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ANGOLA, 19 ANOS DE PAZ COM DIVERSOS “CONFLITOS”

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ANGOLA, 19 YEARS OF PEACE WITH MANY “CONFLICTS”

Uma boa parte da história de Angola foi marcada por períodos de guerra, sendo que o último, iniciado depois da Independência, levou 27 anos, culminando, a 4 de Abril de 2002, com o Acordo de Paz entre o MPLA e a UNITA. Much of the history of Angola was marked by periods of war; the most recent one began right after the Independence, lasted 27 years, and ended on April 4, 2002, with the Peace Agreement between the two major political parties, MPLA and UNITA.

TEXTO TEXT ANDRADE LINO FOTOGRAFIA PHOTO CARLOS AGUIAR

Em 2004, o Governo elaborou a sua Estratégia de Combate à Pobreza (ECP), um fenómeno que, na altura, afectava 68% da população angolana, dos quais 26% se encontravam em condição de pobreza extrema (equivalente a até 0,75 dólares por dia), fez saber o Ministério do Planeamento, em 2005, num relatório que identifica como factores da pobreza no país o conflito armado, a pressão demográfica, a destruição, a degradação das infra-estruturas económicas e sociais, o funcionamento débil dos serviços de educação, saúde e protecção social, a quebra muito acentuada da oferta interna de produtos fundamentais, a debilidade do quadro institucional, a desqualificação e desvalorização do capital humano e a ineficácia das políticas macroeconómicas. Todavia, 19 anos passados, cidadãos lamentam a persistência de alguns conflitos sociais e a forma como muitos desafios têm sido ignorados, numa altura em que o país ainda carece de reconstrução e afirmação em vários sectores. Dados avançados em finais de 2020 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no Relatório Sobre a Pobreza Multidimensional em Angola, estimam o índice da pobreza nacional em 54%, fazendo que mais de quatro em 10 cidadãos sejam pobres, sem qualidade habitacional adequaIn 2004, The Government developed its Strategy to Combat Poverty (ECP). This was a phenomenon that affected 68% of the Angolan population at the time, 26% of which living in extreme poverty (equivalent to up to 0.75 dollars a day). The information above was provided by the Ministry of Planning in a report, in 2005, where it identifies as reasons for the poverty the armed conflict in the country, demographic pressure, destruction, degradation of the economic and social infrastructures, poor education, health and social protection services, the very sharp decline of the domestic supply of basic products, weakness of the institutional framework, disqualification and devaluation of the human capital and the inefficiency of the macroeconomic policies. However, 19 years later, citizens are still complaining about the persistence of some social conflicts and on the way many challenges have been ignored, at a time when several sectors of the country still need reconstruction and consolidation. According to the data from the National Institute of Statistics (INE) at the end of 2020, in a Report on Multidimensional Poverty in Angola, the national poverty rate was estimated at 54%, which means that more than 4 out of 10 citizens are poor, without adequate housing (44.2%), deprived of electricity (43.7) or civil registration (43.3%); the incidence rate in rural areas (87.8%) is more than twice compared to that of the urban areas (35%). We are living in a period of intense manipulation, some interlocutors declared. For instance, the Government and INE stated that there was a reduction in the unemployment rate even during the pandemic period, with the creation of new jobs since 2019. But the reality deprives many young people from “peace”; in addition, the shortage of electricity and water distribution is still seen as

da (44,2%), com privações em electricidade (43,7) ou registo civil (43,3%), e a taxa de incidência na zona rural (87,8%) é mais do que o dobro, em relação às zonas urbanas (35%). Vive-se um período de intensa manipulação, declaram alguns interlocutores. Por exemplo, o Governo e o INE, em particular, garantem uma redução na taxa de desemprego em pleno período de pandemia, com a criação de novos postos de trabalho desde 2019, mas a realidade deixa muitos jovens “sem paz”, recordando que, para além disso, os problemas de distribuição de energia e água ainda são vistos como empecilhos para o desenvolvimento do país.

Decisões beneficiam um grupo restrito

A artista visual Renata Torres, “não querendo ser pessimista”, não cria grandes expectativas, embora tenha alguma esperança no país. Em termos de acontecimentos que deveriam moldar Angola, acredita que só temos os mais desagradáveis possíveis. “Só tomamos decisões, claramente, que beneficiam um grupo muito restrito, para perpetuar um poder que em nada beneficia a sociedade como tal”, critica. Renata é de opinião que, quando paramos para pensar num país que teve uma guerra civil durante tantos anos – e isso foi usado como desculpa para o seu não desenvolvimento – e quando há definitivamente o cessar das armas, se espera, obviamente, que não do dia para a noite, mas, pelo menos, algumas acções comecem a ser tomadas para abrir espaço, caminhos e possibilidades para o desenvolvimento. “A nossa principal fonte de renda sempre foi o petróleo, e, mesmo quando o petróleo estava em alta, não conseguimos usar esse dinheiro de forma sábia. Definitivamente, sim, todos os sectores-chave ficaram parados”, lamentou, em entrevista à Economia & Mercado. Não havendo mais uma guerra obstacles to the development of the country.

armada, Renata Torres entende que estamos a travar uma guerra social, e definitivamente não temos paz, porque “estamos a lutar outras lutas, a lutar com outras dificuldades, algumas, sim, fruto dessa guerra de armas e bombas, mas outras mesmo só fruto de pura ganância de quem governa, por descaso, também, porque temos, digamos, diferentes grupos de interesse”.

Acções para moldar o país disfarçam outros interesses

Em 2019, o Governo manteve a promessa de reconstrução nacional, compromisso firmado em 2002, após o alcance da paz, lembra um artigo da Angop. Na altura, o ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, disse que a reconstrução vai permitir acabar, definitivamente, com as sequelas deixadas pelos 27 anos de conflito que o país viveu. Mas quem também defende que os acontecimentos em prol da transformação do país ainda são muito lentos, ou até parados, é o professor Walter Simão, que afirma ainda que “grande parte deles não passa de jogo político, cortina de fumaça para disfarçar outros interesses”. “Infelizmente, Angola regrediu nos últimos 45 anos. Sectores-chave como a Agricultura, Educação e Saúde funcionam precariamente ou não funcionam. Vivemos uma paz ilusória”, asseverou o docente, esclarecendo que a guerra civil acabou, mas deu lugar a uma guerra “quase fria”. Disse ainda que os partidos políticos discutem no Parlamento, lutam por poder e se esquecem completamente do povo, “e é preciso descentralizar para melhor servir, pois decisões mais democráticas, que tenham em vista o bem-estar da nação/ povo, são importantes para o país”.

“Estamos a viver uma outra guerra”

Nos últimos anos, vem-se assistindo, em Angola, a vários casos “Só tomamos decisões, claramente, que beneficiam um grupo muito restrito, para perpetuar um poder que em nada beneficia a sociedade como tal”, critica Renata Torres. “We only make decisions that benefit a very small group of people, aimed to perpetuate a power that in no way benefits the society”, she criticizes.

Decisions benefit a small group of people

The visual artist Renata Torres, “without trying to be pessimist”, does not have high expectations, although she is somewhat hopeful about the country. In terms of events that should shape Angola, she believes that we only have the most unpleasant ones possible. “We only make decisions that benefit a very small group of people, aimed to perpetuate a power that in no way benefits the society”, she criticizes. Renata thinks that when we stop to think about a country that went through a civil war for many years – and this was used as an excuse for its non-development – and when there is a complete cease-fire, it is expected, (obviously not overnight) that some actions are to be taken to provide space, paths, and opportunities towards the development. “Oil has always been our main income source, and even when it was booming, we could not use that money wisely. Definitely, yes, all the key sectors have come to a standstill” she complained, in an interview to the Economia & Mercado. As there is no longer an armed war, Renata Torres understands that we are fighting a social war; we do not have peace because “we are fighting other fights, fighting with other challenges, some of them being the result of this war of guns and bombs, but others are just the result of a sheer greed of those governing the country, without even caring, specially because there are different interest

groups. Actions to shape the country disguise other interests

According to an article from Angop (News Agency), in 2019, the Government reiterated its national reconstruction promise, a commitment signed back in 2002 upon reaching the peace. At the time, the Minister of Construction and Public Works, Manuel Tavares de Almeida, said that the reconstruction would make it possible to end the after-effect of the 27-year war in the country. Professor Walter Simão argues that what is being done to develop the country is still slow or even at a standstill mode. He also states that “most of the actions taken are simply political games and smoke screen to disguise other interests”. “Unfortunately, Angola went backwards in the past 45 years. Key sectors such as Agriculture, Education and Health do work poorly or do not work at all. We are living a false peace”, stated the Professor, clarifying that the civil war is over, but it has led to an almost “cold war”. He also said that political parties argue in the Parliament, fight for power, and completely forget the people; “decentralization is necessary to better serve the people; the most democratic decisions, aiming at the people’s welfare, are important for the country”.

“We are living another war”

In recent years, there have been in Angola several cases of murders committed by the law

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de assassinatos protagonizados por forças da ordem e segurança contra civis desarmados. Por essa razão, Alpha Beto, rapper, outra voz ouvida pela E&M, afirma não crer que as armas se tenham calado. “Lembremos o assassinato da zungueira Juliana Cafrique, por uma arma de fogo, no mês das mulheres, em 2019, o assassinato do menino Rufino e, recentemente, do jovem Inocêncio de Matos. Há uma série de questões que nos levam a acreditar que não estamos verdadeiramente em paz. Eu, por exemplo, quando saio às ruas e me deparo com um polícia armado, já fico inseguro”, declarou. Para ele, “paz é sinónimo de tranquilidade, harmonia, tanto psicológica quanto social, e é preciso não carregarmos as marcas do passado para sempre nas nossas vidas”. Afirmou ainda que o país está em construção e que a mudança é um processo, sendo que não acontece duma hora para outra. “Mas precisamos, urgentemente, de mudar a nossa forma de olhar para o presente, se quisermos que Angola caminhe, pois a sua transformação começa com a mudança de mentalidades. É preciso haver uma conexão e diálogo entre o Governo e o povo, e que as promessas nos devolvam a esperança mutilada pela guerra”, sublinha o artista.

O não-investimento na Educação estagnou o país

O humorista Tiago Costa é de opinião que Angola ficou estagnada em muitos dos sectores essenciais, precisamente por conta do não-investimento na Educação e, por arrastamento, todos os outros sectores se tornaram débeis, na medida em que não houve qualquer tipo de estrutura sustentável, nem gestão de manutenção. Ou seja, realça, não fomos capazes de manter as coisas, “porque constantemente temos de ir buscar o know-how lá fora, e temos essa falta de quadros nacionais capazes de dar seguimento às grandes construções e que não são feitas especialmente para Angola. Isso torna-nos dependentes do know-how estrangeiro e faz que importemos até a educação”. Questionado sobre se sente ou não a paz no país, Tiago Costa, também criador e produtor da plataforma de humor Goz´Aqui, entende que, “para quem vive no centro da cidade, é provável que haja paz, mas há com essa paz maior insegurança, pois há mais desemprego e aumento de criminalidade. Podemos assumir que há paz. Porém, por força do não-investimento nos sectores-chave do país, temos um aumento de criminalidade, que vai desde a Cidade Alta até aos bairros”, frisou. Defendeu que “a centralização do poder é um dos inibidores do desenvolvimento dum país e acaba por tornar cego o poder, de forma a achar que uma pequena amostra representa aquilo que é a necessidade e a vontade dum todo”. Na óptica do artista, as consequências das acções tomadas durante o período de pandemia em Angola têm a ver com a má gestão que já existia. “A pandemia veio fazer o trabalho que normalmente faz a chuva em Luanda/Angola, que é destapar os males que, por norma, se faz em tempos de arco-íris”, argumentou. n enforcement officers against unarmed civilians. For this reason, the rapper Alpha Beto, another voice heard by the E&M, says that he does not believe that the guns have gone silent. Let us remember the murder of the street seller Juliana Cafrique by a firearm in women’s month back in 2019; the murder of the little boy Rufino, and more recently, the young man Inocêncio de Matos. There are several issues that make us believe that we are not living an actual peace. When I go out on the streets and come across a police officer, for instance, I feel insecure”, he stated. In his opinion, “peace is a synonym for tranquility and harmony, both psychological and social, and we must not carry the marks of the past forever in our lives”. He also said that the country is under construction and change is a process, which does not happen overnight, “but we urgently need to change the way we look at the present if we want Angola to move forward; its transformation begins with a shift of mindsets. A connection and dialogue between the government and the people is critical; and promises would give us back the hope taken away by the war”, highlights the artist. The lack of investment in education has halted the country

The comedian Tiago Costa thinks that Angola came to a standstill, in many of the essential sectors, precisely because it did not invest in the Education Sector, and consequently, all the other sectors became weak as there was no sustainable structure nor maintenance management. In other words, he emphasizes, we were not able to maintain things, “because we constantly go abroad looking for know-how; thus, we have a lack of national qualified personnel to follow up on the major projects, which are not actually designed especially for Angola. This factor makes us dependent on the external know-how; and even education is imported”. When he was asked whether he enjoys peace in the country, Tiago Costa, who is also the creator and producer of the comedy platform Goz’Aqui, understands that “probably there is peace for those living in the city center, but with this peace there is a greater insecurity, given that the unemployment rate is higher and the crime rate is increasing. We can assume that there is peace. However, due to the lack of investment in the key sectors of the country, crime is increasing from the upper city (Cidade Alta ) all the way to the suburbs, he emphasized. He defended that “the centralization of power is one of the inhibitors of a country’s development; it ends up making those in the power blind, believing that a small sample represents the needs and the will of a whole”. In the artist’s point of view, the consequences of the measures taken during the pandemic period in Angola have to do with the mismanagement that already existed. “The pandemic came to perform the job that the rain usually does for Luanda/Angola, which is to uncover the problems that arise throughout the rainbow period”, he argued. n

UM PASSO PARA FRENTE OUTRO PARA TRÁS

BACK AND FORTH

NUNO FERNANDES • jornalista journalist

Faz tempo que um titular do Ministério dos Transportes e Comunicações, numa sentada, exarou despachos ‘varrendo’ a maioria dos membros da direcção da TAAG. Para conferir maior força ao seu acto, promoveu uma cerimónia de despromoção, juntou numa sala os visados, pedindo que cada um deles, à medida que fosse chamado, desse um passo para frente e ditou-lhes, frontalmente, as razões subjacentes a cada exoneração. Variavam os casos. Conhecidas as razões, o despromovido dava um passo à rectaguarda, conferindo a vez ao próximo visado. Entre os despromovidos, encontrava-se Pimentel Araújo, digno quadro da companhia aérea, falecido a 23 de Março último, aos 71 anos. A razão apresentada era de que estava impossibilitado de exercer o cargo por ser estrangeiro. Com a peculiar frontalidade que lhe conhecemos, Pimentel, já com o passo dado em frente, pediu a palavra e exibiu o seu bilhete de identidade angolano, referindo que não tinha outro. Era angolano, ponto final! O ministro, sem se desmanchar, olhou-o nos olhos e vaticinou: “Dr. Pimentel, então se é angolano, dê um passo para atrás. Está readmitido nas suas funções!” Foi este mesmo Pimentel Araújo que esteve anos impedido de sair do país por uma acusação anónima e ardilosa de alguém que ainda hoje vive. O mesmo homem que um grupo de gente, com responsabilidades no país, decidiu exonerar e impedir de entrar na TAAG – na altura era o presidente do Conselho de Administração – pelo facto de se ter recusado a assinar o memorando que entregava a gestão da empresa à Emirates, o gigante do Dubai. Mas, pouco tempo depois, confirmou-se que a TAAG não era uma diversão para a Emirates e rapidamente aquele gigante mundial da aviação fez contas à vida e virou-nos as costas. Não nos enquadrávamos no seu modelo de gestão. A história de Pimentel, que homenageio como amigo, colega de empresa, Homem íntegro, estudioso e muitas vezes de enorme teimosia, remete-me para outros exemplos que infelizmente acompanhei. Vamos tendo cada vez menos homens de que tanto precisávamos e precisamos. Com espinha dorsal. Verticais e competentes. Líderes. Continuamos a dar passos para frente e outros, muitos infelizmente, para atrás. O de Pimentel, na cerimónia a que me referi neste apontamento, foi dos poucos, à rectaguarda, que vi como bem dado. n it has been a while since a cabinet Member in charge of the

Ministry of Transport and Communications, in one single shot, signed orders demoting most of the TAAG Board Members. To give a greater strength to this action, he organized a demotion ceremony in a room with the members who were the target of the action. Once there, they were called one by one to step forward and told, right in their face, the reasons why they were being demoted. The reasons were not all the same. After knowing them, the demoted person would step backward and so leaving space for the next one. Pimentel Araújo was amongst the demoted ones - a highly qualified staff of the airline company who passed away last month, March 23, at the age of 71. The reason given was that Pimentel could not hold that office because he was a foreigner. Pimentel, a known outspoken person, had already stepped forward, asked for the floor, and showed his Angolan ID, saying he did not have any other ID except the Angolan one. He was Angolan, period! The minister, without losing his posture, stared at him and said: “Dr. Pimentel, if you are Angolan, then step back. You’re reinstated in your post!” We are talking about the very same Pimentel Aráujo who was not allowed to leave the country for years. He was anonymously and cunningly accused by someone who he is still alive. This is the man that a higher-ranking group of people in this country decided to demote from his CEO position and blocked him from accessing TAAG facilities, because he had refused to sign the memorandum transferring the company’s management responsibilities to Emirates, the Dubai giant. However, it did not take long for Emirates to realize that TAAG was not a funny game. So, without wasting more time, the global aviation giant closed its accounts with us and turned its back. We did not fit into its business model. Pimentel’s history (who I hereby pay homage to as a friend, a colleague, a man of integrity, a scholar and most of the time a highly stubborn person) reminds me of many other cases I have unfortunately witnessed first-hand. We have less and less men we so much needed and still need. Brave. Honest and Competent. True leaders. We keep moving forward and, unfortunately, most of the time, backwards. Pimentel’s history at the ceremony I referred to above is one of the fewest steps given backwards that I reckon to be positive. n

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