Aula 6

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AULA 6 Quadro de referência epistemológica autora: Maria Luiza Coutinho Seixas

DELINEAMENTO DA PESQUISA – PARTE 1: QUADRO DE REFERÊNCIA EPISTEMOLÓGICA Æd fjZ Y^hi^c\jZ d e^dg Vgfj^iZid YV bZa]dg VWZa]V fjZ ZaZ Ò\jgV cV bZciZ hjV Xdchigj d VciZh YZ transformá-la em realidade” (Karl Marx)

O

lá!

Já indicamos para você como uma pesquisa se inicia e, por isso, esperamos que se lembre de quais são os primeiros passos de um processo investigativo: a escolha do tema e a formulação do problema de uma pesquisa científica. Também esperamos que você já saiba como deve proceder para fazer uma revisão de literatura eficiente e proveitosa. Pois bem, começar um trabalho de pesquisa é fruto do querer do pesquisador... implementá-lo com êxito e finalizá-lo, porém, requer que ele ponha ordem nas suas ideias.


CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E METODOLOGIA CIENTÍFICA

Não se iluda, não basta que tenhamos boas ideias (ou bons temas) para que a ciência se efetive. Boaventura (2004, p. 61) nos lembra de que é através desse delineamento que o pesquisador/ estudante consegue atender a pelo menos uma finalidade: “traçar o caminho a seguir na investigação”. Por isso, vamos adiante! Eis a etapa que dá seguimento aos passos iniciais: delineamento da pesquisa, ou se quiser que sejamos mais claros, a elaboração do projeto de pesquisa. Antes de apresentarmos os itens que, junto àqueles que você já conhece, constituem o projeto da investigação (justificativa, objetivos descrição metodológica e cronograma) que pretende realizar, precisamos assinalar alguns pontos. O primeiro deles será esclarecer algumas das perspectivas epistemológicas que podemos assumir na prática investigativa. Vamos lá! De modo geral, quando tentamos conceituar o processo de pesquisa, quase sempre o definimos como aquele cercado de ritos especiais, cujo acesso é particular a poucos iluminados. Fazem parte desses ritos certa trajetória acadêmica, domínio de sofisticadas técnicas de investigação, de exame estatístico e desenvoltura informática... É certo que esses aspectos são importantes, mas não são as únicas coisas que contam. A pesquisa é a parte intrínseca do processo de apreensão/construção do conhecimento e, por isso, é necessária a adoção de uma atitude investigativa. Compreendida como instituinte desses processos, devemos perceber a prática científica, a partir de uma multiplicidade de horizontes (embora seja comum prendê-la à sua construção empírica, experimental). E isso é facilmente compreensível! Principalmente porque, até bem pouco tempo atrás, para fazer Ciência se deveria, inexoravelmente, estabelecer processos controlados, isto é, ser científico corresponde àquilo que é mensurável, experimental, observável... claro que, por sermos indivíduos imersos na contemporaneidade, não pensamos dessa maneira, não é mesmo? Mesmo tendo essa certeza, consideramos imprescindível trazer outros argumentos: a ciência não pode estar aliada apenas a uma dimensão empírica, nem tampouco a uma preocupação teórica somente; não pode estar restrita a apresentar números estatísticos através de textos áridos, mas deve buscar estabelecer uma relação dialógica com o cotidiano, permitindo olhar profunda e amplamente a realidade que nos cerca. evidente que, para consolidar uma nova forma de produzir ciência, faz-se necessário, em primeiro lugar, percebê-la a partir de um prisma diferente daquele que serviu de base para o que já foi instituído. Foi mais ou menos isso que aconteceu quando o Positivismo perdeu o status de única perspectiva epistemológica válida para a produção da ciência. Positivismo... será o mesmo positivismo que é responsável pela inscrição “Ordem e Progresso” na bandeira brasileira? E o que é epistemológico mesmo? Hum! Começou a complicar, não é mesmo? Mas vamos com calma... O POSITIVISMO

A palavra epistemologia (do grego episteme, ciência, conhecimento; + logos, razão, discurso) é um ramo da filosofia que estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí ser também designada de filosofia do conhecimento). Conforme o dicionário Houaiss (2008, s.p.), a palavra significa “estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral”.

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AULA 6 - QUADRO DE REFERÊNCIA EPISTEMOLÓGICA

Agora, se você associou a perspectiva positivista da ciência àquela que inspirou a inscrição em nossa bandeira, acertou parcialmente! O Positivismo, corrente inaugurada por Augusto Comte (1798-1857), representa umas das bases do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e, também, do nascimento da sociedade industrial. Entretanto, não podemos deixar de mencionar o neopositivismo (também conhecido como positivismo lógico), instaurado pelo Círculo de Viena, que teve como um de seus membros mais proeminentes Rudolf Carnap (1891-1970), na qual traz muitas contribuições para o que vamos conhecer como perspectiva positivista da ciência. Vamos pontuar algumas delas. Para o neopositivismo: » a realidade é formada por partes isoladas e o mundo se configura como um “amontoado de

coisas separadas, fixas” (TRIVIÑOS, 1987, p. 36);

» é inaceitável outra realidade que não sejam os fatos que possam ser observados; » as causas dos fenômenos não devem ser objeto de interesse da ciência. À ciência cabe descobrir

como se produzem as relações entre os fatos, buscando suprimir qualquer subjetividade nesta descoberta (princípio da objetividade científica); » não interessa, também à ciência, conhecer a consequência de suas “descobertas”. Triviños (1987) comenta que este propósito engendrou o que ficou conhecido como neutralidade da ciência. A partir dessa compreensão, o papel do cientista é exprimir a realidade, não julgá-la. Ainda, foi o neopositivismo que formulou o princípio da verificação, a partir do qual, considera-se como verdadeiro aquilo que é empiricamente verificado. Mesmo desnecessário, vale salientar que todos os postulados atribuídos à ciência por essa perspectiva se “ajustaram” mais perfeitamente a uma área do conhecimento (as ciências naturais, por exemplo) do que às ciências sociais. Como realizar estudos no campo da Antropologia, por exemplo, que não busquem conhecer as causas do fenômeno cultural? Ou então, como podemos atestar, a um fenômeno social, o princípio da verificação? Por conta dessas questões e, principalmente, por perceberem que não há possibilidade de o conhecimento produzido pela ciência ser neutro, é que estudiosos da área das ciências sociais foram os primeiros a combater a perspectiva epistemológica positivista. Como contraponto à forma de produção da ciência, surgem a Fenomenologia e o Materialismo Dialético. A FENOMENOLOGIA

A Fenomenologia representa uma tendência do idealismo filosófico e traz, como um dos conceitos fundamentais, a intencionalidade: A psique está sempre dirigida para algo, “é intencional”, diria Husserl, seu precursor e um de seus maiores expoentes. Como esta intencionalidade é, inexoravelmente, da consciência em direção a um objeto, conclui-se que não existe objeto sem o sujeito e, por conseguinte, não existe a objetividade destacada da subjetividade, tal e qual assinalava a perspectiva positivista da ciência. Sobre esse aspecto, Bardin (s.d. apud TRIVIÑOS, 1987, 43) vai afirmar: [...] tudo o que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a par-tir da minha visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência nada significariam. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido e, se quisermos pensar na própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido seu alcance, convém despertarmos primeiramente esta experiência do mundo da qual ela é expressão segunda... 115


CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E METODOLOGIA CIENTÍFICA

A Fenomenologia husserliana nasce da tentativa de fazer da filosofia uma ciência rigorosa e, sendo assim, deveria ter como tarefa o estabelecimento de categorias puras do pensamento científico. Tratase, portanto, da “ambição de uma filosofia que pretende ser uma ciência exata” (TRIVIÑOS, 1987, p. 43). Mais tarde voltou-se para a investigação do “mundo vivido”. Como abordagem epistemológica para a produção da ciência e do conhecimento, não pretende explicar, nem analisar fatos, mas, antes de qualquer coisa, descrever os fenômenos. É uma abordagem que exalta a interpretação. Como método, deve seguir dois passo: um é a questionalidade do conhecimento; o futuro é a redução fenomenológica. Ao contrário do que possa parecer, questionar o conhecimento não é a mesma coisa de negá-lo ou ter uma concepção cética a respeito dele, mas tomá-lo a partir da ideia de que é possível descrever o dado (a consciência intencional perante o objeto) em toda a sua pureza. O segundo passo (a redução fenomenológica) fornece uma nova objetividade (a da essência) para que surja a consciência pura. A respeito da Fenomenologia, Triviños (1987, p. 47) faz a seguinte observação: [...] os positivistas reificaram o conhecimento, transformaram-no num mundo objetivo, de ‘coisas’. A fenomenologia, com sua ênfase no ator, na experiência pura do sujeito, realizou a desreificação do conhecimento, mas a nível da consciência. Por priorizar a busca da essência, ou seja, o que o fenômeno é após ter sofrido o isolamento da redução, através da qual se elimina o “eu” que vivencia, a cultura e o mundo..., fica evidente que não está preocupada em relevar a historicidade dos fenô-menos, o que vai se configurar numa das críticas dirigidas a ela e, também, ponto de partida para o surgimento de uma nova perspectiva epistemológica: o Marxismo. O MARXISMO

A perspectiva marxista figura como uma tendência do materialismo filosófico e tem como base filosófica o materialismo dialético. Este último tenta buscar explicações racionais, lógicas e coerentes para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento, a partir de uma concepção científica da realidade enriquecida pela prática social. Ter ressaltado a prática social (portanto, histórica) como critério de verdade é, sem sombra de dúvida, uma de suas ideias mais originais, porque criou um forte argumento para compreender que as verdades científicas significam graus de conhecimento limitados pela história. Conforme Triviños (1987), de forma geral, podemos dizer que a concepção materialista de ciência está pautada em três aspectos: » o primeiro deles diz respeito à materialidade do mundo, isto é, a compreensão de que todos

os fenômenos, objetos e processos são materiais;

» o segundo assinala que a matéria é anterior à consciência, ou seja, o que existe objetivamente

é a matéria e a consciência é apenas um reflexo desta;

» o terceiro aspecto refere-se à afirmação de que o mundo é conhecível e o homem realiza este

conhecimento de forma gradativa.

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AULA 6 - QUADRO DE REFERÊNCIA EPISTEMOLÓGICA

Alguns pesquisadores compreendem, a exemplo de Demo (1987, p. 98), que o materialismo é a perspectiva epistemológica mais condizente com as ciências sociais, porque se configura em uma “forma mais criativa e versátil de construir uma realidade também criativa e versátil”. Essa abordagem, portanto, trata-se de uma interpretação possível, que participa do jogo interminável de aproximações sucessivas e crescentes do objeto, rumo à cientificidade. Como metodologia, este autor destaca algumas características, que veremos a seguir: » como problematiza a relação sujeito-objeto, superando posições estereotipadas ligadas à

objetividade e à neutralidade, o materialismo faz do conhecimento um processo;

» considera que para uma realidade dinâmica é preciso um instrumental de captação também

dinâmico e, para isso, opera através da concepção de unidade dos contrários, assumindo a contradição como categoria teórica;

» percebe que as teorias científicas não são produtos acabados e, portanto, sua superação é tão

natural quanto a superação histórica;

» encontra certo meio termo entre os condicionamentos objetivos da realidade (o que está posto)

e a possibilidade de o homem planejar a história. “Nesse sentido, não reduz a história social a uma estática repetitiva, nem coloca os subjetivismos como o mais importante” (DEMO, 1987, p. 98);

» convive com estruturas, nas quais vê a fonte do dinamismo histórico, e adapta-se melhor ao

conceito de regularidade, ao contrário do de determinação, que está à sombra da relação causa/efeito;

» desde que não seja concebida como regra única, não vê a necessidade de combater a postura

científica adotada pelas ciências naturais e exatas (o positivismo);

» propõe a visão de totalidade, no sentido de não perceber a realidade de forma estanque e

fragmentada; a realidade social é dinâmica, complexa, totalizante e conflituosa e, sendo assim, excede a possibilidade de quantificação, classificação, de teste;

» compreende que a participação humana é um fenômeno de configuração própria, contraditório,

versátil, para além de qualquer equação matemática;

» Por fim, o materialismo se configura como uma metodologia mais crítica e autocrítica, como

demanda uma dinâmica realidade social. Sobre essa característica, Demo (1987, p. 100) vai dizer “[...] é chão da boa discussão, da polêmica construtiva, da visão multifacetal, que exige o constante estado de alerta contra posturas fechadas, pequenas, medíocres”.

SÍNTESE

O que fizemos nesse texto foi apresentar, brevemente, as características principais das três perspectivas que mais comumente fundamentam a prática científica e, consequentemente, os procedimentos metodológicos de nosso estudo. Mas, não para por aí, não! Continuaremos no próximo texto, seguindo os passos do delineamento da pesquisa. Até lá!

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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E METODOLOGIA CIENTÍFICA

QUESTÃO PARA REFLEXÃO

Sugerimos que você reflita e identifique qual a perspectiva que mais se aproxima da sua concepção de mundo e de ciência. Que tal registrar essa reflexão? Ela poderá ser valiosa no momento que você estiver construindo seu projeto de pesquisa. LEITURAS INDICADAS

Sugerimos a leitura do capítulo 1 da obra Introdução à pesquisa em ciências sociais, de Augusto Triviños. REFERÊNCIAS

BOAVENTURA, Edivaldo M. Metodologia da pesquisa: monografia, dissertação e tese. São Paulo: Atlas, 2004. DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed., São Paulo: Atlas, 1987. EPISTEMOLOGIA (verbete). Dicionário Houaiss. Disponível em http://houaiss.uol.com.br/busca.

jhtm?ve rbete=epistemologia&stype=k Acesso em 21 jul. 2008.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação - o positivismo, a fenomenologia, o marxismo. São Paulo: Atlas, 1987.

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