Catálogo "Tempo Presente"

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Ministério da Cultura e Porto Seguro apresentam

tomie ohtake gisela motta E leandro lima laura vinci opavivarÁ! NAZARENO raquel kogan laura belém

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CONCEPÇÃO Amanda Dafoe e Rodrigo Villela 2017

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ÍNDICE INDEX

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Tempo Presente present time Amanda Dafoe e Rodrigo Villela

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Tomie Ohtake

20 TOMIE OHTAKE: DIMINUTAS COREOGRAFIAS PARA EXPRESSÕES NO ESPAÇO TOMIE OHTAKE: DIMINUTIVE CHOREOGRAPHIES FOR EXPRESSIONS IN SPACE Priscyla Gomes 22

Gisela Motta + Leandro Lima

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o tempo da espera Waiting time Cauê Alves

32 Laura Vinci 40

ENCONTROS encouters Pedro França

44 OPAVIVARÁ! 52

opavivará! SOMOS NÓS Opavivará! are us Maria Catarina Duncan

54 Nazareno 62

As narrativas de Nazareno – uma quase literatura The narratives of Nazareno—a quasi-literature Ricardo Resende

70 Raquel Kogan 78

Escritas e Escrituras nas obras de Raquel Kogan Writings and SCRIPTURES in the works of Raquel Kogan Priscila Arantes

82 Laura Belém 90 No teatro dos trópicos In the theater of the tropics Guilherme Giufrida 92 SOBRE OS AUTORES about the authors



TEMPO PRESENTE

present time

Historicamente e de maneira contínua as fronteiras da arte vêm sendo tensionadas. Cada vez mais artistas se interessam por deslocar o público do papel de mero observador passivo para o de coautor de suas obras de arte. No Brasil, as práticas participativas ganharam fôlego a partir da década de 1960, com artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, que voltaram seus trabalhos para experiências vivenciais indissociáveis do público.

Historically and continually the frontiers of art have been subjected to tension. More and more artists are interested in shifting the public from the role of mere passive observer to that of co-author of their works of art. In Brazil, participatory practices gained momentum starting in the 1960s, with artists such as Hélio Oiticica and Lygia Clark, who oriented their artwork toward existential experiences impossible to dissociate from the public.

As obras apresentadas na mostra Tempo presente trazem, cada uma delas a seu modo, a intenção de incluir o visitante, proporcionando experiências que o aproximem dos trabalhos e que possibilitem a ele estar presente, sensível ao tempo e ao espaço nesse momento de interação com a obra — um convite ao visitante para explorar, interagir e participar livremente da exposição.

The works shown in the Tempo presente [Present time] exhibition incorporate—each in its own way—the intention to include visitors, providing experiences that bring them closer to the works and allow them to be present, sensitive to time and space in the moment of interaction with the work—an invitation for each one to explore, interact and participate freely in the exhibition.

Sete artistas foram selecionados para expor suas obras em diferentes ambientes. No piso térreo, os arcos de Tomie Ohtake dividem espaço com a instalação Espera, da dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima. Nessa videoinstalação, os artistas utilizam dois bancos para projetar as sombras de um casal que jamais estará junto, mas que vive a expectativa do encontro, num rito que se repete: ora a sombra de um homem se senta, espera, depois se levanta e vai embora; ora a sombra de uma mulher refaz o mesmo percurso corpóreo-afetivo. Evocativas, essas sombras humanas configuram uma verdadeira presença da ausência. Esses mesmos bancos convidam o público a se sentar e a contemplar a obra em “seu interior”. Na rampa de acesso ao mezanino, cuja fachada de vidro descortina a rua, a artista Laura Vinci provoca o espectador: a cortina de neblina criada pela obra Morro mundo — Fragmento seria um obstáculo? A nebulosidade da fumaça de glicerina que, de modo rítmico, preenche e esvazia a rampa, pode ser também vista do lado de fora pelos transeuntes — uma espécie de respiração que emana do Espaço Cultural. No mezanino, a Rede social do coletivo OPAVIVARÁ! instiga momentos de aproximação real entre os visitantes. Uma rede convidativa, gigantesca e coletiva espera que o público interaja e partilhe um espaço em que a luz

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Seven artists were selected to exhibit their works in different settings. On the ground floor, Tomie Ohtake’s arcs share space with the installation Espera [Waiting] by the creative duo Gisela Motta and Leandro Lima. In this video installation, the artists use two benches to project the shadows of a couple that will never be together, but who live in the expectation of meeting, in a rite that repeats itself: sometimes the shadow of a man sits, waits, then rises and goes away; sometimes the shadow of a woman retraces the same corporal-affective path. Evocative, these human shadows form an effective presence of absence. These same benches invite the public to sit down and contemplate the work “inwardly”. On the ramp to the mezzanine, where a glass façade reveals the street, the artist Laura Vinci provokes the viewer: is the fog curtain created by the artwork Morro mundo—fragmento [Hillside world—fragment] an obstacle? The haziness of the glycerin vapor that fills and empties the ramp rhythmically can also be seen from the outside by passers-by—a kind of respiration that emanates from the Cultural Space. On the mezzanine, the Rede social [Social network] by the collective OPAVIVARÁ! instigates moments of actual approximation between the visitors. An inviting, gigantic, collective

hammock waits for the public to interact and share a space where the light adds to a feeling of comfort like that offered by a veranda. Almost ironical, the physical web of the fabric attracts and actually interconnects people who currently and increasingly are connected only by virtual networks. The series Sobre tesouros e outros domínios [On treasures and other domains] features four works by Nazareno, created on polished copper surfaces that reflect the image of the beholder. Evoking antique copper and bronze mirrors, current selfies and the myth of Narcissus, this experience makes the visitor who approaches this “mirror” a participant who is reflected in the work. In vol.ver [re.turn], Raquel Kogan presents a huge box filled with marble dust, reminiscent of playground sandboxes. Beside the work, pairs of shoes are available so visitors can leave their tracks in the white powder. With each step, the soles imprint texts on this unstable soil, forming infinite and spontaneous phrases that overlap one another in interaction with the other footprints. Ephemeral, they constitute a reference to the condition of language and communication—human characteristics that only occur with coexistence. In the sequence, artist Laura Belém’s Jardim Secreto [Secret Garden] is a complete sensory experience that raises questions about displacement, time, culture and memory. The feet walk on a gravel surface; hands grope and make their way through the jungle of cloth ribbons that descend from the ceiling. In the background, voices whisper non-sequential passages from Tristes Tropiques, French anthropologist Claude Lévi-Strauss’ account of his travels in Brazil. To enjoy a work of art as an experiential process requires that the participant confront reality without regard to the limits of the known or the preconceived. Present time offers the public the potency of sensory and collective experiences, and thus, potentiates the artists’ proposals and the trajectory created throughout the space. The exhibition presents an invitation to open up and to experience a condition of interchange that is possible only in this space and time.

reforça a sensação de conforto proporcionada por uma varanda. Quase uma ironia, a rede física de tecido atrai e interliga de fato pessoas que atualmente estão cada vez mais conectadas apenas por redes virtuais. A série Sobre tesouros e outros domínios apresenta quatro obras de Nazareno, criadas sobre superfícies polidas de cobre que refletem a imagem do espectador. Evocando os antigos espelhos de cobre e de bronze, as atuais selfies e o mito de Narciso, essa experiência faz do visitante que se aproxima desse “espelho” um participante que se reflete na obra. Em vol.ver, Raquel Kogan apresenta uma enorme caixa repleta de pó de mármore, que lembra os tanques de areia dos playgrounds. Ao lado, pares de sapato estão disponíveis para que o visitante deixe seu rastro no pó branco. A cada passo, as solas imprimem textos nesse solo instável, formando frases infinitas e espontâneas que se sobrepõem em interação com as demais pegadas. Efêmeras, configuram uma referência à condição da linguagem e da comunicação — características humanas que só existem a partir do convívio. Na sequência, o Jardim secreto da artista Laura Belém é uma experiência sensorial completa que levanta questões sobre deslocamento, tempo, cultura e memória. Os pés caminham sobre uma superfície de cascalho; as mãos tateiam e abrem caminho pela selva de fitas de tecido que descem do teto. Ao fundo, vozes sussurram trechos não sequenciais de Tristes trópicos, relato de viagens pelo Brasil do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. A fruição da obra de arte como processo de experiência requer do participante colocar-se diante da realidade para além dos limites do conhecido ou do preconcebido. Tempo presente oferece ao público a potência das experiências sensoriais e coletivas, e, assim, potencializa as propostas dos artistas e o percurso criado no espaço. A mostra apresenta um convite a se abrir e a vivenciar uma condição de troca só possível nesse espaço e tempo.

Amanda Dafoe e Rodrigo Villela

Amanda Dafoe and Rodrigo Villela

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tomie ohtake Nascida em Kyoto, no Japão, Tomie Ohtake (19132015) chega ao Brasil em 1936, onde se estabelece no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo. Aos quarenta anos, começa a pintar e, a partir de então, seus trabalhos destacam-se também na produção de gravuras e de esculturas. Ao longo de seu trabalho, Ohtake produziu mais de trinta obras públicas que se encontram em várias cidades brasileiras, além de ter participado de inúmeras bienais, no Brasil e no exterior.

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Born in Kyoto, Japan, Tomie Ohtake (19132015) arrives in Brazil in 1936 and settles in the Mooca neighborhood, in the city of São Paulo. At the age of forty, she begins to paint and, from then on, her production of engravings and sculptures also stand out. Over the course of her career, Ohtake produced more than thirty public artworks installed in various Brazilian cities, in addition to participating in numerous biennials in Brazil and abroad.

Sem título

Untitled Steel tube painted with epoxy, 2000

Esse arco de aço desenhado no ar se apresenta aqui como um portal instável que instiga o movimento. A força exercida pelo toque do visitante na peça catalisa a relação entre o público e as demais obras desta exposição e, de modo simbólico, carrega a ideia central da mostra: um convite a experenciar a arte contemporânea.

A design in the air, this steel arc presents itself as an unstable entryway that instigates movement. The force exerted as the visitor touches the piece catalyzes the relationship between the audience and the other works in the exhibition and, symbolically, transmits the show’s central idea: an invitation to experience contemporary art.

Tubo de aço pintado com epóxi, 2000

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“Essas obras todas tinham a ver

“These works all had to do with the

com o espaço onde elas seriam

space where they would be placed. And

colocadas. E o movimento [...] que o

constitutes in the mind what would be

olho vai fazendo constitui na cabeça aquilo que seria a escultura”.

the movement [...] that the eye traces

the sculpture”.

Ricardo Ohtake

Ricardo Ohtake

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TOMIE OHTAKE: DIMINUTAS COREOGRAFIAS PARA EXPRESSÕES NO ESPAÇO

TOMIE OHTAKE: DIMINUTIVE CHOREOGRAPHIES FOR EXPRESSIONS IN SPACE

“Longe de meu corpo ser para mim

“Far from my body being for me no more than a fragment of space, there would be no space at all for me if I had no body”.

apenas um fragmento de espaço, para mim não

Merleau-Ponty

haveria espaço se eu não tivesse corpo. ” Merleau-Ponty

Coreografar, isto é, pré-estabelecer uma série de roteiros ao movimento, guarda em si uma noção de desenho, de linhas delimitadas pelos corpos a vencer e transpor os espaços. Por vezes, coreografar é estabelecer uma métrica que torne possível a constância e o ritmo entre corpos, ora é reforçar o choque, é fazer da matéria desses corpos uma forma de resistência ao livre movimento do outro. Coreografar, tal qual um desenho, ganhou historicamente novos contornos. Passou da padronização e repetição dos movimentos – uma rígida disciplina, ao traduzir uma instrução mental à precisão do gesto corporal –, a uma maior abertura ao improviso na dança contemporânea. Nessas mudanças a coreografia adquire novo vocabulário, expande-se e abandona uma sintaxe canônica de gestos, quase que a deixar o movimento absorto às leis da gravidade dos corpos. Desenhar o movimento ou codificar o gesto são, por extensão, uma dimensão de como o artista se depara com seu ofício ou como parece induzir e provocar o outro frente à sua obra. O poeta e filósofo Paul Valéry afirmava que o pintor empresta seu corpo à pintura, tornando-os indissociáveis. A gestualidade, muitas vezes presa à dualidade entre precisão e acaso, traz em si uma dimensão de desenho, do desenrolar e mensurar um movimento. Gestualidade e geometria convivem como variáveis intrínsecas à longa trajetória de Tomie Ohtake. Talvez relativizadas somente pela familiaridade e apreço pela cor, essa tríade (gestualidade, geometria e cor) perpassa sua obra e é subsídio ao entendimento tanto de sua produção pictórica quanto escultórica.

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To choreograph, that is, to pre-establish a series of scripts for movement, encompasses a notion of drawing, of lines delimited by the bodies that are to overcome and transpose the spaces. Sometimes choreographing means establishing a metric that makes constancy and rhythm among bodies possible, at times a reinforcing of shock, to make the materiality of these bodies a form of resistance to the free movement of the other. Choreography, like a drawing, has gained new contours historically. It has gone from standardization and repetition of movements—a rigid discipline translating a mental instruction into the precision of the body gesture— to greater openness to improvisation in contemporary dance. In these changes, choreography acquires new vocabulary, expands and abandons a canonical syntax of gestures, almost letting the movement be absorbed by the laws of gravity of bodies. Drawing the movement or encoding the gesture are, by extension, a dimension of how the artist confronts his craft or how he seems to induce and provoke the other in relation to his work. The poet and philosopher Paul Valéry affirmed that the painter lends his body to the painting, making them inseparable. Gestuality, often tied to the duality between precision and chance, carries within itself a dimension of drawing, of unfolding and measuring a movement. Gestuality and geometry coexist as intrinsic variables in Tomie Ohtake’s long trajectory. Relativized, perhaps, only by the familiarity and appreciation of color, this triad (gestuality, geometry and color) permeates her work and lends support to the understanding of both her pictorial and sculptural production.

Oktake lends her body to the work, and its gestuality can be attributed to one of the different scales in which the artist designs its movement. Without using instruments to guarantee the accuracy of her compositions, the circles—constant elements in her imaginary—have always conveyed the ambiguity of the free gesture, with minutia and dexterity similar to that of oriental calligraphy. At different times, Ohtake brought to her studies an important step in her practice of gestural experimentation, which she imbued in the paintings, cutting, tearing small pieces of paper, or creasing and tensioning wires that would become part of larger sculptures or serve as models for large-scale interventions like her public works.

Tomie empresta seu corpo à obra e sua gestualidade pode ser atribuída a umas das diferentes escalas em que a artista desenha seu movimento. Não se valendo de instrumentos para garantir a precisão de suas composições, os círculos, elementos constantes de seu imaginário, traziam sempre a ambiguidade do gesto livre, com minúcia e destreza semelhante à caligrafia oriental. Em diferentes momentos, Tomie trouxe aos estudos uma importante etapa de ensaio da gestualidade que imbuía nas pinturas, cortando, rasgando pequenos pedaços de papel ou vincando e tensionando arames que comporiam esculturas maiores ou serviriam de modelo a grandes intervenções como suas obras públicas.

On the occasion of the 23rd Bienal de São Paulo (1996), the artist presented her tubular sculptures. The “mobile graphisms,” as the critic and curator Fernando Cocchiarale termed them, called attention by affording a changing relationship between the observer, the movement of the bodies and that of the sculptures.

Na ocasião da 23ª Bienal Internacional de São Paulo (1996), a artista apresentou suas esculturas tubulares. Os “grafismos móveis”, como denominou o crítico e curador Fernando Cocchiarale, chamavam a atenção por proporcionarem uma relação cambiante entre o observador, o movimento dos corpos e o das esculturas.

The pieces took shape through the delicate modeling of prototypes made of folded wire, whose sinuosity conferred a constantly unstable behavior to the arrangement. The curvature of the pieces was reflected not only in their movement, but also in bodies, in a state of availability for penetration and play. There is an explicit reversibility in the projection of the subject on the object and the object on the subject. The body of the one who enters becomes both artwork and point of view, lending color and background to the minimal materiality of the lines hollowed out in painted iron. The sculpture responds to the stimulus and seems to dance with the individuals who interact with it. The absence of a title, a choice often repeated in the artist’s work, does not induce an apprehension of the form. What cannot be described in words remains open, keeping the spectator and participant in an incessant re-signification. It is the movement that invites one to enter, which offers the possibility of, with the sinuosity of a line, reconfiguring a space. It is at this moment that the dance is established: when we, engrossed, lend our body to the work and find in Tomie Ohtake’s diminutive wire choreographies forms that transfigure us.

Priscyla Gomes

As peças ganharam forma pela modelação delicada de maquetes feitas em arame dobrado, cuja sinuosidade conferia um comportamento constantemente instável ao conjunto. A curvatura das peças refletia-se não só em seu movimento, como nos dos corpos, em um estado de disponibilidade à penetração e ao jogo. Há explícita uma reversibilidade na projeção do sujeito no objeto e do objeto no sujeito. O corpo daquele que adentra torna-se obra e ponto de vista, emprestando cor e fundo à mínima materialidade das linhas vazadas em ferro pintado. A escultura responde ao estímulo e parece dançar com os indivíduos que com ela interage. A ausência de título, escolha reiterada na produção da artista, não induz a uma apreensão da forma. Aquilo que não se pode descrever em palavras permanece aberto, mantendo o espectador e partícipe diante de um incessante ressignificar. É o movimento que o convida a adentrar, que lhe coloca a possibilidade de, com a sinuosidade de uma linha, reconfigurar um espaço. É nesse momento que se estabelece a dança: quando nós, absortos, emprestamos nosso corpo à obra e encontramos nas diminutas coreografias em arame de Tomie Ohtake, formas que nos transfigurem.

Priscyla Gomes

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gisela motta e leandro lima Nascidos em São Paulo, em 1976, Gisela Motta e Leandro Lima têm formação em artes visuais. A dupla de artistas iniciou seu percurso artístico em 1998 realizando pesquisas em vídeo e, a partir de edições de imagem e de som, aproximaram-se do universo da arte e da tecnologia. Os trabalhos desenvolvidos por eles representam visualidades descomplicadas e limpas, e falam de situações comuns à vida de todos.

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Born in São Paulo in 1976, Gisela Motta and Leandro Lima have degrees in visual arts. The creative duo began their artistic itinerary in 1998 investigating video; through the editing of images and sound, they approached the universe of art and technology. The works they have developed represent uncomplicated and clean visualizations, and speak of situations that are common to all.

ESPERA

Videoinstalação, 2013

Bancos de praças e outros espaços públicos são palco de encontros, desencontros, expectativas ou, simplesmente, do transcorrer do tempo. Nesta obra, as sombras projetadas parecem se configurar como memórias de alguns desses momentos, ao mesmo tempo em que compartilham o espaço com o público que se senta nesses mesmos bancos para observar a videoinstalação, o arco de Tomie Ohtake ou, simplesmente, descansar.

Waiting Video installation, 2013

Benches in parks and other public spaces set the stage for rendezvous, misunderstandings, expectations or, simply, for passing the time. In this work, the shadows that are projected seem to be giving shape to memories of some of those moments, even while sharing the space with spectators who sit on these same benches to watch the video installation, observe Tomie Ohtake’s arc or simply to rest.

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“Essa ideia de que muitas vezes estamos juntos, mas separados – com cada um no seu universo – é algo que

“This idea that we are often together, but separate—with each one within our own universe— is something we live a lot today.”

Gisella Mota and Leandro Lima

vivemos muito hoje.” Gisella Mota e Leandro Lima

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O tempo da espera

Waiting time

O tempo é o protagonista do trabalho Espera, 2013, de Gisela Motta e Leandro Lima. Nele, dada a falta de ação, é como se o tempo não passasse. Trata-se de um tempo estendido ao infinito, que não sabemos onde começou e nem quando se acabará.

Time is the protagonist of the work Espera [Waiting], 2013, by Gisela Motta and Leandro Lima. In it, given the absence of action, it is as if time doesn’t move along. It’s about a time extended to infinity: we don’t know where it began or when it will end.

Ao longo do vídeo em loop, projetado sobre um par de bancos, alternam-se as silhuetas de uma mulher e de um homem que nunca se encontram. Os bancos, que se repetem em outros lugares do Espaço Cultural Porto Seguro, projetam sombras que se confundem com as das personagens. Um espera pelo outro, mas eles nunca estão em quadro simultaneamente. O silêncio e a ausência de imagens que identifiquem plenamente o casal, afinal temos apenas imagens de alguém que não vemos, deixam a cena do encontro frustrado ainda mais misteriosa.

During the looped video, projected on a pair of benches, the silhouettes of a woman and of a man—who never meet—alternate. The benches, which are reiterated in other locations in the Porto Seguro Cultural Space, project shadows that merge with those of the characters. Each one waits for the other, but they are never in the frame simultaneously. The silence and the absence of images that would fully identify the couple—after all we only have images of someone we don’t see—make the scene of the frustrated encounter even more mysterious.

Esse vídeo pode ser compreendido relacionando-o aos trabalhos da dupla em que a relação afetiva entre um casal é abordada, mas também pode ser visto em relação ao teatro do absurdo e a quebra da linearidade do tempo.

This video can be understood by relating it to the works of the artistic duo in which they approach a couple’s affective relationship, but it can also be seen in relation to the theater of the absurd and the disruption of time’s linearity.

Em Esperando Godot, 1952, de Samuel Beckett, ao redor da promessa de chegada de um homem que pouco conhecemos, chamado Godot, é criada uma grande expectativa. Tudo se passa como se o tempo estivesse paralisado.

In Waiting for Godot, 1952, by Samuel Beckett, great expectation is created around the promised arrival of a man we hardly know, called Godot. Everything happens as though time were paralyzed.

Em Espera, enquanto aguardamos por algo que nunca virá, percebemos que a experiência que temos com o tempo é elástica, varia de acordo com a nossa ansiedade ou desejo de encontro, uma vez que não há qualquer certeza sobre o futuro. O tempo dilatado também é tratado em Passei-o, 2005, em que num plano fixo um trem é aguardado até que a sua chegada seja anunciada pelo apito. O espectador tende a ficar mais tempo esperando o trem do que contemplando a sua passagem, que é ligeira, quase instantânea. O trem se transforma em paisagem, sua imagem se camufla com o entorno, como se fosse negada ao ser substituída por fachadas vistas. A paisagem é na verdade passagem efêmera, mais ligada ao tempo que ao espaço.

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In Espera, while awaiting something that will never come, we realize that our experience with time is elastic, varying according to our anxiety or desire for encounter, inasmuch as there is no certainty about the future. A time that is dilated is also dealt with in Passei-o [Excursion/Passing by], 2005, in which a train is awaited on a fixed plane until a whistle announces its arrival. The spectator tends to spend more time waiting for the train than contemplating its passing, which is swift, almost instantaneous. The train is transformed into landscape; its image is camouflaged by the surroundings, as if it were negated as it is replaced by facades already seen. The landscape is actually an ephemeral passage, more linked to time than space.

The reflection regarding time reappears differently in other works by the duo, as in Relâmpago [Lightning], 2015, in which the instant of a lightning flash generated by electrical discharge is frozen. In an inner space, tubular lightbulbs mimic and infinitely prolong the intense light of a natural and ephemeral phenomenon.

A reflexão sobre o tempo reaparece de modo diferente em outros trabalhos da dupla, como em Relâmpago, 2015, em que o instante de um clarão gerado pela descarga elétrica é congelado. Em um espaço interno, lâmpadas tubulares mimetizam e prolongam ao infinito a luz intensa de um fenômeno natural e efêmero.

Throughout the trajectory of Gisela Motta and Leandro Lima, the natural and the artificial are confounded. Instead of being treated as polar opposites, they are aspects of the same reality. The idea of nature is constructed historically and, above all, is a cultural product. We don’t know where the frontier between high tech and low tech might be. In addition to revealing the process involved in constructing many of their works—analog mechanisms and visible wires—they make use of projector errors, looking for simple solutions and bordering on the antitechnological.

Ao longo da trajetória de Gisela Motta e Leandro Lima, o natural e o artificial se confundem. Em vez de tratados como polos opostos, são faces de uma mesma realidade. A noção de natureza é construída historicamente e, antes de tudo, é um produto cultural. Não sabemos mais onde estaria a fronteira entre o high tech e o low tech. Além de revelarem o processo de construção de muitos de seus trabalhos, os mecanismos analógicos e fios aparentes, eles se valem de erros de projetores, buscando soluções simples e beirando o antitecnológico.

The Anti-horário [Counterclockwise] video, 2011, deals with a cyclical time taking, as starting point, a measure that measures nothing. While the planet rotates counterclockwise, it is as if the children walking on the terrestrial sphere were marking the seconds and minutes. But since time is immeasurable, pure quality, the video deals more with the impossibility of measuring our actual experience with a time that never ceases to slip away than with determining a quantity of minutes or hours. The notion of time in the works of Gisela Motta and Leandro Lima is not progressive, nor is it linear, tending rather towards a circularity that repeats itself in an eternal present. Perhaps there is something of the Nietzschean notion of eternal return, a frightening concept, which questions the validity of our actions. Would we like to relive eternally this life that keeps waiting for something that will never happen?

O vídeo Anti-horário, 2011, trata de um tempo cíclico a partir de uma medida que nada mede. Enquanto o planeta gira no sentido anti-horário, é como se o caminhar de crianças sobre a esfera terrestre marcasse segundos e minutos. Mas como o tempo é imensurável, qualidade pura, o vídeo trata mais da impossibilidade de medirmos a nossa efetiva experiência com um tempo que não cessa de transcorrer do que da determinação de uma quantidade de minutos ou horas. A noção de tempo nos trabalhos de Gisela Motta e Leandro Lima não é progressiva, tampouco linear, mas tende para uma circularidade que se repete num eterno presente. Talvez tenha algo da noção nietzschiana de eterno retorno, um conceito amedrontador, que questiona a validade dos nossos atos. Gostaríamos de reviver eternamente essa vida que espera por algo que nunca virá?

Cauê Alves Cauê Alves

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laura vinci Nascida em São Paulo, em 1962, Laura Vinci inicia sua prática artística com a pintura. A partir de 1997, passa a trabalhar com materiais tridimensionais. Apresentadas em bienais em São Paulo e no exterior, suas obras dialogam com questionamentos acerca da passagem do tempo. Seus trabalhos, quase sempre desenvolvidos em grande escala, utilizam materiais como areia, metal e água, propondo não só contrastes conceituais como também de materialidade.

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Morro mundo – fragmento

Hillside world—fragment Installation, 2013-17

Como uma névoa que ora se adensa, ora se dissipa, a obra Morro mundo –– fragmento cria uma atmosfera paralela nesta exposição. A travessia que se realiza ao longo da obra configura uma transição sensorial entre os andares do edifício e sinaliza uma relação pulsante com o entorno: pela grande fachada envidraçada, a cidade se oculta e se revela.

Like a mist that sometimes intensifies, sometimes dissipates, the work Morro mundo –– fragmento [Hillside world—fragment] creates a parallel atmosphere in this exhibition. To traverse the entire extension of the installation gives form to the sensorial transition between the floors of the building and signals a pulsating relationship with the surroundings: through the large glass façade, the city both conceals and reveals itself.

Instalação, 2013-17

Born in São Paulo in 1962, Laura Vinci initiates her artistic practice with painting. From 1997 on, she begins to work with three-dimensional materials. Presented at biennials in São Paulo and abroad, her works dialogue with questionings about the passage of time. Her works, almost always developed in large scale, use materials such as sand, metal and water, proposing conceptual as well as material contrasts.

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“Todo mundo é artista. Em

“Everyone is an artist.

algum lugar o ser humano está

is expressing, in some way, his

expressando a sua experiência de

Somewhere the human being

experience of being here.”

Laura Vinci

estar aqui, de alguma forma.” Laura Vinci

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ENCONTROS Este texto descreve três encontros com a obra de Laura Vinci. Eles se deram em níveis de experiência e presença distintos: o primeiro, com a obra em si, na ausência e na minha ignorância de sua autora; o segundo, remoto, via imagem. E o terceiro, finalmente, pessoal, de corpo presente, no Centro Cultural Porto Seguro. Bienal de São Paulo, 2004… Warm White… era a primeira vez que eu vinha ver a Bienal… lembro de pouca coisa… mas lembro de Warm white, as bacias de mármore com água; luz entrando pela parede de vidro do pavilhão, trazendo cor para o branco quase imaterial da obra; mármore e água negociavam uma interseção leitosa… e o pó em cima dos espelhos d’água como, como aquilo que, ao longo da noite, se deposita sobre o copo ao lado da cama… Perguntei-me se a artista havia antecipado essas sujeirinhas. Um mecanismo de mangueiras plásticas e resistências elétricas arrastava-se pelo chão e mergulhava nas bacias; a resistência aquecia e acelerava o processo de evaporação da água... o trabalho tinha, de fato, uma névoa, quente e úmida, pairando sobre si. Eu tinha 19 anos. Lembro de comparar esse trabalho a uma paisagem; sua horizontalidade parecia um campo sobrevoado. Warm White contribuiu para reforçar meu amor por obras horizontais, deitadas, preguiçosas. As bacias da Laura, evaporando lentamente, eram lânguidas e sensuais. Vontade de acarinhar aquelas formas moles. “Ainda viva”, 2008… abri o jornal num sábado de ressaca, em Botafogo, no Rio de Janeiro; no caderno de cultura, vi uma fotografia magnífica: uma mesona de mármore com as pilhas de maçãs em volta, por cima e por baixo dela. Alguns blocos de mármore pareciam soltos da mesa e espalhados no chão; A pilha de maçãs parecia caída de um cesto infinito, de uma altura enorme. Minha memória me indicava, até outro dia, a presença de uma árvore. Tratavase, na verdade, de um imenso cacho de peças em vidro com braçadeiras, que pendia da viga da galeria; a verticalidade do conjunto de fato podia fazer o papel de árvore, ou de um raio de luz entrando pelo teto e tocando o chão. Mas no dia anterior eu tinha bebido muito mesmo. Não me lembrava como tinha ido parar na minha cama. Naquela época, a ressaca me deixava de bom humor. Estava lento, e aquela fotografia foi capaz de me conduzir

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ENCOUNTERS This text describes three encounters with the work of Laura Vinci. They took place at different levels of experience and presence: the first, with the work itself, in my ignorance of its author and in her absence; the second, remote, via image. And the third, finally, person, with bodily presence, in the Porto Seguro Cultural Center. The Bienal de São Paulo, 2004 . . . Warm White . . . it was the first time I had been to the Bienal . . . I don’t remember much . . . but I remember Warm White: the marble basins with water; light coming in through the glass wall of the pavilion, bringing color to the almost immaterial white of the work; marble and water negotiating a milky intersection . . . and the dust on the reflecting pools, like the dust that settles overnight on a glass of water beside the bed . . . I wondered if the artist had anticipated this slight dirtiness. A mechanism of plastic hoses and electrical resistances crawled across the floor and plunged into the basins; the resistance heated and accelerated the process of the water’s evaporation . . . there was, in fact, a mist, hot and humid, hovering over the work itself. I was 19 years old. I recall comparing this work to a landscape; its horizontality seemed like a field one is flying over. Warm White contributed to reinforce my love for horizontal works, ones that are lying down, lazy. Laura’s basins, slowly evaporating, were languorous and sensual. An urge to caress those soft forms. Ainda Viva [Still Alive], 2008 . . . I had a Saturday hangover in Botafogo, in Rio de Janeiro, when I opened the newspaper; in the culture section, there was a magnificent photograph: a large marble table with apples heaped around it, over it, underneath it. Some marble blocks seemed to have come loose from the table and were scattered on the floor, and the pile of apples seemed to have fallen from an infinite basket at an enormous height. My memory indicated, until the other day, the presence of a tree. It was, in fact, an immense cluster of glass pieces with braces, suspended from the gallery beam; the verticality of the grouping could indeed play the role of a tree, or a ray of light entering through the ceiling and touching the ground. But the day before I’d really had a lot to drink. I couldn’t even remember how I’d ended up in my bed. At the time, the hangover put me in a good mood. I was sluggish, and

the photograph managed to guide me through that singular space, which had something of the quality of a metaphysical landscape . . . in the image, the apples seemed immobile, eternal, but I thought about the acid smell the whole room would come to have, and the fruit rotting on and under and around the shining marble; I was happy, so much so that I was even amused by the text the photo illustrated. It was a critical column written by Ferreira Gullar . . . a text beyond reactionary, dripping ink on the paper to say the work was not good, that it was not art, that it was ephemeral, that it had no artisanal merit, and so on. Laura commented that Gullar was attacking the work without having seen it in person. I, on the other hand, loved it from a distance. In hindsight, I was charmed by the dimension of aliveness in that situation: the glass cluster as light, the marble monument, and the apples . . . in transformation ... still life, still alive . . . but the ironic tone of the poet’s text made me see humor in that elegant work, and opened my eyes to the vulgarity that emerged from under the symbolic imagery of the apples. It was fruit, actual fruit, fruit things, I don’t know . . . something alive that would be dying over time. I loved the artists of Arte Povera, and I had discovered Giovanni Anselmo, who had done the wonderful work with lettuce secured between two granite stones by a golden thread, and every day, or almost every day, the lettuce withered and the arrangement fell apart and they had to go there to substitute the lettuce. In Laura’s work, she imagined a swarm of flies landing on the apples and on the stone table. For a moment, I imagined that the marble, thinking itself an apple, decided to rot, turning into moldy green marble before turning into dust. For if the apples are alive, it is reasonable to suppose that marble and glass are also alive. “The world is a mill,” the machine that transports the marble dust dislodges the stone . . . a monument turning into pollen. For a few years I kept a clipping from that newspaper on a corkboard. I isolated it from the violent text. I saved the image—the rest was tossed out —until one day I noticed that the photograph itself had faded; the red apples and the white marble had blended into a homogeneous brown; both had rotted, and I threw them away. When I arrived to talk with Laura about Hillside world––fragment, a work exhibited in Present

por aquele espaço singular, que tinha algo de paisagem metafísica… na imagem as maçãs pareciam imóveis, eternas, mas pensei no cheiro ácido que a sala toda deveria ter e no apodrecimento das frutas sobre, sob, e ao redor do mármore reluzente; estava feliz, e por isso até achei graça no texto que a foto ilustrava. Tratava-se de uma coluna crítica escrita por Ferreira Gullar… um texto pra lá de reaça, que pingava tinta no papel para dizer que aquilo não prestava, que não era arte, que era efêmero, que não tinha artesania nenhuma, etc. Laura comentou que Gullar atacava a obra sem tê-la visto pessoalmente. Eu, por outro lado, amei-a a distância. Pensando retrospectivamente, encantava-me a dimensão viva daquela situação: o cacho de vidro como luz, a lápide fria de mármore, e as maçãs… em transformação… still life, still alive… mas o tom irônico do texto do poeta me fez ver humor naquele trabalho tão elegante, e me abriu os olhos para a vulgaridade que aparecia sob o simbolismo imagético das maçãs. Eram umas frutas, frutas mesmo, coisas frutas, sei lá… um troço vivo que ia morrendo com o tempo. Eu amava os artistas da arte povera, e descobria o Giovanni Anselmo, que tinha feito aquele trabalho maravilhoso da alface presa entre duas pedras de granito por um fio de ouro, e todo dia, ou quase todo dia, a alface murchava e o conjunto caia e tinham que ir lá trocar a alface. No trabalho da Laura, ficava imaginando a multidão de moscas pousando nas maçãs e na mesa de pedra. Por um momento imaginei que o mármore, achando que era maçã, resolvia apodrecer, virando mármore verde bolorento antes de virar pó. Pois, se as maçãs estão vivas, é razoável supor que mármore e vidro também estejam. “Moinho do mundo”, a máquina de transporte de pó de mármore faz a pedra deslocar-se... lápide virando pólen. Por alguns anos, guardei um recorte daquele jornal num quadro de cortiça. Isolei-a do texto violento. Guardei a imagem, e lixo com o resto. Até que um dia, notei que ela mesma, a fotografia, desbotou-se; as maçãs vermelhas e o mármore branco mesclaram-se num marrom homogêneo, apodreceram ambos, e joguei-os fora. Pois quando eu cheguei para conversar com a Laura a respeito de Morro mundo – fragmento, obra exibida em Tempo presente, essas eram as principais vivências que tinha tido com seu trabalho, desde os 19 anos de idade. Enquanto a fumaça ia e vinha, muito lenta ou muito rápida, pelos canos de vidro, e ocupavam a passarela

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externa do prédio, e os cronogramas da sua respiração estavam sendo definidos com técnicos competentes, nós conversávamos um pouco. E aqui encontramos, logo no início desta primeira conversa, a paixão em comum pelo teatro. Laura fez a direção de Arte da primeira montagem de “Cacilda”, do Teatro Oficina, em 1998, e participou da concepção visual da primeira parte de Os Sertões também do Oficina. Trabalhou também com o Teatro da Vertigem e com Georgette Fadel, em O Duelo, sempre fazendo a direção de arte e cenografia; perguntei se ela trabalhava com projetos avulsos. Mas ela respondeu que as suas relações com os grupos eram sempre longas e envolviam primeiro estar junto, fazer parte, mais do que executar um projeto. Hoje, Laura faz parte da Mundana Companhia, cuja última apresentação, Máquina do Mundo, trazia finalmente as árvores que inventei junto às maçãs suspensas ao longo do corredor do Teatro Oficina. Entendi, então, que Laura, como eu, vivia essas duas vidas contíguas, entre o teatro e o campo das artes visuais. E não é um trânsito usual. É uma espécie de mitologia, mas com um grão de verdade, a que diz que os artistas plásticos não gostam de teatro, e vice-versa. O povo do teatro nos tem por aristocratas, e não sem razão. E é comum que os artistas tenham os atores por histriônicos e uma gente sem rigor, e por nenhuma razão. De fato, “teatral”e “cenográfico” eram duas das piores coisas que se poderia dizer sobre uma instalação ou performance, gêneros que historicamente se constituíram em oposição a noções caricaturais de cenografia e atuação da teatralidade, tradicional que já eram obsoletas no próprio meio do teatro no momento em que essas hostilidades se conformam. Penso, portanto, que podemos ganhar ao olhar para a obra de Laura à luz de sua relação com o teatro. Na precariedade e transitoriedade do evento, os materiais e elementos formais caros ao trabalho plástico (a areia, a pedra, o vidro, as superfícies alvas, etc.) são atiçados e transformados pelos atores. Os próprios materiais performam e, em contato com os corpos que os tocam, confessam possiblidades que, em geral, não acessamos na galeria. O pó de mármore vira areia, caindo como cachoeira sobre a cabeça de um ator em Os Sertões; o branco inerte de suas peças de mármore agita-se na tempestade de papel em O Duelo. Cy Twombly dizia, sobre o gesso branco que revestia suas esculturas de material precário: “Este

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Time, these were the main experiences I had had with her work since age 19. As the mists came and went through the glass pipes, very slowly or very rapidly, and occupied the building’s outer walkway, and the timetables for its respiration were being defined by competent technicians, we chatted a little. And here we found, at the very beginning of this first conversation, a common passion for theater. Laura was Art Director for the first mounting of “Cacilda”, by Teatro Oficina, in 1998, and participated in the visual conception of the first part of Os Sertões [Backlands], also with the Oficina. She also worked with the Teatro da Vertigem and with Georgette Fadel, in O Duelo [The Duel], always responsible for art direction and set design. When I asked if she worked on stand-alone projects, she told me that her relationships with the groups were always long and involved first being together, being part of the group, more than executing a project. Today, Laura is part of Companhia Mundana, whose last presentation, Máquina do Mundo [Machine of the World], finally brought the trees that I’d invented alongside the apples, suspended along the hall of Teatro Oficina. I understood then that Laura, like myself, lived these two contiguous lives, between theater and the field of visual arts. And it is not a usual sort of transit. There is a kind of mythology, but with a grain of truth, which says that visual artists don’t like theater, and vice versa. The theater people regard us as aristocrats, and not without reason. And it is common for artists to think of actors histrionic, people without rigor, for no reason. In fact, “theatrical” and “scenographic” were two of the worst things that could be said about an installation or performance, genres that were constituted historically in opposition to caricatured notions of scenography and theatrical acting, and were already obsolete in the medium of theater itself at the time of these hostilities. So, I think we can gain by looking at Laura’s work in the light of her relationship with the theater. In the precariousness and transience of the event, the materials and formal elements that are dear to visual arts (the sand, the stone, the glass, the white surfaces, etc.) are fueled and transformed by the actors. The materials themselves perform and, in contact with the bodies that touch them, confess possibilities that, in general, we do not access in the gallery. The marble powder turns to sand, falling like a

waterfall on an actor’s head in Os Sertões; the inert white of the pieces of marble stir in the paper storm in O Duelo. Cy Twombly said of the white plaster that covered his sculptures with precarious material: “This is my marble”; in the theater, Laura’s repertoire of materials is enlarged and downgraded: plastic, shredded paper, canvas, trees . . . the energy and the time that the artist dedicates to her work as set designer and art director obliges us to recognize that this is one of the main branches of her practice, and not an exception, that the free circulation from one context to another, migrating from the installations to the theater, a kind of formal intelligence and material rigor, and from the theater to museums and galleries, has been reinforcing the sense of transience. In these theatrical installations, the materials (vapor, apple, marble powder, etc.) act, perform, transform themselves and move about, emphasizing the scenographic aspect of the architecture around them: the rooms, passageways, patios, etc., become the living support of an event that the works promote, for and along with our eyes and our bodies.our eyes and our bodies. In Hillside world––fragment, a work present in this exhibition, the timer that dictates the rhythm of the work’s functioning creates the ambience of a “spectacle”, typically theatrical: as we enter the little hallway to the side, the curtains open and the mists stir. Finally, if we want to evoke the ritual dimension of the practice of Teatro Oficina, a group with which Laura collaborated for years, perhaps we can think of the theater as a laboratory for the construction of “it’s us, here now”: together, live, present time, in person. A form of the direct experience of bodies; the construction of a common space among public, artists and things, a radical form of temporary coexistence: theater is a tool in favor of empathy, hugely urgent in this world.

é meu mármore”; no teatro, o repertório de materiais da Laura se amplia e se rebaixa: plástico, papel picado, lonas, árvores… a energia e o tempo que a artista dedica ao seu trabalho como cenógrafa e diretora de arte nos obriga a reconhecer que esse é um dos braços principais de sua prática, e não uma exceção; a circulação livre de um contexto a outromigra, das instalações para o teatro, um tipo de inteligência formal e rigor material; e, do teatro para os museus e galerias, vem reforçado o sentido de transitoriedade. Nessas instalações teatrais, os materiais (vapores, maçã, pó de mármore, etc.) atuam, performam, transformam-se e se movem, enfatizando o aspecto cenográfico da arquitetura à sua volta: as salas, passagens, pátios, etc., tornam-se o suporte vivo de um acontecimento que as obras promovem, para e junto aos nossos olhos e nossos corpos. Em Morro mundo – fragmento, obra presente nesta exposição, o timer que dita o ritmo de funcionamento da obra cria um clima de “sessão”, tipicamente teatral: ao entrarmos no corredorzinho ali do lado, as cortinas abrem e os vapores se agitam. Finalmente, se quisermos evocar a dimensão ritual da prática do Teatro Oficina, grupo com que Laura colaborou por anos, talvez possamos pensar no teatral como um laboratório de construção do “é nós, aqui agora”: juntos, ao vivo, tempo presente, corpo presente. Forma da experiência direta dos corpos; da construção de um espaço comum entre público, artistas e coisas, forma radical de coexistência temporária: teatro é ferramenta a favor da empatia, grande urgência deste mundo.

Pedro França

Pedro França

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opavivará! Criado em 2005, no Rio de Janeiro, o coletivo Opavivará! desenvolve trabalhos e ações em locais públicos, propondo uma reinvenção do modo de se relacionar com as cidades. Suas obras frequentemente problematizam questões sociais e já ocuparam e ativaram diversos espaços no Brasil e no mundo.

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REDE SOCIAL

Social network Hammocks, rattles made of PET bottle caps, cords and people, 2017

Uma generosa e coletiva rede de descanso convida o visitante à permanência. Ao balançar, o som dos chocalhos remete ao barulho do mar e aos instrumentos musicais dos povos indígenas. Esta obra configura um espaço para estar sem pressa, um local de experimentação e de convivência.

A generous and collective hammock for relaxation invites the visitor to linger. As it sways, the noise of the rattles recalls the sound of the sea and the musical instruments of indigenous peoples. This work gives shape to an unhurried space, a place for experimentation and being together.

Redes, chocalhos de tampas de garrafa pet, cordas e pessoas, 2017

Created in 2005, in Rio de Janeiro, the collective Opavivará! develops works and actions in public places, proposing to reinvent how people relate to cities. Their works often problematize social issues and have occupied and activated various spaces in Brazil and around the world.

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“É mais difícil estar dentro da

“It’s harder to be in the hammock or to get

rede ou passar o caminho dentro

alone than when there are more people.”

dela estando sozinho do que

from one side to the other when you’re

Opavivará!

quando tem mais pessoas”. Opavivará!

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OPAVIVARÁ! somos nós

OPAVIVARÁ! are us

O nome do coletivo carioca OPAVIVARÁ! é uma onomatopeia que reúne três palavras: OPA, VIVA e ARA. A primeira chega como um deslize, uma chamada de atenção após a queda, OPA, pede para que as guardas caiam, enquanto sugere um estado de alerta. Dado o susto inicial do primeiro contato, recebemos um grande VIVA, a celebração da vida, um chamado para a alegria, de braços abertos que trazem o acolhimento. Por último, ARA que, em Tupi significa tempo, espaço, céu, claridade e dia; em Iorubá, significa corpo; e, em português, “arejar a terra”. É a partir dessa combinação de estados, sentidos e urgências que adentramos no exercício de convivência que é OPAVIVARÁ!

OPAVIVARÁ!—the name of the collective from Rio de Janeiro—is an onomatopoeia that brings together three words: OPA, VIVA and ARA. The first signals a verbal slip-up or an attention-getting exclamation after a fall; OPA asks you to let your guard down while also suggesting a state of alert. After the jolt of this first contact, we get a big VIVA, a celebration of life, a call to joy, with arms that are open and welcoming. Finally, ARA, which in Tupi means time, space, sky, clarity and day; in Yoruba, it means body; and, in Portuguese, “to aerate the earth.” It is from this combination of states, senses and urgencies that we enter the exercise in coexistence that is OPAVIVARÁ!

O coletivo começou em 2005 com uma simples ação de espalhar panfletos com a frase: “Onde estão os sonhos que não podem ser comprados?”. Desde então vêm transformando corpos e espaços, celebrando a vida, arando a terra e chamando a atenção para a possibilidade de se fazer política com entusiasmo e amor. OPAVIVARÁ! bebe de muitas fontes, uma só não bastaria, brotam da tropicália e se desdobram pela antropofagia, esbarram no Hélio, pedem a bênção ao Zé Celso, cultuam Deus Tupã, Exu e Jesus Cristo e seguem viagem ao século 21, conversando com os públicos mais diversos, do Mercadão de Madureira ao Guggenheim de Nova York, desmontando tabus e misturando corpos. Já não nos interessa saber quem são OPAVIVARÁ!. Tratase de um corpo múltiplo que são todxs, uma unidade formada por muitas vozes dissonantes. OPAVIVARÁ! não são os outros, OPAVIVARÁ! somos nós e só a partir desse entendimento a magia poderá fazer efeito. Estes corpos estão soltos, libertos, misturados e sem correntes, articulados numa trama visível que chamaremos de Rede Social. Juntos balançamos essa rede promotora de encontros, como a nau dos insensatos citada por Foucault: um lugar onde tudo é permitido e podemos vagar à deriva ou sacudir intensamente sem nos importar com um destino final, negociando as melhores formas de conviver no mesmo espaço. Há apenas uma lei, é melhor navegarmos juntxs do que sós. A rede tem origem ameríndia – provavelmente criada pelos Aruaques e Caraíbas – e tornou-se presente em grande parte das comunidades indígenas do Brasil. Durante o

The collective began in 2005 with the simple action of distributing pamphlets with the phrase: “Where are the dreams that cannot be bought?”. Since then, they have been transforming bodies and spaces, celebrating life, plowing the earth and calling attention to the possibility of doing politics with enthusiasm and love. OPAVIVARÁ! drinks from many sources—one would not be enough. They germinate from Tropicália and unfold in anthropophagy; they bump into Hélio, ask for Zé Celso’s blessing, worship the God Tupã, Exu and Jesus Christ and continue their journey into the 21st century, conversing with the most diverse of publics, from the Big Market in Madureira to the Guggenheim in New York, dismantling taboos and blending bodies. We are not even interested in knowing who is part of OPAVIVARÁ!. It’s about a multiple body that is everyone, a unity formed by many dissonant voices. OPAVIVARÁ! is not the others; we are OPAVIVARÁ! and it is only with this understanding that the magic can take effect. These bodies are loose, free, intermingling and unchained, articulated in a visible network that we will call Social Network. Together we sway this hammock/net that encourages encounters, like the ship of fools cited by Foucault: a place where everything is permitted and we can drift or rock intensely, no matter the final destination, negotiating the best ways to live together in the same space. There is only one law, that it is better to navigate together than alone.

enous communities. During the colonial period, it was used by the settlers so that slaves could carry them as they rested on trips into the interior. Today, the hammock frequents both indigenous dwellings and vacation homes, from porches to cultural institutions. But it is always one, made for one body alone, one single repose, one slumber. It may be placed in a social arrangement, but its physical delimitation is almost always unitary. By joining twelve hammocks in one, the process of socialization of the hammock achieves new layers and contacts and, in this way, the private space is diluted and boundaries become permeable. As the large hammock—also a ship—is used, rattles produce a dissonant sound. The rattles are made by China, a craftsman who builds musical instruments with materials he collects, and which he claims to have important differences in size, shape and color in order to produce a harmonious sound. It is not the case that we should all become alike or use bottle caps that are all the same—the differences are evident and should not be erased— but it is necessary that we unite in order to leverage experiences. What must be preserved is the relatedness, one reality rubbing up against another, entrances opening into new territories. The rattle, like a particle accelerator, keeps up the high energy of this ship’s crew. According to Hannah Arendt, “politics refers to the coexistence and association of dissimilar men,”1 and it happens among men in a relationship demarcated by freedom. In this physical “Social Network,” OPAVIVARÁ! suggests a political condition, a place for encounter where there is complete freedom to fling your body over another and celebrate. When we celebrate, we discover that we are not alone. When we discover that we are not alone, we do politics. When we celebrate together, we do politics. There is no longer any hope of organizing people around a common ideal, so what we have left is to destroy language, explode with it. We need neither ideology nor cerebral constructs— it’s time to understand our human nature, our human poetry. As Torquato Neto used to say; “Above all, today is a day of love.”

Conforme a grande rede – que também é nau – é utilizada, chocalhos produzem um som dissonante. Os chocalhos são feitos pelo China, artesão e construtor de instrumentos musicais com materiais coletados, que afirma terem importantes diferenças em termos de tamanho, formatos e cores, de modo que um som harmônico possa ser produzido. Não é o caso de nos tornarmos iguais e nem de usarmos as mesmas tampas de garrafas, as diferenças são evidentes e não devem ser apagadas, mas é preciso nos unirmos para potencializar experiências. O que se deve preservar são as relações, o roçar de uma realidade em outra, a abertura de entradas para territórios novos. O chocalho, como acelerador de partículas, mantém as altas energias dos tripulantes dessa nau. Segundo Hannah Arendt, “política diz respeito à coexistência e associação de homens diferentes”1, e acontece entre os homens em uma relação demarcada pela liberdade. Nessa “Rede Social” física OPAVIVARÁ! sugere um estado político, um local de encontro em que existe total liberdade para jogar seu corpo sobre o outro e festejar. Quando festejamos, descobrimos que não estamos sozinhos. Ao descobrirmos que não estamos sozinhos, fazemos política. Quando festejamos juntos, fazemos política. Não existe mais nenhuma esperança de organizar as pessoas em torno de um ideal comum, o que nos resta é destruir a linguagem e explodir com ela. Não precisamos de ideologia, nem de construções cerebrais – é tempo de entender a nossa natureza humana, a nossa poesia humana. Como já dizia Torquato Neto; “Sobretudo, hoje é um dia de amor.” AXÉ EVOÉ

AXÉ EVOÉ

The hammock’s origin is Amerindian—probably created by the Aruaques and the Caraíbas—and it came to be present in many of Brazil’s indig-

Maria Catarina Duncan

Maria Catarina Duncan

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período colonial era usada pelos colonos para que os escravos os carregassem enquanto eles descansavam nas viagens mato adentro. Hoje, a rede frequenta tanto ocas quanto casas de veraneio, de varandas à instituições culturais. Mas é sempre uma, feita para um só corpo, um só descanso, um só sono. Pode estar em uma disposição social, mas sua delimitação física é quase sempre unitária. Ao unir doze redes em uma, o processo de socialização da rede atinge novas camadas e contatos, assim, o espaço privado é diluído e todas as fronteiras se tornam permeáveis.

(ARENDT, 2008, p. 145)

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(ARENDT, 2008, p. 145)

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nazareno Nascido em São Paulo, em 1967, Nazareno é desenhista, escultor e artista multimídia. Ao se aproximar do universo lúdico, ele constrói uma poética delicada, carregada de questões relativas à infância, à memória e ao transcorrer do tempo.

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Sobre tesouros e outros domínios

About treasures and other domains Permanent marker, paper, copper, wood and glass, 2017

Ao se aproximar das imagens e dos textos desses trabalhos, o visitante se percebe refletido na superfície metálica, numa evocação imediata do mito de Narciso, quando se vê acidentalmente refletido na água. Inerente à obra e sua concepção, esse reflexo aguça os sentidos do espectador e ativa a consciência de sua presença tanto no espaço físico quanto no espaço da representação, que é a obra em si. Chama também a atenção para a subjetividade implícita em qualquer ato de observação e para o fato de uma obra de arte só completar seu ciclo integral quando em contato com um espectador.

Upon approaching the images and texts of these works, the visitor notices his own reflection in the metallic surface, in an immediate evocation of the myth of Narcissus, who accidentally sees himself reflected in the water. Inherent in the work and its conception, this reflection sharpens the viewers’s senses and activates the awareness of his presence both in physical space and in the representational space, which is the artwork itself. It also draws attention to the subjectivity implicit in any act of observation and to the fact that a work of art only completes its cycle when in contact with a viewers.

Série em marcador permanente, papel, cobre, madeira e vidro, 2017 Born in São Paulo in 1967, Nazareno draws, sculpts and works with multimedia. Approaching the universe of play, he constructs a delicate poetic, laden with questions relating to childhood, memory and the passage of time.

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“Appearances can be deceiving. Does yours deceive you?”

“As aparências enganam. Será que a tua te engana?”

Nazareno

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As narrativas de Nazareno – uma quase literatura

The narratives of Nazareno — a quasi-literature

Não há como não se pensar no mundo que estamos vivendo quando iniciamos um texto sobre arte. A segunda questão que nos vem ao se começar a escrita é “para quem escrevemos?”. Para reverenciar o artista em estudo e para o público leitor que precisa descobrir que a coisa mais próxima da vida é a arte. E, por fim, “quem define a arte?”. Aqui é o próprio artista que nos dá a resposta com sua obra.

There is no way to keep from thinking about the world we are experiencing when we begin a text about art. The second question that comes to us when beginning to write is “who are we writing for?”—for the artist we are studying and venerating, and for the reading public in its need to discover that the closest thing to life is art. And, finally, “who defines the art?”. Here it is the artist himself who gives us the answer with his work.

O caminho que traço começa por observar o caráter do artista e depois o que ele produz como arte. Uma coisa vai junto da outra. São indissociáveis, é o que ocorre nesse início de texto. Para os otimistas, o mundo em que vivemos hoje nos encaminha para um caos parcial, mas ainda resta uma esperança. Já para os pessimistas o caos já se instalou por completo, estamos sempre à beira do fim e não se tem muito mais o que fazer diante do abismo iminente. O fato é que o mundo está mesmo em um momento de profunda desordem. De fissuras entre o homem, o mundo, a vida terrena, em que a ética é questionada. Conflitos e catástrofes provocadas pela própria ação do homem. Catástrofes naturais com mortes em série é o que assistimos.

The path I trace begins by observing the character of the artist and then what he produces as art. One thing goes along with the other. They are inseparable: this is what happens in the beginning of this text. For optimists, the world we live in today leads us toward a partial chaos, but there is still hope. For the pessimists, the chaos has already, utterly settled in; we are always on the verge of the end, and there is not much more to do as we face the impending abyss.

Conflicts and catastrophes brought about by man’s own action. Natural disasters with massive deaths are what we are seeing. In the midst of all these occurrences, art emerges signaling this crucial urgency of humanity, that of overcoming chaos and evolving, with the attrition of bodies, of our humanity. This is what the artist proposes here.

Encontramos a exemplo a pausa silenciosa das narrativas artísticas criadas por Nazareno, com sua observação do humano ao habitá-lo com desenhos e palavras.

We encounter, for example, the silent pause of the artistic narratives created by Nazareno, with his observation of the human being as he inhabits him with drawings and words.

Sua forma de fazer arte se dá com a criação de pequenos objetos escultóricos, situações microcósmicas e desenhos textuais, como se habitasse as palavras, os ‘acidentes literários’, como o próprio define o seu percurso.

His way of making art is by creating small sculptural objects, microcosmic situations and textual drawings, as if he inhabited the words, the “literary accidents,” as he himself defines his trajectory.

São textos e palavras que nos dão uma sensação de

They are texts and words that give us a sense of

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desconexão ao observarmos os títulos que o artista confere às próprias criações. As tais literaturas acidentais nos causam estranhamento e estão na superfície do papel como partes entranhadas dos desenhos a nós apresentados na mostra Tempo Presente, no Espaço Cultural Porto Seguro.

To speak of a work of art and to differentiate it, one cannot help but stop to dwell on the character of the artist and his background.

Para falar de uma obra de arte e diferenciá-la, não há como não se deter no caráter do artista e sua formação.

The artist, although born in São Paulo, is in essence from the northeastern region, having spent much of his youth in Fortaleza, Ceará.

O artista, nordestino em sua essência, mas nascido em São Paulo, passou boa parte da juventude em Fortaleza, no Ceará.

Nazareno’s speech is quiet and mild-mannered, and he expresses himself in a quasi-monotone, with gestures that seem calculated, meticulously expressive, common to people from the Brazilian Northeast, and this behavior translates into his work.

De fala silenciosa e mansa, Nazareno se expressa em tom quase monocórdico, com gestos que parecem calculados, meticulosamente expressivos, comuns ao homem do nordeste brasileiro, e esse comportamento está traduzido em sua obra.

It is also his careful way of observing the real world, the universe of the human, as he describes humanity in unhurried drawings and meticulous small sculptures.

É também a sua maneira cuidadosa de observar o mundo real, o universo do humano, ao descrever a humanidade em seus desenhos pausados e pequenas esculturas meticulosas.1

Even though Nazareno was not born in the region and does not live there today, I see him as part of a group of prominent artists from the Brazilian Northeast. He is established in the city of São Paulo, but here in this text we will treat the region in its subjective aspect, which exists only in our imaginary; it has no borders. Accents blur together in this place marked by history and recognized for its culture—the huge cauldron where the copious molasses which makes up the history of Brazil, its culture and diversity, is stirred.

The fact is that the world is in a moment of profound disorder—of fissures between man, world and earthly life, in which ethics are questioned.

Em meio a todas essas ocorrências, surge a arte sinalizando essa urgência crucial da humanidade, a de superar o caos e evoluir, com o atrito dos corpos, de nossa humanidade. É o que propõe aqui o artista.

disconnectedness as we observe the titles the artist confers on his own creations. These accidental literatures seem strange to us, present on the paper’s surface as ingrained parts of the drawings presented at the Tempo Presente [Present Time] exhibition in Porto Seguro’s Cultural Space.

The art produced there reflects this condition, since it gives the sense of “Northeasternness,” making the Northeastern man a special and different being, owner of another, simplified understanding of humanity. I would say more humanistic, more attached to ethics, traditions and culture. Moved by feelings that are not restricted to the notion of a defined border, these feelings invade and confound themselves in this idea of regionality, which is more than a way of being and existing beyond geographical limits: it is to invent life and remake it in another manner—a truer one. These feelings expand, flow off, contaminate and create the country’s cultural wealth, in those

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Nazareno, mesmo que não tenha nascido e não viva hoje nessa região, o vejo dentro de um grupo de artistas de destaque do nordeste brasileiro. É estabelecido na cidade de São Paulo. Mas aqui nesse texto trataremos da região em seu aspecto subjetivo, que só existe no nosso imaginário; essa não tem fronteiras. Os sotaques se confundem nesse lugar marcado pela história e reconhecido por sua cultura. Um grande caldeirão onde se mistura o melaço caudaloso do qual se constitui a história do Brasil, sua cultura e diversidade. A arte produzida ali reflete essa condição, pois é ela que dá o sentido de ‘nordestinidade’, tornando o homem nordestino um ser especial e diferente, dono de uma outra compreensão da humanidade, simplificada. Diria mais humanista, mais apegados à ética, às tradições e à cultura. Movido por sentimentos que não se restringem à noção de fronteira definida, invadem e se confundem nessa noção de regionalidade, que é mais do que um modo de ser e de existir além dos limites geográficos: é inventar a vida e refazê-la de outra forma, mais verdadeira. 1

MARTI, Silas. Nazareno cria livro de versos e desenhos. Folha de São Paulo, caderno Ilustrada. São Paulo, 26 de Setembro de 2013.

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Esses sentimentos se expandem, escoam, contaminam e fazem a riqueza cultural do país, naqueles que permaneceram e nos que emigraram, rompendo as fronteiras impostas por uma geopolítica não identificada com o real. Esse sentimento de regionalidade está expresso na subjetividade da arte de Nazareno. Cria uma estética própria, senão, uma linguagem própria que permite a compreensão desse sentimento de pertencimento, da oralidade e da estética. De um lugar, sabemos, onde tudo começou. Dono de uma poética humanista, mais sensível, comparando-o com os artistas de outras regiões mais ao sul, é mais apegado às tradições culturais e traz em seus trabalhos temas bastante atuais com resultados plásticos, muito peculiares e sensíveis. Contém uma certa ‘artesanalidade’2 vista no fazer artístico de Nazareno, essa expressividade quando se inventa e reinventa esse homem mais ao norte na região equatorial, de calor e sol inclementes. Mesmo que se diga que muitos deles apenas nasceram nessa parte do país ou que deixaram muito cedo esse contexto regional, marcado pela aridez climática e visual, Nazareno não se livra do fantástico que caracteriza suas expressões visuais. O artista, a sua maneira, explora as histórias, o acaso, os objetos e o cotidiano, adicionando-lhes sentidos de fortes emoções. Carrega na fatura dos seus trabalhos, mesmo que não explicitamente, pois não é intencional, as raízes que caracterizam a cultura dessa região imaginária. Há um jeito de ser nordestino quando observamos a obra do artista. Diria, indo mais longe, há uma crítica que interpreta essa diversidade cultural, essa humanidade expressa nos seus trabalhos. Posso divagar nesse pensamento, mas a primeira sensação que me vem, ao me deparar com a obra de Nazareno, é a de que estamos diante de ‘contos fantásticos’, das histórias e estórias que alimentam o imaginário do artista que se apropria de mitos e lendas, que transbordam para 2

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Essa tradição criativa oriunda de matrizes culturais nordestinas já foi evidenciada em exposições como a mostra 15 artistas brasileiros, organizada por Tadeu Chiarelli, no Museu de Arte Moderna, em 1996, em que tratava de certa artesanalidade ou ‘manualidade’, no fazer artístico, na arte contemporânea brasileira.

who remain and in those who have emigrated, breaking out of the boundaries imposed by a geopolitics not identified with the real. This sense of regionality is expressed in the subjectivity of Nazareno’s art. He creates a particular aesthetic, if not a particular language, that allows the understanding of this feeling of belonging, of orality and the aesthetic. From a place, we are aware, where it all began. Endowed with a humanistic poetic, more sensitive compared to that of artists in other more southern regions, he is more attached to the cultural traditions and brings current themes into his works with very peculiar and sensitive artistic results. They demonstrate a certain “craftsmanship” that can be observed in his artistic making, in the expressiveness when this man, from further north in the equatorial region of inclement heat and sun, is invented and reinvented. Even though it may be said that many of these artists were merely born in this part of the country or that they soon left the regional context, marked as it is by climatic and visual aridity, Nazareno does not let go of the fantasticality that characterizes his visual expressions. The artist, in his own way, explores the stories, the chance happenings, the objects and daily life, adding a sense of strong emotions to them. In the making of his works, he intensifies the roots that characterize the culture of this imaginary region, even if not explicitly, for it is not intentional. When we observe the artist’s work, there is a way of being northeastern. I would say, taking it further, there is a critique that interprets this cultural diversity, this humanity expressed in his works. I could digress with this thought, but the first sensation that comes to me, when I come across Nazareno’s work, is that we are looking at “fantastic tales”, “histories” and “stories” that feed the imagination of the artist who appropriates myths and legends, overflowing out of the work he creates. They are small stories, brief narratives. Miniatures that reveal the memory of daily life, obliging the public to take a contemplative approach, to pause, when not demanding that the adult public lean over the work, as if one had to acquire the stature of a child, as if this were necessary in order to penetrate this miniaturized and introspective universe.

In the chaos of the world, or better, in the disorganization of the contemporary subject, Nazareno’s work brings a differential. In fact, every work of art has its own differential, but in his case, it preserves this “handmade” feel of crafted objects, which, unlike other artists who experiment with this cultural matrix, presents a certain sophistication and refinement in the finalization of his small sculptures or small installations—miniaturized and unique. They are close to being precious objects. This is one of the characteristics that draws our attention, the refined finishing in this cataloging of the small “things of the world”. The work is of an impressive precision. It is through this painstaking finish of his sculptural pieces and drawings that the artist piercingly observes the humanity of things and of the contemporary subject, blending them with the stories, legends and myths of the past. This is the case of the drawings and metal plates over paper, now displayed in the Present Time exhibition. Drawings and copper plates, rigidly framed, composed on the surface of the paper. Details are carefully considered, as in the whole of his work—very determined and elaborate with regard to both object and discourse. The impression is that there are no mistakes, everything is just right, parodying the artist’s own speech. Nazareno’s “narratives” could be alluded to in yet another way, as “aesthetic moments”, on speaking of how his works, characterized by miniatures and objects, relate to other realities. The writing is a drawing of the word that covers the paper. The titles themselves contribute to the works. They surprise as they are read in the framed arrangement: drawing, text, metal plates, frame. Metaphorical, the phrases cause a certain strangeness before what is unknown, what doesn’t make sense. For this exhibition, the artist presents four drawings in which he explores relationships with childhood, with everyday elements, their behaviors and the way they relate to one another. As in the myth of Narcissus, the copper plates, so smooth that they shine, mimic the reflecting pool as they allow us to see ourselves reflected in their surfaces. Somewhat distorted and opaque, like the cloudy waters of a river or a

fora dos trabalhos que realiza. São pequenas histórias ou pequenas narrativas. Miniaturas que desvendam a memória do cotidiano, obrigando o público a uma aproximação contemplativa, pausada, quando não, exigindo do público adulto que se debruce sobre os trabalhos, como se tivéssemos que adquirir a estatura de uma criança, como se isto fosse necessário para penetrarmos nesse universo miniaturizado e introspectivo. No caos do mundo, melhor, na desorganização do sujeito contemporâneo, a obra de Nazareno, traz um diferencial. Na verdade, toda obra de arte tem o seu próprio diferencial, mas no seu caso, guarda essa ‘manualidade’ dos objetos criados, que contrariamente a outros artistas que experimentam essa matriz cultural, apresenta uma sofisticação e refinamento na finalização de suas pequenas esculturas ou pequenas instalações, miniaturizadas, sem igual. São próximos de objetos preciosos. Essa é uma das características que nos chama a atenção, o fino acabamento dessa catalogação das pequenas ‘coisas do mundo’. A obra é de uma precisão impressionante. Por meio desse acabamento esmerado de suas peças escultóricas e desenhos é que o artista observa de maneira afiada a humanidade das coisas e do sujeito contemporâneo, misturando-os com as histórias, as lendas e os mitos do passado. É o caso dos desenhos e chapas de metal sobre papel, agora apresentados na mostra Tempo Presente. São desenhos e placas de cobre a compor na superfície do papel, rigidamente emoldurados. Tudo é muito pensado tanto em seus detalhes, como no todo de sua obra. Determinada e muito elaborada com o objeto e o discurso. Parece não ter erros, só acertos, parodiando a fala do próprio artista. As ‘narrativas’ de Nazareno, poderiam ainda ser aludidas de outra forma, em ‘momentos estéticos’ ao falar dos seus trabalhos, caracterizados pelas miniaturas e objetos relacionados a outras realidades. A escrita é um desenho da palavra que cobre o papel. São os próprios títulos que dá para os trabalhos. Surpreendem ao serem lidos no conjunto emoldurado, desenho, texto, placas de metal, moldura. Metafóricas, as frases causam

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certo estranhamento, diante do desconhecido, do que não faz sentido. Para esta exposição, o artista apresenta quatro desenhos em que explora relações com a infância, com elementos do cotidiano, de suas condutas e a maneira como se relacionam umas às outras. Como no mito de Narciso, as placas de cobre que brilham de tão lisas, mimetizam o espelho d’água ao permitirem nos vermos refletidos em suas superfícies. Algo distorcidos, meio opacos, como nas águas turvas de um rio ou de um lago, em que se deu o reflexo e encantamento de Narciso. A imagem refletida é meio fantasmagórica como nos espelhos da antiguidade que eram metais polidos, como esses presentes nos desenhos. Faz esse uso hoje com a chapa de cobre, metal condutor de energia que encontra o corpo no espelhamento do metal – cria assim uma imagem ‘enérgica’ que o metal conduz. Visualizável em duas alturas, permite que crianças se vejam na parte de baixo dos desenhos e que adultos o façam na parte superior. Une portando os dois mundos nos desenhos. A fala de Nazareno quando comenta a própria obra é a de quem conta histórias que se entrelaçam, umas às outras. É o que acontece nesta mostra. São quatro desenhos grandes. Cada qual desencadeando o desenho seguinte. Mesmo com títulos desconexos, meio absurdos, trazem justamente uma unicidade temática, desconexa, no entanto, pelos títulos atribuídos e, por isso também, não dependentes. Os trabalhos guardam autonomia entre si, no estranhamento que provocam e nas alturas que foram pensadas para o público, fora dos padrões das exposições museológicas vistas nos museus que não levam em consideração as muitas estaturas do público. O espelhamento das chapas de cobre faz com que o observador procure o seu reflexo ao tentar se enquadrar no desenho emoldurado. O trabalho propõe colocar o público observador adulto na condição da criança quando é preciso se curvar para se ver na parte debaixo desses desenhos. Tudo é meticulosamente composto. Em E antes os cães que por aqui passaram, de 2017, Nazareno fala da evolução humana. Do mundo que os humanos dividem com os cães. Uma relação que se confunde com a história da própria evolução humana.

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lake, where the reflection and enchantment of Narcissus took place. The reflected image is quasi-phantasmagoric, like the mirrors in antiquity which were polished metals, like those present in the drawings. Making this use today of the copper plate, an energy-conducting metal that encounters the body in the mirroring metal, an “energetic” image is created which the metal conducts. Visible at two heights, children can see themselves in the lower part of the drawings as adults can in the upper part. Both worlds are connected in the drawings. When Nazareno comments on his own work, he speaks like someone who tells stories that intertwine with one another. This is what happens in the exhibition. There are four large drawings, each leading to the next. Even with the disjointed, half-absurd titles, what they bring is a thematic unity, though unconnected by the assigned titles and, for this reason as well, not dependent. The works maintain their autonomy, in the strangeness they provoke, and at the heights that were intended for the public, very different from the standard criteria of museological expositions that do not take the different heights of the public into account. The mirroring of the copper plates causes the observer to look for his reflection when trying to fit himself in the framed drawing. The work proposes to place the adult observer in the position of a child since he needs to bend down in order to see himself in the lower part of these drawings. Everything is meticulously composed. In E antes os cães que por aqui passaram [And before the dogs that passed through here], 2017, Nazareno talks about human evolution, about the world humans share with dogs—a relationship that merges with the history of human evolution itself. A drawing with repetitive lines mimics the hairs that cover the animal’s hide. They repeat the gesture of a pointillist brushstroke—in this case, made by a rigid graphite point, not by a brush. The metal plate is glued to the lower part, region preserved in the white of the paper. The title is drawn off to the side, maintaining the clean visual and the arrangement’s equilibrium. There are no mistakes here. In Aqui, sem aviso você se depara com a luta pela vida [Here, without warning you are faced

with the struggle for life], 2017, a lot of eyes. Eyes looking into eyes—a world of animal eyes that most resemble those of felines, who watch us from the paper’s white glare. We are born and the first thing that happens is that we are being watched—an intrusion on life from its first moment, and forever. It is as though we see ourselves with the eyes of others in the drawing, in search of our own gaze, overcoming the opacity that covers life through eyes that observe us closely. The drawing maintains the same organization as the previous one. Feline eyes are neatly distributed on the paper. In this drawing, the plate is placed in the upper part amid all these eyes, its reflection causing us to encounter our own eyes, as observers. The title is at the base, demanding of the adult a redoubled effort to read it. One has to bend over in front of work. ... E em algum lugar está o domínio da ação apenas esperando ser ativada por você [... And somewhere the domain of action is just waiting to be activated by you], 2017. Is the drawing a target? A time tunnel? Or a whirlwind that pulls us inside? It is the destabilization of truth. Letting yourself go through the unfathomable, the inexplicable, a reality that is Other, is what is proposed here in this drawing that extrapolates the sheet of paper. The copper plate interrupts one of its lines to compose this spiral. E se eu não sou nada... posso ser tudo [And if I am nothing... I can be everything], from 2017. This is the most enigmatic, most introspective, perhaps the most abysmal drawing. Minimalist, it consists of a large surface covered with permanent black marker. An intense, insular blackness, where desire, thought and aspiration are encountered as forms. The metaphorical title deals with conducting, with the audience, with the action and with the nothingness that the black color suggests. The drawing on the paper divides it into black and white. A line—a horizon—is created. The blackness as the hole in the Universe. The black “pulls” us in, the white leaves us out. The plate enters like a window over the black to keep us on the surface of the nothingness. These are metaphors of life in literary and visual processes. From reading, the words are reclaimed and become an enunciation of phil-

Um desenho de linhas repetitivas que mimetizam os pelos que cobrem o couro do animal. Repetem o gesto de uma pincelada pontilhista, no caso, feita não por pincel, mas pela rigidez da ponta de um grafite. A chapa de metal é colada na parte de baixo, região preservada no branco do papel. O título é desenhado ao lado, permanecendo a limpeza visual e o equilíbrio no conjunto. Não tem erros aqui. Em Aqui, sem aviso você se depara com a luta pela vida, de 2017, um monte de olhos. Olhos nos olhos – um mundo de olhos de animais que mais se parecem com os dos felinos, que nos observam do clarão branco do papel. Nascemos e a primeira coisa que acontece é sermos observados. A vida devassada no seu primeiro instante e para sempre. É como nos depararmos com os olhos alheios no desenho, em busca do próprio olhar, superando a opacidade que cobre a vida pelos olhos que nos observam atentamente. O desenho mantém a mesma organização do anterior. Os olhinhos felinos são ordenadamente distribuídos sobre o papel. A placa nesse desenho é colocada na parte superior em meio a todos esses olhos, o seu reflexo faz com que nos deparemos com os nossos próprios, de observadores. O título vai na base exigindo um duplo esforço do adulto para ler. Tem que se curvar aqui, diante do trabalho. ... E em algum lugar está o domínio da ação apenas esperando ser ativada por você, de 2017. O desenho é um alvo? Um túnel do tempo? Ou um redemoinho que nos puxa para o seu interior? É a desestabilização da verdade. Deixar-se atravessar pelo insondável, o não explicável, uma outra realidade, é o que propõe aqui nesse desenho que extrapola a folha de papel. A chapa de cobre interrompe uma de suas linhas a compor essa espiral. E se eu não sou nada... posso ser tudo, de 2017. Esse é o desenho mais enigmático, mais introspectivo, talvez o abismal. Minimalista, é composto por uma grande superfície coberta de marcador permanente negro. Um pretume intenso, fechado, onde se encontra o desejo, o pensamento e a aspiração como formas. O título metafórico lida com a condução, com a audiência, com a ação e com o nada que a cor preta nos sugere. O desenho sobre o papel o divide em preto e branco. Uma linha

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do horizonte é criada. O pretume como o buraco do Universo. O preto nos ‘puxa’ para dentro, o branco nos deixa de fora. A placa entra como uma janela sobre o preto para nos manter na superfície do nada. São metáforas da vida em processos literários e visuais. A partir da leitura as palavras são resgatadas e tornam-se enunciação de questões filosóficas, históricas, políticas e estéticas. Parafraseando e mudando a escrita de Enrique VilaMatas sobre a escritora francesa Marguerite Duras, em que dá o seguinte título ao seu ensaio Escreve-se para observar como morre uma mosca, para justificar-se de que a escrita da autora (a artista), acontece o que ocorre com a primeira frase de A Metamorfose, de Franz Kafka. Quando lemos que um jovem escriturário desperta em sua cama convertido em um inseto monstruoso, temos apenas duas opções: fechar incrédulos o livro e não continuar, ou então crer nessa saborosa verdade de Kafka, continuar lendo” e mergulhar no imaginário profundo do artista. É também o que nos propõe Nazareno com sua obra. Um “conto visual” fantástico acerca do humano. Sua obra tem a beleza do mundo em miniatura, do tamanho de uma criança. Tem a magia de misturar ficção com realidade, lendas e mitologia. É parar e refletir diante do que se está lendo ou vendo, ou passar adiante, rapidamente, para não se deparar com o questionamento muitas vezes perturbador que nos faz. Vale o jargão de que a verdade dói. É perturbadora.

osophical, historical, political and aesthetic questions. Paraphrasing and altering the writing of Enrique Vila-Matas about French writer Marguerite Duras, when he gives the following title to his essay: Escreve-se para observar como morre uma mosca [Write up to watch how a fly dies], to justify that in the author’s writing (the artist), the same thing happens as in the first sentence of The Metamorphosis, by Franz Kafka. When we read that a young traveling salesman wakes up in his bed transformed into a monstrous insect, we have only two options: to close the book in disbelief and not continue, or to believe in Kafka’s savory truth, continue reading and delve into the artist’s deep imaginary. This is also what Nazareno is proposing with his work: a fantastic “visual tale” about what is human. His work has the beauty of the miniature world, the size of a child. It has the magic of merging fiction with reality, legends and mythology. It means stopping and reflecting before what is being read or seen, or going on by quickly, so as not to find ourselves facing the often-disturbing questioning that he asks of us. It’s like the saying that truth hurts. It disturbs. The artist creates a visual world of his own in which the drawing, the word, and the text are visual forms of inquiry. Verbal visual murmurs in the form of metaphors that invoke the “why” of our passage here.

Ricardo Resende

O artista cria um mundo próprio visual em que o desenho, a palavra e o texto são formas visuais de indagação. Murmúrios plásticos verbais na forma de metáforas que invocam o porquê da nossa passagem por aqui.

Ricardo Resende

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RAQUEL KOGAN Nascida em São Paulo, em 1955, Raquel Kogan tem formação em arquitetura. A artista inicia sua trajetória na pintura e na gravura, e realiza sua primeira obra tridimensional em 1999. Utilizando materiais como espelhos, vidro, ferro e areia, e agregando seu interesse por linguagens multimídia, Kogan produz instalações que somam e contrapõem o individual ao coletivo.

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Born in São Paulo in 1955, Raquel Kogan has a degree in architecture. The artist begins her career in painting and engraving and executes her first installation in 1999. Using varied materials and adding to them her interest in multimedia languages, Kogan produces installations that add the individual to the collective but also counter it with his individuality.

Vol.ver

Re.turn Installation, 2017

Ao caminhar sobre essa página de pó de mármore branco calçando sapatos cujas solas contém palavras em alto-relevo, uma escrita se delineia, articulando-se a partir de todos os passos carimbados pelos visitantes nesse solo instável. Configura-se então um texto complexo e imprevisto que aos poucos se transforma em rastro.

As one walks over this page of white marble dust wearing shoes with words embossed on their soles, writing emerges, articulated out of all the steps imprinted by visitors on this unstable ground. A complex and unpredictable textual storyline composes itself but is soon undone.

Instalação, 2017

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“Quando eu cheguei nesse lugar parecia que eu já sabia, porque tem alguns percursos que você não fez, mas quando você chega nesse lugar, você acha que já esteve lá sem nunca ter ido”.

“When I got to this place, it seemed like I already knew it, because there are some paths you haven’t taken, but when you get to the place, you think you’ve already been there without ever having gone.”

Raquel Kogan

Raquel Kogan

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Escritas e Escrituras nas obras de Raquel Kogan

Writings and SCRIPTURES in the works of Raquel Kogan

Raquel Kogan vem, desde meados dos anos 90, desenhando uma trajetória singular dentro do contexto da arte contemporânea brasileira. Transitando por diferentes linguagens – pinturas, gravuras, instalações, projetos multimídia e arte digital – os trabalhos de Kogan tecem uma relação muito particular com a escrita e outros códigos linguísticos.

Since the mid-1990s, Raquel Kogan has been delineating a unique trajectory within the context of contemporary Brazilian art. Traversing through different languages—paintings, engravings, installations, multimedia projects and digital art—Kogan’s works weave a very particular relationship with writing and other linguistic codes.

A escrita de Kogan, no entanto, não se reduz a seu aspecto gráfico. São pictogramas, caligramas, numerais, letras do alfabeto, pequenos signos que muitas vezes se desprendem de um significado semântico dado a priori, se rearranjando em pequenas formações pictóricas. Remetem ao desenho, ao rabisco e à visualidade, em uma espécie de caligrafia ilegível: um palimpsesto imagético. Outras vezes, sua escrita ganha forma de escritura formada por códigos legíveis que nos permite entrever questões simbólicas e culturais. São escrituras que entrelaçam lembranças, memórias e histórias. Aqui, a proliferação dos grafismos dá lugar, para além de seu aspecto gráfico e de seu apelo sensório – seja ele visual, tátil ou sonoro – a narrativas pessoais e coletivas. Em uma de suas primeiras instalações, apresentada na Capela do Morumbi em 1999, Kogan nos coloca diante de uma grande “parede” formada por uma massa fluida de parafina. Nesta parafina, quando solidificada por completo, Kogan realiza pequenas incisões, garatujas, desenhando um texto caligráfico e indecifrável. Um ano após, a artista inscreve pequenos códigos de linguagem em lâminas microscópicas dispostas em espaços ordenados e manipuláveis pelos visitantes. Como nos microscópicos, diante das caixas de Kogan, somos convidados, a seccionar a realidade em inúmeros cortes, para tentar decifrá-la em uma unidade legível. Mais uma vez a artista nos apresenta uma escrita que precisa ser decifrada, como se ela realizasse pequenos cortes cirúrgicos nas escrituras que compõem o código -escrita da espécie humana.

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Kogan’s writing, however, cannot be reduced to its graphic aspect. There are pictograms, calligrams, numerals, letters of the alphabet, small signs that often detach themselves from an a priori semantic meaning, rearranging themselves in small pictorial formations. They point to the drawing, the scribble and to visuality, in a kind of illegible calligraphy: an imagetic palimpsest. At other times, her writings acquire the form of a writing elaborated with readable codes, allowing us to glimpse symbolic and cultural issues. It is a writing that interweaves recollections, memories and stories. Here, the proliferation of graphisms—beyond their graphic aspect and sensorial appeal, whether visual, tactile or sonorous—makes room for personal and collective narratives. In one of her first installations, presented in the Morumbi Chapel in 1999, Kogan places us before a large “wall” formed by a fluid mass of paraffin. In this paraffin, when completely solidified, Kogan makes small incisions, scribblings, drawing a text that is both calligraphic and indecipherable. A year later, the artist inscribes small language codes on microscopic slides arranged in spaces that visitors order and manipulate. As with the microscopics, facing Kogan’s boxes, we are invited to section off reality with countless selective cuts, to try to decipher it in a legible unit. Once again, the artist presents us with writing that needs to be deciphered, as if she were performing small surgical cuts in the writings that comprise the human species’s writing-code.

Organized by means of fictitious binders, slides, unlike the artist’s first work, she still flirts with the cataloging, archiving and the database that will show up later in other works as reflection and rereading, the latter presented in the exhibition Arquivo Vivo [Live Arquive], curated by me in 2013 at Paço das Artes.

Organizada através de fichários fictícios, lâminas, diversamente do primeiro trabalho da artista, flerta ainda com a catalogação, o arquivo e o banco de dados que irão retornar posteriormente em outros trabalhos como reflexão e reler, este último apresentado na exposição Arquivo Vivo, curada por mim, em 2013, no Paço das Artes.

In re-reading, Kogan appropriates passages of books written by other authors. The interactive installation is composed of a wooden shelf with 50 books arranged as in a library. The books are mean to be listened to, not read: favorite short passages of books chosen by 50 people invited to participate in the project by the artist. When someone opens a book, his face is lit by a LED light, while a built-in audio recording system with an integrated circuit triggers the pre-recorded sound of the voice of the person who selected the passage from a favorite book.

Em reler, Kogan se apropria de trechos de livros escritos por outros autores. A instalação interativa é composta por uma prateleira de madeira com 50 livros dispostos como em uma biblioteca. Os livros são para serem ouvidos e não lidos: pequenos trechos prediletos de livros escolhidos por 50 pessoas convidadas a participar do projeto pela artista. Ao abrir um livro, o público tem seu rosto iluminado por uma lâmpada LED, ao mesmo tempo em que um sistema embutido de gravação de áudio com circuito integrado, dispara o som pré-gravado da voz daquele que selecionou o trecho do seu livro predileto.

Here, writing is transformed into a sound code that integrates a large polyphonic library, the collective memory of the literary production of humanity. The written word is replaced by the collective oral narrative, designing a different meaning from the passages of the books chosen to compose the installation. In this sense, the idea of re-reading or, better, of reading over again, as in other projects like rever [resee] and vol.ver [re.turn], Kogan works with the idea of repetition which, far from being a mere mimetic reflection, where the other is always the same, incorporates the idea of difference. Different repetition or, rather, rewriting, therefore comprises the notion that the same is always other, that writing is always open to the idea of difference, of other possible voices and meanings.

Aqui, a escrita se transforma em código sonoro que integra uma grande biblioteca polifônica; memória coletiva da produção literária de parcela da humanidade. A palavra escrita é substituída pela narrativa oral coletiva, desenhando um significado diverso dos trechos dos livros escolhidos para compor a instalação. Neste sentido, a ideia de reler, ou melhor, de ler outra vez, assim como em outros projetos como em rever e vol.ver, Kogan trabalha com a ideia da repetição que, longe de ser um mero reflexo mimético, onde o outro é sempre o mesmo, incorpora a ideia da diferença. A repetição diferente, ou melhor, a reescritura, compreende portanto, a noção de que o mesmo é sempre outro, de que a escritura está sempre aberta à ideia da diferença, de outras vozes e significados possíveis.

vol.ver [re.turn], an installation shown in the Present Time exhibition, has intrinsic relations with writing and, in this sense, provides continuity to Raquel Kogan’s previous investigations. In the specific case of vol.ver, one can say that they are testimony-writings that embody and incorporate the memory of those who are called to participate in the exhibition.

vol.ver, instalação apresentada na exposição Tempo Presente, tem relações intrínsecas com a escrita e, neste sentido, dá continuidade a pesquisas anteriores de Raquel Kogan. No caso específico de vol.ver pode-se dizer que são escritas-testemunho que encarnam e corporificam a memória dos integrantes que são chamados a participar da exposição.

In this work, Kogan offers us a large box filled with a fine white powder: marble dust. To the side, pairs of shoes with words written on the sole are available for visitors to leave their footprints on the installation’s surface. By walking on the marble dust, each visitor imprints his

Neste trabalho, Kogan nos oferece uma grande caixa preenchida por um pó branco e fino; o pó de mármore. Ao lado, pares de sapato, com palavras escritas na sola, estão disponíveis para o visitante deixar seu rastro na superfície da instalação. Ao caminhar sobre o pó de

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mármore cada um dos visitantes imprime a sua marca, pequenos textos, formando infinitas e espontâneas citações sobrepostas. Efêmeras, individuais e também coletivas, as palavras-textos são esculpidas a cada passo dado na instalação. Longe de ser utilizado em sua forma sólida – seja para uma escultura, uma construção arquitetônica ou uma jazida – o mármore é usado aqui, em sua forma mais maleável, recebendo diferentes formatos conforme a passagem do tempo da exposição. Para além da lâmina microscópica, da escrita sobre a parafina, ou até mesmo dos livros-caixas, a impressão gráfica das palavras, em vol.ver se dá em tempo presente a partir do diálogo com cada um dos visitantes. São 72 as palavras que formam a instalação: volver, a casa, a dor, a lágrima, a memória, amar, o caminho, ver, viver, testemunho, vida, morte, arquivo, dentre outras. A única palavra que se repete é: VIDA. Não me parece um acaso. Mais do que uma discussão sobre a própria condição da linguagem , pode-se dizer que este chão de pó de mármore é como se fosse uma grande página em branco que corporifica, de forma muito particular, o caminhar da ‘vida’ e a travessia de cada um dos visitantes. A escritura, aqui, faz referência não somente ao texto, mas também pode ser vista como uma escrita-testemunho que integra esta grande escritura coletiva. A caminhada é vagarosa, pois para imprimir a letra, o andar tem que ser atento. Interessante perceber que Kogan, em diálogo com sua própria travessia pessoal, inicia vol.ver a partir de pesquisa realizada na Polônia, no resgate da história e da memória de seu percurso familiar. Mesclando a caminhada pessoal às caminhadas coletivas, Kogan escolhe 72 palavras para compor a instalação. A escolha, mais uma vez, não é casual, mas parece fazer referência aos 72 nomes dados para o Criador nas escrituras sagradas judaicas. Cada um deles expressa um atributo ou qualidade da natureza divina. Em vol.ver, esses atributos parecem se referir ao mesmo tempo, às vivências e experiências que cada de nós têm no percurso de nossas vidas. Como uma espécie de ritual, e à semelhança de seu primeiro trabalho na Capela do Morumbi, vol.ver é uma obra efêmera que se dá na passagem do tempo. O tempo, no

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mark, short texts forming infinite and spontaneous superimposed quotations. Ephemeral, individual and also collective, the words/ texts are sculpted with each step taken in the installation. Far from use in its solid form—whether for a sculpture, an architectural construction or a sepulcher—the marble is used here in its most malleable form, receiving different formats in conformance with the passage of time in the exhibition. In addition to the microscopic slide, the writing on paraffin, or even the books-boxes, the graphic impression of words, in vol.ver happens in the present tense in dialogue with each visitor.

Like other works by Kogan, vol.ver gives us a poetic and extremely forceful way of seeing these delicate moments in which the aesthetic quality merges with the small testimonies of personal and collective stories.

Priscila Arantes

entanto, não se refere somente ao tempo da instalação, mas, metaforicamente, à caminhada de cada um de nós: pura escrita de VIDA. À semelhança de outros trabalhos de Kogan, vol.ver nos dá a ver de forma poética e extremamente contundente estes momentos delicados em que a qualidade estética se funde aos pequenos testemunhos das histórias pessoais e coletivas.

Priscila Arantes

Seventy-two words comprise the installation: return, home, pain, tears, memory, love, the path, seeing, living, testimony, life, death, archive, among others. The only word that repeats itself is LIFE. To me this does not seem random. More than a discussion of the very condition of language, one can say that this floor of marble dust is as if it were a very large blank page that embodies, in a very particular way, the path of “life” and each visitor’s journey. Here the writing refers not only to the text, but can also be seen as a testimonial writing that integrates this great collective writing. The walking must be slow because, in order to imprint the letter, each step has to be attentive. It is interesting to note that Kogan, in dialogue with her own personal trajectory, finds the beginnings of vol.ver in investigations carried out in Poland as she sought to recover the history and memory of her family’s path. Merging the personal walk with collective walks, Kogan chooses 72 words to compose the installation. The choice, once again, is no coincidence, but rather seems to refer to the 72 names ascribed to the Creator in the sacred Jewish scriptures. Each of them expresses an attribute or quality of the divine nature. In vol.ver, these attributes seem, at the same time, to refer to the happenings and experiences that each one of us has in the course of our lifetime. As a kind of ritual, and similar to her first work in the Morumbi Chapel, vol.ver is an ephemeral work that takes place as time passes. Time, however, does not refers just to the time of the installation but, metaphorically, to the path we each are taking: the pure writing out of LIFE.

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laura belém Nascida em Belo Horizonte, em 1974, Laura Belém cria situações imersivas inesperadas em suas instalações, utilizando fotos, vídeos, desenhos e som. Esses espaços estabelecem uma poética de encontros e ativam a relação do espectador com o contexto da obra e com o ambiente no qual ela se insere.

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Born in Belo Horizonte in 1974, Laura Belém creates unexpected immersive situations in her installations, using photos, videos, drawings and sound. These spaces establish a poetic of encounters and activate the relation of the spectator to the context of the work and the environment in which it is inserted.

Jardim Secreto ou Passagem do Trópico

Secret Garden or Passage in the Tropics Installation, 2013-2017

Inspirada em de trechos de Tristes tópicos, livro da década de 1950 do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), a artista propõe uma narrativa sonora em que identidade e estranhamento entram em conflito. O olhar estrangeiro evocado pelas vozes demarca o percurso que se faz nesse jardim pedregoso, criando uma travessia que confronta expectativas e realidade.

Inspired by excerpts from Tristes Tropiques, book from 1955 by the French anthropologist Claude Lévi-Strauss (1908-2009), the artist proposes an audio narrative in which identity and strangeness come into conflict from a lyrical perspective. The foreign way of seeing evoked by the voices demarcates the pathway followed through this stony garden, creating a course that confronts expectations and reality.

Instalação, 2013-17

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“What can this traversing mean? It is a physical displacement through space, but does it allude to something temporal as well? A traversing in other senses, in other layers.”

Laura Belém

“O que esse atravessamento pode significar? É um deslocamento físico pelo espaço, mas será que ele alude também a uma coisa temporal? Um atravessamento em outros sentidos, em outras camadas”. Laura Belém

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No teatro dos trópicos

In the theater of the tropics

O silêncio barulhento da floresta de fitas e cascalho é interrompido pelas falas de dois personagens. As noções de escala, presença e subjetividade escapam à luz e ao som da experiência. O visitante sente-se incitado a se calar; como na mata, é compelido a decifrar o conteúdo emitido. Pausas reverberam. O humano, ao menos ali dentro, vive mais em função daquilo que escuta.

The noisy silence of the forest of ribbons and gravel is interrupted by two characters speaking. The notions of scale, presence, and subjectivity break away from the light and sound of the experience. The visitor feels impelled to be silent; as happens in the woods, he is compelled to decipher the content emitted. Pauses reverberate. The human, at least in there, lives mostly in function of what he hears.

Os personagens, um homem e uma mulher, estão invisíveis. Com isso, o espectador é que se torna o próprio protagonista em cena. As vozes vêm da plateia que o ator não consegue ver, mas sabe que está lá, dando significado a sua presença. Ao escutar os sussurros, gritos que parecem se calar, esse espectador-ator terá que entrar em um jogo de espelhos onde é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito.

The characters, a man and a woman, are invisible, so it is the spectator himself who becomes the protagonist. The voices come from the audience that the actor cannot see, but knows is there, giving meaning to his presence. As he listens to the whispers, shrieks that seem to be going quiet, this actor-spectator will have to enter a game of mirrors where they are both the object and subject.

O diálogo que se ouve é como um dia caminhando pelo texto de Lévi-Strauss em Tristes Trópicos (1955), fonte dos trechos bricolados por Laura Belém. O antropólogo, ao descrever, por meio de uma narrativa de viagem, os lugares que visitou em sua trajetória de etnógrafo, buscou integrar o sensível e o inteligível, o natural e o artificial. Nota-se, especialmente nessas passagens, analogias do mundo vegetal com o espaço urbano e problematizações das distâncias entre os territórios. O tempo, tanto do livro como da instalação, é o da natureza construída, controlada, projetada: o desencantamento do mundo e a intimidade burguesa em observação. Na primeira montagem de Jardim Secreto ou Passagem do Trópico (2013), em uma galeria em Paris, o trabalho partia do sentido oposto das viagens de Lévi-Strauss. Nesta segunda montagem (2017), inverte-se a narrativa, situada agora no subterrâneo de um espaço cultural nos Campos Elíseos, bairro de inspiração parisiense que também foi descrito pelo antropólogo, e que hoje é parcialmente habitado por consumidores de crack. Resvalando o olhar, o mato de fitas dificulta a entrada de luz, que mudou de cor, lembra, desta vez, cipó ou palha, e corta, como numa plantação de cana de açúcar – matéria prima de exportação nacional desde a economia colonial –, tornando a cena turva e difícil a quem não se permitir mudar de velocidade.

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The dialogue that can be heard is like hiking for a day following along with the text of LéviStrauss in Tristes Tropiques (1955), source of the excerpts “bricolaged” by Laura Belém. The anthropologist, using a travel narrative to describe the places he visited in his trajectory as an ethnographer, sought to integrate the sensitive and the intelligible, the natural and the artificial. In these passages, one notes especially the analogies between the plant world and urban space and how the distances between territories are problematized. Time, in the book as in the installation, is of a constructed, controlled, projected nature: disenchantment with the world and bourgeois intimacy under observation. In the first installation of Secret Garden or Passage of the Tropic (2013), in a gallery in Paris, the work’s starting point came from the opposite direction of Levi-Strauss’ journeys. This second installation (2017) inverts the narrative, now located underground in a cultural space in Campos Elíseos, a Parisian-inspired neighborhood that was also described by the anthropologist, and which today is partially inhabited by crack users.

scene, making it difficult for those who don’t let themselves change speed. Unsuspecting tourists who are looking for the purity and contemplation of nature or art will not last long, since they will find harshness as they penetrate the installation, probably running and cutting themselves to get to the exit, located at one of its extremities. Everything expels and fascinates, instigating the (un)quiet observer. Passersby do not recognize each other. Shadowy shapes pass through, without one knowing if they are friends or enemies, humans or animals. A climate of risk and desire is established. The tropics are oblique, dangerous and exciting. We do not recognize who is nearby, but collectively we trace the possible paths to coexistence in that space. Sensory connections between people, animals and plants form a single body to which one pays attentions, meditates, listens. If all the works in the Present Time exhibition speak to the power of the encounter in the composition of the world, Laura Belém’s work also shows the difficulty of considering the other, even if their presence instigates us; besides, this other is not necessarily human— in passing, I thought I saw a jaguar. The subject lives with the perspective of difference as starting point. Laura Belém subtly constructs a complex tangle of metaphors: cloth panels as leaves, the spectator as a participating character, the forest as an installation, the tropics as a theater. The movement of the artwork is not to unveil in order to find something, but to unmask oneself in a centripetal and labyrinthine movement. This search comes up against almost visible images of other bodies that collide together, trying to find a way out. This encourages us to stop, listen and observe before proceeding. The passages from LeviStrauss are a possibility. The tropics are far away; the present time is the only possible starting point. In the scene produced by the installation, the unknown becomes the spectator. Where we thought to find another, we resee ourselves.

O turista desavisado que está em busca da pureza e da contemplação da natureza ou da arte não durará muito, pois encontrará aspereza ao penetrar a instalação, provavelmente correndo e se cortando para chegar à saída, localizada em uma de suas extremidades. Tudo expulsa e fascina, instigando o observador (in)quieto. Os passantes não se reconhecem. Vultos atravessam, não se sabe se são amigos ou inimigos, humanos ou animais. Um clima de risco e desejo se instaura. Os trópicos são oblíquos, perigosos e excitantes. Não se reconhece quem está por perto, mas traçamos coletivamente os caminhos possíveis de convivência naquele espaço. Conexões sensoriais entre pessoas, animais e vegetais formam um só corpo que se atenta, medita, escuta. Se todos os trabalhos da exposição Tempo Presente falam da potência do encontro na composição do mundo, a obra de Laura Belém mostra também a dificuldade de considerar o outro, mesmo que a sua presença nos provoque; ademais, esse outro não é necessariamente humano – ao passar, pensei ver uma onça. O sujeito vive a partir da perspectiva da diferença. Laura Belém constrói, com sutileza, um complexo emaranhado de metáforas: fitas como folhas, espectador como personagem, a floresta como instalação, os trópicos como um teatro. O movimento do trabalho não é de desvendar para encontrar algo, mas desvendar-se a si mesmo, em um movimento centrípeto e labiríntico. Essa busca esbarra em imagens quase visíveis de outros corpos que se trombam juntos, tentando encontrar uma saída. Estimula, assim, que paremos, escutemos e observemos antes de seguir. Os trechos de Lévi-Strauss são uma possibilidade. Os trópicos estão longe, o tempo presente é o único ponto de partida possível. Na cena produzida pela instalação, o desconhecido torna-se o espectador. Onde pensávamos encontrar um outro, revemos a nós mesmos.

Guilherme Giufrida

Guilherme Giufrida

As one’s way of looking slips and slides, the thicket of bias tape makes it difficult for light to enter, and the light changes color, reminding one now of vines or straw, and now, cutting, like a sugarcane plantation—raw material exported ever since the colonial economy—blurring the

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SOBRE OS AUTORES

ABOUT THE AUTHORS

Amanda Dafoe é formada em arquitetura e urbanismo e atua no desenvolvimento de exposições, pesquisa e curadoria. É mestra pela FAU-USP com dissertação sobre a museografia original do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Amanda Dafoe has a degree in architecture and urbanism and works with the development of exhibitions, research and curatorship. She holds a master’s degree from FAU-USP with a dissertation on the original museography of the Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Rodrigo Villela é formado em letras pela USP e tem especialização em edição pela Universidade Complutense de Madri. Atua como gestor cultural e no desenvolvimento de exposições.

Rodrigo Villela has a degree in languages/ literature from the University of São Paulo (USP) and postgraduate specialization in editing from the Universidad Complutense de Madrid. He works with cultural administration and in the development of exhibitions.

Pryscila Gomes é curadora e pesquisadora, formada pela FAU/USP, onde faz mestrado em teoria e história das artes. Integra do Núcleo de Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. Cauê Alves é doutor em filosofia, professor do Departamento de Arte da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP e do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Pedro França é artista. Fez mestrado em história pela PUC-Rio, e atualmente dá aulas regulares sobre história da arte no MAM São Paulo e no Instituto Tomie Othake. Maria Catarina Duncan é formada em culturas visuais e história da arte pela Goldsmiths College, University of London. Trabalha na Equipe de coordenação do programa COINCIDÊNCIA - intercâmbios culturais Suíça América do Sul, da fundação suíça para cultura Pro Helvetia. Ricardo Resende tem mestrado em artes visuais pela Universidade de São Paulo . Atualmente é curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro.

Pryscila Gomes is a curator and researcher, graduated from FAU / USP, where she has a master’s degree in art theory and history. She is a member of the Tomie Ohtake Institute Curatorial Center. Cauê Alves is a PhD in Philosophy, Professor in the Art Department of the School of Philosophy, Communication, Arts and Letters of PUC-SP [Pontifical Catholic University of São Paulo] and the Centro Universitário Belas Artes [University Center of Fine Arts] of São Paulo. Pedro França is an artist. He has a master’s degree in history from PUC-Rio [Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro], and currently teaches art history at MAM [Museum of Modern Art] São Paulo and at the Instituto Tomie Othake. Maria Catarina Duncan holds a degree in visual cultures and art history from Goldsmiths College, University of London. She is part of the Coordination Team of COINCIDÊNCIA—Swiss & South American Cultural Exchanges, of the Swiss foundation for culture Pro Helvetia. Ricardo Resende holds a master’s degree in visual arts from the Universidade de São Paulo. He is currently curator of the Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, in Rio de Janeiro.

Priscila Arantes é crítica de arte, curadora e pesquisadora. Desde 2007 é diretora técnica e curadora do Paço das Artes e diretora adjunta do MIS.

Priscila Arantes is an art critic, curator and researcher. She has been technical director and curator of Paço das Artes and deputy director of MIS [Museum of Image and Sound] since 2007.

Guilherme Giufruda é antropólogo, mestre em antropologia social pelo Museu Nacional – UFRJ. Foi assistente de curadoria da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo e é um dos criadores do Museu Louvre Pau-Brazyl.

Guilherme Giufruda is an anthropologist with a master’s degree in social anthropology from the Museu Nacional—UFRJ [Federal University of Rio de Janeiro]. He was assistant curator of the 10th Biennial of Architecture of São Paulo and is one of the creators of the Museu Louvre Pau-Brazyl.

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Editores Amanda Dafoe Rodrigo Villela Projeto gráfico Casaplanta designer-assistente Rafael Simões Tradução Ruth Adele Dafoe Revisão Nícolas Brandão | Todo Texto Tratamento de imagem Motivo | Jorge Bastos Pesquisa Dafoe e Aguiar Comunicação Fotografias Fábio Furtado Felipe do Amaral

TEMPO PRESENTE exposição Concepção Amanda Dafoe Rodrigo Villela Produção executiva Julia De Francesco | Casaplanta Projeto expográfico Andressa Bassani Comunicação visual Amanda Dafoe | Casaplanta Rafael Simões Produção Casaplanta Apoio de produção Daniele Carvalho | canaes_ Produção de conteúdo Nicole Candian | Casaplanta Audioguia, gravação e edição de áudios Estudiozut Preparação de textos Sandra Brazil Tradução Ruth Adele Dafoe Relações externas Helena Kavaliunas Cenografia Cenotech Projeto luminotécnico Fernanda Carvalho | Design da Luz Transportadora e logística Fink

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Equipamentos de iluminação Santa Luz

Fabio Montesanti On-line

Montagem Install

A4 & Holofote Comunicação Adriana Balsanelli Assessoria de imprensa

Equipamentos audiovisuais On Projeções Fusion Áudio

Espaço Cultural Porto Seguro Marco Griesi Direção geral Rodrigo Villela Direção executiva Marco Rangel Direção de comunicação Fábio Furtado Comunicação Vinicius Brito Conteúdo e redes sociais Felipe do Amaral Programação Guga Quiroga Assessoria institucional Rodrigo Lourenço Coordenação de produção Camila Brandão Elisa Matos Rodrigo Vitulli William Keri Produção Talita Paes Coordenação geral do Núcleo Educativo João Claro Frare Rodrigo Oliveira Educadores Nori Figueiredo Coordenação do Ateliê Experimental Mayara Poliser Rodrigo Lobo Instrutores do Ateliê Experimental

Rosy Farias Deise Concetto Administrativo

Pedro Cury Bianca Berti Fernando Perez Marcio Santos Criação

Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

Jéssica Almeida Recursos Humanos

T654 Tempo presente: catálogo de exposição / [curadoria] Amanda Dafoe,

Natacha Mendonça Financeiro

1.ed. Rodrigo Villela; [textos] Cauê Alves ... [et al.]; [artistas] Tomie Ohtake ...[et al.]. -- 1.ed. – São Paulo: Espaço Cultural Porto Seguro, 2017.

Marisa Tomazela Assessoria jurídica Marta Quintelhano Regina Santos Denise Rodrigues Vitória Oliveira Recepção Deise Silva Hemerson Lima Bilheteria Ingresso Rápido Fabiano Ribeiro Gerente de manutenção Valdeci Bernardo Coordenação de manutenção Valter Bonfim Rogério Cláudio Alla Cesar Francisco Heráclito Heitor Soares Jucivan Santos Lena Silva Equipe de manutenção André Serra Fernando Torres Lucas Evangelista Rafael Coimbra Talita Gagliardi Vinicius Brandão Yuri Fávero Agentes de segurança Inara Souza Maiara Paranaguá Atendentes A Cultural Gestão

Juliana Henno Coordenação do PortoFabLab Tiago Pessoa Vinicius Juliani Instrutores do PortoFabLab

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Instituto Porto Seguro Fábio Luchetti Renata Aguiar César Pedro Mariana Conti

ISBN: 978-85-54961-00-8

1. Catálogo de exposição. 2. Arte contemporânea. I. Título.

CDD 700

Índice para catálogo sistemático: 1.

Arte contemporânea: catálogo de exposição

AVCB No 261287 | ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO 2017/11465-00, VALIDADE 20/06/2018

TEMPO PRESENTE CATÁLOGO

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