suíços de três aportes, a Dynasty está com tudo pronto, afirma. “Assim que a atividade for regulada, sermos provavelmente o primeiro token a ser listado na bolsa Suíça”, diz

foto por Lily Banse em Unsplash

DYNASTY

Asdurian. Enquanto espera pela regulamentação, a Dynasty dá suporte a outras startups interessadas em adotar modelos de negócios semelhantes. Uma delas é a Ampere. O produto vendido, em essência, é muito parecido. Mas, em vez de imóveis, a Ampere pretende investir em projetos de energias renováveis no Brasil e remunerar os investidores com a receita gerada por eles•

Destaques

1% 8% 77%

É o quanto a Gartner estima que o blockchain vai criar em valor para os negócios, por volta de 2030.

dos CIOs que responderam a pesquisa da Gartner de 2018 afirmaram que já adotaram algum projeto em blockchain.

dos CIOs entrevistados no mesmo estudo da Gartner disseram que planejam executar um piloto com a tecnologia, no curto prazo.

dos executivos de inovação disseram à Gartner que suas companhias não têm interesse na tecnologia, nem planos de explorá-la e adotá-la

Fonte: Gartner

US$3,1 trilhões

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As lições de uma unicórnio por Dubes Sônego foto: Divulgação ESTRATÉGIA

DESIGN

STARTUPS

LOGISTICA

Ascensão da Rappi no Brasil deixa ensinamentos importantes de estratégia e inovação

A colombiana Rappi, que tem no Brasil uma de suas principais bases de operação, recebeu recentemente o maior investimento já feito em startups na América Latina. O aporte, de US$ 1 bilhão, liderado pelos japoneses do Softbank, foi o dobro do valor captado no final do ano passado pelos concorrentes do iFood, até pouco tempo atrás reis do mercado brasileiro de entregas, que tende, agora, a ganhar novo ritmo e dinâmica -- o aporte recente de US$ 150 milhões do Softbank na Loggi já é um sinal disso. É uma história de rápida ascensão, da qual tanto startups quanto empresas tradicionais em processo de transformação digital podem tirar importantes lições de negócios. The Funnel Brasil ouviu professores de três grandes escolas de negócios para entender algumas delas. Para Guilherme Fowler, especialista em design de estratégia e empreendedorismo, professor associado do Insper, a primeira lição do caso da Rappi é a de que encarar grandes problemas estruturais como oportunidades, e não como entraves, pode ser um excelente negócio. É, em essência, o que a Rappi faz ao economizar o tempo de um de seus principais grupos de usuários, os que compram produtos através da plataforma, afirma o professor. “É inverter a lógica. Não é que eu tenho um problema de logística. O problema de logística é a oportunidade que o Rappi ataca”, afirma. As empresas e empreendedores que têm mais sucesso atualmente, avalia, são justamente as que fazem isso muito bem. “Os que eventualmente vão

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para o Vale do Silício, se inspiram naquele ambiente e tentam transplantar para cá toda aquela ideia sem entender que é preciso adaptá-la à realidade local, são os que mais se frustram”, diz o professor. “A mentalidade de inovação é global, mas é preciso ter essa adaptação à realidade local”. Edson Barbeiro, professor da Saint Paul Escola de Negócios, concorda com a avaliação. “Inovação é a solução de uma ou de várias dores. O empreendedor tem que ir ao encontro de dores”, afirma. “Isso pode parecer óbvio, mas não é. Muitas vezes, as grandes empresas funcionam só para as próprias burocracias, centradas em si mesmas”, diz o professor. No caso da Rappi, são quatro públicos atendidos. Além de oferecer conveniência a quem compra produtos através do aplicativo, a empresa permite que grande número de pessoas, mesmo com baixa qualificação, tenha algum tipo de renda por conta própria, em um momento em que o país vive altos índices de desemprego, diz Barbeiro -- que ressalta, no entanto, as possíveis consequências negativas para a imagem da empresa, no longo prazo, de um

“A mentalidade de inovação é global, mas é preciso ter essa adaptação à realidade local”


modelo de negócios em que a baixa remuneração por trabalho leva a longas e extenuantes jornadas, em condições de estresse e risco, como as do trânsito das grandes cidades. A Rappi atende ainda varejistas e restaurantes, que têm acesso a um canal de venda com milhares de usuários sem se preocupar com equipes próprias de entrega. E grandes marcas de produtos de consumo que requerem reposição ou recarga rotineira, como comida e produtos de limpeza. “Em uma sociedade que se urbaniza, com trânsito e tempo escasso, passa a ser uma oportunidade entregar não apenas pizzas”, diz Barbeiro.

afirma. No modelo de plataformas, como é o da Rappi, o valor vem da qualidade dos participantes e do sistema de governança, que permite que as pessoas utilizem os seus próprios recursos para gerar valor para a empresa. “No caso do Rappi, o benefício para os clientes, o valor gerado, são os matchs. A partir da utilização de inteligência artificial ou tecnologia, a empresa é capaz de fazer uso de recursos que não são os dela”, diz.

“As empresas têm que pensar em como fazer isso da melhor forma”, diz Salusse. Um exemplo atual, continua, é o da Americanas.com. A varejista online montou um marketplace e permite agora que Além de atender a uma demanda latente ampla, qualquer pessoa venda produtos através de seu Barbeiro destaca que a Rappi conseguiu estabelecer site. com o público uma conexão social e cultural forte através de um marketing e um design descolado; Dentro desse contexto, o Rappi tem uma estratégia atrair talentos com uma proposta de valor e muito boa de aquisição de clientes, explica Salusse. um modelo de gestão mais ágil e moderno que Conseguiu entender que as pessoas precisam de o tradicional; conectar-se com o ecossistema conveniência em uma série de trabalhos cotidianos de startups ao seu e foi capaz de identificar redor para se manter serviços que geram valor atualizada; e gerenciar real para os seus clientes “Em uma sociedade que se urbaniza, a relação com e, com isso, muitos com trânsito e tempo escasso, passa investidores, locais matchs entre os diversos e estrangeiros, para públicos da plataforma, a ser uma oportunidade entregar ter fôlego financeiro avalia. Além disso, quando não apenas pizzas” e acelerar o negócio. a plataforma já havia “A Rappi é super adquirido um número conectada, aberta a outras empresas, para ideias, significativo de clientes, expandiu os serviços para a sociedade. Não é só aquela casca superficial, “lateralmente”, de forma rápida, deixando para trás com uns moleques de bermuda. É mudar o jeito rivais como o Uber Eats, diz. de se comunicar, de fazer reuniões, de tomar decisões”, diz. “O camarada que está fechado no O caso da Rappi também mostra, segundo casulo, na burocracia interna, perde a conexão. Não Salusse, que a digitalização é condição para a se inova isolado em uma sala com ar-condicionado competitividade e a exploração de recursos de e cadeira de couro”. terceiros. Empresas tradicionais, afirma, têm grande volume de informações. Mas elas estão Na avaliação de Marcus Salusse, coordenador de espalhadas em diferentes sistemas que dificultam projetos do Centro de Empreendedorismo e Novos ou impossibilitam uma visão integrada dos dados. Negócios da FGV, a principal lição deixada pela Com a transformação digital, as informações rápida ascensão da Rappi é a das vantagens de se podem ser potencializadas através do uso de conseguir fazer uso de recursos que não são do ferramentas de inteligência artificial e análise de próprio negócio. Algo que só é possível, diz, para dados, avalia. “É um processo de transformação de empresas que já deixaram para trás o modelo cultura e de modelo de negócio. Não é só digitalizar tradicional de pipeline e passaram a atuar com o processo. É levar as pessoas a entenderem que o estrutura de plataforma. “A perspectiva é muito maior valor que a empresa pode ter é a informação diferente”, afirma. sobre o comportamento dos clientes. Com isso, é possível a empresa aprender a gerar valor de No modelo pipeline, insumos entram de um lado, formas novas e diferentes”, diz• são transformados e saem como produtos ou serviço. As vantagens competitivas dependem sempre de recursos e competências internas, J U L H O, 2 0 1 9 | 2 5


Injeção Digital por Guilherme Manechini e Dubes Sônego HEALTHTECH

SAÚDE

TECNOLOGIA

Setor de saúde demorou para embarcar na era digital, mas vem acelerando o passo para acompanhar o ritmo de outras indústrias e lidar com os custos e demandas crescentes

H

á cerca de três anos, a rede de laboratórios médicos Fleury, uma das maiores do país, decidiu investir em novas tecnologias através de um programa de inovação aberta e de parcerias. Em busca de referência, colocou US$ 1 milhão, em conjunto com o Sabin, em um fundo israelense de startups. Os resultados práticos da iniciativa começaram a aparecer em abril deste ano. Um dia depois de instalado em caráter de teste, um sistema de detecção automática de casos de embolia pulmonar em exames de imagem, criado pela israelense AI Doc, já apontava o primeiro caso. Pelo sistema tradicionalmente usado pelo Fleury, o exame iria para uma grande biblioteca de imagens, onde aguardaria a vez de ser analisado por um radiologista. Com a nova tecnologia, no entanto, foi varrido por um software de inteligência artificial antes de ir para o fim da fila. Os radiologistas receberam um alerta no computador e priorizaram o caso. Em 20 minutos, o laudo estava pronto. “Normalmente, levaria pelo menos uma hora”, afirma Gustavo Meirelles, gestor médico de radiologia, estratégia e inovação no Grupo Fleury. Agora existe a possibilidade de que, com a contratação

Guilherme Hummel

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efetiva da startup, o sistema seja explorado também para a detecção de outros problemas, como fraturas, sangramento cerebral e pneumonia, em toda a rede do Fleury, diz o executivo. A adoção de novas tecnologias no dia a dia no laboratório e em outras empresas de saúde é sintomática de um processo amplo de transformação. O setor foi um dos últimos a entrar na era digital. Até a virada do milênio, tudo era feito em papel e, a comunicação, presencial, diz Guilherme Hummel, autor de livros sobre transformação digital no setor de saúde e curador do fórum de inovação da feira Hospitalar, uma das maiores do país na área. “Havia pouca tecnologia embarcada dentro das várias cadeias de saúde, fossem hospitais, planos de saúde ou o Estado como provedor do serviço público”, afirma. Mas isso está mudando rápido com o impulso de bilhões de dólares em capital de risco na área, que dão fôlego a startups e forçam empresas tradicionais a se mexerem para não perder espaço, avalia. Em 2018, o setor de saúde foi o segundo que mais recebeu dinheiro de investidores do tipo, segundo o relatório Money Tree, elaborado pela PwC e pela CBInsignts - o primeiro foi a internet. Só nos Estados Unidos, foram US$ 8,6 bilhões. O número representa um aumento de 21% em relação à 2017, e três vezes mais que os cerca de US$ 2 bilhões de 2013. Para este ano, a tendência é de novo crescimento. Apenas no primeiro trimestre, a indústria já atraiu quase metade do valor do ano passado inteiro, US$ 4,2 bilhões. No Brasil,


Meirelles calcula que os aportes somaram mais de US$ 1 bilhão, e também estão em alta. “Isso é muito mais do que recebemos nos últimos cinco anos”, diz o especialista. “O setor de health é uma das grandes apostas de crescimento aqui no Brasil”, afirma Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). “É um segmento que constantemente precisa de novas soluções tecnológicas. E o Brasil é o maior mercado de saúde da América Latina, e o sétimo maior mercado de saúde do mundo, com mais de US$ 42 bilhões gastos anualmente em cuidados de saúde privados. Com um mercado tão aquecido e carente de soluções de base tecnológica para suprir suas necessidades, vemos crescer nos últimos anos, as startups com produtos e serviços voltados à vertical de saúde”. O que está por trás dessa torrente de capital, e das transformações geradas por ele, são duas tendências com poucas perspectivas de mudar. A primeira é o envelhecimento população e busca por maior longevidade em um momento de crescimento dos mercados emergentes. Desde 2000, a expectativa de vida no mundo aumentou 5,5 anos, para 72 anos. Com as pessoas vivendo mais tempo e mais gente tendo acesso à saúde, subiram também o número de casos de doenças crônicas e a inflação no setor de saúde. Os gastos vêm crescendo acima do PIB no mundo inteiro e a previsão é de que superem os US$ 10 trilhões, em 2022 - em 2017, eram de US$ 7,7 trilhões, segundo o relatório 2019 Global Health Care Outlook, da Deloitte.

“O setor health é uma das grandes apostas de crescimento aqui no Brasil”

Amure Pinho - presidente da Associação Brasileira de Startups

A segunda tendência é o aumento da conectividade e o surgimento de novas tecnologias, como big data e inteligência artificial, que permitiram a emergência de soluções inovadoras, em geral mais eficientes, baratas e com potencial de escala. Na área de saúde, um dos marcos desse novo movimento foi a criação do CRISPR, uma técnica de mapeamento e edição do DNA, em 2012. “O CRISPR talvez seja o grande indicador dessa convergência entre a capacidade de obtenção de dados, via exames de imagem, análise de sangue e mapeamento do genoma, com os avanços das estruturas de computação, que deram um grande salto em processamento, big data e algorítimos”, explica Guy Perelmuter, fundador e CEO do Grids Capital, fundo de venture capital focado em inovação científica, as chamadas deep techs. Soma-se a essas tendências a “falência generalizada” no setor de saúde no mundo, que, dentro dessa perspectiva, é um atrativo a mais em uma área com forte potencial de crescimento, avalia Meirelles. “Não tem nada mais estável que J U L H O, 2 0 1 9 | 2 7


Mariana Wiezel - Gerente Sênior de consultoria em saúde da EY

a saúde. É um bem inexorável. Quem está vendo o longo prazo, sabe que não vai ter problema de descontinuidade de demanda”, diz. Por outro lado, afirma, a escala dos problemas permite ganhos elevados e rápido retorno do investimento a quem tiver sucesso no negócio. “As operadoras estão preocupadas em como atender à demanda crescente e manter os custos sob controle. Para ter escala, em um cenário em que os tratamentos de saúde são cada vez mais individualizados, é preciso ter tecnologia”, avalia Mariana Wiezel, gerente sênior de consultoria em saúde da EY. “As empresas sabem que é impossível sobreviver sem inovar. E há um sentimento de querer fazer parte desse futuro que é desconhecido”. No Brasil, o Fleury não é a única empresa tradicional a embarcar em um processo de transformação digital na área de saúde. A maior parte dos grandes grupos do país ligados à saúde, como o Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio Libanês, Rede D’Or, DASA, entre outros, já entenderam essa tendência e estão se posicionando

“As operadoras estão preocupadas em como atender à demanda crescente e manter os custos sob controle. Para ter escala, em um cenário em que os tratamentos de saúde são cada vez mais individualizados, é preciso ter tecnologia”

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nos moldes do que ocorre em mercados desenvolvidos. Ou seja, com investimentos em corporate venture capital, na estruturação de espaços voltados aos empreendedores e com trabalhos internos de inovação aberta. “Quando esses grupos se posicionam, a evolução do mercado acontece de maneira natural. Acredito que estamos apenas no início da curva de aceleração dos investimentos em health tech, e o crescimento nos próximos anos tende a ser brutal”, diz Perelmuter. Para ele, o tomador do serviço/ produto precisa ser o especialista na ponta da demanda para a startup. “Tem que entender quais são as dores do negócio, do hospital ou laboratório, pois assim será assertivo na seleção das novas soluções.” Quando se fala de startups na área de saúde, há dois tipos de empreendedor: soft tech e deep tech. No primeiro caso, o foco é a digitalização do fluxo de trabalho de um hospital ou laboratório. No outro, é o empreendedor que busca uma base científica para criar um dispositivo médico, um novo tipo de exame ou processo de análise. Isso faz com que health tech tenha tanto o viés mais ligado ao Venture Capital (VC) tradicional, que precisa de soluções totalmente focadas em bancos de dados, aplicativos e desenvolvimento de plataformas digitais, quanto ao VC de base mais científica, que demanda laboratórios, universidades e pesquisadores de ponta. No ecossistema brasileiro de inovação, o surgimento mais acelerado de startups voltadas ao setor de saúde acontece em soft tech. Não apenas pela complexidade de desenvolvimento, mas por características do país. Primeiro pelo fato de que problemas recorrentes ao se avaliar a competitividade da economia nacional, como burocracia, ineficiências operacionais e logística,


“É um choque grande, admito, mas estamos avaliando um formato alternativo para a área da genética do Einstein” são um prato cheio para os empreendedores. Depois, porque o desenvolvimento de inovação científica requer forte investimento em pesquisa básica, algo que, em geral, depende de políticas de governo, além de integração entre universidade e iniciativa privada. Condições que ajudam a entender as razões para países como Israel e Estados Unidos serem referências na área de inovação em saúde. Contudo, há bons exemplos em deep tech no Brasil. O médico geneticista João Bosco Oliveira, CEO da Genomika e uma das principais autoridades em genética no mundo, é um deles. PhD pela Universidade de São Paulo, mudou-se para os Estados Unidos no início dos anos 2000, onde trabalhou como coordenador do núcleo de genética e imunologia do Instituto Nacional de Saúde americano (NIH, na sigla em inglês). Lá, acompanhou de perto o surgimento e aplicação de novas tecnologias na área de genética. Foi um momento em que a tecnologia aplicada à genética, até então limitada, de alto custo e pouco escalável, passou a se tornar alvo de startups interessadas em popularizá-la. Voltou ao Brasil em 2012, já com o objetivo de criar a Genomika. “Apostava em empreender nessa área no Brasil, mesmo com todas as dificuldades, porque sabia do ganho de custo e tempo, além de diversos indicativos que mostravam como o estudo de genética era transformador para áreas como a oncologia”, lembra Oliveira. Na época, segundo ele, apenas uma empresa, também startup, se aventurava nessa área no Brasil. “Ainda hoje estamos no começo da curva de adoção.”

Atualmente, a Agência Nacional de Saúde já conta com um rol de cerca de 40 doenças com cobertura obrigatória pelas redes de atendimento pública e privada, o que amplia o interesse de grandes empresas por investimentos na área. No caso da Genomika, a empresa recebeu os primeiros investimentos do Hospital Israelita Albert Einstein em 2017, e nos próximos meses a incorporação será definitiva. Com a negociação, Oliveira assumiu todo o departamento de genética do Einstein, mostrando como o investimento em uma startup pode ser transformador para uma grande empresa. Do lado do empreendedor, segundo ele, além de ter uma marca forte, há vantagens no acesso à tecnologia e volume de amostras executadas. O desafio agora é tentar manter a agilidade que sempre teve. “É um choque grande, admito, mas estamos avaliando um formato alternativo para a área de genética”, complementa. Esse é o tipo de dilema que felizmente grandes empresas e Helth Techs viverão cada vez mais no Brasil. Sinal de que o setor abraçou de vez a inovação aberta•

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O AVANÇO DAS HEALTHTECHS NO BRASIL 374

Fonte: ABStartups / Startupbase

390

367

370 350

331

330 310

288

290 270

235

250 230 0

2015

2016

2017

2018

2019

46,4%

30%

34%

em fase de tração

em fase de operação

das health techs brasileiras estão no estado de São Paulo

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Valor Número de Negócios


entrevista com

KEITH SAWYER

Para o psicólogo americano Robert Keith Sawyer, autor de livros e especialista em criatividade, inovação e aprendizado, inovar é uma questão de método e hábito por Ahi Gvirtsman, de Tel Aviv foto Divulgação CRIATIVIDADE

EDUCAÇÃO

A criatividade não é inata e pode ser exercitada como um músculo para se desenvolver. A conclusão é do psicólogo americano Robert Keith Sawyer, autor e editor de quatorze livros sobre criatividade e aprendizado, entre os quais Zig Zag e Group Genius. Em entrevista a The Funnel, Sawyer falou sobre as boas práticas e erros comuns na busca por inovação corporativa.

TRANSFORMAÇÃODIGITAL

Todo mundo pensa que criatividade é aquele negócio que ou a pessoa tem, ou não tem. Você assumiu a tarefa de tentar definir criatividade e como estruturá-la. Pode falar um pouco mais sobre a estrutura que você criou para isso? Criatividade não é um mistério e não é um dom que você precisa ter ou experimentar, como um raio misterioso ou um insight. A ideia principal do meu livro, Zig Zag, é que a criatividade pode se tornar um processo deliberado. É um processo no qual você pode aprender a se engajar. Embora seja imprevisível e um pouco instável (daí o nome ziguezague), se você criar o hábito e praticar, terá resultados criativos consistentes e bem-sucedidos. É um estilo de vida, um jeito de ser. Não é aparecer com uma ideia ou uma solução para um problema. É construir um conjunto de práticas diárias que vão gerar dividendos ao longo da sua vida, a cada dia e em cada projeto. O segredo é criar as condições certas para aumentar a probabilidade de sucesso? Exato. Eu chamo isso de improvisação estruturada. A percepção de que os elementos do processo de inovação se assemelham na instabilidade e na imprevisibilidade é similar para um indivíduo, um grupo ou uma organização. A maioria das pessoas se sente desconfortável em começar e continuar a fazer algo sem saber para onde está indo. Você não pode simplesmente fazer as coisas sem um objetivo. É preciso adotar um conjunto de práticas, usadas por criadores bem-sucedidos, para reduzir as chances de você só ficar por aí devaneando sem rumo.

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A ideia da lâmpada acesa acima da sua cabeça é puro mito Um dos primeiros passos, então, é ter um plano, criar uma pergunta ou definir um problema que ajude a mente a ter um foco. Quando você faz perguntas de alta qualidade para sua mente, obterá respostas de alta qualidade se você se permitir buscar essas respostas. Certamente. Pesquisas sobre perguntas criativas vêm lá dos anos 1960. Um dos meus professores afirmava que, em muitos casos, não conhecer o problema era um dos maiores problemas. A ideia é que se você puder usar sua criatividade sem saber o problema, e resolver aplicá-la em um processo de descoberta desse problema, a criatividade se tornará ainda maior do que se você a usasse só para resolver um problema que já conhecesse. É mais desafiador, mas traz resultados maiores. A criatividade para encontrar problemas pode despertar mais inovação que a criatividade para resolver problemas. No seu livro Group Genius você aborda a dinâmica que acontece entre indivíduos que cocriam algo maior que qualquer pessoa poderia fazer sozinha. É principalmente por isso que eu quis escrever Group Genius, para ensinar as pessoas que a criatividade não diz respeito a um gênio brilhante solitário. E que se você não tiver insights brilhantes quando está sentado sozinho, não é um fracasso de pessoa. É realmente melhor trabalhar em grupo ou em redes que geram criatividade. A ideia da lâmpada acesa acima da sua cabeça é puro mito. Todo mundo pensa no Steve Jobs como um modelo, mas é mito. É legal na mídia e, em muitos casos, funciona bem para relações públicas, mas na abordagem científica de inovação, não é bem assim que acontece. Você afirma no seu livro que a nossa criatividade é afetada por aquilo que recebemos dos outros mesmo quando não estamos atentos. Pode explicar melhor? A criatividade é algo colaborativo, mesmo quando você está só. Mesmo quando alguém tem uma ideia sozinho, geralmente ela é resultado de interações anteriores, de conversas que aconteceram ao longo da vida. É importante passar algum tempo sozinho no processo. Algumas pesquisas mostraram que 32

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grupos são mais inovadores se seus membros tiram folgas, há alguns elementos da criatividade que precisam ser pensados em particular. Aquele estereótipo de brainstorming, da pessoa anotando num quadro branco enquanto todo mundo grita suas ideias, parece não funcionar muito bem. É melhor cada um pensar numa lista de ideias e trazêlas para o grupo. Então, se uma organização quiser encorajar a criatividade individualmente e nos grupos para promover um ambiente de inovação, quais são as melhores práticas a se adotar? A inovação organizacional acontece em três níveis. Tem o nível individual de criatividade, o organizacional, e entre esses dois está o nível mediador do grupo. Criatividade é como um músculo. Você ficará mais criativo se adotar práticas e exercícios que treinem sua mente em hábitos mentais associados a ainda mais criatividade. Se você quer inovação organizacional, não busque em indivíduos solitários que têm ideias. Busque uma estrutura e uma cultura organizacional que reúnam as pessoas de um modo que suas ideias se juntem e sejam sinérgicas umas com as outras. Você quer que as pessoas com ideias criativas se exponham de modo sistemático umas às outras para manter a conversa fluindo. Sim, com certeza. Grandes ideias surgem de interações entre pessoas, e grandes organizações podem se beneficiar de redes sociais que têm centenas, ou talvez milhares, de conexões. Você precisa juntar as pessoas e compartilhar ideias. Os pontos de partida são cultura, estrutura e incentivos, e são todos bem difíceis de decidir. Muitas organizações não têm características e lideranças com as atitudes normalmente associadas a organizações inovadoras. O que acontece quando você começa a recompensar as pessoas por suas ideias? Se você recompensa a criatividade individual, gera uma mentalidade possessiva. É o oposto do que você quer. E você só consegue o que incentiva. A recompensa individual acaba com o compartilhamento e a colaboração. Inovação vem de muitas pequenas ideias ao longo do tempo, de muitas pessoas diferentes e de processos, procedimentos e culturas que propiciam o encadeamento das ideias pequenas, até que elas construam algo gradualmente.


E a questão do erro, de aceitar o erro e o modo como ele é tratado no mundo corporativo? É muito difícil para as organizações lidarem com o fracasso. Você vai ler artigos em todas as revistas de negócio dizendo “errar é grave”, “erre rápido”. Todo mundo já leu, mas como se faz isso em uma organização? Temos que mudar características fundamentais da organização. Você não pode só dizer por aí “Bem-vindo, erro!”. Tem um jeito de fazer isso, e é complicado. Se as organizações tradicionais quiserem ser inovadoras e criativas, não tem meio-termo. É isso? Ou tem um jeito de dar um primeiro passo para ganhar força sem uma virada total? Pode ser mais complicado, dependendo do negócio. Eu dei consultoria para companhias petroquímicas que constroem grandes refinarias. Para esses tipos de organização, de escala maciça, errar não é uma opção. A essência estrutural da inovação não muda. Ela emerge de baixo para cima (bottom-up). Mas, em grandes organizações, você deve prestar atenção na inovação que está vindo de baixo para cima e, ao mesmo tempo, manter estruturas de orientação de cima para baixo que tornarão os processos de baixo para cima mais eficazes. O desafio é projetar estruturas top-down que funcionem sem esmagar o processo bottom-up. É comum as organizações quererem ser inovadoras, mas ainda manterem 95% dos seus negócios do mesmo jeito. Uma estratégia comum é construir uma unidade de inovação separada da organização principal. Hoje em dia, há os hubs de inovação. Mas nem sempre funcionam muito bem, porque é quase impossível colocar as ideias dentro da organização. Muito disso é por causa de incompatibilidade cultural de comunicação. É realmente necessário ter meios inovadores de pensar difundidos pela organização. Não pode ser algo paralelo.

criaram um centro de pesquisa famoso no Vale do Silício, o Parque Xerox, e nos anos 1970 inventaram praticamente tudo para computação moderna – acessórios para Windows, mouse, impressora a laser etc – todas essas coisas em pouquíssimos anos. Mas a incompatibilidade cultural entre os engenheiros criativos na Califórnia, a gerência sênior e o restante da organização em Nova Iorque truncava a comunicação entre eles. Eu não acho que era garantia de fracasso. Eu acho que seria possível a Xerox criar o computador atual, porque não ia de encontro com seu negócio de cópia e impressão. Só que, ao estruturar a inovação em uma unidade separada, a Xerox impediu que ela se tornasse uma realidade dentro da organização•

Tem de haver essa integração entre a área criativa e a que entrega as partes mais importantes da missão do negócio, senão nunca será possível escalar uma ideia inovadora? Basicamente. Há muitos estudos de caso famosos. Talvez o mais conhecido seja o da Xerox. Eles

A criatividade para encontrar problemas pode despertar mais inovação que a criatividade para resolver problemas. J U L H O, 2 0 1 9 | 3 3


Procura-se: retail jedis e security princess por Dubes Sônego CRIATIVIDADE

RH

STARTUP

TECNOLOGIA

A nova economia subverteu não apenas os ambientes de trabalho e os código de vestir, mas também os títulos corporativos. Confira alguns dos mais irreverentes e extravagantes

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foto por Cade Roberts em Unsplash

e já é difícil diferenciar e definir as atribuições de funções relativamente novas no mercado corporativo, como as de CIOs e CTOs, imagine então como explicar o que faz um retail Jedi ou uma security princes. A consultoria CBInsights publicou uma lista com 25 cargos extravagantes surgidos após 2000, com a economia digital. Muitos dos papéis criados em startups para tentar se diferenciar no mercado e atrair jovens talentos englobam funções equivalentes a de designers e engenheiros de software iniciantes, mas soam bem mais importantes. Há de tudo: innovation evangelist, innovation sherpa, happiness engineer, software ninjaneer, content hero, meme librarian, digital prophet, wizard of light bulb moments. A lógica parece estar funcionando. Segundo a consultoria, um estudo recente da Indeed, motor de busca de empregos presente em mais de 50 países, apontou que com o passar do tempo os títulos têm se tornado cada vez mais extravagantes. Confira alguns:

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Dream Alchemist Weekend Happiness Concierge SVG Badass

Retail Jedi Security Princess

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A função, aberta em empresas como QuickStep e Kyoger (esta já fechada), é equivalente a de um diretor de criação ou de marketing. Mas há uma série de outros alquimistas no mercado. A brasileira Awí Earth Warrior Superfoods, por exemplo, tem um Chief Regenerative Alchemist. Há também UX-Alchemists, Chief Marketing Alchemists e até um Alchemist Accelerator.

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O cargo foi criado na Crew, empresa de design que depois se tornou parte da Dribbble, plataforma de exposição de conteúdo artístico. Ainda que no mundo real a função mais conhecida do concierge seja ajudar hóspedes de hotéis, sua versão mais moderna é a de atendimento aos clientes, de forma mais genérica. No caso da Crew, sete dias por semana.

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A descrição da vaga, aberta pela Potentia Labs, era a seguinte: “trabalhar conosco é uma chance de fazer muito mais do que escrever códigos, é uma chance de fazer uma diferença positiva na vida das pessoas. Nós estamos buscando alguém com habilidades especiais e experiência em criar, manipular e animar em código SVG (Scalable Vector Graphics). O projeto é ao vivo, se você escreve códigos magistrais e não tem medo de pensar fora da caixa, adoraríamos conhecê-lo”.

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Segundo a Indeed, o título já foi mais popular. Seu auge foi em 2012. Ainda assim, ainda é relativamente fácil encontrá-lo. Segundo a CBInsights, o levantamento feito pela Indeed indicava vagas abertas em companhias como Crossroads Technologies e Cisco, entre outras. Como dizia o mestre Yoda, “Quando embora eu for, o último dos Jedi você será.”

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Parisa Tabriz se juntou ao Google para trabalhar como engenheira de segurança da informação, na equipe dedicada a encontrar falhas de segurança no Chrome. Em uma conferência em Tóquio, resolveu mudar seu título por achá-lo muito careta. “Eu sabia que teria que entregar meu cartão de visitas e achava que engenheira de segurança soava tão chato”, afirmou, mais tarde. “Todos os caras na indústria levam isso tão a sério, então princesa da segurança pareceu caprichosamente adequado”. Ela é hoje a “browser boss” da companhia•

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foto por Mr TT em Unsplash

A antropologia a serviço da inovação por Carol Zatorre (*) ANTROPOLOGIA

UX

STARTUP

Disciplina é chave para o entendimento da cultura e das reais demandas e necessidades do público alvo de qualquer empresa, ponto de partida dos processos de transformação digital

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eralmente, quando falo de trabalho, provoco duas surpresas nos meus interlocutores. A primeira acontece ao contar qual é a minha formação, a antropologia, carreira pouco comum no mercado corporativo. E a segunda ao explicar que atuo diretamente com inovação , mais especificamente com empresas que buscam a transformação digital de seus negócios. Se fosse para resumir, diria que é a antropologia a serviço da inovação.

A razão principal para essa união é pensar num negócio sustentável, no sentido de proposta de valor, centrada nas necessidades dos indivíduos. Ou melhor, na alteridade. Segundo a antropóloga Mariza Peirano, “a alteridade é um aspecto fundante da antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si própria”. E esta é a forma de atuar da antropologia: construindo e interpretando conteúdo com aqueles que usam, de artefatos a serviços. Ou seja, é no entendimento da diferença entre o meu universo cultural e o do outro, que se produz. Sem estabelecer hierarquias e/ou gradações, mas reconhecendo, entendendo e explicando o universo cultural do grupo pesquisado. Ao observar o cotidiano alheio, devo buscar explicar o que vejo pela ótica de quem está sendo pesquisado. Quando comecei a trabalhar com designers, ouvia sobre “ter empatia com o usuário”, mantra popularizado pela D.School com o famoso

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bordão “Empathy Happens”. É aí, que ao meu ver, antropologia, design e inovação se unem para construir, propor e compreender a necessidade desse processo de transformação digital. O conhecimento antropológico é do interesse do mercado, mas, por si só, é hermético. É o processo do design que consegue entregar a aplicabilidade desse conhecimento para o mercado trazendo inovações. Lembrando que a transformação digital não pode ser apenas prática, é preciso que seja assimilada e incorporada na mentalidade de toda a empresa. Recentemente, em um projeto pioneiro de inovação para a administração pública contratado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento da cidade de São José dos Campos, me dediquei a compreender as razões pelas quais iniciativas de transformação digital para serviços públicos do município geravam pouco engajamento da população. Era uma incógnita, por exemplo, o fato de um cidadão se dispor a pegar uma fila de horas para protocolar um pedido de poda de árvore sendo que o serviço estava disponível no portal da cidade. Falta de comunicação? Sim, mas a questão se mostrou mais complexa conforme fomos pesquisando as dores e necessidades da população. Ainda que São José dos Campos seja uma das cidades mais prósperas do país, abrigando referências de inovação como a Embraer e o


foto por Mattew Brindle em Unsplash

Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a relação do cidadão com a administração pública se mostrava muito pouco amigável. Contribuíam para isso a média de idade da população, mais velha do que em outros municípios com as mesmas características, e a total falta de usabilidade contextual das interfaces dos sites e formulários da prefeitura. Mesmo que os cidadãos estivessem dispostos a interagir digitalmente com a administração pública, as barreiras eram enormes. Mas essas conclusões só ficaram evidentes pelo fato de termos olhado não apenas para a plataforma, e sim para a população e suas características sociais. Foi assim que o gap entre o usuário e a face digital da prefeitura ficou exposto. Em um contexto de aceleração dos processos de transformação digital em todas as áreas, a percepção do consumidor e usuário, ou melhor, do indivíduo, é crucial para qualquer plano de novo produto ou serviço. É preciso ressaltar que a inovação não se dá apenas com tecnologia, ela é cada vez mais humanizada. Até os robôs vêm passando por esse processo de humanização. E aí fica evidente a conexão entre antropologia e inovação, um tema que muito em breve deixará de ser distante para as pessoas•

(*) Carol Zatorre é head de pesquisa da Kyvo Design-Driven Innovation

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foto por Alessandro Sacchi em Unsplash

A INOVAÇÃO NÃO SE DÁ APENAS COM TECNOLOGIA, ELA É CADA VEZ MAIS HUMANIZADA.


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