Scientific American - Aula Aberta 16

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Roteiros temáticos para atividades em sala de aula

Aula Aberta

Matriz de referência do

O prazer de ensinar ciências

ENEM

BIOLOGIA

Fósseis africanos revelam nova origem

BRASIL

ANO II - NO 16 - 2013 - R$ 6,90

ISSN 2176163-9 00016

HUMANA

MATEMÁTICA

Quadrados mágicos: muito além da aritmética

FÍSICA

Até onde vão nossos telescópios?

FÍSICA NO ESPORTE

O tempo do goleiro para defender um pênalti

GEOGRAFIA

Brasil, um laboratório de biocombustíveis

QUÍMICA

O papel dos íons do sal no nosso organismo

9 772176 163001


Biblioteca Scientific American. O universo e seus mistérios.

A coleção Biblioteca Scientiic American reúne, em cinco volumes, os principais temas da atualidade cientíica. Os melhores artigos escritos por especialistas, agora em suas mãos. Lançamentos bimestrais, edição de julho já nas bancas!


SuMáRIo

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta No 16

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biOlOGia O primeiro da nossa espécie Fósseis da áfrica do Sul reacendem o debate sobre o desenvolvimento humano

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História da ciêNcia O jeito certo de errar A maioria dos equívocos é rapidamente esquecida. Mas alguns transformam GeOGraFia a história da ciência a realidade dos biocombustíveis no brasil Além da vanguarda tecnológica na produção e exploração de petróleo e gás natural, o Brasil MateMÁtica avançou no desenvolvimento de biocombustíveis e Quadrados se transformou em laboratório de mudanças globais mágicos do islã no setor energético Do século 9o ao 12, os árabes deram status de nobreza a um curioso QuíMica passatempo matemático a versatilidade do sal

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Física

telescópios gigantes do futuro A evolução tecnológica dos telescópios tem permitido que eles dobrem de tamanho em questão de anos. Mas os projetistas acreditam ser possível construir um instrumento até dez vezes maior dentro de uma década

Substância imprescindível ao equilíbrio das funções orgânicas pode produzir efeitos danosos se consumida em excesso. Demanda natural fez com que superasse o ouro como valor estratégico e fosse base para remunerar o trabalho

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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SEÇÕES 6 NOtas

10 cOMO FuNciONa Rádio via satélite

12 Física NO esPOrte

Planetas de diamante

Celular: permitir ou não?

Medieval e moderno

Vitaminas e micronutrientes

Quebre mais para quebrar menos

o medo do goleiro

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liVrOs

o pai da corrente alternada

55 Para O PrOFessOr

Roteiros elaborados por professores especialistas com sugestões de atividades para a sala de aula

www.sciam.com.br

BRASIL

cOMitê eXecutiVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira e Rogério Ventura diretOr de redaÇÃO Janir Hollanda janirhollanda@ediouro.com.br

Aula Aberta

EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas redacaosciam@duettoeditorial.com.br EDITOR-CHEFE: Ulisses Capozzoli EDITOR DE ARTE: João Marcelo Simões ASSISTENTE DE ARTE: Ana Salles ASSISTENTE DE ICONOGRAFIA: Luiz Loccoman ESTAGIÁRIAS: Isabela Jordani (arte); Jéssica Nogueira (planejamento)

4 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

COLABORADORES: Carmen Weingrill (redação); Edna Adorno; Denise Martins (arte); Paulo César Salgado (tratamento de imagem) diretOr eXecutiVO: Rogério Ventura Publicidade e PrOJetOs: Fernando Mello (11) 2713-8181 - fernando.mello@duettoeditorial.com.br cOOrdeNadOr de Publicidade: Robson de Souza (11) 2713-8185 PrOJetOs esPeciais MercadO FarMacêuticO GERENTE DE NEGÓCIOS: Walter Pinheiro rePreseNtaNtes cOMerciais COORDENAÇÃO GERAL: Mauro R. Bentes (21) 3882-8315/ 8135-3736 - bentes@ediouro.com.br brasília: Sônia Brandão (61) 3321-4304 riO GraNde dO sul: Roberto Gianoni | (51) 3388-7712/ 9985-5564 - gianoni@gianoni.com.br GOiÁs - rONdÔNia: Marco Antônio Chuahy (62) 8112-1817/ 3281-2466 - machuahy@gmail.com ParaNÁ - saNta catariNa - tOcaNtiNs: Euclides de Oliveira, Marco Monteiro (41) 3023-0007/ 9943-8009/ 9698-8433 euclides@dmci.com.br / mmonteiro@ebgepr.

com.br | ParÁ: Alex Bentes (91) 8718-3351/ 3222-4956 - alexbentes@hotmail.com | MiNas Gerais: Tadeu da Silva (31) 8885-7100 tadeuediouro@gmail.com | esPíritO saNtO: Dídimo Effgen (27) 3229-1986/ 3062-1953/ 88464493/ 9715-7586 | MatO GrOssO - MatO GrOssO dO sul: Luciano de Oliveira (65) 9235-7446 - fenixpropaganda@hotmail.com cearÁ- PerNaMbucO - baHia serGiPe: Rozana Rocque (11) 4950-6844/ 99931-4696 rozana@ediouro.biz / rrocque@terra.com.br | cearÁ: Izabel Cavalcanti (85) 3264-7342/ 9991-4360/ 8874-7342 - izacalc@yahoo.com.br PerNaMbucO: Carlos Chetto (71) 9617-6800, Rosângela Lima (81) 9431-3872 9159-0256 - carloschetto@canalc.com.br rosangelalima@canalc.com.br | baHiaserGiPe: Carlos Chetto (71) 9617-6800, Carmosina Cunha (71) 8179-1250/ 3025-2670 carloschetto@canalc.com.br / carmosinacunha@canalc.com.br MarKetiNG GERENTE DE MARKETING: Moacir Nóbrega ANALISTA DE MARKETING: Cinthya Müller


EDIToRIAL o

s chamados erros produtivos, como o modelo do átomo de Bohr e a hipótese da deriva continental de Wegener, permeiam a história da ciência e foram muitas vezes decisivos para estabelecer aquilo que assumimos hoje como verdades científicas. Não estamos tratando das famosas descobertas fortuitas, que se classificam como serendipidade. Falamos de casos em que o fenômeno estudado estava correto, mas a teoria para explicá-lo, não. A leitura do artigo O jeito certo de errar pode ser inspiradora, um convite ao professor para pesquisar alguns exemplos semelhantes e discutir com os alunos do ensino médio, que começam agora a se aprofundar no estudo da ciência. É ideia muito comum entre eles, em parte por causa da própria estruturação das disciplinas, que todo o edifício científico foi desenvolvido única e exclusivamente por gênios. Esse é um pensamento enganoso e prejudicial, não só por apresentar uma imagem fantasiosa do trabalho em ciência, mas tambem porque esse ponto de vista pode ser desencorajador para os jovens e acabar por afastá-los do estudo de ciências em geral e, o que é pior, do pensamento científico. Perceber a realidade do trabalho em torno

de uma grande descoberta, o porquê de grandes pesquisadores terem cometido algum erro, constitui um alento, uma lição de aprendizado. Essa abordagem pode tanto preceder como suceder o desenvolvimento dos temas e roteiros de aula sugeridos nesta edição. Presta-se tanto para o estudo da óptica geométrica baseado no artigo sobre telescópios, um assunto que remete à pesquisa histórica desses dispositivos que mudaram nossa compreensão do mundo, como quadrados mágicos do Islã, berço da aritmética que conhecemos. Nosso tema de capa, contudo, oferece uma oportunidade ímpar ao estudante: é um relato de pesquisas que nos transporta do dia a dia de um sítio arqueológico às fantasias de Indiana Jones. O autor indica no início a forma como encontrou o sítio em que teve descobertas reveladoras: pelo Google Earth. Essa é uma dica valiosa para trazer o ambiente africano para a sala de aula, o que pode ser feito pelo celular. Temos sistematicamente indicado algumas alternativas de uso das mí-

circulaÇÃO e PlaNeJaMeNtO COORDENADORA DE CIRCULAÇÃO: Luciana Pereira PRODUÇÃO GRÁFICA: Wagner Pinheiro ANALISTA DE PLANEJAMENTO: Joseane Gomes ASSISTENTES DE PLANEJAMENTO: Roberta Aguiar VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli

www.lojaduetto.com.br e www.assineduetto.com.br Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços acesse www.assinaja.com/atendimento/duetto/ faleconosco Números atrasados e edições especiais podem ser adquiridos através da Loja Duetto, ao preço da última edição acrescido dos custos de postagem, mediante disponibilidade de nossos estoques.

NÚcleO MultiMídia/ assiNaturas DIRETORA: Mariana Monné REDATORA DO SITE: Fernanda Figueiredo WEB DESIGNER: Patricia Mejias ASSISTENTE ADMINISTRATIVA: Eliene Silva GERENTE DE ASSINATURAS: Alex Jardim GERENTE COMERCIAL DE ASSINATURAS: Débora Madureira ANALISTAS DE ATENDIMENTO: Cleide Orlandoni e Marcia Paiva Silva ceNtral de ateNdiMeNtO segunda a sexta das 8h às 20h/ sábado das 9h às 15h assiNaNte e NOVas assiNaturas São Paulo (11) 3512-9414 RIO DE JANEIRO (21) 4062-7551

scieNtiFic aMericaN iNterNatiONal EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam SENIOR EDITORS: Mark Fischetti, Christine Gorman, Anna Kuchment, Michael Moyer, George Musser, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek

caPa: Brent Stirton Getty / Images

dias eletrônicas na escola, não apenas como ferramenta de busca e informações, mas também como instrumento de ações interativas, que inúmeros sites nacionais e estrangeiros oferecem. Há muitos outros assuntos nesta edição para atrair a atenção dos alunos. Boa leitura e boas aulas Luiz Carlos Pizarro Marin redacaosciam@duettoeditorial.com.br

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Ediouro Duetto Editorial Ltda., sob licença de Scientific American, Inc. ediOurO duettO editOrial ltda. Rua Cunha Gago, 412, cj. 33 – Pinheiros São Paulo/SP CEP 05421-001 Tel. (11) 2713-8150 Fax (11) 2713-8197

aula aberta no 16, ISSN 2176163-9. Distribuição nacional DINAP S.A. Rua Doutor Kenkiti Shimomoto, 1678. iMPressÃO: Ibep Gráfica

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NOTAS ESPAÇO

Planetas de diamante

O

estudo de exoplanetas – mundos que orbitam outras estrelas – ainda está começando. Mas pesquisadores já encontraram centenas desses mundos sem qualquer análogo próximo: gigantes que poderiam atropelar Júpiter; pedregulhos assando em fornalhas estelares; estranhas esferas com a densidade de turfas. Outros exoplanetas podem parecer familiares de longe mas se revelar reinos bizarros a menores distâncias, com substâncias raras em comparação com a Terra. Considere o carbono, por exemplo: o principal constituinte da matéria orgânica é responsável por alguns dos materiais mais preciosos da humanidade, de diamantes a petróleo. Apesar de sua importância o carbono é incomum – ele representa menos de 0,1% da Terra. Em outros mundos, porém, o carbono pode ser tão comum quanto areia. Na verdade, o carbono e a areia podem ser a mesma coisa. Um exoplaneta a 40 anos-luz de distância foi recentemente identificado como candidato promissor a essa versão – um mundo onde o car-

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bono domina e as pressões no interior do planeta transformam vastas quantidades desse elemento em diamante. O planeta, conhecido como 55 Cancri, no interior da constelação zodiacal do Câncer, pode ter uma casca de grafite com centenas de quilômetros de espessura. “Quando você ‘mergulha’ nela, observa uma grossa camada de diamante”, relata o astrofísico Nikku Madhusudhan, pós-doutorando da Universidade Yale. O diamante cristalino poderia ser responsável por um terço da espessura do planeta. Mundos baseados em carbono deveriam sua distinta composição a um processo de formação planetária muito diferente do nosso. Se a composição do Sol servir de indicação, a nuvem de poeira e gás que se transformou nos planetas deve ter reunido cerca de duas vezes mais oxigênio que carbono. As rochas da Terra são principalmente baseadas em minerais ricos em oxigênio, os silicatos. Astrônomos determinaram que a estrela-mãe de 55 Cancri contém levemente

mais carbono que oxigênio, o que pode refletir um ambiente de formação planetária muito diferente. E Madhusudhan e seus colegas calcularam que as propriedades da massa do planeta – mais denso que um mundo aquático mas menos denso que um mundo formado por minerais terrestres – são compatíveis com o previsto para um planeta de carbono. Os pesquisadores publicaram essas descobertas no Astrophysical Journal Letters de 10 de novembro de 2012. Formas de vida em um planeta de carbono – se existirem – seriam pouco parecidas com os organismos dependentes de oxigênio da Terra, avalia Marc Kuchner, do Goddard Space Flight Center, da Nasa. Lá, mesmo os costumes de uma corte romântica seriam completamente diferentes dos nossos. “Uma garota não ficaria impressionada se alguém lhe desse um anel de diamantes”, compara Kuchner. “Se seu pretendente aparecesse com um copo d’água, seria muito animador.” – John Matson

ILUSTRAÇÃO POR RON MILLER

Cientistas descobrem exoplanetas que subvertem a química da Terra


teCNOlOGIa NO eNSINO

Celular: permitir ou não?

Quase sempre hostilizado, ele pode se converter em poderosa ferramenta na sala de aula

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É

cada vez mais difícil encontrar algum aluno que não tenha consigo um aparelho celular. Assim como a imensa maioria dos brasileiros (já temos no país uma quantidade muito maior de celulares que de pessoas), quase todos os estudantes carregam no bolso, ou na bolsa, um desses dispositivos de comunicação. Além de servir para ligações telefônicas, o celular é também uma ferramenta para recebimento e envio de mensagens de texto, os chamados torpedos. É uma máquina fotográfica, com qualidade cada vez maior, além de se prestar também como álbum de fotos, permitindo armazenar centenas de imagens ou publicá-las on-line. Acrescente-se que é também uma filmadora que possibilita assistir a filmes on-line ou feitos com o próprio celular. Funciona ainda como gravador e reprodutor de áudio que permite anotações, lembretes de voz, gravação de entrevistas, assim como ouvir horas e horas de música. Muitos celulares oferecem também a possibilidade de recepção direta de rádio ou de TV. Agenda de contatos, com os números telefônicos e e-mails, os endereços das pessoas e outras informações, como foto, data de aniversário etc., o celular é ainda um calendário de compromissos que permite configurar avisos para os eventos marcados (reuniões, provas, aniversários) com antecedência de minutos, horas ou dias. Bloco de anotações, planilhas eletrônicas, processador de textos, bancos de dados, mapas da cidade ou de qualquer recanto do país ou do planeta, com localização por satélite (GPS) são mais algumas de suas funções. Navegação e pesquisa na web, tradução de idiomas, acesso a redes

sociais, leitura e postagem em blogs, comunicação instantânea por texto, voz ou vídeo, além, é claro, de jogos de todos os tipos, paciências, desafios lógicos, destreza e ação, bem como simulações e ambientes interativos de construção de mundos – e mesmo várias aplicações de “realidade aumentada” (apresentando novos conteúdos, muitos em emulação tridimensional, seja de imagens de um livro didático, seja das ruas de uma cidade). Apesar dessa longa enumeração, que poderia ser ainda mais completas pois há cada vez mais aplicações (apps) específicas disponíveis, boa parte gratuitas, é de espantar que a escola não esteja usando todas essas possibilidades em aplicações pedagógicas, preferindo, na maioria dos casos, proibir a utilização do celular pelos alunos. CONtra e a FaVOr Quais os argumentos para impedir o uso do celular? Que vai desviar a atenção dos alunos se utilizado para conversas durante a aula é um fato, e nesses momentos convém proibir ligações, é claro. Mas lápis e papel (e o próprio cérebro do aluno mais ainda) também podem propiciar muita distração se ele não estiver engajado na aula. A única forma de evitar que os alunos usem ferramentas e dispositivos como forma de distração durante a aula é elaborar propostas e estratégias pedagógicas para utilizar esses recursos produtivamente. Pesquisas recentes apontam que 88% dos alunos entrevistados levam o celular para a sala de aula, e 90% deles já o utilizaram para fazer cola. Talvez da mesma forma que antigamente canetas esferográficas eram usadas para

passar cola em pedacinhos de papel ou até em partes do corpo. Claro que o celular, com toda a sua tecnologia, permite cola de modo muito mais eficiente. Como combater esse uso inadequado? Para as utilizações que distraem, o professor deve fazer uma combinação com os alunos, discutindo com eles usos aceitáveis e regras a serem observadas, pactuadas. Para a questão da cola, a recomendação é elaborar provas e outras formas de avaliação para as quais não exista cola que resolva, permitindo mesmo a consulta a anotações porventura feitas. Estimular os alunos a coletar dados para subsidiar informações e, assim, construir seu conhecimento e ensiná-los a pesquisar usando as tecnologias disponíveis pode fazer que o celular, em lugar de disputar com o professor a atenção dos estudantes, seja um importante aliado no ensinar a aprender. Imaginação pedagógica, envolvimento proativo dos alunos em projetos engajadores de seu interesse, ensino feito com carinho e inovação, troca de experiências com outros professores, avaliação crítica de sua metodologia, tudo isso são condições para que o celular – dispositivo computacional com recursos e capacidade muitas vezes superiores aos do computador da Apolo (que levou o homem à Lua) e disponível no bolso de quase todos os alunos – possa ser, cada vez mais, uma ferramenta de aprendizagem na sala de aula – Carlos Tabosa Saragga Seabra

Carlos Seabra é editor de publicações e produtor de conteúdos culturais e educacionais de multimídia e internet, consultor e coordenador de projetos de tecnologia educacional e redes sociais, autor de d artigos, jogos de entretenimento, softwares educacionais e sites culturais, educacionais e corporativos.

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NOTAS MEDICINA

Medieval e moderno esde tempos ancestrais até o desenvolvimento de antibióticos médicos usaram larvas para ajudar a limpar ferimentos e prevenir infecções. Como os vermes se alimentam unicamente de carne morta, médicos não tinham de se preocupar com as criaturas se banqueteando em tecidos saudáveis. A chegada de antibióticos relegou os vermes médicos a recursos de uma era superada. A disseminação da atual resistência a antibióticos aplicados pelos médicos, porém, reaqueceu o interesse no uso de larvas medicinais, e em 2004 elas foram aprovadas pela FDA como um “dispositivo médico” válido. Fornecedores criam as larvas de ovos de mosca esterilizados e os depositam em embalagens parecidas com saquinhos de chá, diretamente nos ferimentos. (Os pacotes evitam que os vermes escapem e amadureçam como moscas adultas.) Conforme mais médicos se

voltaram para os insetos para tratar ferimentos, cientistas descobriram o processo de duas frentes que larvas usam para fazer esse trabalho. Um estudo publicado em 2011 em Archives of Dermatology mostrou que vermes colocados em incisões cirúrgicas ajudam a limpar mais tecido morto dos locais que o debridamento cirúrgico [remoção cirúrgica de tecidos necrosados], o atual padrão de cuidado em que médicos usam bisturi ou tesouras. “O debridamento com vermes remove todo o tecido morto e infectado, necessário para fechar o ferimento”, explica a principal autora Anne Dompmartin-Blanchère, dermatologista do Centro Universitário Hospitalar de Caen, na França. O debridamento cirúrgico frequentemente é longo e doloroso, algo que a terapia com vermes elimina, relata ela. Outro estudo, publicado em 2011 em Wound Regeneration and Repair, por Gwendolyn Cazander e seus cole-

gas do Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda, descobriu que secreções de larvas modulam a resposta complementar, uma parte do sistema imune que reage a patógenos invasores e é crucial para eliminar infecções. Certa ativação complementar é necessária, mas seu excesso leva à inflamação crônica que pode manter feridas abertas e vulneráveis a infecção. Secreções de larvas reduziram a atividade complementar em amostras sanguíneas de adultos saudáveis ao inibir a produção de várias proteínas complementares importantes, e, descobriram os pesquisadores, reduzir essa resposta imune superativa acelera a recuperação. “Entre 50% e 80% das feridas que vemos podem ser curadas com larvas”, assegura Gwendolyn. A terapia com vermes pode soar medieval, mas a medicina moderna parece mostrar que ela funciona. – Carrie Arnold

PHILIPPE PSAILASCIENCE SOURCE

D

cêutica, medicina, agricultura e astronomia. O NIR funciona com o princípio de que moléculas diferentes vibram de maneiras levemente diferentes. Quando a luz infravermelha é espalhada em certa amostra, ou refletida por ela, determinados comprimentos de onda são absorvidos mais que outros pelas ligações químicas em vibração. Ao medirem a fração de luz de infravermelho próximo absorvida em cada comprimento de onda, cientistas podem obter um registro distinto, característico da amostra. Os resultados são

ILUSTRAÇÕES POR THOMAS FUCHS

Novos estudos mostram como larvas limpam ferimentos e ajudam na recuperação

NUTRIÇÃO

Vitaminas e micronutrientes

Um detector móvel pode dizer aos consumidores que fruta tem mais vitaminas

C

omidas orgânicas são mais nutritivas que as cultivadas de maneira convencional? Cientistas da Universidade Stanford lançaram dúvidas sobre esse conceito em um relatório amplamente divulgado. Mas o espinhoso segredo é que, sejam suas maçãs e espinafres orgânicos ou não, os níveis de nutrientes podem variar dramaticamente dependendo das condições de cultivo como tipo e qualidade do solo, temperatura, e dias de sol ou chuva. Como consumidor não há meios para verificar de maneira independente como escolher um lote de me8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

lhor qualidade. Mas um escâner manual permite checar a densidade de nutrientes. “Você poderia comparar cenouras entre si”, observa Dan Kittredge, diretor executivo da Bionutrient Food Association, que está levantando fundos para pesquisar esse dispositivo. “Se esse lote não estiver bom, esqueça. Se o próximo estiver, é nele que você vai gastar seu dinheiro.” A tecnologia básica existe há décadas. A espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) – a modalidade em que Kittredge atualmente se concentra – encontrou aplicações na produção farma-


MATERIAIS

Quebre mais para quebrar menos

MARTIN WILLIS Minden Pictures

Um novo tipo de hidrogel pode abrir o caminho para a cartilagem artificial e outras aplicações

O

segredo para fazer alguma coisa quebrar menos é fazê-la quebrar mais – pelo menos no nível microscópico. Quando alguma coisa frágil como vidro se quebra, as únicas moléculas envolvidas são as que ficam ao longo da superfície dos cacos; dentro dos fragmentos individuais, o material permanece intocado. Para reduzir a quebra, pesquisadores projetam materiais que distribuem o estresse abaixo da superfície, o que previne a propagação de rachaduras e evita que os objetos se quebrem. Zhigang Suo, da Universidade Harvard, e seus colaboradores aplicaram esse princípio a uma classe de materiais chamados hidrogéis, constituídos de água e redes de moléculas longas conhecidas como polímeros, que agem como um esqueleto. Os hidrogéis de Suo, que têm a consistência da borracha, podem se esticar até 20 vezes seu tamanho original sem quebrar. Em comparação, um elástico típico arrebenta se for distendido

mais de 6 vezes seu tamanho, compara Suo. O novo material tem resistência impressionante, o que, tecnicamente, é a capacidade de absorver pressão, tensão ou impacto sem quebrar. A energia necessária para partir esse hidrogel é 10 vezes maior que para materiais semelhantes. Hidrogéis anteriores não tinham resistência suficiente e geralmente desmanchavam como tofu. O segredo do hidrogel de Suo é que ele contém duas estruturas de polímeros, e não uma. A primeira é de longas cadeias de carboidrato derivadas de algas. As cadeias, mantidas no lugar por íons de cálcio positivamente carregados, ficam pareadas como os dois lados de um zíper. A estrutura secundária consiste em um polímero sintético com longas cadeias que se conectam em ligações fortes. Quando um impacto atinge o material, as cadeias derivadas de algas se abrem e os íons de cálcio se dispersam na água. A rede secundária distribui o estresse mais

profundamente abaixo da superfície rachada, de modo que a energia se dissipe em um volume maior do material. Com o fim do estresse, o material se regenera sozinho porque os íons de cálcio, atraídos aos segmentos negativamente carregados na cadeia de alga, fecham a rede primária novamente. O material, ainda em testes, mostra que hidrogéis podem ser fortes o bastante para aplicações como engenharia de tecidos e como protética. “Atualmente, se sua cartilagem for danificada, é muito difícil substituí-la”, destaca Suo. E qualquer substituto artificial precisaria ser pelo menos tão resistente quanto o material natural. Suo e seus colaboradores publicaram seu trabalho na edição de 6 de setembro de 2012 da Nature. A energia necessária para quebrar o novo hidrogel é “realmente impressionante”, elogia Jian Ping Gong, da Universidade de Hokkaido. – Davide Castelvecchi

precisos – e rápidos. “A cromatografia a gás pode facilmente demorar metade de um dia”, avalia Magdi Mossoba, químico do Centro para Segurança Alimentar e Nutrição Aplicada da FDA. “O NIR pode produzir resultados em segundos.” Até recentemente o NIR e formas relacionadas de espectroscopia vibracional ficavam confinados ao laboratório, onde exigiam grandes instrumentos que apenas cientistas experientes podiam operar. Agora, com a miniaturização, eles estão sendo alocados em simples dispositivos manuais que “um trabalhador sem doutorado em química pode usar em um galpão ou no campo”, explica Maggie Pax, diretora sênior da Thermo Fisher Scientific, uma das principais produtoras

dessas ferramentas. Empresas farmacêuticas estão usando os aparelhos para determinar se lotes de matérias-primas estão etiquetados corretamente. Mais de uma dúzia de países compraram os dispositivos para ajudar a combater a onda cada vez maior de medicamentos falsos. E fazendeiros os usam para medir níveis de proteína em grãos, o que ajuda a determinar seu valor de mercado. Mesmo assim, o NIR tem uma grande limitação para um escâner de supermercado: ele não dá leituras para compostos com concentração menor que 0,1%. O vegetal médio é 92% água. Depois disso vêm os macronutrientes, como carboidratos e proteínas (em quantidades altas o bastante para detecção pelo NIR),

seguidos pelos micronutrientes, incluindo vitaminas, minerais e antioxidantes (que, em geral, são muito poucos para detectar). Todo o conceito estaria morto, não fosse uma observação fundamental. “Plantas desenvolvem certos tipos de compostos em uma ordem previsível e em taxas específicas para vários minerais, proteínas e lipídios”, aponta Kittredge. A tarefa que ele desempenha atualmente no Instituto Linus Pauling na Universidade Estadual de Oregon é a condução de milhares de testes com alimentos-chave para estabelecer os algoritmos necessários para desenvolver um escâner funcional. “Isso vai acontecer”, afirma. “O que não sabemos é se vai demorar 3 anos ou 30.” – Anne Underwood SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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COMO FUNCIONA RÁDIO VIA SATÉLITE

Sinais do espaço O

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incluídos no pacote do assinante. Usando um receptor genérico, alguém próximo não consegue ouvir, pois seu receptor não contém o número de assinatura. – Mark Fischetti

Satélite da XM

➔ AS REPETIDORAS retransmitem o sinal do satélite. A XM usualmente ■ posiciona determinado número de pequenas repetidoras em áreas urbanas para evitar obstruções, e cada repetidora fornece 50 a 100 watts de potência. Já a Sirius quase sempre utiliza uma repetidora única, grande, que cobre a cidade com 400 a 2 000 watts.

Receptor portátil Repetidora da XM

➔ O RECEPTOR faz ■ amostragens contínuas do sinal dos satélites e das repetidoras disponíveis e reproduz sempre os mais fortes. MATT VINCENT (painel superior); JEN CHRISTIANSEN (painel inferior); NASA/THE VISIBLE EARTH (mapa matriz)

rádio via satélite pode transmitir os mesmos 100 canais de música, notícias e esportes para qualquer lugar do país. Mesmo assim, alguém ao seu lado recebe um conjunto diferente de canais e uma terceira pessoa que não é assinante não consegue sintonizar nada. Como é possível esse tipo de serviço cobrir todo o país e ainda assim ser tão seletivo? Três empresas oferecem serviços de rádio via satélite no mundo: a XM Satellite Radio e a Sirius Satellite Radio, para os Estados Unidos, e a WorldSpace para a África, Ásia e Europa. A XM utiliza dois satélites geoestacionários e cerca de 800 repetidoras terrestres de baixa potência espalhadas pelas cidades onde estruturas altas poderiam bloquear a linha de visada dos satélites (ver alto da ilustração ao lado). A Sirius tem três satélites em órbitas elípticas de grande inclinação e cerca de 100 repetidoras de alta potência, e cada uma cobre uma área metropolitana. Ambas as arquiteturas oferecem um serviço igualmente confiável, diz Dan Goebel, cientista pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês), em Pasadena, Califórnia, que projetou os amplificadores para as repetidoras de terra. No entanto, o receptor do usuário “é a parte mais inovadora do sistema”, esclarece Goebel. Seja ele portátil ou instalado em um carro, sua antena recebe o sinal de todos os satélites e repetidoras da empresa. Os processadores internos fazem uma amostragem dos sinais e reproduzem os que estiverem mais fortes, repetindo continuamente o procedimento. Assim, a chave para esse tipo de cobertura “em qualquer lugar, a qualquer hora” reside em três níveis de diversificação, segundo Terry Smith, vice-presidente de tecnologia da Sirius. O primeiro é a diversificação espacial, explica, “pois um satélite ou uma repetidora sempre poderá alcançar um ouvinte”. Satélites e repetidoras transmitem em comprimentos de onda um pouco diferentes, criando uma diversificação de frequência que pode ser escolhida pelo receptor. E, finalmente, os sinais são enviados com pequenos retardos, criando uma diversificação temporal. A sobreposição evita falhas na cobertura da transmissão. Os receptores captam todos os canais que a empresa transmite, mas duas pessoas, mesmo próximas, ouvem somente aquilo pelo que pagaram. Quando se assina o serviço, o satélite envia um código de ativação vinculado a um número de assinatura do aparelho receptor. O código diz ao receptor para bloquear os canais não

➔ SATÉLITES ■ GEOESTACIONÁRIOS posicionados acima do equador Sinais de repetidores transmitem todos os canais da Sinais de XM Radio. Seus sinais atingem Satélite o continente americano em R R um ângulo de 30º a 40º da S S S S linha do horizonte. A Sirius 2320 2 320 22332,5 332,5 22345 345 Radio utiliza três satélites Frequência em órbitas elípticas muito Frequência(megahertz) (megahertz) inclinadas, com ângulo de visada superior a 60º; cada um ➔ AS FREQUÊNCIAS DE ■ dos satélites, na verdade, traça TRANSMISSÃO do transponder um “8” em relação ao solo (linha utilizadas pelos satélites da XM e da pontilhada) e permanece cerca Sirius estão na banda-S. Cada satélite de 16 horas sobre a América do distribui seus 100 canais ao longo de Norte, de modo que dois deles mil freqüências dentro de um espectro estão sempre transmitindo. A de 4 megahertz, nos dois extremos World Space tem dois satélites da faixa alocada para a empresa; as geoestacionários que enviam repetidoras utilizam os 4 megahertz três feixes extremamente centrais.Por meio de técnicas de amplo dirigidos, de alto desempenho; espectro, os receptores recombinam cada um leva um conjunto as frequências em canais. A diferente de canais para os WorldSpace transmite na banda-L, de 1 países cobertos. 467 a 1 492 megahertz. XM Radio Sirius


VOCÊ SABIA?

 COMPRESSÃO: Ao reproduzirem com menos bits de

dados o som levado por um canal, as empresas podem inserir mais canais (ou áudio de melhor qualidade) dentro de sua faixa do espectro sem alterar o receptor do usuário. Quando a Sirius e a XM começaram a operar, elas ofereciam cerca de 60 canais. Melhores tecnologias de compressão de sinal, desde os estúdios até o satélite, aumentaram o número para mais de 100, incluindo as coberturas locais. A indústria continua a pesquisar como o sistema auditivo humano e o cérebro percebem os padrões dos sons, para desenvolver algoritmos de compressão ainda mais eficientes.

 FLUTUAÇÃO: Os estúdios de transmissão da Sirius estão

localizados no 36o andar de um arranha-céu em Manhattan, e

seu piso de concreto foi feito sobre um colchão de ar de borracha que, depois de inflado, o isola do restante da estrutura. O colchão elimina as vibrações do tráfego de caminhões, de britadeiras e de outros ruídos urbanos que poderiam ser enviados junto com o sinal para o satélite. Os ruídos também consomem bits, mas são difíceis de comprimir devido à sua natureza aleatória.  PROPULSÃO IÔNICA: Os satélites de rádio e muitos dos de

televisão são mantidos fixos em suas órbitas (contra a gravidade do Sol e da Lua) por feixes de íons, que disparam duas vezes por dia, por até uma hora. Mais de 30 satélites de comunicação utilizam hoje a propulsão iônica, que Dan Goebel, do JPL, diz reduzir em até dez vezes o combustível a ser transportado em relação ao sistema usual de propulsão química.

Repetidora da Sirius Satélite da Sirius Repetidora da XM

➔ O RECEPTOR sempre ■ armazena 4 segundos de programação, reproduzindo-os com retardo, de modo que alguém que passar por uma obstrução (zona de sombra) sob um viaduto, por exemplo, não notará nenhuma interrupção.

Carro com receptor

COBERTURA

XM

Sirius XM2 Órbitas Sirius 2

XM1 Sirius 1

WS1

WS2

Sirius 3 WorldSpace

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FÍSICA NO ESPORTE O medo do goleiro Cálculos mostram se na hora do pênalti os arqueiros têm tempo para defender sua meta POR LEANDRO MARIANO E OTAVIANO HELENE

A

lguns problemas de física do dia a dia podem ser muito complicados, porque há muitas variáveis em jogo. Se o sistema em estudo for complexo, como o do goleiro diante do pênalti, os valores exatos das grandezas relevantes são mal conhecidos. Assim, precisamos usar dois truques padrões adequados para situações com essas características: identificar os aspectos físicos mais importantes, abstraindo os demais, que poderiam aumentar o grau de complexidade, e fazer todas as aproximações possíveis. Com isso em mente, podemos ver o que ocorre nesse que é um dos momentos de máxima tensão em um jogo de futebol. Vamos começar aproximando a velocidade da bola, lembrando que cada jogador tem suas próprias características. Alguns dão uma bomba, sem se preocupar com a precisão da direção; outros preferem caprichar mais na pontaria, ainda que para isso batam na bola com menos força. Consideremos, então, um valor aproximado para a velocidade inicial da bola em um chute relativamente forte: 100 km/h (o que corresponde a cerca de 28 m/s). Por causa da resistência do ar, a mesma que “segura” o paraquedista e dificulta o desempenho de um ciclista, a bola perderá velocidade, chegando ao gol com cerca de 75 km/h (21 m/s). Estimando uma velocidade média da ordem de 24,5 m/s e considerando os 11 metros que separam a marca do pênalti da linha das traves, concluímos que ela chegará ao gol em 0,45 s. Vamos arredondar esse tempo para 0,5 s – esse arredondamento para cima apenas faria parecer que a vida do goleiro é mais fácil do que é. 12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Se o goleiro não saltar antes do chute e, em vez disso, esperar a bola iniciar seu movimento, será que ele tem tempo suficiente para alcançar a bola? Em geral, não, tanto que nas disputas é mais comum vê-lo saltar antes do chute, ou seja, ele antecipa a direção de seu pulo baseado no movimento do adversário e no conhecimento que tem do seu estilo. Vamos ver o que justifica tal procedimento. Se o goleiro esperar o batedor chutar para então decidir o lado que deverá saltar, ele terá meio segundo para se deslocar e interceptar a bola e isso é muito pouco tempo. Para confirmar isso, vamos calcular quanto tempo o goleiro demora para sair de sua posição no centro do gol e encostar as palmas das mãos em uma das traves. Para saltar e tentar pegar a bola, ele deverá usar as duas pernas em um único impulso, o que para os atletas em excelentes condições físicas exige a produção de cerca de 1 000 J de energia mecânica. Vamos supor que goleiros também consigam fazer isso. Você pode verificar que os 1 000 J são razoáveis, observando que nos saltos verticais nos quais os atletas não correm antes do salto (salto vertical parado), seus centros de massa (CM) se elevam cerca de 1 m. Como goleiros são, em geral, pessoas grandes e, consequentemente, pesadas, podemos estimar sua massa em torno de 90 kg. Portanto, se os 1 000 J forem totalmente transformados em energia cinética, ou seja, se ele deslocar seu centro de massa apenas horizontalmente, sua velocidade será de 4,7 m/s. (Supor que toda a energia produzida seja transformada em energia cinética de transla-

ção é uma hipótese a favor do goleiro.) Vamos, também, arredondar o valor da velocidade para 5 m/s, fazendo parecer que vida de goleiro é mais fácil do que de fato é, um arredondamento também a favor do goleiro. Mas o goleiro não consegue atingir aquela velocidade imediatamente, pois precisa acelerar seu corpo. Vamos, então, fazer mais uma simplificação. Um velocista (um atleta especializado em corridas curtas) consegue acelerar, no início da prova, com uma perna de cada vez, cerca de 10 m/s2. Como o goleiro pode usar as duas pernas, é razoável supor que sua aceleração seja duas vezes maior, 20 m/s2. Com essa aceleração, ele demorará cerca de 0,25 s até atingir os 5 m/s. Portanto, o movimento horizontal de seu centro de massa será uniformemente acelerado, com 20 m/s2, durante 0,25 s, seguido por um movimento com velocidade constante de 5 m/s. Como o gol tem pouco mais do que 7 m de largura e o goleiro inicia seu deslocamento a partir do meio dele, supondo que as palmas de suas mãos, com os braços esticados, estejam 1 m além de seu centro de massa, este último precisará se deslocar 2,5 m, a fim de que o goleiro consiga encostar as palmas das mãos na trave. Vamos ver se ele consegue isso. Combinando o deslocamento acelerado a 20 m/s2 durante 0,25 s seguido por um deslocamento com velocidade constante de 5 m/s, concluímos que o goleiro demorará pouco mais do que 0,6 s até conseguir tocar na trave com as palmas das mãos, tempo já maior do que o 0,5 segundo que a bola demorará para


Na cobrança de pênalti, o goleiro deve permanecer na linha de meta até que a bola seja chutada. Mas avançar antes do chute se iniciar pode não ser tão eficiente quanto parece, pois se por um lado o goleiro “fecha o gol”, precisando saltar para os lados uma distância menor, por outro lado a bola chegará à linha que ele deve guardar mais rapidamente. Não parece, portanto, haver um ganho nesse procedimento e o risco do goleiro é muito grande, pois se com seu avanço a bola entrar, o gol será considerado válido e se não entrar, o pênalti será batido novamente.

ERIKA ONODERA

As linhas vermelhas indicam, aproximadamente, a distância que um goleiro conseguiria deslocar horizontalmente seu centro de massa em 0,3 s.

chegar à linha de gol. Mesmo com a gols: bastaria chutar a bola a mais de 1 hipótese e o arredondamento a favor metro do centro do gol, o que qualquer do goleiro, ele já não conseguiria pe- jogador experiente conseguiria. Enfim, essas são algumas hipóteses gar uma bola no canto. Mas há mais alguns fatores a con- e estimativas. É bem possível que você siderar. Um deles é o tempo de reação não concorde com todas elas e prefira do goleiro, que é o intervalo entre o outras. Se for assim, ótimo. Faça suas momento em que ele recebe um estímu- próprias hipóteses e examine o problelo externo – no caso, perceber em qual ma com outras abordagens que, prodireção vai a bola – e o instante em que vavelmente, você encontrará aspectos seus músculos são ativados para iniciar interessantes do mesmo problema. o salto. Esse tempo de reação tem sido motivo de vários estudos, uma vez que DISPUTA DE PÊNALTIS ele é decisivo em vários esportes. As es- AINDA TEM GRAÇA timativas indicam que ele é da ordem de Por causa dessa limitação de tempo do 0,2 s. Portanto, se a bola demora cerca goleiro, existem várias estratégias. A de 0,5 s até chegar à linha de gol, sobra mais comum é o salto antecipado. Mas 0,3 s para que o goleiro faça o movi- isso só funciona se o goleiro acertar o mento necessário. Com uma aceleração lado para o qual a bola irá, pois se saltar de 20 m/s2 durante 0,25 s seguido de um do lado contrário, de nada adiantará. A movimento com velocidade uniforme, capacidade de antecipar corretamente concluímos que em 0,3 s o goleiro con- para que lado a bola irá é um ponto a seguiria deslocar seu centro de massa favor do goleiro. Mas se o goleiro saltar muito antes (na horizontal) menos do que 1 metro, distância indicada pelas linhas verme- de o jogador chutar, este pode perceber lhas tracejadas na figura. Assim, se os de que lado ele saltou e terá tempo de goleiros esperassem a bola ser chutada mudar a direção e chutar para o lado antes de saltar, seria muito fácil marcar contrário ao do salto. Talvez seja por

isso que alguns jogadores chutam a bola no meio do gol, pois já perceberam que o goleiro iniciou o pulo e já estará longe do centro do gol quando a bola chegar. Este é um ponto a favor do jogador. Como os jogadores sabem que os goleiros tentam adivinhar o lado do chute, eles fingem que irão chutar para um lado, mas chutam para outro. Mais um ponto a favor do batedor. Mas o movimento que os batedores fazem para tentar enganar os goleiros compromete a velocidade e precisão do chute. Ponto para os goleiros. Os batedores de pênalti também evitam chutar muito próximo às traves, pois isso aumenta o risco de a bola sair para fora. Outro ponto a favor dos goleiros. A combinação dessas estratégias garante alguma emoção nas disputas de pênalti que, sem elas, pareceriam uma coisa maçante, sem movimento e sem a graça do futebol com bola rolando. n OS AUTORES Leandro Mariano é doutorando no Instituto de Física da USP e Otaviano Helene é professor da mesma instituição.

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o t r e c o t i e j r a O r r e e d HISTÓRIA DA CIÊNCIA

é ocos lguns v í u q a os e a. Mas cia d a i cid iên aior A m te esque ria da c ó men m a hist a d i a rap ER E R form S s I n A a E K tr VID EAG DA CR POR A N. H. L E ANG

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T

alvez mais que em qualquer outra área, a ciência premia a precisão. Claro, a maioria dos cientistas – como a maioria dos seres humanos – erra muito ao longo do percurso, mas nem todas as falhas têm a mesma origem. Historiadores encontraram vários casos em que uma ideia incorreta se mostrou muito mais poderosa que milhares de outras trivialmente equivocadas ou quase corretas. São enganos produtivos que resvalam em características profundas e essenciais do mundo ao nosso redor e incentivam mais pesquisas, conduzindo a gran-

des avanços. São erros, com certeza, mas a ciência ficaria muito pior sem eles. Niels Bohr, por exemplo, criou um modelo de átomo que estava errado em quase todos os aspectos e ainda assim inspirou a revolução da mecânica quântica. Diante de enorme ceticismo, Alfred Wegener argumentou que as forças centrífugas faziam os continentes mover-se (ou “ficarem à deriva”) sobre a superfície da Terra. Ele acertou o fenômeno, mas errou o mecanismo. Enrico Fermi pensou ter criado núcleos mais pesados que o urânio, em vez de SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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O CLONE DO FÓTON FANTASMA Nosso primeiro erro ajudou a iluminar uma disputa que começou durante os primórdios da mecânica quântica quando Albert Einstein e Bohr se envolveram em vários debates acalorados sobre a natureza e implicações finais da teoria quântica. Sabe-se que Einstein protestou contra várias características estranhas. Usando equações da mecânica quântica, por exemplo, físicos puderam prever apenas probabilidades para várias ocorrências e não resultados definitivos. “Eu, de qualquer forma, estou convencido que Ele [Deus] não está jogando dados”, veio a réplica de Einstein. O assunto ficou adormecido por 30 anos. Nem Einstein nem Bohr conseguiram convencer o outro lado. Décadas depois, um jovem físico da Irlanda do Norte, John Bell, retomou as discussões de Einstein e Bohr. Ele revisou um experimento mental que Einstein publicara em 1935. Einstein imaginou uma fonte que lançava pares de partículas quânticas, como elétrons ou fótons, movimentando-se em direções opostas. Físicos conseguiram medir certas propriedades de cada partícula depois que ela se distanciava da outra. Bell quis saber sobre as correlações entre os resultados dessas medições. Em 1964, ele publicou um artigo breve mas extremamente elegante demonstrando que, segundo a mecânica quântica, o resultado de uma dessas medidas, digamos, o giro da partícula que se moveu à direita ao longo de determi16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

nada direção, deve depender da escolha da propriedade a medir da partícula que se move à esquerda. Na verdade, Bell deduziu que qualquer teoria que reproduzisse as mesmas previsões empíricas que a mecânica quântica deveria incorporar um sinal ou “mecanismo pelo qual a configuração de um dispositivo de medição poderia influenciar a leitura de outro instrumento, por mais remoto que estivesse”. Além disso, ele concluiu, “o sinal envolvido deve se propagar instantaneamente”. Essas correlações de longa distância tornaram-se conhecidas como “entrelaçamento quântico”. Embora conhecido pelos físicos modernos, o estudo de Bell não foi recebido com alarde, apesar de a transferência de sinal instantâneo violar as bem fundamentadas leis da relatividade de Einstein que postulam que nenhum sinal ou influência pode viajar mais rapidamente que a luz. Entre os físicos que prestaram atenção estava Nick Herbert. O assunto começou a ocupar cada vez mais a mente de Herbert, povoando os pensamentos em seu trabalho diário como físico industrial em Bay Area em São Francisco. Na época, Herbert era membro principal de um grupo de discussão informal e peculiar chamado Fundamental Fysiks Group. Os participantes se reuniam em Berkeley e, na maior parte, eram jovens físicos que conseguiram seus doutorados em programas de elite – Herbert concluiu o doutorado na Universidade Stanford e logo foi vítima de uma crise de desemprego inédita. Em 1971, por exemplo, mais de mil jovens físicos se registraram no Serviço de Colocação do Instituto Americano de Física, competindo por apenas 53 vagas. Subempregado e com tempo disponível, Herbert se reunia com seus amigos semanalmente em meados da década de 70 para discutirem enigmas profundos da física moderna, temas que recebiam pouca atenção na formação formal de física. Ficaram fascinados pelo teorema de Bell e o entrelaçamento quântico. Outro membro do grupo, John Clauser, realizou o primeiro teste experimental mundial do teorema de Bell e descobriu que as estranhas

previsões sobre entrelaçamento quântico estavam absolutamente corretas. (Em 2010 Clauser dividiu o prestigiado prêmio Wolf por suas contribuições.) Enquanto isso, todos à sua volta, na Bay Area, testemunhavam uma explosão de interesse em fenômenos bizarros como a percepção extrassensorial e visões premonitórias do futuro. O San Francisco Chronicle e outros grandes jornais publicavam notícias sobre experiências de telepatia, enquanto entusiastas discretos celebravam a chegada da Nova Era. Herbert e seus colegas de discussão começaram a pensar se o teorema de Bell, que parecia implicar misteriosas conexões instantâneas entre objetos distantes, poderia explicar a mais recente safra de maravilhas. Concentrando-se no que Bell descrevera como sinais instantâneos entre partículas quânticas, Herbert imaginou se eles poderiam ser interceptados para enviar mensagens mais rapidamente que a luz. Começou a projetar o que ele denominou “telégrafo superluminal”: um instrumento que poderia aproveitar uma propriedade fundamental da teoria quântica para violar a relatividade e, portanto, as leis da física. Após algumas tentativas, Herbert chegou ao esquema “FLASH” em janeiro de 1981. O acrônimo significa em inglês “primeiro interceptor superluminal de laser amplificado”. Usava um sistema elaborado baseado em laser para transmitir um sinal mais rápido que a luz (ver ilustração à direita). O esquema de Herbert parecia sólido. Vários revisores do periódico no qual ele apresentou sua ideia foram convencidos pelo argumento. “Não conseguimos identificar falhas fundamentais no experimento proposto que revelem a origem do paradoxo”, relataram dois árbitros. Outro, Asher Peres, deu um passo ainda mais ousado; proclamou em seu breve relato que o artigo de Herbert deveria estar errado e, portanto, precisava ser publicado. Como Peres não conseguiu encontrar nenhuma falha, ele argumentou que ela deveria ser promissora, do tipo que indicaria novos avanços.

PÁGS. ANTERIORES: FOTO DE DAN SAELINGER; PRODUÇÃO DE IMAGEM DE WENDY SCHELA; NESTA PÁG.: FONTES: DONNA COVENEY ( Kaiser); SAGE ROSS ( Angela)

ter tropeçado na fissão nuclear, como sabemos agora. Dois casos de erros produtivos, um de física na década de 70 e um de biologia na de 40, ilustram bem este ponto. Os autores não eram desajeitados infelizes que tiveram sorte por acaso. Ao contrário, eles questionaram com firmeza o que poucos colegas abordaram e combinaram conceitos que muitos da época sequer cogitavam. No processo, lançaram bases críticas para campos produtivos hoje na biotecnologia e na ciência da informação quântica. Estavam errados, mas o mundo deve ser grato por seus equívocos.


FOTO E ILUSTRAÇÃO DO NOTEBOOK FEITAS PELA EQUIPE

TELÉGRAFO INSTANTÂNEO: Em 1981 o físico Nick Herbert alavancou características estranhas da mecânica quântica para criar um sistema de comunicações mais rápido que a luz. Segundo a teoria da relatividade de Einstein esse dispositivo não poderia existir, embora no início ninguém conseguisse encontrar nada de errado nele. Estudo posterior mais detalhado revelou o erro de Herbert: partículas elementares não podem ser copiadas da maneira que Herbert concluíra. Físicos exploraram essa visão para avanços cruciais em ciência da informação quântica.

A posição incomum (até corajosa) de Peres foi rapidamente confirmada. Três grupos de físicos submeteram o estudo de Herbert a um exame minucioso. Giancarlo Ghirardi e Tullio Weber na Itália, Wojciech Zurek e Bill Wootters nos Estados Unidos e Dennis Dieks na Holanda reconheceram que Herbert cometera um erro sutil em seu cálculo sobre o que o físico receptor do sinal deveria ver. Herbert concluíra que o amplificador de laser em seu instrumento conseguiria emitir muita luz no mesmo estado da luz original. Na verdade, os cientistas perceberam que o laser não poderia fazer essas cópias de um único fóton, mas apenas mistura aleatória, como uma fotocopiadora que mescla duas imagens diferentes, produzindo algo totalmente desfocado. No processo de descompactação da proposta de Herbert os três grupos revelaram uma característica fascinante e fundamental da mecânica quântica que ninguém ainda reconhecera. O sistema

FLASH falha devido ao “teorema de não clonagem”, que impede que um estado quântico desconhecido seja copiado ou clonado sem perturbar o estado. O teorema impede inventores aspirantes de usar a teoria quântica para construir telégrafos mais rápidos que a luz, permitindo assim que o entrelaçamento quântico coexista pacificamente com a relatividade de Einstein. Evento por evento, as partículas gêmeas realmente se organizam segundo correlações instantâneas de longa distância, mas essas conexões nunca podem ser usadas para enviar uma mensagem mais rápido que a luz. Em seguida, outros físicos perceberam que o teorema de não clonagem oferecia mais que mera resposta ao estudo curioso de Herbert, ou a base para uma trégua complicada entre o entrelaçamento e a relatividade. Em 1984, Charles Bennett e Gilles Brassard basearam-se diretamente no teorema de não clonagem para criar o primeiro protocolo para a “criptografia

quântica”: uma forma totalmente nova de proteger sinais digitais de potenciais bisbilhoteiros. Como Bennett e Brassard perceberam, o fato de a mecânica quântica proibir qualquer pessoa de fazer cópias de um estado quântico desconhecido significava que parceiros poderiam codificar mensagens secretas em fótons entrelaçados e passá-las adiante ou para trás. Se alguém tentasse interceptar um fóton em rota e fazer cópias, elas imediatamente destruiriam o sinal de busca e, ao mesmo tempo, anunciariam a sua presença. Nos últimos anos, a criptografia quântica tomou a dianteira numa iniciativa global pela ciência da informação quântica. Físicos como Anton Zeilinger, em Viena, e Nicholas Gisin, em Genebra, conduzem demonstrações de transferências bancárias e voto eletrônico, no mundo real, criptografadas por quantum. Legado nada ruim para o intrigante, ainda que falho, esquema FLASH de Herbert. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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teSte CertO, raCIOCÍNIO erraDO: Max Delbrück e seus colegas queriam decifrar o mistério da vida: de que eram feitos os genes e como funcionavam. Precisavam de um organismo simples para trabalhar, por isso escolheram como modelo o bacteriófago, vírus que infecta bactérias. Em 1943, seu “teste de flutuação” investigou como os vírus se reproduzem. A equipe se inspirou em técnicas de mecânica quântica para estudar como as bactérias desenvolvem resistência à infecção viral. O teste tornou-se um experimento marcante, mas para o estudo de bactérias e não de vírus. Depois Delbrück se queixou de que, basicamente, os outros cientistas perderam o objetivo.

O ParaDOXO GeNÉtICO nosso segundo exemplo de cientista equivocado apresenta o trabalho de Max Delbrück, professor da Universidade Vanderbilt e, mais tarde, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Delbrück, ex-aluno de Bohr, retirou da famosa palestra de Bohr “Luz e Vida”, de 1932, a noção de que a compreensão de processos biológicos faria surgir novos paradoxos e de que a resolução desses paradoxos poderia levar à descoberta de novas leis da física. Delbrück recrutou outros cientistas para a iniciativa, ajudando a criar o campo da biologia molecular nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Uma das discussões essenciais questionadas na década de 40 era “o que é um gene?”. Em meados do século 19, o monge Gregor Mendel propôs a existência de fatores hereditários (depois denominados genes), que exibiam duas propriedades distintas. A primeira era a capacidade de se replicar. A segunda era a aptidão de produzir variações, 18 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ou mutações duplicadas tão fielmente quanto o gene original. na década de 40, no entanto, ninguém sabia de que os genes eram constituídos nem como eles se reproduziam. Como o pioneiro da física quântica Erwin Schrödinger observou em seu livro O que é vida? – O aspecto físico da célula viva, de 1944, que nenhum sistema físico comum se autorreplica. A aparente capacidade de genes de fazer isso parece desafiar a segunda lei da termodinâmica. Delbrück buscava o gene único e indivisível – sistema físico, responsável pelos mistérios da hereditariedade. Como bom físico, Delbrück percebeu que a abordagem mais frutífera seria estudar as menores e mais simples unidades da vida: os vírus. Especificamente, ele escolheu estudar bacteriófagos – vírus que infectam bactérias, seres dos mais fáceis de isolar e de crescimento mais rápido. Como todos os vírus, os bacteriófagos se reproduzem apenas dentro de uma célula hospedeira, e Delbrück tentou evitar o que ele via

como uma complexidade desnecessária. Junto com o colega Emory Ellis, desenvolveu um método de crescimento que lhes permitiu concentrar-se na reprodução dos bacteriófagos, ignorando as complexidades celulares das bactérias infectadas. Delbrück estava certo de que os genes são formados por proteínas: basta entender como as partes de proteínas de vírus se reproduzem e você entenderia os genes. Supôs ainda que a melhor forma de estudar a reprodução de vírus era vê-los se reproduzindo. Como seria possível capturar os vírus se replicando, para entender o processo? O tempo de reprodução de bacteriófagos diferentes varia, e Delbrück e seu colaborador Salvador Luria pensaram que se infectassem as mesmas bactérias com duas cepas de bacteriófago, uma se reproduziria mais rapidamente que a outra, e poderiam pegar intermediários de replicação de uma cepa que se reproduzisse mais lentamente quando as células se abrissem.


O experimento de infecção dupla não funcionou como planejado. Luria e Delbrück descobriram que a infecção por uma cepa viral impedia a infecção pela outra. Por volta da mesma época, Thomas Anderson, da Universidade da Pensilvânia, examinou amostra de uma das cepas de bacteriófagos de Delbrück e Luria sob um microscópio eletrônico. Descobriu que o vírus era muito mais complexo que se imaginava: certamente consistia em muito mais que um gene único e indivisível. Era uma partícula com forma de girino, composta de proteínas e ácidos nucleicos, e se ligava ao exterior da bactéria, deflagrando uma infecção. A correlação um a um entre vírus e genes que Delbrück imaginou começava a elucidar-se. Ainda assim, Delbrück não seria dissuadido. Tentando entender melhor como algumas bactérias resistiram à infecção do bacteriófagos, ele e Luria desenvolveram o que se chamou teste de flutuação. O teste acabou revelando pouco sobre replicação viral, mas a engenhosa metodologia empregada mostrou que as bactérias evoluem de acordo com princípios darwinianos, com mutações aleatórias que, ocasionalmente, conferem vantagens de sobrevivência. Foi um marco no estudo da genética bacteriana, abrindo novos campos inteiros de estudo. Delbrück e Luria (juntamente com Alfred Hershey) ganhariam o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 1969, em parte por esse trabalho. O teste de flutuação, porém, não ajudou no entendimento da reprodução de vírus, para frustração evidente de Delbrück. Em 1946, ele chegou a reclamar em palestra que as “explosivas” possibilidades no estudo de bactérias que ele criara agora ameaçavam deslocar seu foco em vírus. Além disso, foi ficando claro que o bacteriófago usou recursos celulares da bactéria hospedeira Escherichia coli para se reproduzir. Contrariamente à premissa de Delbrück, a hospedeira não podia ser ignorada. Seu instinto de se concentrar em um sistema simples provou ser muito proveitoso, embora os bacteriófagos tivessem se mostrado muito mais complexos que

ele antecipara. O bacteriófago progrediu como organismo modelo para uma geração de biólogos, até inspirando a busca de James Watson pela estrutura do DNA. Delbrück escolheu bem seu tema experimental e concebeu métodos inovadores para estudá-lo. Ele abandonou completamente a pesquisa com bacteriófagos na década de 50, concentrando-se na biofísica da percepção sensorial, usando um fungo Phycomyces. Embora conseguisse recrutar alguns jovens físicos para trabalhar com esse sistema de modelo novo, a iniciativa se provou muito menos frutífera que o bacteriófago. Mesmo assim ele continuou um crítico animado dos experimentos alheios com bacteriófagos, e sua tendência a julgar erroneamente os principais resultados tornou-se lendária. O biólogo molecular Jean Weigle, do Caltech, contava uma história de que encontrou um jovem pesquisador abatido após a reação de Delbrück a um experimento proposto. Delbrück gostou da ideia, sinal certo de sua inutilidade. Para os que estavam no caminho certo, o maior elogio que se poderia esperar de Delbrück era “não acredito em nada disso!”. CRÉDITO JUSTO Nesses exemplos da física e da biologia, cientistas inteligentes produziram ideias avançadas equivocadas e estimularam os principais desenvolvimentos em diferentes áreas da ciência fundamental. Em rápida sequência, esses conhecimentos científicos ajudaram a gerar programas multibilionários de pesquisas e a fomentar indústrias que ainda hoje febrilmente refazem o mundo em que vivemos. De forma relevante, porém, os erros de Herbert e de Delbrück geraram legados bem diferentes. Delbrück (com razão) teve uma carreira de enorme sucesso científico. Ele valorizava abordagens não convencionais e submetia mesmo a melhor ciência a escrutínio crítico; seu status era alto o suficiente para poder bancar a heterodoxia. Herbert, por outro lado, teve dificuldades financeiras, despendendo tempo em assistência pública, que não é a maneira mais pro-

dutiva de incentivar um pensador cujo trabalho ajudou a esclarecer percepções profundas sobre a teoria quântica e a lançar uma revolução tecnológica. Essa divergência enorme em trajetórias profissionais sugere a necessidade de algum sistema de medição novo pelo qual aportaríamos crédito para as ciências. Os que avaliam as contribuições de cientistas nunca alcançarão a clareza apreciada por estatísticos de esportes – infinitos registros de chutes ou assistências; em parte porque a importância de enganos científicos mudará com o tempo conforme pesquisadores investigam suas implicações. Mesmo assim, vale a pena ponderar sobre a melhor forma de reconhecer e incentivar os tipos de saltos criativos que ainda ficam aquém mas que ainda empurram o jogo para a frente. Afinal, qualquer um pode cometer erros. O enorme volume de publicações científicas atuais sugere que a maioria de nós provavelmente está errada na maior parte do tempo, embora alguns equívocos possam desempenhar um papel criativo na pesquisa. Mesmo lutando para estarmos corretos, vamos fazer uma pausa para admirar a grande arte de ser produtivamente errado. n OS AUTORES David Kaiser é professor de história da ciência do Instituto de Tecnologia de Masssachusetts (MIT) e professor sênior do departamento de física da instituição. Ele completou doutorados em física e história da ciência em Harvard. Angela N. H. Creager é professora de história da Universidade de Princeton e estuda a história da biologia. Recebeu o doutorado em bioquímica pela Universidade da Califórnia em Berkeley antes do treinamento em história da ciência em Harvard e no MIT. PARA CONHECER MAIS How the hippies saved physics: science, counterculture, and the quantum revival. David Kaiser. W. W. Norton, 2011. Errors: consequences of big mistakes in the natural and social sciences. Editado por Gerald Holton. Edição especial de Social Research, no 72, 2005. The life of a virus: tobacco mosaic virus as an experimental model, 1930-1965. Angela Creager. University of Chicago Press, 2001. Bacterial viruses and sex. Max e Mary Bruce Delbrück, em Scientific American, vol. 179, no 5, págs. 46-51, novembro de 1948. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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MATEMáTICA

Quadrados mágicos do Islã Do século 9o ao 12, os árabes deram status de nobreza a um curioso passatempo matemático Por JacQues sesIano

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Entretanto, nem sempre eles tiveram reputação duvidosa. Sua denominação árabe original – “disposição harmoniosa dos números” – os tornava perfeitamente respeitáveis e dignos da atenção dos matemáticos. A ciência dos quadrados mágicos evoluiu de estudos nos séculos 9o e 10o até a época de ouro do século 12, quando ela atingiu seu apogeu no Islã. DoIs autores, DoIs MétoDos Conhecemos as origens dessa ciência por meio de dois textos do século 10o. Um é atribuído a Abul Wafa Al-Buzjani (940-998), famoso por seus trabalhos em astronomia e trigonometria. O outro, a Ali b. Ahmad al-Antaki (morto em 987). Enquanto o tratado do primeiro é prolixo e nos pemite seguir as tentativas antigas de chegar a métodos gerais, o segundo permanece conciso e ignora os métodos de construção simples, principalmente aqueles originados de transformações do quadrado natural, ou seja, do quadrado com a mesma ordem que o quadrado a ser construído, que continha os números consecutivos. Ele abre sua exposição desta forma: “Alguns começam por colocar os números segundo sua sequência de ordem natural, a partir do 1 até o número que a figura em que se deseja estabelecer a mágica atinge. Depois eles tiram os números do lugar, sempre de forma a produzir um aumento em algumas fileiras e uma diminuição nas fileiras que lhes são opostas. Em seguida, eles ajustam o conjunto das fileiras segundo um mesmo modo. É um método que apresenta dificuldades para o iniciante. Outros são realizados de maneira mais fácil”.

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problema da construção dos quadrados mágicos é conhecido: trata-se de posicionar numa tabela quadrada números naturais diferentes, de forma que as somas, em cada linha, cada coluna e cada uma das duas diagonais principais sejam iguais. Em geral, preenche-se esse tipo de quadrado com a sequência dos primeiros números naturais. Assim, num quadrado de n casas laterais (um quadrado de ordem n), inscrevem-se os n2 primeiros números naturais. Sendo a soma desses números 1+2+3+….+ n2 = [n2( n2+1)]/2, a solução a ser encontrada em cada fileira – a soma mágica – é orDens [n( n2+1)]/2. seGuIntes Pode-se construir um quadrado mágico para Apenas são conhe­ cidas as quantida­ qualquer n, exceto n = 2. O menor quadrado des de quadrados mágico possível é, portanto, o de ordem 3, e mágicos de ordens menores que 6. Há ele tem apenas uma forma – se desprezarmos 275.305.224 de as inversões e as rotações. Mas é uma exceção. ordem 5 e estima­ O quadrado de ordem 4 já oferece 880 possi­se que existam cerca de 1,7x1019 bilidades e esse número cresce rapidamente nas de ordem 6. ordens seguintes. Os quadrados mágicos chegaram à Europa sete Planetas no século 14, em textos traduzidos do árabe. Na verdade, 5 Os manuscritos traziam exemplos de quadrados eram associados a o s p l a n e t a s que teriam propriedades nefastas ou benévolas, conhecidos: associadas aos sete planetas então conhecidos. Mercúrio, Vênus, Assim, as figuras ficaram conhecidas como máMarte, Júpiter e Saturno; os outros gicas ou planetárias. Essa segunda denominação 2, ao Sol e à Lua. desapareceu depois. A primeira foi conservada e, com ela, o desprezo pelos quadrados.


MELANCOLIA, gravura de 1514 de Albrecht Dürer, traz ao fundo, no alto à direita, a imagem de um quadrado mágico.

Esse método mais fácil é a construção dos quadrados com bordas. A partir de um quadrado mágico conhecido, acrescenta-se uma borda que aumenta todas as suas linhas numa mesma quantidade. Vamos reter isto: no século 10o, as transformações do quadrado natural para obter um quadrado mágico deveriam ser efetuadas separadamente para cada ordem. Um século depois, seriam deduzidos métodos gerais simples, em que não haveria mais necessidade de representar o quadrado natural. É essa mudança que descreveremos.

O QUADRADO MÁGICO (à esq.) do manuscrito Ayasofya, datado do século 13, e seu equivalente (à dir.,em que Z significa 2 e I vale 1) no Fragmentum de Inventionibus Scientarium, de Diego Palomino, publicado em Madri em 1599.

cipal, compreendendo o mesmo número de casas que a principal: essas diagonais quebradas são inteiras quando colamos as bordas opostas do quadrado. A construção proposta por Ibn al-Haytham (cerca de 965-1041) está fundamentada nessas duas propriedades, como nos relata um autor do século 12: “Al-Haytham recomendou desenhar dois quadrados, escrever em um deles os números de acordo com sua sequência natural e transferir o conteúdo das duas fileiras medianas, vertical e horizontal para as duas diagonais do outro quadrado. Ele opera, em seguida, a transferência do conteúdo das diagonais restantes, em direção a seus opostos, submetido a extensas condições, que demoraria muito mencionar e cuja realização apresenta, para o iniciante, muitas dificuldades”. Seu relato para aí, mas podemos adivinhar como o quadrado é completado (ver figura 2). Se o autor do século 12 interrompeu seu relato, foi também por ter outro método

QUADRADOS DE ORDEM ÍMPAR Abul Wafa Al-Buzjani nos transmitiu dois exemplos de construções individuais para o quadrado de ordem 5 (ver figura 1). Nessas duas construções, Abul Wafa Al-Buzjani não modifica as diagonais do quadrado natural. Ele sabe que elas têm, de cara, a soma pedida – no caso, 65. No entanto, esse é apenas um caso particular de duas propriedades gerais do quadrado natural que tem um número ímpar de casas na lateral (ver figura 7). Primeiro, as somas nas fileiras medianas, horizontal e vertical são, cada uma, iguais à soma mágica para a ordem considerada. Em seguida, as somas nas diagonais, principais ou quebradas, também têm a soma mágica. Diagonais quebradas são os pares de diagonais parciais situadas de um lado e de outro de uma diagonal prina

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para propor (ver figura 3). Como dispensar o quadrado natural? Eis uma forma (ver figura 4): inscreve-se 1 em uma das quatro casas contíguas à casa central – digamos a de baixo. Colocam-se os números seguintes prosseguindo diagonalmente para baixo. Quando se chocar numa das laterais, transfere-se para a casa seguinte do lado oposto (como numa diagonal quebrada). Depois da inclusão de uma quantidade de algarismos igual à ordem, a progressão é bloqueada: descem-se então verticalmente duas casas, independentemente da grandeza da ordem, e prossegue-se assim até o preenchimento total do quadrado. Esse método é aplicável a todas as ordens ímpares. Abul Wafa Al-Buzjani conhecia as duas propriedades do quadrado natural de ordem ímpar. No entanto, ele tinha conservado para a figura mágica as duas diagonais do quadrado natural. Optando por ocupar as diagonais com as duas fileiras medianas do

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1. OS DOIS MÉTODOS de Abul Wafa Al-Buzjani (do século 10o) para construir um quadrado mágico de ordem 5 (os números manipulados estão sublinhados; os números fixos estão em vermelho; as setas indicam as trocas realizadas). Primeiro método: mantemos os números das diagonais do quadrado natural em interior 1 2 seu 3 lugar 4 (a);5trocamos 11 os números do 11 20quadrado 3 de ordem 3 (contornado em verde) com os da casa distante de duas 6 na 7 diagonal 8 9 setas 10 vermelhas); 12 trocamos8finalmente os 12 casas (b,

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números das extremidades que ainda não foram trocados com aqueles da fileira oposta, conservando sua ordem de sucessão (c, setas violeta). Segundo método: sem mexer, de novo, nos números das diagonais (a), invertemos os pares de números aproximando a diagonal descendente 11 laranja). 24 7Depois, 20 como 3 antes, trocamos os 20 3 (d, setas números restantes das bordas com os das laterais opostas (e, setas 8 Nos dois casos 8 16 obtidos são mágicos. 4 (c12e e),25 azuis). os quadrados

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2. O MÉTODO DE IBN AL-HAYTHAM. Os números da linha e da coluna medianas de um quadrado natural (a) tornam-se os das duas diagonais do quadrado a ser construído (b). Sobram linhas e colunas para preencher. Ora, para cada uma, exceto para a linha e a coluna medianas, duas casas já estão ocupadas. As propriedades dos quadrados naturais nos ajudam a completar o quadrado. Por exemplo, a linha que contém os números 3 e 11 b

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deve conter elementos da diagonal quebrada correspondente (a, em vermelho) do quadrado natural, assim como a coluna que contém 8 e 14 será feita de elementos da diagonal correspondente (a, verde). Sua intersecção será, então, o elemento comum, 20. Segue-se esse padrão (em c, o número 10 é a intersecção das diagonais quebradas azul e laranja do quadrado a). No final, o quadrado é mágico (d) c

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3. O MÉTODO DE UM AUTOR DO SÉCULO 12. Inscreve-se, primeiro, 21 e no quadrado da ordem escolhida (aqui, 5), um quadrado oblíquo, menor, da mesma ordem (a). Ao colocar números naturais no 11 12 13 14 15 11 12 13 14 quadrado externo, algumas casas do quadrado oblíquo estarão

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10 4 12 25 8 16 preenchidas, enquanto outras, as dos cruzamentos, ficam vazias. 22 Deslocando os grupos de três números que ocupam cada um dos cantos do quadrado natural em 15 17 5 13 direção 21 ao lado 9 oposto do quadrado oblíquo (c, setas azuis), este se torna mágico (d).

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de seus termos. Mas atenção: isso não 37 78 29 70 21 62 13 54 5 pode ser feito de qualquer jeito, com o 21 22 23 24 25 255 6 19 2 15 1 2 23 3 244 6 237 risco de desordenar as linhas, e é preciso 6 38 79 30 71 22 63 14 46 QUADRADOS DE ORDEM PAR verificar a igualdade resultante. 8 9 10 11 12 13 14 47 7 39 80 31 72 23 55 15 Ibn al-Haytham menciona que os Podemos evitar essa armadilha quadrados naturais com ordem par usando trocas diagonais, que compen16 48 8 40 81 32 64 24 56 15 16 17 18 19 20 21 têm duas propriedades, análogas aos sam, ao mesmo tempo, as linhas e as 57 17 49 9 41 73 33 65 25 precedentes – apesar de isso já ser co- colunas. Configurações como as da fi22 23 24 25 26 27 28 nhecido antes. A soma da metade dos gura 5 são frequentes nos textos árabes 26 58 18 50 1 42 74 34 66 elementos de uma soma desde o século 11. 29 30 31 32 linha, 33 unida 34 à35 67 27 59 10 51 2 43 75 35 da metade dos elementos não alinhaO método precedente só funciona dos com os precedentes, pertencendo quando o quadrante é, ele mesmo, de 36 68 19 60 11 52 3 44 76 36 37 38 39 40 41 42 1 2 3 4 5 6à fileira 7 colocada simetricamente em ordem par. O caso de um quadrado de 77 28 69 20 61 12 53 4 45 relação fileira46 mediana, à ordem par divisível apenas por 2 (n = 43 44 à 45 47 48é igual 49 soma 14 mágica. Aliás, a soma em cada 4k+2) é menos simples e o método geral 8 9 10 11 12 13 4. QUADRADO MÁGICO elaborado sem diagonal (principal ou quebrada) é para tais quadrados foi descoberto no quadrado natural seguindo um método geral. igual à soma mágica. século 9o. Esse método geral foi exposPartimos15 de uma16 casa (contornada 17 18 em 19 20 21 Essas propriedades permitiram esta- to num opúsculo de Al-Kharaqi, escrito vermelho) vizinha à casa central e seguimos belecer os primeiros quadrados mágicos por volta de 1100 (ver figura 6). (setas azuis) as diagonais quebradas, ou seja, como extremidades do 22se as23 24 opostas 25 26 27de ordem 28 par. Conservando imutáveis As razões dessa mágica também esquadrado estivessem unidas. Quando as duas diagonais principais, segue-se tão nas duas propriedades do quadrado topamos com uma casa preenchida (aqui, igualar as linhas, trocando a me- natural de ordem par. Supõe-se que só 29casa 30 31 32 33 34para 35 depois da 9), deslocamos duas fileiras tade de seus elementos. Igualam-se as vamos incluir pontos pretos. Com os k para baixo (seta laranja) e recomeçamos a colunas de novo com a troca da metade pontos por linha do primeiro quadrante, completar. O quadrado final é mágico.

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quadrado natural, Ibn al-Haytham foi conduzido ao método geral precedente.

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22 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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17 18 19 20 14 14 18 10 18 5. TROCAS DIAGONAIS permitem construir quadrados mágicos de 21 22 23 24 25 23 15 23 ordem n = 4k (aqui k = 2). No primeiro quadrante (a), colocamos pontos de forma que se tenha exatamente k por fileira horizontal e vertical. Aproximamos em seguida esse quadrante de seus vizinhos (b), girando-o em torno das laterais, e transferimos os pontos para as casas encobertas. Completamos o quadrado enumerando as casas a partir de um ângulo e incluindo o número

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7. EM UM QUADRADO NATURAL (os números são colocados na ordem), a soma das diagonais principais (em vermelho), da linha e coluna mediana (em verde) e das diagonais quebradas (dois exemplos, em azul e violeta) é igual à soma mágica – aqui, 175 – para a ordem considerada: 7, no caso.

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17 5 26um quadrado29 6. O MÉTODO DE AL-KHARAQI para compor mágico de 17 18 20 o primeiro 17 19 (aqui, 20 k = 1 e, portanto, 10 18 ordem18n = 4k+2 n = 6).19 Tomamos 31 36 quadrante (a), de ordem 2k+1 e colocamos em sua primeira fileira k (= 1) um 23 ponto24 preto,25 um ponto vermelho 23 e um verde –25estes dois 24 22 23 sendo 6 inscritos fora da diagonal. Completamos a repartição no primeiro quadrante de forma a que as diagonais quebradas tenham o mesmo tipo de pontos e aproximamos em parte esse quadrante dos outros, transferindo os pontos pretos para todos os lados, mas os pontos vermelhos unicamente no quadrante vizinho superior e os pontos verdes unicamente no quadrante vizinho inferior (b). Então,

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14 22 10 18 1 obtido apenas nas casas com pontos. Chegando ao ângulo oposto, 15 6 19 2 15 23novamente, partimos enumerando de novo as 37casas 78 e incluímos, 29 70 21 62 desta vez, o número obtido nas casas vazias. O quadrado obtido é mágico (c, os números inscritos nas casas em os 71 22 6 que 38estavam 79 30 pontos estão em vermelho). Construídos sobre o mesmo modelo, 47 7 outros 39 80 31 72 outros motivos de pontos (d), e consequentemente quadrados mágicos, são possíveis.

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13 21 9 12 26 28as casas. 9 29 7 contamos Partimos do ângulo do primeiro quadrante para 1as casas 14 dotadas 22 de um ponto preto, seguindo a seta preta; do outro 2 31 35 4 3 36 ângulo superior para os pontos verdes (partindo de 1) no sentido da seta verde; do ângulo inferior oposto para os pontos vermelhos 19 2 15 (partindo de 1) e seguindo a seta vermelha; e do ângulo oposto ao primeiro para as casas vazias e seguindo a seta azul. A cada vez, só inscrevemos o número correspondente na casa quando ela é da cor conforme a regra seguida – contém o ponto da cor dada ou está vazia (em c, só fazemos a numeração das casas dotadas de um ponto preto). O quadrado obtido é mágico (d).

transferidos em seguida para os outros quadrantes, teremos em cada fileira 2k pontos e 2k+2 casas vazias. Graças à contagem das casas a partir de dois ângulos opostos, teríamos então efetuado 2k+2 trocas diagonais. Isso convém, como vimos, para a igualdade de um quadrado de ordem 4k+4, mas não para o nosso, de ordem 4k+2, que só pede 2k+1 trocas para as linhas e o mesmo número para as colunas. É preciso, então, suprimir uma troca para as linhas e uma troca para as colunas. É ao que conduzem os pontos vermelhos e verdes: os vermelhos anulam uma troca entre colunas por 2k+1 elementos e os verdes fazem o mesmo para uma troca vertical substituindo em suas linhas originais 2k+1 números deslocados diagonalmente. Assim, realiza-

mos bem as 2k+1 trocas desejadas entre pares de fileiras conjugadas, deixando as diagonais intactas. Com esse método, o problema da construção dos quadrados estava fun64 63 damentalmente resolvido, mas o cam56 10 po de pesquisa não tinha perdido sua fertilidade: ainda se podiam variar 17 os 18 25 métodos ou impor novas restrições. 39 33n 31 Esse foi o legado.

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4

11 53 46 45 38 28 30 36

41 42 22 21

O AUTOR 16 50 51 13 Jacques Sesiano é professor de história da 8 7 59 60 matemática da Escola Politécnica Federal de Lausanne. PARA CONHECER MAIS Les carrés magiques dans les pays islamiques. Jacques Sesiano. Presses Polytechniques et Universitaires Romandes, 2004. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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FÍSICA

telescópios gigantes do FuturO

Vlt (very large telescope) sem óptica adaptativa tamanho do espelho: 8,2 metros resolução: 0,4 arcossegundo tempo de exposição: 620 segundos

A evolução tecnológica dos telescópios tem permitido que eles dobrem de tamanho em questão de anos. Mas os projetistas acreditam ser possível construir um instrumento até dez vezes maior dentro de uma década POr rObertO GIlMOZZI

a

DOS bOrrÕeS DISFOrMeS ÀS DelICaDaS FIlIGraNaS: um grande telescópio equipado com óptica adaptativa tem visão mais apurada do que o Hubble. esta simulação é baseada na imagem do berçário de estrelas NGC 3603 captada pelo Vlt na faixa do infravermelho próxima 24 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

SLIM FILMS

lguns dos meus melhores momentos no Observatório de Cerro Paranal, no deserto de Atacama, Chile, ocorrem à noite, quando após um dia de trabalho subo até o “convés”, como chamamos a plataforma que abriga os quatro telescópios de 8 metros de largura do projeto VLT (very large telescope, telescópio muito grande, em inglês). São momentos mágicos: ver a vasta extensão de céu estrelado acima, os movimentos suaves das cúpulas e o deserto escuro no horizonte. Enquanto permaneço ali admirando o VLT, o conjunto mais avançado de telescópios do mundo, suas quatro máquinas de 430 toneladas girando silenciosas em um balé intrincado, penso na sorte que tenho de estar envolvido no projeto. É uma realização compartilhada por toda a humanidade, à semelhança de outros telescópios grandes de nossa época, como o Observatório de Keck, no Havaí, o Telescópio Espacial Hubble e o Radiotelescópio VLA. O VLT incorpora as tecnologias mais avançadas que nossa civilização tem a oferecer. Ao pesquisar a origem de cada peça, descobrimos que milhões de pessoas contribuíram para trazer o telescópio ao mundo. Mas os astrônomos nunca sossegam. O VLT mal havia sido construído quando muitos já começavam a pensar nos seus sucessores, telescópios cujos espelhos principais mediriam 25 metros, 30 metros ou mesmo 100 metros de diâmetro. Um projeto em que estou profundamente envolvido é um gigante chamado OWL. O


telescópio espacial Hubble tamanho do espelho: 2,4 metros resolução: 0,04 arcossegundo tempo de exposição: 1 600 segundos

Vlt com óptica adaptativa tamanho do espelho: 8,2 metros resolução: 0,012 arcossegundo tempo de exposição: 160 segundos

telescópio OWl (proposta no papel) tamanho do espelho: 100 metros resolução: 0,001 arcossegundo tempo de exposição: 1 segundo

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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26 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

1.000 100

1

0,1

0,01 1500

Newton

10

olho nu 1600

1700 1800 Ano

Monte Wilson Monte Palomar VLT Keck OWL TMT

Propostas de telescópios como o OWL e o TMT dariam continuidade à longa tendência histórica de aumentar o tamanho da abertura.

1900

2000

atingir um diâmetro de 100 metros para a próxima geração dar o mesmo salto. Os proponentes dos diferentes proje­ tos de telescópios futuros têm mantido um debate amigável, embora acalorado, sobre o maior diâmetro que são capazes de alcançar. Ninguém duvida, porém, da necessidade de dar à próxima geração um bom aumento. Tradicionalmente, o tamanho dos telescópios novos tem sido limitado pela capacidade de produzir o vidro do espelho, moldá­lo no formato necessário e poli­lo. A COMPRIMENTO luz visível comprimen­ DE ONDA to de onda pequeno, distância entre cristas ou dois por isso o espelho tem duas vales de uma onda. de ser extremamente liso e preciso. Embora pratos de radio­ telescópios também sejam enormes, suas especificações são menos rigorosas do que as dos telescópios ópticos, pois on­ das de rádio são mais longas. O Hale tem espelho paraboloide de 5 metros com precisão de superfície de 50 nanômetros. Em comparação, se ele tivesse a largura do oceano Atlântico, o maior ressalto em sua superfície teria 5 cm de altura. Para finalizá­lo, os cons­ trutores empregaram uma ferramenta de polimento de madeira coberta de piche e, nos estágios finais, poliram algumas áre­ as à mão. A tarefa levou 11 anos, duran­ te os quais o molde era medido a cada dois dias. Hoje o polimento é feito sob contro­ le de um computador, acelerando muito o cronograma. Os quatro espelhos VLT

SLIM FILMS (FOTOMONTAGEM); OBSERVATÓRIO EUROPEU AUSTRA L (NGC 3603) (PÁGS.ANTERIORES); MELISSA THOMAS,

CRESCIMENTO PONTUADO Um grande incentivo para desafiar a lei de Moore telescópica é que os astrôno­ mos estão esgotando as opções de me­ lhoria da capacidade de coleta de luz de seus dispositivos. Em um telescópio refletor, a luz rebate em um espelho pri­ mário e depois atinge ANÁLISE ESPECum secundário, que a TROSCÓPICA focaliza em um plano Técnica de determionde se pode vê­la a nação de dados físico-químicos, olho nu, tirar fotos ou toda vez que a luz é decompô­la como um transmitida, absorarco­íris para análise vida ou refletida ao entrar em contato espectroscópica. Quan­ com uma amostra. do mencionamos o Pode-se dizer que tamanho de um teles­ é a “impressão digital” ou “assinatura” cópio, estamos nos re­ da luz. ferindo ao diâmetro do espelho primário. Du­ plicar seu tamanho permite ver corpos celestes com metade do brilho ou, o que dá no mesmo, ver um corpo igualmente brilhante duas vezes mais distante. Nos últimos 50 anos, os telescópios se tornaram mais sensíveis a corpos de brilho tênue não apenas por causa de aumento no diâmetro, mas também gra­ ças a avanços na tecnologia de detecção. Quando construído, o telescópio Hale de 5 metros foi equipado com chapas foto­ gráficas que registram apenas uma pe­ quena porcentagem da luz incidente. Os detectores eletrônicos atuais têm eficiên­ cia de quase 100%, e houve melhoria de sensibilidade equivalente ao aumento de cinco vezes do diâmetro. Na prática, portanto, a geração atual de telescópios é dez vezes maior que a anterior. Agora que resta pouca margem de progresso na eficiência de detectores, seria preciso

EVOLUÇÃO DOS TELESCÓPIOS

Galileu

os telescópios gêmeos Keck de 10 metros em Mauna Kea, no Havaí (1993). Para manter esse padrão, a próxima geração de telescópios deveria ter cerca de 20 me­ tros de diâmetro e entrar em operação por volta de 2025. Seria maluquice, en­ tão, propor telescópios de 25 metros ou até 100 metros para meados da próxima década? Um exame atento dos desafios da construção indica que não. A necessi­ dade de telescópios maiores baseados no solo é premente, e quase toda a tecnologia necessária já existe.

Diâmetro (metros)

nome tem a ver com sua visão noturna apurada (owl é coruja, em inglês) e com seu tamanho “arrasadoramente grande” (overwhelmingly large, de onde vem a sigla). O novo telescópio ocuparia quase todo o convés de Cerro Paranal, com um espelho de 100 metros. Assim como todos os instrumentos científicos novos, os atuais telescópios de 8 metros a 10 metros não só respon­ dem a perguntas para as quais foram construídos, mas também trazem ques­ tões novas. São dúvidas mais profundas e desafiadoras, que exigem instrumentos maiores. Hoje ainda não se conhece bem a composição de planetas MATÉRIA semelhantes à Terra em ESCURA Matéria existente outros sistemas estelares no universo que (útil na busca de sinais de não podemos ver, vida), a formação das pri­ pois não emite nem reflete luz ou suas meiras galáxias e a nature­ emissões são fraza da matéria escura. Há cas demais para serem detectadas. também uma profusão de Deduz-se que ela corpos dentro do Sistema exista por causa Solar que não estão sendo de sua influência gravitacional na estudados de perto por matéria comum. sondas espaciais. Tudo isso clama por uma gera­ ção de telescópios ópticos centenas ou milhares de vezes mais potentes que os atuais gigantes. Várias agências na Eu­ ropa consideram um aparelho com esse potencial a maior prioridade em astro­ nomia. Para a Academia de Ciências dos Estados Unidos, ele fica atrás apenas do Telescópio Espacial James Webb (JWST), o sucessor do Hubble. Vários projetos já estão no papel, incluindo o Telescópio de Trinta Metros (TMT), o Telescópio Gigante de Magalhães (GMT, com 24 metros) e o OWL. Em 1965, Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu que a velo­ cidade do avanço tecnológico permitiria aos processadores de computador dobrar de velocidade a cada 18 meses. A astro­ nomia tem sua própria versão da lei de Moore. Cada geração de telescópios é cerca de duas vezes maior que a anterior e leva várias décadas para ser construí­ da. Essa tendência foi particularmente verdadeira durante o século 20, com o telescópio Hooker de 2,5 metros no monte Wilson (1917), o telescópio Hale de 5 metros no monte Palomar (1948) e


Galileu

GUSTAVO TOMSICH CORBIS (GALILEU); JIM SUGAR CORBIS (NEWTON); ROGER RESSMEYER CORBIS (MONTE WILSON, MONTE PALOMAR E KECK1)

Newton

Monte Wilson

Monte Palomar

Keck 1

Tanto o OWL quanto o TMT seriam brilhante, mas tão nítido quanto se fosse de 8,2 metros foram polidos em menos de um ano cada, com medições quase montados com segmentos hexagonais, captado por um telescópio amador de contínuas. A qualidade de sua super- como o Keck. Os projetistas do GMT 20 cm e US$ 300. Telescópios orbitais apresentam o fície é igual ou ligeiramente superior à seguiram um caminho diferente: para do Hale, embora seu formato (uma hi- minimizar os problemas de encaixe, problema inverso. Eles produzem imaperboloide, que produz o melhor foco optaram por construir menos segmen- gens com resolução espetacularmente possível) seja bem mais complexo. O tos, só que maiores. Seu telescópio seria alta, mas carecem da sensibilidade para polimento, portanto, já não constitui o um mosaico de sete espelhos de 8,4 me- ver os corpos mais fracos, sem falar em tros (o primeiro já está sendo fabricado, dividir sua luz em várias cores para a principal obstáculo. Um problema maior é fabricar o vi- como prova de princípio). A desvanta- análise composicional. O Telescópio dro em si. Para moldar uma peça com gem dessa abordagem é a dificuldade de Espacial Hubble teve de ser construído com diâmetro de apenas 2,4 metros para 8 metros de diâmetro, os fabricantes de ampliá-la além desse ponto. caber no compartimento de carga do telescópios precisaram de instalações ônibus espacial, e o JWST terá um espeespecializadas e trilharam um difícil RESOLUÇÃO E SENSIBILIDADE caminho de aprendizado, muitas vezes A sensibilidade a objetos tênues é apenas lho de 6,5 metros. A análise espectroscóproduzindo e quebrando vários espelhos um dos aspectos desejáveis em um teles- pica subsequente das descobertas desses até acertar. Os procedimentos existentes cópio. O outro é o poder de resolução: satélites precisará ser realizada na Terra. Esse dilema entre sensibilidade e renão permitiriam sequer dobrar o tama- a capacidade de discernir detalhes finos. nho. Felizmente, o astrônomo italiano Em princípio, um telescópio grande de- solução é prejudicial à próxima geração Guido Horn D’Arturo imaginou uma veria ser capaz de fornecer as duas coisas. de telescópios, cujos objetivos científicos solução em 1932: um espelho segmenta- Quanto maior o telescópio, menor a de- requerem ambos. Em uma exposição nodo. Os espelhos nos telescópios gêmeos gradação das imagens pela difração (um turna, um telescópio de 100 metros capKeck, por exemplo, são mosaicos de 36 turvamento ocorre quando a luz inciden- taria corpos celestes com 1 milésimo do segmentos, cada segmento um hexágo- te é interceptada muito perto da borda brilho de qualquer coisa já vista até hoje no com 1,8 metro de diâmetro. A forma externa do espelho e entra em ângulo pelos astrônomos. Onde os aparelhos hexagonal permite que se encaixem uns fechado). Até recentemente, porém, a di- atuais veem um trecho negro de espaço, nos outros para preencher uma superfí- fração tem sido um ponto controvertido ele veria uma multidão de objetos fracos, cie hiperboloidal. Cada segmento difere para os telescópios ópticos baseados no mas sem alta resolução tudo apareceria sutilmente do outro, dependendo de sua solo. Mesmo nos locais menos poluídos, como um borrão disforme. Uma combinação de resolução e sendistância em relação ao centro do es- a turbulência do ar borra qualquer depelho. Em princípio, um projeto desses talhe captado em ângulo inferior a 0,3 sibilidade também é importante para a pode ser ampliado para qualquer tama- arcossegundo (1 arcossegundo é igual análise de planetas extrassolares semenho. A dificuldade passa a ser alinhar a 1o dividido por 3 600). Ao observar- lhantes à Terra. Para ver um corpo desas peças com precisão, para minimizar mos a estrela gigante Betelgeuse (a 0,05 ses, com brilho inferior a 1 bilionésimo o efeito dos encaixes sobre a qualidade arcossegundo) pelo telescópio Palomar do de sua estrela hospedeira, astrônomos da imagem, e manter as peças unidas e de 5 metros e US$ 100 milhões, vemos precisam bloquear a luz estelar usanfirmes em meio ao vento. um ponto cintilante de luz vermelha bem do um pequeno disco opaco conhecido SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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TELESCÓPIO OWL: VISÃO DE CORUJA Um telescópio de 100 metros seria dez vezes maior que qualquer instrumento óptico já construído, mas o preço não subiria proporcionalmente, pois uma série de inovações limitaria seu custo a US$ 1,2 bilhão (mais barato que um telescópio espacial). O custo inclui detectores e infraestrutura, bem como dinheiro extra para dar conta de estouros de orçamento. Telescópios atuais (em proporção) CÚPULAS

ESPELHOS PRIMÁRIOS

O espelho primário (que coleta a luz estelar) consiste em 3 048 segmentos hexagonais. Para economizar despesas, eles compõem uma superfície esférica em vez de uma hiperboloide ou paraboloide. Custo estimado: € 290 milhões

10 metros

ESPELHO SECUNDÁRIO O espelho secundário (que redireciona a luz estelar para o corretor) consiste em 216 segmentos. Para sair mais barato, o espelho é plano, em vez de curvo. Custo estimado: € 30 milhões

31 m

48 m

5 metros

ESPELHO PRIMÁRIO

25,6 m

44 m PALOMAR

36 segmentos de 1,8 m de largura e 7,5 cm de espessura PALOMAR KECK

Peça única

37 m KECK

220 m de largura 95 m de altura

ABRIGO Uma versão de 100 metros da cúpula rotativa padrão seria absurdamente cara. O telescópio, portanto, operaria ao ar livre, e um abrigo simples (mas ainda assim enorme) se moveria para cobri-lo durante o mau tempo. Custo estimado: € 70 milhões a € 150 milhões

100 m

6,5 m

30 m

Espelho primário

Prédio de serviços

ESTRUTURA Uma estrutura treliçada se distorce simetricamente quando inclinada em direção ao horizonte, mantendo os espelhos alinhados. O deslocamento horizontal varia de 0 mm (azul) a 0,6 mm (vermelho). Apesar de parecer que a estrutura tapa o espelho, na verdade ela só barra 3% da luz incidente. Custo estimado: € 185 milhões

28 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

MECÂNICA DA TRANSMISSÃO O telescópio tem cerca de 15 mil toneladas – pesado demais para suportes comuns. Em vez disso, ele seria montado sobre 300 carrinhos que giram o telescópio por um trilho circular. Custo estimado: € 30 milhões


como coronógrafo. Se o disco for gran­ de demais, porém, ele também ocultará o planeta. Com alta resolução, os astrô­ nomos podem trabalhar com um disco menor, estendendo o alcance da caça aos planetas. O tamanho mínimo de um telescópio capaz de examinar nossa vizinhança galáctica em busca de plane­ tas em órbitas como a terrestre seria de uns 80 metros. Ele conseguiria examinar cerca de 400 sistemas estelares parecidos com o Solar e realizar a espectroscopia de planetas como a Terra, caso existam, em cerca de 40 deles. Um instrumento de 30 metros poderia examinar só algumas dezenas de sistemas, e obter o espectro de qualquer um deles pode não ser possí­ vel, porque requereria uma coleta de luz durante semanas.

ÓPTICA ATIVA Cada segmento do espelho é equipado com sensores e três pistões para mantê-lo alinhado

Cada segmento: 1,6 m de largura 15 cm de espessura

Espelho secundário

Espelho de 8,2 m

Espelho de 8,2 m Espelho de 2,35 m Espelho de 4 m

CORRETOR

Custo estimado: € 55 milhões para os espelhos; € 100 milhões para a óptica adaptativa

DON FOLEY

Após rebater nos espelhos primário e secundário, a luz entra no corretor. Ele consiste em quatro espelhos menores (mostrados fora de proporção aqui) que removem distorções de imagem.

ATUADORES EM CENA Para alcançar uma resolução tão alta, o telescópio dependerá de uma óptica adaptativa para anular as distorções in­ troduzidas pela turbulência atmosférica. A ideia é monitorar uma estrela de refe­ rência (que pode ser uma “estrela artifi­ cial” criada pela projeção de um laser na atmosfera superior) e ajustar a forma de um espelho para manter essa estrela em foco. Esse espelho pode ser o secundário ou outro entre os menores, interpostos entre o secundário e os detectores. Um aglomerado de pequenos pistões, os atuadores, pressiona o espelho por trás para o ajuste fino de sua forma. Esse sistema permite que o telescópio funcione com poder de resolução máxi­ mo, ou quase, limitado apenas pela di­ fração, como se a atmosfera nem sequer estivesse presente. Um telescópio de 100 metros deveria mostrar detalhes com 0,001 arcossegundo de diâmetro, 40 ve­ zes mais do que o Hubble é capaz. Atra­ vés dele, Betelgeuse apareceria não como um mero ponto de luz, mas como uma imagem de 3 mil pixels, oferecendo um nível de detalhe hoje disponível apenas para planetas próximos. A técnica já é usada em muitos teles­ cópios grandes, mas para funcionar em sistemas maiores terá de ser aperfeiçoa­ da. Não está claro se isso será possível: um sistema óptico adaptativo em um telescópio de 100 metros exigiria mais

de 100 mil atuadores. Os sistemas atu­ ais têm no máximo mil. O computador controlador deve ser capaz de atualizar a forma desse espelho centenas de vezes por segundo, e os processadores atuais ainda não estão à altura da tarefa. Projetistas tentam alguns artifícios, como construir sistemas adaptativos que funcionem na faixa do infraverme­ lho. Nesse caso não seria preciso usar tantos atuadores, porque o efeito da turbulência é menor em comprimentos de onda maiores. O desenvolvimento da óptica adaptativa avançada deve render aplicações também na medicina, na vigilância militar e em aparelhos eletrônicos domésticos. Uma técnica nova especialmente promissora é a óp­ tica adaptativa multiconjugada, que corrige a turbulência em um campo de visão amplo, de modo que os sis­ temas não ficam limitados a pequenos trechos de céu em torno de uma estrela de referência. O VLT está agora imple­ mentando uma demonstração do mé­ todo multiconjugado. A interferometria, técnica que com­ bina luz de mais de um telescópio, pode atingir uma resolução ainda maior do que os telescópios grandes propostos. Um desses sistemas funciona em Cerro Paranal. A distância máxima entre os quatro telescópios VLT é de 130 metros. Portanto, unir sua luz oferece a mesma resolução de um único telescópio de 130 metros de largura, fornecendo detalhes INTERFERÔMETRO Dispositivo que pode sutis dos objetos estu­ ser usado para medir dados. Mas os inter­ comprimentos ou variade comprimento ferômetros têm suas ções com grande precisão limitações. Seu campo através de franjas de de visão é reduzido; é interferência. como olhar por um canudo. Além disso, devido à comple­ xidade de sua óptica, eles só conseguem absorver uma pequena porcentagem da luz coletada, em oposição aos 50% ou mais em um telescópio comum. De qualquer modo, sua área de coleta total é a soma dos telescópios componentes. Assim como os telescópios espaciais, eles impõem um dilema entre sensibi­ lidade e resolução, de modo que não substituem um instrumento gigante as­ sentado em solo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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TODD MASON MASON PRODUCTIONS (TMT) ; PAUL HICKSON UNIVERSIDADE DA COLÚMBIA BRITÂNICA (LAMA) ; TODD MASON MASON PRODUCTIONS E OBSERVATÓRIOS CARNEGIE (GMT) ; PROJETO EURO50 OBSERVATÓRIO LUND, SUÉCIA (EURO50 )

OUTRAS PROPOSTAS DE TELESCÓPIOS QUESTÃO DE PESO gem de poder ser construído com uns Um elefante não tem a estrutura de uma poucos componentes padronizados, TMT (Telescópio de Trinta Metros) formiga. O peso de um animal cresce como brinquedos de montar. na razão direta do cubo de suas dimen­ O peso total da estrutura varia de 10 sões lineares, ao passo que a capacidade mil a 13 mil toneladas, dependendo do do esqueleto de suportar peso aumenta material do espelho. Por mais gigantes­ apenas na razão direta de seu quadrado. co que pareça, o OWL seria proporcio­ Desse modo, o elefante necessita de pa­ nalmente bem mais leve que os telescó­ tas proporcionalmente maiores. O que pios atuais. Se ampliássemos um dos te­ vale para os grandes animais terrestres lescópios da unidade VLT até o tamanho vale também para os telescópios. Toda do OWL ele pesaria 500 mil toneladas. a tecnologia óptica avançada do mun­ Mesmo assim, mover 10 mil toneladas Diâmetro: 30 metros do pouco importa se os espelhos nem (o mesmo peso da Torre Eiffel) com a sequer conseguem suportar seu próprio precisão necessária constitui um desafio. Custo estimado: US$ 700 milhões Projeto: Primário hiperboloidal peso. Embora os radioastrônomos já te­ Entre as opções estudadas estão plata­ segmentado nham construído antenas direcionáveis formas com carrinhos que deslizam so­ Website: www.tmt.org com até 100 metros de largura, as exi­ bre trilhos (com transmissão por fricção gências mecânicas dos telescópios ópti­ em cada roda), camadas finas de óleo em cos são bem maiores, por operarem em que o telescópio flutuaria (como fazem comprimentos de onda bem menores. as unidades VLT) e levitação magnética. Felizmente, há engenheiros dispos­ A estrutura do telescópio precisa tos a romper essa lei. O segredo para ser rígida o suficiente para manter os PREÇO ASTRONÔMICO reduzir o custo está na produção em espelhos alinhados e resistir às vibra­ Tecnicamente, portanto, projetar telescó­ massa dos componentes, o que baixaria ções induzidas pelo vento. Telescópios pios com até 100 metros de diâmetro não drasticamente o custo por componen­ largos e curtos tendem a ser mais fir­ é loucura. Enquanto no passado o cresci­ te. Isso, por sua vez, requer uma nova mes do que os longos e estreitos, mas mento dos telescópios exigia um salto no abordagem da óptica. Para o OWL, em os primeiros precisam desviar a luz escuro, os aumentos futuros podem apro­ vez do espelho primário hiperboloide mais acentuadamente para entrar em veitar conhecimento e know­how exis­ usual, que exigiria que cada segmento foco, o que complica o projeto ópti­ tentes. Para construtores modernos, uma fosse produzido sob medida de acordo co. Desse modo, engenheiros precisam estrutura de 100 metros é bastante viável. com sua posição dentro do espelho, op­ atingir um equilíbrio entre as necessi­ A questão principal agora é o cus­ tamos por um espelho esférico, cujos dades ópticas e mecânicas. O VLT ain­ to. Historicamente, o preço de um te­ segmentos têm todos o mesmo tama­ da balança um pouco no vento, mas lescópio tem sido proporcional ao diâ­ nho e podem, portanto, ser produzidos o espelho secundário cancela os efeitos metro D do espelho principal elevado em massa. Uma linha de montagem po­ dessas vibrações movendo­se na dire­ à potência 2,6 (D2,6). Um telescópio deria criar todos os 3 048 segmentos ao ção oposta até 70 vezes por segundo. com espelho de 100 metros custaria ritmo de um a cada dois dias. A desvan­ O OWL faz o mesmo. proibitivos US$ 70 bilhões. Enquanto tagem é que uma forma esférica intro­ Outro problema potencial é que, à essa regra de custo vigorar, astrônomos duz uma distorção na luz, e o telescópio medida que o telescópio varre o firma­ devem pensar seriamente em construir precisaria de um dispositivo conhecido mento, seu peso muda, o que é capaz várias cópias de um telescópio menor como corretor, semelhante àquele que de desalinhar seus espelhos. A maioria para alcançar um tamanho equivalente ajustou a visão do Hubble. Ainda assim, dos telescópios grandes atuais utiliza desejado: o custo então cairia para D2. o custo do sistema seria menor. a estrutura projetada pelo engenheiro Por US$ 1 bilhão poderíamos comprar Uma das maiores despesas de qual­ Mark Serrurier, na década de 30, para dez telescópios de 8,2 metros com área quer telescópio é a cúpula. A de Pa­ Palomar. Nela, cada um dos espelhos equivalente a um único telescópio de lomar tem o tamanho da Basílica de é sustentado por uma moldura aber­ 26 metros. Infelizmente, pelas razões São Pedro, no Vaticano. Ela tem de ser ta semelhante a uma caixa de quatro já expostas, a equivalência de tamanho grande porque o suporte do telescó­ armações triangulares. Quando in­ não significa equivalência de capacida­ pio está inclinado de modo a apontar clinadas, as molduras se flexionam e de. Usado como um telescópio comum, para a Estrela do Norte. Desse modo, os espelhos se deslocam lateralmente, o conjunto teria a sensibilidade de um o instrumento pode rastrear estrelas mas como cada espelho é sustentado instrumento de 26 metros, mas o poder simplesmente girando em torno do pelo mesmo tipo de moldura, ambos se de resolução continuaria igual ao de um eixo. Os telescópios modernos têm deslocam no mesmo grau, mantendo­se com 8,2 metros. Usado como interferô­ suporte mais compacto chamado alti­ alinhados. O projeto OWL adota abor­ metro, o conjunto ofereceria resolução tude/azimute (o termo se refere ao mo­ dagem semelhante, mas com a vanta­ maior, mas sensibilidade bem menor. vimento em duas dimensões, em vez da 30 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA


Lama (conjunto de espelhos de grande abertura)

GMT (Telescópio Gigante de Magalhães)

Euro50

42 metros (área de coleta equivalente), 54 metros (resolução equivalente) US$ 50 milhões Dezoito espelhos de mercúrio líquido paraboloidais de 10 metros apontando a 90° www.astro.ubc.ca/LMT/LAMA

21,4 metros (área de coleta equivalente), 24,5 metros (resolução equivalente) US$ 500 milhões Sete hiperbolides de 8,4 metros em um único suporte www.gmto.org

50 metros US$ 700 milhões Primário elipsoidal segmentado www.astro.lu.se/˜torben/euro50

simples rotação ao redor de um eixo). A desvantagem é um mecanismo de controle complicado, mas viabilizado pelos computadores avançados. Mes­ mo com o sistema de altitude/azimute, porém, um telescópio de 30 metros ou 100 metros exigiria uma cúpula caríssima. Além disso, simulações de computador indicam que essa estrutu­ ra monumental pode criar seu próprio bolsão de turbulência do ar. Por isso, o OWL teria apenas um hangar desli­ zante para cobrir o telescópio durante o dia ou sob tempo ruim. O telescópio funcionaria ao ar livre e conseguiria suportar ventos moderadamente fortes, de até 15 m/s. Na verdade, uma brisa constante até reduz a turbulência do ar. FUTURO BRILHANTE Os últimos dez anos foram uma era de ouro para a astronomia, mas podemos esperar ainda mais avanços. Detectores inovadores e óptica adaptativa amplia­ rão a capacidade da geração atual de telescópios de 8 metros a 10 metros, da mesma forma com que câmeras e espectrômetros novos deram sobrevida ao Hubble. A interferometria terá pro­ gredido de algo exótico para uma fer­ ramenta essencial, na busca de objetos cada vez mais fracos e com resoluções abaixo de miliarcossegundos. O JWST, especializado em observações infraver­ melhas, já estará em operação. O con­ junto de telescópios Alma (Atacama

large millimeter array) terá começado jeto menor. Desse modo, os diferentes a operar com suas 50 antenas de 12 projetos podem estar convergindo. O metros, transpondo o fosso entre o in­ próprio TMT é uma mescla de diversos fravermelho e a radioastronomia. Pode projetos anteriores. ser que os cientistas já estejam levando Ao longo dos séculos, os telescópios a cabo o projeto SKA (square kilometer aumentaram do tamanho de uma cadei­ array), um arranjo de radiotelescópios ra para o tamanho de um quarto, uma que abrange uma área coletora de 1 casa, uma catedral e agora um arranha­ km2 para a detecção de ondas de rádio ­céu. Hoje há instrumentos capazes de de baixa frequência, uma região pouco ver as primeiras estrelas surgidas no explorada do espectro eletromagnético. Universo e planetas ao redor de outras Com todos esses avanços, será que estrelas, entre eles alguns que talvez se os astrônomos precisam realmente de assemelhem à Terra. A pergunta já não telescópios ópticos gigantes novos? A é se podemos construir telescópios gi­ resposta é um sonoro sim. Problemas gantes ou por que queremos construí­ científicos cruciais, como o estudo de ­los, mas quando e de que tamanho. n planetas extrassolares e os constituintes básicos das estrelas e galáxias, não po­ O AUTOR dem ser estudados com instrumentos Roberto Gilmozzi é pesquisador-chefe do projeto menores. Quando se trata de luz visível do telescópio OWL. De 1999 a 2005, foi também diretor do Observatório do VLT do Observatório Europeu e de infravermelho próximo, telescópios Austral (ESO), em Cerro Paranal, Chile. Seus interesbaseados no solo oferecem melhor reso­ ses científicos incluem novas, supernovas e seus lução e sensibilidade a um custo menor remanescentes, além do fundo cósmico de raios X. que o de observatórios orbitais. Telescó­ PARA CONHECER MAIS pios espaciais podem se especializar nas Exploring the cosmic frontier. ESO Astrofaixas de ondas de raios X, ultravioleta physics Symposia. Springer-Verlag e infravermelho médio bloqueadas pela The light brigade. Neil DeGrasse Tyson em Natural History, vol. 115, no 2 págs. 18-29, atmosfera terrestre. março de 2006. Decidir entre os diferentes enfoques Astrophysical techniques. C. R. Kitchin. representados por OWL, TMT e GMT Taylor & Francis, 2003. não será tarefa fácil. Cada um tem seus OWL concept study. R. Gilmozzi e Ph. Dieriprós e contras. Recentemente, um pai­ ckx em ESO Messenger, no 100, págs. 1-10, nel internacional para examinar o con­ junho de 2000. ceito do OWL concluiu que ele é viável, Proceedings of second Bäckaskog workshop on extremely large telescopes. mas arriscado técnica e financeiramente. Organizado por A.Ardeberg e T. Andersen. A equipe atualmente elabora um pro­ SPIE, vol. 5382, julho de 2004. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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BIOLOGIA

O Primeiro da Nossa Espécie Fósseis da África do Sul reacendem o debate sobre o desenvolvimento humano POR KATE WONG

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BRENT STIRTON Getty Images

m alguma época entre 3 e 2 milhões de anos, talvez numa savana primitiva na África, nossos ancestrais se tornaram reconhecidamente humanos. Por mais de 1 milhão de anos seus antecessores australopitecinos – Lucy e os de sua espécie –, que caminhavam eretos mas ainda tinham pernas curtas, mãos para subir em árvores e cérebro pequeno de seus antepassados macacos, prosperaram dentro e em torno de florestas e bosques do continente. Mas seu mundo estava se transformando. A mudança climática favoreceu a propagação de campos abertos e os primeiros australopitecinos deram origem a novas linhagens. Uma dessas ramificações evoluiu com pernas longas, mãos hábeis e um cérebro enorme. Era o gênero Homo, o primata que governaria o planeta. Durante décadas, paleoantropólogos investigaram os cantos mais remotos da África buscando os fósseis mais antigos representantes do Homo e tentando entender os detalhes de como nosso gênero se tornou tão relevante. Suas iniciativas trouxeram apenas ganhos modestos como um maxilar ou uns poucos dentes. A maioria dos fósseis recuperados per-

Nova espécie humana da África do Sul – o Australopithecus sediba – foi apontada como ancestral do nosso gênero, Homo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA 33


PreSSÕeS SeletIVaS Conjunto de fatores ambientais (externos aos seres vivos) da seleção natural; condições que originam o favorecimento de determinados genes.

tencia a australopitecinos ancestrais ou a posteriores membros do Homo – seres avançados demais para iluminar a ordem em que nossos caracteres distintivos surgiram ou as pressões seletivas que levaram ao seu aparecimento. Espécimes de mais de 2 milhões de anos com vários elementos do esqueleto preservados, capazes de revelar como a estrutura corporal do Homo foi agrupada, iludiram as descobertas. A melhor hipótese dos cientistas é que a transição ocorreu na África oriental, onde surgiram os fósseis mais antigos atribuídos ao Homo, e onde as características mais marcantes do Homo permitiram que ele incorporasse mais carne a sua dieta – fonte de alto teor calórico – em ambiente onde frutas, nozes e castanhas rareavam. Mas com tão poucas evidências como ponto de partida a origem de nosso gênero permaneceu misteriosa como sempre. Paleontólogo da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul, acredita ter encontrado uma grande

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peça do quebra-cabeça. Recentemente ele e sua equipe descobriram um tesouro de fósseis que pensam ser capaz de revolucionar a compreensão dos pesquisadores sobre as raízes do Homo. Nos confins de paredes brancas da sala 210 no Instituto da Evolução Humana da universidade, ele observa como Bernard Wood, da Universidade George Washington , caminha diante das quatro caixas plásticas retiradas da embalagem à prova de fogo e colocadas sobre uma mesa revestida de veludo azul-escuro. As caixas abertas, forradas com espuma, revelam fósseis de quase 2 milhões de anos. Uma contém ossos da pelve e da perna. Outra mostra costelas e vértebras. Uma terceira exibe ossos do braço e uma clavícula. A quarta abriga um crânio. Em um balcão, há mais caixas com um segundo esqueleto parcial, incluindo uma mão quase completa. Wood, personagem muito influente no campo, detém-se diante do crânio e se inclina para um olhar mais atento. Ele acaricia a barba enquanto observa os dentes delicados do crânio do tamanho de uma toranja. Erguendo-se, ele balan-

ça a cabeça. “Não sou de ficar sem palavras”, diz, quase como se para si mesmo, “mas puxa, puxa vida, mesmo.” Berger sorri; ele já conhece essa reação. Depois de revelarem as descobertas em 2010, cientistas de todo o mundo se reúnem em seu laboratório e ficam embasbacados diante dos fósseis notáveis. Com base no pacote anatômico único que os esqueletos apresentam, Berger e sua equipe atribuíram os restos a uma nova espécie, o Australopithecus sediba. Além disso, eles propõem que a combinação de caracteres primitivos do Australopithecus e do Homo evoluído, evidente nos ossos, qualifica a espécie para um lugar privilegiado na árvore genealógica como ancestral do Homo. As apostas são altas. Se Berger estiver certo os paleoantropólogos terão de repensar completamente onde, quando e como o Homo surgiu, e o que significa ser humano. a rOta DeSPreZaDa A meio caminho da estrada de terra pedregosa que serpenteia pela John Nash Nature Reserve, Berger estaciona o jipe e aponta para uma estradinha que se


ramifica à direita. Durante 17 anos ele percorreu o trajeto de 40 km a noroeste de Joanesburgo até a área particular de 22.240 acres de deserto e passou por esse desvio, continuando ao longo da estrada principal até uma caverna que ele escavava, apenas a alguns quilômetros de distância, denominada Gladysvale. Em 1948 os paleontólogos americanos Frank Peabody e Charles Camp foram a essa área para procurar fósseis de hominídeos (seres humanos modernos e seus parentes extintos) a conselho do famoso paleontólogo sul-africano Robert Broom, que encontrara esses fósseis nas cavernas Sterkfontein e Swartkrans, a 8 km de distância. Peabody suspeitou que Broom intencionalmente os enviara para uma caça ao ganso-selvagem, tão pouco impressionado ficou com os sítios do local. Berger e os membros de expedições anteriores a ele não sabiam que, se eles tivessem seguido esse caminho menor – uma das várias trilhas que os mineiros usaram no início de 1900 para carregar o calcário que construiu Joanesburgo a partir das pedreiras até a estrada principal –, teriam feito a descoberta da vida deles.

Berger, hoje com 47 anos, nunca imaginou que encontraria algo como o A. sediba. Embora acreditasse que o Homo pudesse ter tido raízes na África do Sul, em vez da África oriental, ele sabia que as chances de fazer uma grande descoberta eram remotas. Fósseis de hominídeos são extremamente raros, por isso “não se criam expectativas”, reflete ele. Além disso ele estava concentrado no chamado Berço da Humanidade, região já intensamente explorada cujas cavernas haviam rendido australopitecinos geralmente considerados mais remotamente relacionados ao Homo que os da África oriental. E assim Berger continuou a trabalhar em Gladysvale dia após dia, ano após ano. Como ele descobriu pouca coisa em termos de hominídeos entre os milhões de fósseis de animais – apenas restos de uma espécie denominada A. africanus –, acabou ocupando-se de outro objetivo: datar o sítio. Um problema crítico de interpretação sobre os fósseis de hominídeos sul-africanos era que cientistas ainda não haviam descoberto como determinar a idade deles de modo confiável. Na

África oriental os fósseis de hominídeos se originam de sedimentos presos entre camadas de cinza vulcânica que cobriram a paisagem durante erupções bem antigas. Geólogos podem determinar a idade de uma camada de cinzas pela análise da “impressão digital” de sua composição química. Um fóssil originário de uma camada de sedimentos que fica entre duas cinzas vulcânicas tem, portanto, idade intermediária entre essas duas camadas. Os sítios de cavernas no Berço da Humanidade não contêm cinzas vulcânicas. Mas, durante 17 anos de tentativa e erro em Gladysvale, Berger e seus colegas depararam com técnicas que contornaram o problema de não ter o testemunho das cinzas. Essas técnicas acabaram por ser muito úteis. Em 1o de agosto de 2008, enquanto fazia o levantamento da reserva para potenciais novos sítios de fósseis na área que identificara usando o Google Earth, Berger virou à direita na trilha dos mineiros, pela qual passara durante 17 anos, e a seguiu até um buraco de 3 por 4 metros no chão explodido pelos mineiros. Só de olhar o sítio, ele encontrou um punhado de fósseis

BrentSTIRTON StirtonGetty GettyImages Images BRENT

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Lee Berger (à esq.) e Meshack Kgasi (à dir.) inspecionam gruta de mineiros no sítio de Malapa, onde Berger descobriu o Australopithecus sediba (1). Blocos de sedimentos calcários calcificados, semelhantes a concreto, deslocados pelos mineiros passarão por tomografia computadorizada para ver se contêm fósseis (2). Vista dos vales dentro e ao redor da área de Malapa, a noroeste de Joanesburgo, na África do Sul (3).

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de animais, o suficiente para justificar uma viagem de volta para um exame mais atento. Ele voltou em 15 de agosto com o filho Matthews, então com 9 anos, e o cachorro Tau. Matthews disparou na mata atrás de Tau, e em poucos minutos gritou para o pai que encontrara um fóssil. Berger duvidou que fosse alguma coisa importante, mas numa demonstração de apoio paterno ele foi até o local para inspecionar o achado. Projetando-se de um pedaço escuro de pedra localizado na grama alta ao lado de uma árvore atingida por um raio, estava a ponta de uma clavícula. Assim que Berger lançou os olhos nela, soube que pertencia a um hominídeo. Nos meses seguintes ele encontrou mais peças do dono da clavícula, junto com outro esqueleto parcial, a 20 metros do poço dos mineiros. Até o momento Berger e sua equipe recuperaram mais de 220 ossos do A. sediba no sítio, mais que todos os ossos conhecidos dos primeiros Homo combinados. Ele batizou o sítio de Malapa, que significa “herdade” no idioma sesoto local. Mais tarde, usando as abordagens apuradas em Gladysvale, geólogos da equipe de Berger dataram os restos com precisão notável para 1,977 milhão de anos, com tolerância de dois mil anos para mais ou para menos. É importante que os fósseis de Malapa incluíssem diferentes partes do corpo, pois significa que podem oferecer uma visão única da ordem em que as características essenciais do Homo apareceram. Basicamente, o que eles mostram é que as características humanas não necessariamente evoluíram em pacote, como se imaginava. Vamos examinar, por exemplo, a pelve e o cérebro. A sabedoria popular diz que a pelve larga e achatada do Australopithecus evoluiu para a pelve em forma de tigela, observada no Homo de cérebro maior, para permitir o parto de bebês com cabeça maior. O A. sediba, no entanto, tem pelve semelhante à do Homo com um de parto largo e um cérebro minúsculo de apenas 420 cm3, um terço do tamanho do atual. Essa combinação mostra que a expansão do cérebro não dirigia a metamorfose da pelve na linhagem do A. sediba. Não só os fósseis de A. sediba misturam versões antigas e novas de características gerais, como o tamanho do cérebro 36 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

e o formato da pelve, mas o padrão se repete em níveis mais profundos, como um fractal evolutivo. Análise do interior da caixa craniana do jovem macho mostra que o cérebro, embora pequeno, exibia uma região expandida frontal, indicando uma reorganização avançada de massa cinzenta; os membros superiores da fêmea adulta combinam os braços longos – resquício primitivo de um ancestral morador de árvore – com dedos curtos e retos adaptados para fazer e usar ferramentas (as marcas musculares nos ossos atestam capacidades poderosas de agarrar, semelhantes às do macaco). Em alguns casos, a justaposição do velho e do novo é tão improvável que se os ossos não tivessem sido encontrados juntos os cientistas os teriam interpretado como partes de criaturas completamente diferentes. O pé, por exemplo, combina um osso de calcanhar como o de um macaco antigo com um osso de tornozelo similar ao do Homo, de acordo com o membro da equipe de Malapa Bernard Zipfel, da Universidade de the Witwatersrand. É como se a evolução estivesse brincando, avalia Berger. UMA NOVA LIÇÃO Segundo Berger o mosaicismo extremo evidente no A. sediba deve ser uma lição para os paleoantropólogos. Se tivesse encontrado alguns ossos isolados ele os teria classificado de forma diferente. Com base na pelve poderia tê-lo chamado de H. erectus. O braço sugere um macaco. O osso do calcanhar combina com o de um humano moderno. Como cegos que estudam as partes individuais do elefante, ele teria errado. “O sediba mostra que não se pode mais atribuir ossos isolados a um gênero”, analisa ele. Na opinião dele isso significa que com descobertas como a de um maxilar superior de 2,3 milhões de anos em Hadar, Etiópia, que vem sendo apontado como o mais antigo vestígio de Homo, não se pode seguramente concluir ter pertencido à linhagem Homo. Com a eliminação desse maxilar o A. sediba se tornaria mais antigo que quaisquer dos fósseis bem datados de Homo, mas ainda mais jovem que o A. afarensis, colocando-o na dianteira como ancestral imediato do gênero. Além disso, considerando as características evoluídas

do A. sediba, cientistas propõem que ele poderia ser especificamente ancestral do H. erectus (parte do que é considerado por alguns como uma espécie diferente denominada H. ergaster). Assim, em vez da visão tradicional segundo a qual o A. afarensis gerou o H. habilis, que deu origem ao H. erectus, ele propõe que o A. africanus seja o ancestral provável do A. sediba, e que este gerou o Homo erectus. Esse arranjo relegaria o H. habilis a um ramo lateral sem saída na árvore genealógica humana. Poderia até levar o A. afarensis, há muito considerado o ancestral de todos os hominídeos posteriores – inclusive o A. africanus e o Homo –, para o meio-fio evolutivo também. Berger ressalta que o calcanhar do A. sediba é mais primitivo REVERSÃO que o do A. afarensis, in- EVOLUTIVA dicando que ou o A. sedi- Condição em que uma determinada ba foi submetido a uma característica reversão evolutiva em di- regride ao seu reção a um calcanhar mais estágio ancestral. primitivo ou que descende de uma linhagem diferente da que inclui o A. afarensis e o A. africanus – e ainda não descoberta. “No Sul, temos um ditado que diz: ‘Você dança com quem levou ao baile’”, justifica Berger, que cresceu em uma fazenda em Sylvania, na Geórgia. “É isso que os paleoantropólogos têm feito” na tentativa de chegar à origem do Homo a partir dos fósseis que surgem na África oriental. “Agora”, acrescenta, “precisamos reconhecer que há mais possibilidades.” Talvez a história do lado oriental da origem humana esteja errada. A visão tradicional dos mais antigos fósseis de hominídeos da África do Sul é que eles representam uma experiência evolutiva separada que acabou por fracassar. O A. sediba poderia virar a mesa e revelar outra linhagem na África do Sul, que em última análise deu origem à humanidade como a conhecemos. William Kimbel, da Universidade Estadual do Arizona, que liderou a equipe que encontrou a mandíbula de 2,3 milhões de anos na Etiópia, não concorda com isso. A ideia de que é preciso um esqueleto para classificar uma espécie é um “argumento sem sentido”, retruca ele. É essencial encontrar peças de anatomia


Misture e Combine Os esqueletos do Australopithecus sediba apresentam uma mescla totalmente inesperada de caracteres de australopitecinos e de Homo, exemplos representativos dos que são mostrados aqui. Antes cientistas achavam que as características do Homo, como braços curtos e mãos hábeis, evoluíram ao mesmo tempo, mas o A. sediba mostra que elas surgiram aos poucos, neste caso combinando braços longos para escalar árvores com mãos cujos dedos curtos e polegar longo teriam permitido precisão de agarrar coisas, semelhantes à dos homens. A mescla especial no A. sediba sugere à equipe de Berger que ele descende do A. africanus ou de uma linhagem desconhecida que deu origem direta ao H. erectus.

Adulto fêmea A. sediba Corpo pequeno

Jovem macho A. sediba Região frontal do cérebro expandida

Dentes pequenos

Cérebro pequeno

Nariz projetado

Canal de parto grande Braços longos

Mão hábil Semelhante ao Australopithecus

Semelhante ao Homo Osso de tornozelo evoluído

Pernas compridas Osso do calcanhar primitivo

A. africanus

A. sediba

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H. erectus

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Antepassado de Todos Nós? Na visão convencional sobre a origem do Homo o Australopithecus afarensis deu origem ao Homo habilis, que originou o H. erectus e todas as espécies posteriores do Homo. Mas aspectos essenciais da anatomia do A. sediba – inclusive o calcanhar mais primitivo que o de A. afarensis, e a mão, mais semelhante à mão humana do H. habilis – aumentam a possibilidade controversa de o A. sediba ser ancestral do H. erectus e de o A. afarensis e o H. habilis serem ramos laterais.

Ardipithecus Australopithecus Kenyanthropus Homo

A. aethiopicus

Bastante certo Em tese

A. africanus

Linhagem não descoberta?

Homo primitivo

A. anamensis

A. afarensis

A. garhi

K. platyops

4 milhões de anos atrás

que contenham caracteres de diagnóstico, prossegue, e a mandíbula de Hadar tem características claras que a ligam ao Homo, como a forma parabólica de suas fileiras de dentes. Kimbel, que viu os fósseis de Malapa mas não os estudou em profundidade, acha as características semelhantes ao Homo intrigantes, embora não tenha certeza do que fazer a respeito disso. Ainda assim ele zomba da sugestão de eles serem ancestrais diretos TÁXON do H. erectus. “Não vejo como Unidade um táxon com algumas caractedo sistema de classifirísticas semelhantes ao Homo cação biona África do Sul possa ser o anlógica cestral [do Homo] quando há algo na África oriental que é obviamente Homo 300 mil anos antes.” Kimbel não está só na refutação do argumento do A. sediba como porta-enxerto de Homo. “Há muitas coisas que não se encaixam, especialmente as datas e a geografia”, comenta Meave Leakey, do Turkana Basin Institute, no Quênia, cuja investigação se concentra nos fósseis da África oriental. “É muito mais provável que os hominídeos sul-africanos sejam uma divisão separada que ocorreu no sul do continente.” René Bobe, da Universidade George Washington, diz que se os restos de A. sediba fossem mais antigos, digamos, com cerca de 2,5 milhões de anos, eles pode38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

riam compor um ancestral Homo plausível. Mas com 1,9 milhão de anos são muito primitivos em sua forma global para serem ancestrais de fósseis da região do lago Turkana, no Quênia, que são apenas um pouco mais jovens mas ainda exibem características muito mais indiscutíveis de Homo. Berger afirma que o A. sediba quase certamente existiu como espécie antes dos indivíduos de Malapa. Bobe e outros afirmam que essa informação não é reconhecida atualmente. “Paleoantropólogos tendem a pensar nos fósseis que encontram como em uma posição-chave dentro da árvore filogenética [do hominídeo] e em muitos casos isso é bem improvável”, retruca Bobe. Do ponto de vista estatístico, “se houver populações [de hominídeos] distribuídas em toda a África, evoluindo em formas complexas, por que o que você encontra é o ancestral?”. Berger encontrou um ouvido solidário em Wood, que diz que ele está “absolutamente certo” ao afirmar que o A. sediba demonstra que ossos isolados não deixam prever a aparência do resto do animal. O A. sediba mostra que combinações de características evidentes de descobertas de fósseis anteriores não esgotam as possibilidades, observa Wood. Mas ele não endossa a sugestão de que o A. sediba seja ancestral do Homo.

3 milhões de anos atrás

Resolver a questão do local a que o A. sediba pertence na nossa árvore genealógica é dificultado pela falta de uma definição clara do gênero Homo, mas chegar a ela é de uma ordem mais alta do que parece. Com tão poucos espécimes do período de transição e a maioria deles incompleta, identificar essas características que inicialmente distinguiram o Homo de seus antepassados Australopithecus – os caracteres que nos fazem verdadeiramente humanos – é um desafio. Os esqueletos de Malapa expõem como a situação é irritante: eles são tão mais completos que qualquer espécime de Homo e é difícil compará-los a qualquer coisa. “O sediba pode nos forçar a chegar a uma definição”, conclui Berger. DETALHES MÍNIMOS Seja qual for a posição dos fósseis de Malapa na árvore genealógica eles estão preparados para fornecer aos pesquisadores o retrato mais detalhado de uma espécie de hominídeo primitivo, em parte porque formam vários indivíduos. Além do jovem do sexo masculino e do adulto do sexo feminino, as duas amostras mais completas, a equipe de Berger recolheu ossos que representam outros quatro indivíduos, inclusive um bebê. Populações são incrivelmente raras no registro fóssil humano,

GRÁFICO DE JEN CHRISTIANSEN

A. ramidus


A. boisei

A. robustus

H. neanderthalensis

H. habilis

H. heidelbergensis H. antecessor H. sapiens

A. sediba H. ergaster

H. erectus H. floresiensis

H. rudolfensis

2 milhões de anos atrás

e os indivíduos de Malapa têm o benefício adicional de preservação inigualável. Ossos hominídeos, que praticamente nunca sobrevivem aos estragos do tempo, apareceram aqui: uma escápula fina como papel, a fita delicada que é a primeira costela, ossos de dedos do tamanho de ervilhas, vértebras com projeções da espinha intactas, e vários ossos identificados apenas a partir de fragmentos estão completos. Antes da descoberta de Malapa, paleoantropólogos não tinham sequer um único braço completo de um hominídeo primitivo, ou seja, os comprimentos dos membros, usados para reconstruir esses comportamentos básicos como a locomoção, são estimativas. Mesmo Lucy – o hominídeo mais completo dessa antiguidade, encontrada em 1974 – não tem pedaços significativos de ossos do braço e da perna. Na mulher adulta de Malapa, praticamente todo o membro superior está preservado, desde o ombro até a mão. Faltam apenas as últimas falanges de alguns dedos e alguns ossos do pulso, e Berger espera encontrá-los – assim como os ossos restantes dos dois esqueletos – quando escavar o sítio (até agora a equipe coletou apenas ossos visíveis da superfície, em vez de escavar sistematicamente o material enterrado). A partir dessas evidências eles conseguirão

1 milhão de anos atrás

reconstruir como o A. sediba amadureceu, como se movimentou pela paisagem e como membros da população variavam entre si, entre outras considerações. Não são apenas os ossos que acenam com o relato de novas histórias. Malapa também rendeu alguns outros materiais que poderiam literalmente “descarnar” a compreensão dos pesquisadores de A. sediba. Há muito tempo FOSSILIZAÇÃO paleontólogos acreditam Processo em que qualquer traço de que durante o processo uma criatura viva de fossilização todos os (partes do corpo, componentes orgânicos, pegadas, tocas etc.) é preserva- como a pele, cabelo, do ao longo do órgãos etc., se perdem tempo geológico. na decomposição, deixando para trás apenas ossos mineralizados. Mas ao ver uma tomografia computadorizada do crânio do jovem macho, Berger notou um lugar no topo, onde parecia haver espaço de ar entre a superfície do fóssil e o contorno do osso real. Examinando o local com mais detalhe ele observou um padrão distinto na superfície que se assemelhava a componentes estruturais da pele. Atualmente ele faz testes para determinar se a área de aparência estranha na cabeça do macho e outra no queixo da fêmea e manchas semelhantes em ossos de antílope do sítio são de fato pele.

A pele preservada, se confirmada, poderia revelar a cor do A. sediba e a densidade e padronização do cabelo. Essa evidência também poderia mostrar a distribuição de glândulas sudoríparas, informação que permitiria a compreensão sobre como a espécie conseguiu regular a temperatura corporal que também teria afetado seu nível de atividade. As glândulas sudoríparas poderiam oferecer indícios sobre a evolução do cérebro: um meio eficaz de se manter fresco era pré-requisito para o aparecimento do cérebro de tamanho grande, característica marcante do Homo, pois o cérebro é sensível à temperatura. Se o material orgânico estiver presente Berger pode até mesmo conseguir extrair DNA desses restos. Atualmente, o DNA sequenciado mais antigo de hominídeo foi de um neandertal com 100 mil anos de idade. Mas como as condições de preservação em Malapa parecem ter sido excepcionais, Berger tem esperança de obter informações genéticas de espécimes muito mais antigas de A. sediba. Nesse caso, cientistas poderão determinar se a fêmea adulta e o jovem macho eram realmente mãe e filho, como foi sugerido, e como, se for o caso, os outros hominídeos no sítio se encaixavam. Além disso, essa descoberta poderia levar cientistas de outros sítios de hominídeos primitivos a fazer testes com o o SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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DNA, que, se bem-sucedidos, resolveriam debates sobre como as várias espécies de hominídeos estiveram relacionadas. A preservação de vestígios orgânicos ocorreria pela primeira vez na paleontologia do hominídeo, e a equipe de Malapa sabe que precisará de evidências extraordinárias para convencer a comunidade de pesquisas sobre essa reivindicação. Até o momento os resultados do teste apoiam a hipótese, e Berger acha que as chances de comprovação de análises futuras são muito boas. Afinal, alegações similares foram feitas sobre material orgânico de ossos de dinossauros, dezenas de milhões de anos mais antigos que os fósseis de Malapa. Outra coisa que ninguém pensou em buscar em um hominídeo tão antigo? Tártaro. As superfícies dos dentes molares do macho jovem exibem manchas escuras marrons. Preparadores de fósseis 40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

costumam limpar os dentes no preparo de hominídeos para estudo. Mas ocorreu a Berger que as manchas podem realmente ser o mesmo acúmulo que os seres humanos modernos combatem com escovas de dente e peregrinações ao dentista. Tártaro antigo forneceria informações valiosas sobre a evolução da dieta do hominídeo. Estudos anteriores sobre o que os homens primitivos comiam observaram proporções de isótopos de carbono em dentes, que indicam se um animal jantou plantas chamadas C3, como árvores e arbustos, ou plantas C4, como certas gramíneas e ciperáceas, ou, em casos de espécies carnívoras, se usavam como presas animais que se alimentavam dessas plantas, ou de alguma combinação delas durante a vida. Essa evidência é indireta e não específica; já o tártaro são os vestígios de alimentos em si. No momento, a

equipe estuda cristais de sílica minúsculos chamados fitólitos que estão incorporados no tártaro. Fitólitos são provenientes de plantas e algumas plantas produzem formas específicas de cristais para certas espécies. Estudos sobre esses fitólitos podem revelar que tipos de planta ao animal comeu pouco antes da morte. Ao analisar as proporções isotópicas, os fitólitos e marcas de desgaste nos dentes dos A. sediba, que podem sinalizar se um animal mastigou alimentos mais sólidos ou mais moles nas semanas anteriores à morte, a equipe deve conseguir recolher uma riqueza de informações sobre a subsistência. Como os pesquisadores dispõem de ossos de indivíduos A. sediba com diferentes idades podem descobrir até o que os bebês comeram em comparação com um adulto. Em um artigo de revisão publicado na revista Science, Peter S. Ungar, da Univer-

cortesia de Paul tafforeau esrf

Varredura de raios x síncrotron do crânio do jovem A. sediba permitiu reconstrução detalhada do cérebro (rosa), que exibe reorganização avançada nos lobos frontais apesar de ser pouco maior que o cérebro de um chimpanzé.


sidade de Arkansas, e Matt Sponheimer, da Universidade do Colorado em Boulder, observaram que estudos recentes sugerem diversidade e complexidade inesperadas na dieta de nossos antepassados. Enquanto o Ardipithecus ramidus, que se acredita ser um dos primeiros hominídeos, comia principalmente alimentos C3, como os chimpanzés da savana, outros hominídeos primitivos africanos aparentemente comiam uma mescla de alimentos C3 e C4. Uma espécie, o Paranthropus robustus, alimentava-se com dieta dieta baseada principalmente em C4, conforme o que Thure Cerling, da Universidade de Utah, e seus colegas relataram na revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA. Sem dúvida, cientistas estarão ansiosos para conhecer o espectro dietético do A. sediba e como essa imagem se ajusta com pistas emergentes sobre o paleoambiente em Malapa, que parece ter incluído abundância de gramíneas e árvores. Talvez a evidência dietética lance luz sobre como o A. sediba usava a mão hábil, com suas adaptações aparentes para emprego como ferramenta e, por isso mesmo, se ele usava seus longos braços para se alimentar nas árvores. FIM DOS DIAS Os últimos dias dos hominídeos de Malapa parecem ter sido mais sombrios. Condições de seca podem ter dificultado o acesso à água. Berger suspeita que os hominídeos, desesperados por água, podem ter tentado descer 30-50 metros de profundidade na caverna subterrânea em Malapa para acessar um lago raso de água doce e ao fazer isso despencaram para a morte. Talvez o menino tenha caído primeiro e a fêmea adulta, provavelmente sua mãe, tentou resgatá-lo e acabou caindo também. A fauna de outros animais, de antílopes a zebras, teve o mesmo destino, ficando sepultados ao lado dos hominídeos para a posteridade. Curiosamente, a evidência geológica do local indica que o conjunto de fósseis de Malapa formou-se em torno do mesmo tempo em que a Terra passava por uma inversão geomagnética, um evento misterioso em que a polaridade do planeta se altera, e o norte magnético se torna sul magnético. O momento

levanta a questão de saber se a reversão, de alguma forma, desempenhou um papel na extinção dessas criaturas. Cientistas sabem muito pouco sobre os motivos da ocorrência de reversões e se elas precipitam mudanças ambientais. Alguns geólogos sugerem que é possível que esses eventos provocassem estragos ecológicos ao comprometer o campo magnético que protege os organismos de radiação mortal, por exemplo, ou ao confundir os sistemas internos de navegação de aves migratórias e de outros animais que usam o campo magnético da Terra como orientação. Como um dos únicos lugares no mundo que tem registro terrestre de uma reversão e uma coleção de fósseis da mesma época, Malapa poderia oferecer uma percepção rara sobre o que acontece quando os polos do planeta se invertem. Outra evidência pode lançar luz sobre as mortes. Os ossos fossilizados de uma antílope grávida e seu feto de Malapa poderiam ajudar cientistas a detectar a época do ano em que os hominídeos morreram até no limiar de algumas semanas: os antílopes dão à luz num intervalo muito estreito na primavera e a análise do feto deve permitir que pesquisadores descubram de quanto tempo a antílope estava prenhe antes de morrer. Enquanto isso, vestígios de larvas e besouros de carniça que se estabelecem nos hominídeos após a morte poderiam revelar por quanto tempo os corpos estiveram expostos antes que os sedimentos os enterrassem. Em certo sentido, o trabalho com o A. sediba está apenas começando. “Vocês caminham o tempo todo sobre os fósseis de hominídeos”, relata Berger aos visitantes de Malapa numa manhã de primavera austral. Eles estão em pé no chão rochoso entre a árvore onde Matthew achou a clavícula e a mina onde Berger encontrou o dono dela. Ao descer para o buraco, ele aponta aos espectadores os pedaços de fósseis que espreitam para fora da rocha, aguardando a coleta. Os convidados surpresos esticam o pescoço, vislumbrando o osso de um braço de criança, a mandíbula inferior de um falso dente-de-sabre, a área que parece conter o resto do esqueleto de um macho jovem. Apenas coletando restos expostos pelos mineiros e pela tempestade ocasional, a equipe

acumulou uma das maiores quantidades de amostras de fósseis de hominídeos já registradas. Assim que os pesquisadores começarem a escavar o local de cerca de 500 m2 Berger saberá que vão encontrar muito mais ossos. Um extenso planejamento está em andamento para erguer uma estrutura de proteção do sítio contra elementos naturais e para servir como laboratório de campo modelo para quando começarem a escavação formal, que investigará além das sobras dos mineiros, até as partes não remexidas do depósito. Enquanto isso, no laboratório do bloco de Malapa na University of the Witwatersrand, pedaços de rocha do poço dos mineiros preenchem prateleiras do chão ao teto. Cientistas vão examinar as rochas com tomografia computadorizada para procurar os ossos de hominídeos, inclusive o crânio que falta da fêmea adulta. São tantas as riquezas de Malapa que Berger provavelmente poderia passar o resto de sua carreira trabalhando nelas. Mas ele já pensa na próxima etapa. O A. sediba “me ensinou que realmente precisamos de um melhor registro do que temos em campo”, considera ele. O projeto de mapeamento que levou Berger a Malapa identificou mais de três dezenas de novos sítios de fósseis apenas no Berço, que poderiam abrigar restos de hominídeos. Ele está selecionando pesquisadores para escavar o mais promissor desses pontos. Berger ergueu os olhos para bem mais longe. O Congo e Angola, entre outros lugares, têm formações rupestres semelhantes às do Berço e nunca foram pesquisados em relação a fósseis de hominídeos. Talvez, em terra incógnita paleoantropológica, ele encontrará outro emissário inesperado vindo do alvorecer da humanidade que, uma vez mais, reescreverá a história de nossas origens. n A AUTORA Kate Wong é editora-sênior de Scientific AmericAn. PARA CONHECER MAIS Edição de 9 de setembro de 2011 da Science contém cinco estudos de pesquisa sobre detalhes e idade da anatomia do A. sediba. Australopithecus sediba: a new species of Homo-like Australopith from South Africa. Lee R. Berger et al., em Science, vol. 328, págs. 195-204, 9 de abril de 2010.

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GEOGRAFIA

A realidade dos

biocombustíveis no Brasil

Além da vanguarda tecnológica na produção e exploração de petróleo e gás natural, o Brasil avançou no desenvolvimento de biocombustíveis e se transformou em laboratório de mudanças globais no setor energético

RICARDO AZOURY/Corbis

POR ALLAN KARDEC DUAILIBE BARROS FILHO

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trajetória da energia é uma história de revoluções. As estruturas energéticas têm vida longa se comparadas a tecnologias de produção, mas não são invariantes históricas. Elas também passam por revoluções incessantes que destroem o antigo e criam o novo. Por isso, reflexões sobre energia devem levar em conta o contexto histórico. Segundo Jean-Claude Debeir, é preciso considerar as características ecológicas e tecnológicas das linhas energéticas e as estruturas sociais de apropriação e gestão das fontes de energia e seus conversores. As esferas social e política desempenham papel determinante nas trajetórias de ascensão e definição dos sistemas energéticos. A tecnologia é um desestabilizador da história, capaz de transformar realidades de forma profunda. O mundo exibe desafios energéticos e ambientais a que a tecnologia tem respondido à altura – os biocombustíveis são um exemplo. Mais de uma vez, no entanto, analistas, em artigos recentes, deixam-se empolgar por fragmentos da realidade que conseguiram apreender. Na maior parte dos casos esses fragmentos foram corretamente observados e suas propriedades formais corretamente reconhecidas. Mas nenhuma conclusão sobre a realidade dos biocombustíveis, como um todo, pode ser baseada em análises fragmentadas. Acrescentaríamos, por exemplo, o capítulo ambiental, o econômico, o político e o regulatório. O fato é que num mundo onde os países são desafiados a assegurar a inclusão energética de seus cidadãos, mostra-se clara a opção pelos biocombustíveis. As nações se mobilizam para garantir oferta e qualidade de energia, proteção do meio ambiente e redução estratégica da dependência externa por energia, com consequente economia de divisas e geração de empregos, além de deRefere-se ao consenvolvimento científico junto das opções energéticas em um e tecnológico. Isso exige país, região ou no uma matriz energética mundo. Envolve diversa, dinâmica, com tudo que gere o fortalecimento do energia aproveitável pela sociedade usuário e preocupação (petróleo, biocomambiental como eixos bustíveis, carvão que a norteiem. mineral, gás natural, lenha, quedas O país que mais evid’água, a força dos dencia isso é o Brasil. ventos etc.). 44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Na década de 70 optamos pelos bio- de um norte político claro. Esse papel combustíveis, devido à primeira crise do integrado só ocorre obviamente porque petróleo, e agora nos mantemos nessa o Brasil está assentado em um paradigrota pelos seus benefícios ambientais. ma de investimento em conhecimento Aqui, neste país tropical, ocorre uma que gera a inovação. Não teríamos chenova e radical transformação diante gado até aqui se não fosse o conhecidos nossos olhos. Além da vanguarda mento associado à exploração em águas tecnológica da produção e exploração profundas – que inaugurou o pré-sal no de petróleo e gás natural em águas ul- mundo – e o investimento na tecnologia traprofundas, como é o caso do pré-sal, da cana-de-açúcar – que permitiu a este o Brasil é protagonista privilegiado nos país ser hoje referência internacional no biocombustíveis e se converteu numa setor de biocombustíveis. espécie de laboratório de uma mudança Nesse contexto uma inovação braglobal no setor energético. sileira interessante foram os veículos Exemplo disso são as usinas de ca- flex fuel ou bicombustíveis. Com eles na-de-açúcar, que se transformaram em o Brasil avançou na política regulatócomplexos de bioenergia, com produção ria, invertendo a lógica dominante no integrada de etanol, açúcar, eletricidade, planeta: quem decide que combustível créditos de carbono e, em alguns casos, colocar no veículo não é o Estado, mas de biodiesel e diesel verde, além de labo- o consumidor. No fundo, o flex fuel é ratório para testes de um dos primeiros carros ditos EMPRESA DE PESQUISA combate a pragas bio- ENERGÉTICA (EPE) “híbridos” a circular de forma lógicas. Nossa matriz é uma empresa pública comercial no planeta. Em 1979 energética, a mais lim- ligada ao Ministério de foram produzidas as primeiras Minas e Energia. Criada pa do mundo, coloca em 2004, tem como finali- unidades de veículos leves movio país numa situação dade desenvolver estudos dos a etanol no Brasil e a tecnoespecial: estamos hoje e pesquisas para subsilogia flex fuel começou a ser dediar o planejamento eneronde o mundo gosta- gético. Publica anualmen- senvolvida em 1994. Em 2003, ria de estar. Segundo te o Balanço Energético os flex foram introduzidos para dados da Empresa de Nacional, com dados rodar com etanol, gasolina e sobre oferta e consumo de Planejamento Energé- energia no país. misturas dos dois combustítico (EPE), 43,9% da veis em quaisquer proporções. oferta interna de energia no Brasil foi Desde então, as vendas gerada por fontes renováveis, ao passo desses veículos têm sido A partir da década que a média mundial se situa em torno crescentes. Em 2010, em de 50, diversas montadoras de de 14% e a dos países da Organização torno de 90% dos veí- automóveis estranpara Cooperação e Desenvolvimento culos vendidos estavam geiras instalaramEconômico (OCDE) em 6%. equipados com motores se no Brasil, contribuindo para a Atualmente, ainda segundo dados de biocombustível. Hoje, hegemonia do da EPE, a produção de energia elétri- do total da frota de veí- transporte rodoviáca a partir de biomassa fornece 4,7% culos leves, estima-se que rio de cargas e passageiros no da energia elétrica total consumida mais de 50% sejam flex país. O Brasil é o no país, e 19,3% da oferta interna de fuel. A EPE, em seu Pla- único entre os paíenergia no Brasil é oriunda dessa plan- no Decenal de Energia, ses de grande extensão com esse ta (incluídos nesse percentual o etanol estima que em 2019 eles perfil na matriz de anidro e o etanol hidratado). A União representarão quase 80% transportes. da Indústria de Cana-de-Açúcar (Uni- da frota nacional. ca), entidade representativa dos produDois resultados positivos do desentores, estima que, em 2020, a bioele- volvimento da indústria de biocombustricidade de cana representará 15% da tíveis no Brasil devem ser ressaltados: energia elétrica consumida no país. 1) expressiva redução da dependência Isso tudo só foi possível porque há externa por petróleo. A economia de uma agenda clara em que se integram divisas para o país, desde o início da as políticas econômica, energética, tec- produção de etanol, foi de mais US$ 60 nológica, estabilidade regulatória, além bilhões, isso sem falarmos na entrada de


© PAULO WHITAKER/REUTERS Latinstock (destilarias de São Tomé)

COLHEITA MECANIZADA: o pioneiro no abastecimento de veículos com etanol. Indústrias que já se estendem para o sul do país (usina São Tomé, no Paraná).

recursos oriundos das exportações de etanol; e 2) a diminuição significativa das emissões de gases de efeito estufa, na medida em que o carbono emitido durante a queima do etanol é consumido quando do crescimento dos vegetais que o originam, durante o qual o CO2 é necessário para a fotossíntese. Os biocombustíveis também têm a vantagem de poder ser produzidos em diversas regiões do país, o que facilita o atendimento às demandas locais e a redução de custos com transporte e distribuição, importante diferencial em se tratando do abastecimento de um país de dimensões continentais como o Brasil. Como já é amplamente conhecido, os benefícios ambientais decorrentes da substituição da gasolina pelo etanol fazem dele um combustível de extrema importância para a rápida resposta que o mundo deve dar à questão das mudanças climáticas. Estima-se que de 1970 a 2010 tenham sido evitadas emissões da ordem de 900 milhões de toneladas de CO2 equivalentes pela uti-

lização do etanol combustível. Apenas em 2010, de acordo com estimativas da EPE, foi evitada a emissão de 48 milhões de toneladas de CO2 equivalentes. Essa economia equivale – ou ultrapassa – ao que alguns países da Europa emitem anualmente queimando gasolina. Atualmente estão em fase de pesquisa nas universidades brasileiras tecnologias para a produção do chamado etanol de segunda geração, obtido da hidrólise da lignocelulose do bagaço de cana-de-açúcar ou de qualquer outro resíduo agroindustrial que seja fonte de celulose como, por exemplo, a torta de mamona, resíduo da produção do biodiesel de mamona. A Embrapa estima que o aproveitamento do bagaço excedente e de parte das palhas e das pontas da cana-de-açúcar elevem a produção de etanol em 30% a 40%, sem que haja necessidade de aumentar a área plantada. O balanço energético do etanol celulósico mostra que dez unidades de energia são produzidas por unidade de combustível fóssil utilizado para sua produção,

sem falar na redução extra de emissões de gases de efeito estufa obtida. Há também, já em avançada experimentação, os casos de gasolina ou diesel produzidos de cana-de-açúcar. O processo de produção de hidrocarbonetos é baseado na conversão dos açúcares presentes na biomassa. O processo, inicialmente desenvolvido nos Estados Unidos, consiste em submeter uma pasta aquosa de açúcares e carboidratos vegetais a catalisadores que aceleram a reação. Com isso as moléculas são separadas em componentes que se recombinam para formar as mesmas substâncias que compõem o óleo diesel e a gasolina obtidos pelo processamento do petróleo cru. No Brasil, a Amirys, empresa instalada em Campinas, já está produzindo em escala piloto com perspectivas de comercialização no curto prazo. Em 2011, a ANP autorizou 900 mil litros mensais de uma mistura de diesel (85%), biodiesel (5%) e diesel de cana (10%) para uso experimental nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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assegurando ao consumidor a oportunidade de escolha para abastecer seu carro. O setor sucroalcooleiro do Brasil é um dos mais competitivos do mundo, apresentando os maiores níveis de produtividade e de rendimento industrial, além de menores custos de produção, situados em torno de US$ 0,20/ litro. Com o petróleo acima de US$ 30 o barril, a competitividade do etanol brasileiro como substituto da gasolina é uma realidade. Além disso, cabe lembrar que toda a gasolina comercializada no Brasil contém, obrigatoriamente, 25% de etanol anidro. Em tese, o cultivo da cana-de-açúcar é possível em quase todo o território

brasileiro, na dependência apenas de variáveis adequadas e adaptações nas práticas agrícolas, para as quais existem tecnologias disponíveis. Isso tudo de maneira sustentável. De fato, para atender à demanda de etanol em 2017 será necessário o uso de apenas 2,56% da área agrícola Instituído por leis e decredo Brasil. Além tos, o Zoneamento disso, a Lei de Zo- Ecológico-Econômico neamento Ecológi- (ZEE) é um instrumento de ordenação territorial que co, aprovada pelo visa compatibilizar cresciCongresso Nacio- mento econômico e protenal, mantém in- ção ambiental, considerando as características tactos o Pantanal dos diferentes biomas e Mato-grossense, a ecossistemas e dos setoAmazônia e outras res de atividade econômi-

Amyris, inc. Divulgação

O etanol também tem oferecido significativos benefícios à sociedade brasileira. Estima-se que mais de 1,2 milhão de pessoas estejam formalmente empregadas na cultura da cana-de-açúcar e na produção desse combustível. O setor sucroalcooleiro gera, anualmente, segundo estudo da Unica de 2010, renda de mais de US$ 28 bilhões, incluídos nesse total tributos de mais de 7 bilhões. Em 2010, a produção nacional de etanol foi equivalente a 27,5 bilhões de litros e o Brasil foi o segundo produtor mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. As vendas do produto superaram as de gasolina durante todo o ano, em virtude do crescimento da frota de veículos flex,

ca do país.


em regiões diversas, além de promover o incentivo às políticas industriais e de inovação tecnológica. Atualmente, são 67 usinas produzindo biodiesel, tendo como principais matérias-primas a soja e as gorduras de origem animal (cerca de 70% e 20%, respectivamente). Centros de pesquisa brasileiros têm desenvolvido estudos visando o aproveitamento comercial de microalgas, dendê e pinhão-manso.

Cana-de-açúcar também acena com substituição do óleo diesel fóssil, conforme pesquisas feitas na empresa amirys, em Campinas, interior paulista, que já produz em escala piloto. Os ganhos com a adoção do biodiesel, além da redução estratégica na dependência do petróleo, contribuem para a queda de gases do efeito estufa nas grandes cidades, ainda que aumentem as emissões de gases de óxidos de hidrogênio.

importantes regiões nacionais para a preservação ambiental. Há inclusive limites para a agricultura que privilegia a mecanização, evitando a devastação. A introdução do biodiesel na matriz energética brasileira foi estabelecida pela Lei Federal 11.097, de 2005, que criou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e a adição voluntária de 2% de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final até 2007; em 2010 a adição de 5% já se tornou obrigatória, antecipando um percentual previsto apenas para 2013. Um dos principais objetivos do programa é produzir o biodiesel a partir de diferentes fontes de oleaginosas e

ganhOs ambientais Os ganhos ambientais derivados da utilização do biodiesel incluem, além da redução de cerca de 95% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), a diminuição da poluição do ar nas grandes cidades, na medida em que o combustível não gera emissões de óxidos de enxofre. Adicionalmente o biodiesel, por ser um composto oxigenado, reduz em 78% as emissões líquidas de CO2 e em 48% as de CO. Em contrapartida ocorre um ligeiro aumento nas emissões de óxidos de nitrogênio do tipo NOx (cerca de 10%). No caso do diesel de cana os benefícios são mantidos, e os níveis de emissão de NOx reduzidos. Estudo conduzido pelo engenheiro Gilberto Leal, da Mercedes Benz, mostra que o diesel de cana, quando comparado ao diesel S50, reduz em até 6,3% o nível de emissão de NOx. Outro ponto importante é a certificação da qualidade do produto. A ANP tem feito esforços para assegurar, junto a outros governos, especificações de qualidade globais para esse produto ao inaugurar uma forte interação com outras agências reguladoras em âmbito internacional, que saíram fortalecidas após a crise econômica deflagrada em 2008. Neste contexto, uma mudança implementada recentemente pela ANP foi a criação da figura do agente comercializador de etanol e do agente operador de bolsas de mercadorias e futuros. Esses agentes foram propostos com o objetivo de aumentar a segurança e a regularidade do abastecimento de etanol, o que contribuirá para a redução das oscilações de preços decorrentes da sazonalidade das colheitas, fatos ine-

rentes ao cultivo da cana-de-açúcar. Não menos importantes são os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e em capacitação de profissionais para o trabalho na indústria de petróleo e de biocombustíveis. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Ciência, lançado pelo governo federal, está orçado em cerca de R$ 41 bilhões, entre recursos públicos e privados, e tem entre seus objetivos elevar o investimento em P&D para um número acima de 1,4% do PIB, contra o atual 1,1%. O PAC da Ciência parte da identificação de que, apesar de o Brasil ter avançado bastante na geração de conhecimento nas últimas décadas, ainda deve avançar em inovação. É interessante notar que, segundo a revista britânica The Economist, o Brasil ocupa a 13a posição na produção de conhecimento, mas, no ranking dos países inovadores, é o 48o colocado. Há movimentos revolucionários que estão aparecendo e que se consolidarão no futuro. O panorama dos biocombustíveis será certamente muito diferente do atual, pois existe um processo de inovação em curso e com praticamente todas as outras variáveis em aberto. No momento, o setor dá os primeiros passos com produtos da primeira geração já no mercado. É tamanha a diversidade de alternativas tecnológicas e concepções que têm sido propostas que a segunda geração de biocombustíveis já nasce questionada. A chamada terceira geração, com produtos mais avançados, caminha na direção de um espectro muito mais rico e complexo que prevê o aproveitamento integral da biomassa com maior diversificação (biocombustíveis, produtos químicos e bioeletricidade). A mobilização para a melhoria da produtividade tem uma longa trajetória, mas os esforços atuais se mostram mais vigorosos e sofisticados, com o amplo uso da biotecnologia e da engenharia genética. Desde 1972 o Brasil investe na melhoria da cana-de-açúcar, alcançando um aumento de mais de 30% da produtividade média dessa matéria-prima e evolução significativa SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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Um exemplo de avanço tecnológico para a exploração de águas profundas, no caso do petróleo, é a melhoria dos sistemas de ancoragem de plataformas, desenvolvidos e patenteados pela Petrobras em 1991.

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nicas em desenvolvimento e distintas bases de conhecimento (fermentação, engenharia genética, processos enzimáticos, gaseificação, catálise, síntese química). Aqui, novamente, empresas de variados perfis e estratégias buscam obter seu retorno na medida em que avançam em suas pesquisas. Umas apostam em fazer melhor aquilo que já conhecem, investindo no paradigma dominante, o etanol. Outras buscam transformar em novos produtos o fruto de suas pesquisas, enxergando uma oportunidade de criar combustíveis renováveis e bioprodutos capazes de competir, ou mesmo superar as qualidades dos produtos fósseis. São os chamados biocombustíveis drop in, que mantêm características semelhantes ao combustível que substituem e não requerem alterações significativas nos motores. Há ainda a aposta da ampliação do conceito de usinas que se transformariam em biorrefinarias, capazes de explorar uma ampla varie-

dade de produtos e processos, tanto energéticos quanto químicos. CAPITAL MUNDIAL DA ENERGIA Toda essa efervescência energética tem o Brasil como ponto de encontro: uma espécie de capital mundial da energia. Empresas de todo o mundo, com destaque para americanas e europeias, petroleiras ou de base tecnológica, usam o país como base propulsora de seus projetos. Podemos destacar, por exemplo, a mencionada Amyris. Entre as brasileiras, sobressai o biopolietileno baseado em etanol, da Braskem, da holding Odebrecht, que certamente abrirá para a empresa uma avenida de oportunidades comerciais tendo como base a química proveniente de matérias-primas renováveis. Outra empresa controlada pela Odebrecht, a Odebrecht Agroindustrial, pretende se tornar líder na produção de etanol e energia a partir da biomassa com previsão de moagem de 26 milhões de toneladas no

AGÊNCIA PETROBRAS DE NOTÍCIAS

da qualidade. O desenvolvimento de variedades mais produtivas foi o grande responsável pelos avanços obtidos pelo setor. Estudos apontam um ganho de produtividade agrícola da ordem de 58% desde a década de 70 (cerca de 1,5% ao ano) e da ordem de 82% na produtividade industrial (cerca de 2% ao ano) no mesmo período. Somados, os ganhos totais alcançam 188% (cerca de 3,5% ao ano) de produtividade desde o início do programa brasileiro do etanol. Hoje apresentam-se como futuros competidores da cana matérias-primas ainda em estágio embrionário na indústria, como é o caso dos materiais celulósicos, algas, novas plantas e até mesmo o lixo. Essa diversidade, que parece ser a marca característica das indústrias nascentes, em que uma rota tecnológica ainda não se mostra claramente forjada, também ocorre quando avaliamos as inovações de processo. Eles apresentam considerável variedade de téc-


EMPRESAS MULTINACIONAIS VEEM O BRASIL COMO REFERÊNCIA EM PROJETOS QUE ENVOLVEM O DESENVOLVIMENTO DE BIOCOMBUSTÍVEIS biênio 2013/14, produzindo 2 bilhões etanol automotivo para 46,5 bilhões de de litros de etanol e 2 im GWh de ener- litros em 2015. gia elétrica. Para isso já investiu R$ 8 Nesse contexto, o governo brasileiro bilhões em suas nove usinas. lançou, no primeiro trimestre de 2011 o A Shell, uma das maiores empresas Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio de energia do mundo, foca sua estra- à Inovação Tecnológica Industrial dos tégia competitiva em esforços na ino- Setores Sucroenergético e Sucroquímico vação tecnológica nos biocombustíveis – Paiss. A iniciativa prevê R$ 1 bilhão de avançados. Em 2009 estabeleceu uma investimentos, distribuídos em R$ 250 joint venture, ao associar-se ao Grupo milhões anuais, durante quatro anos, em Cosan, maior produtor brasileiro de três linhas temáticas inovadoras: bioetaetanol. A Shell tornou-se, desse modo, nol de segunda geração, novos produtos não só produtor de etanol de primeira de cana-de-açúcar e gaseificação. Serão geração mas assumiu a posição de li- selecionados no máximo cinco projetos derança nesse segmento. O negócio vai por linha temática. além da produção e envolve também O PAISS é uma iniciativa concreta atividades comerciais de distribuição e substantiva que sinaliza com clareza de combustíveis. a prioridade brasileira em relação ao Protagonista determinante no mer- futuro dos biocombustíveis, particucado brasileiro e com peso importan- larmente o nosso comprometimento te no cenário global da energia, a Pe- com o etanol. A partir dele teremos estrobras tem metas ambiciosas para os tudos para o aproveitamento integral biocombustíveis. Seu plano de negócios da cana (coleta e transporte de palha, pré-tratamento de biomassa e 2011-2015 apresenta produção de enzimas/processos a estratégia e os pro- Juntos, Brasil e Estados respondem por de hidrólise), criação de nojetos da empresa, que Unidos cerca de 90% da oferta vos produtos dessa planta por pretende investir, nes- mundial de etanol. No primeio de processos biotecnolóse período, US$ 4,1 meiro caso, a partir da e, no gicos e gaseificação. Ou seja, o bilhões, o maior in- cana-de-açúcar segundo caso, com base Brasil, país pioneiro e líder na vestimento do mundo no milho. Isso tem repreprimeira etapa da competição no segmento feita por sentado avanços nas de contenção do no mercado de etanol de priuma única empresa. medidas chamado aquecimento Desse montante, US$ global, mas, de outro lado, meira geração, baseado no po2,8 bilhões serão in- gerado controvérsias sobre sicionamento, numa estrutura avanço do cultivo de industrial conhecida, também vestimentos diretos omatérias-primas vegetais promete avanços consideráveis por meio da subsidiá- para gerar combustíveis ria integral Petro- automotores em detrimento no desenvolvimento do setor no produção de alimentos futuro. Nossa trajetória de aubras Biocombustível da e outros bens agrícolas. mento da produtividade ainda (PBIO), dos quais US$ promete ganhos adicionais no 1,9 bilhão no negócio etanol e US$ 1,3 bilhão na logística de patamar atual da indústria, o que evisua distribuição. A empresa vai ampliar dencia potencial para competir com o sua capacidade de produção em cer- etanol de segunda geração. Adicionalca de 270% nesse período, atingindo mente teremos ganhos com um apro5,6 bilhões de litros/ano em 2015 (in- veitamento integral da cana (hoje apecluindo os parceiros), o que represen- nas 1/3 da energia disponível da planta tará 12% de participação no mercado é convertido em energia). Na era moderna o motor do desenbrasileiro, considerando a projeção de aumento da demanda do mercado de volvimento tem sido o conhecimento.

Há no momento centenas de projetos inovadores em desenvolvimento ao redor do mundo, numa verdadeira corrida pela inovação tecnológica. É um ambiente de incerteza onde impera uma intensa pressão competitiva entre tecnologias que lutam entre si para se estabelecer. São inovações relacionadas a matérias-primas, processos de conversão e produtos, bem como a estratégias corporativas de projeção de cenários e de posicionamento por parte dos competidores. A própria dinâmica da inovação tratará de selecionar, nessa enorme variedade, os melhores processos, produtos e matérias-primas, avançando sobre as limitações atuais e garantindo que os combustíveis limpos sejam de fato uma alternativa aos fósseis. Essa é uma demanda da humanidade enquanto espécie biológica, que vai além da dimensão econômica e mesmo social. Hoje o brasileiro é o único consumidor do mundo que pode escolher entre combustíveis diferentes ao abastecer seu carro. Isso só foi possível porque o país assegurou sustentabilidade às diversas áreas: política, econômica, tecnológica e regulatória. O Brasil está preparado para continuar a dar respostas inovadoras aos novos desafios do setor energético. n O AUTOR Allan Kardec Duailibe Barros Filho, diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), é professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), pesquisador do CNPq, com artigos publicados em revistas autor de pós-doutorado no Instituto de Física e Química (Riken), doutorado na Universidade de Nagoya e mestrado na Universidade de Tecnologia de Toyohashi, no Japão.

PARA CONHECER MAIS www.anp.gov.br www.unica.org.br www.ctcanavieira.com.br O futuro dos biocombustíveis. José Vitor Bomtempo. Blog Infopetro, fevereiro de 2010. Disponível em: <http://infopetro.wordpress. com/2010/03/29/o-futuro-dos-biocombustiveis-i <http://infopetro.wordpress.com/2010/03/29/o-futuro-dos-biocombustiveis-i> Bioetanol de cana-de-açúcar. Disponível em:<http://www.bioetanoldecana.org/pt/download/bioetanol.pdf <http://www.bioetanoldecana. org/pt/download/bioetanol.pdf>

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QuíMICA

a versatilidade do sal

Substância imprescindível ao equilíbrio das funções orgânicas pode produzir efeitos danosos se consumida em excesso. Demanda natural fez com que superasse o ouro como valor estratégico e fosse base para remunerar o trabalho Por andré de Souza Mecawi, luÍS carloS reiS e JoSé antuneS rodrigueS

O

sal (cloreto de sódio ou NaCl), encontrado em grande quantidade na natureza, integra a dieta diária de quase toda a população mundial, princi­ palmente por melhorar o sabor dos alimentos. Mas desde o início do século passado a quantidade de sal ingerida é vista pela saúde pública como um componente impor­ tante, uma vez que o consumo excessivo está relacionado ao desenvolvimento da hipertensão arterial. Segundo es­ timativas da Organização Mundial da Saúde, essa doen­ 50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ça, que afeta aproximadamente 1 bilhão de pessoas, é uma das principais causas de mortes que poderiam ser evitadas com a simples redu­ ção do consumo de sal a valores diários entre o mínimo necessário de 0,1 a 0,5 grama até o máximo de 5 gramas. Talvez ele seja o mais antigo e comum aditi­ vo alimentar. Praticamente todas as culturas an­ tigas temperavam seus alimentos com sal, tanto

aditivo aliMentar Ingrediente adicionado ao alimento, sem o propósito de nutrir, com o objetivo de alterar suas características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais. Dentre os tipos de aditivos encontramos conservantes, edulcorantes, acidulantes e aromatizantes.


© RicaRdo azouRy/olhaRimagem

Salina na região de cabo Frio, r.J.: sal faz parte da dieta humana há 8 mil anos.

para suprir eventuais deficiências deles como para melhorar o sabor. Há re­ gistros do uso do sal para conservar alimentos em antigas culturas às mar­ gens do Nilo, no Egito, há 8 mil anos. Guerras foram travadas pelo controle de minas de sal que, em determinados momentos da história, foi mais valioso que o ouro. Em virtude da necessidade de sódio pelo organismo, a maioria dos animais vertebrados procura esse elemento no ambiente onde vivem. Os seres huma­ nos não sentem necessidade explícita de outros minerais como magnésio, iodo ou potássio como sentem do sódio. A necessidade tanto de sódio quanto de água são os dois únicos mecanismos de busca e ingestão de moléculas específi­ cas inatas. Esses processos são regula­

dos mutuamente para manter os níveis corretos de água e sal no organismo. Tanto o sódio (Na+) e pela quanto o cloreto (Cl­) são íons essenciais para a manutenção da vida animal. O sódio é responsável pelo controle do volume dos líquidos corporais e manutenção da pres­ são arterial, além de atuar na comunica­ ção entre células. A estabilidade do volu­ me de água do corpo e a pressão arterial são rigorosamente reguladas por siste­ mas de controle muito sensíveis e preci­ sos, que envolvem respostas cerebrais, cardiovasculares, endócrinas e renais. Quando há pequenas variações no volume ou conteúdo do fluido extra­ celular (líquido que envolve as células), esses sistemas de controle tentam encon­ trar respostas adequadas para retornar às condições normais, dentro de limites estreitos de variações. Nas alterações do equilíbrio dos fluidos corporais, os dois principais componentes a serem contro­ lados são os conteúdos de água e de só­ dio, e o saldo desses elementos no orga­ nismo é mantido por ajustes finos e com­ plementares entre ingestão e excreção. Quando os níveis de sódio que chega aos rins diminuem, células específicas per­ cebem essa carência e ativam um sistema enzimático que tem como produtos finais a angiotensina II e a aldosterona, hormô­ nios que agem nesses órgãos – retendo o sódio – e no cérebro – induzindo ao apeti­ te por sódio. Quando há excesso de sódio no organismo, sistemas especializados na inibição da ingestão de sódio entram em ação. A retenção de sódio (e consequente­ mente de água) leva à distensão da parede do coração, o que estimula as células car­ díacas a produzir o peptídeo natriurético atrial (ANP, na sigla em inglês). No cérebro, neurônios estimulados pela elevação nas concentrações de só­ dio secretam outro hormônio, a ocitoci­ na. Em conjunto, ANP e ocitocina pro­ vocam aumento da excreção renal de sódio e, agindo diretamente no cérebro, inibem o desejo de sal. Evidências têm demonstrado que os vertebrados têm nos rins, fígado, coração, vasos sanguí­ neos, estômago e intestinos terminações nervosas que percebem, de forma direta e/ou indireta, as concentrações sanguí­ neas de sódio e o volume de líquido no

organismo, além de receptores de pres­ são localizados nos vasos sanguíneos, e ambos, terminações nervosas e recep­ tores de pressão, enviam sinais direta­ mente para o sistema nervoso central (SNC). No SNC existem ainda recepto­ res sensíveis às concentrações de sódio, que estão intimamente relacionadas ao controle da ingestão de sal (e água). O cérebro, por meio de uma rede de cone­ xões entre neurônios, integra e processa todas essas informações e as traduz na sensação de apetite ou saciedade pelo sal, de acordo com a condição em que o organismo se encontra. Além dos relatos sobre animais em busca de sal, registros experimen­ tais de preferência pelo sódio já foram encontrados em ratos, camundongos, coelhos, pombos, cangurus, cabras, ovelhas, bois, cavalos e macacos, a partir das observações pioneiras feitas pelo biofísico americano Curt Richter (1894­1988), em 1936, em ratos. Ele retirou cirurgicamente as glândulas adrenais os animais e verificou que eles morriam em poucos dias. No entanto, se tivessem acesso a dois bebedouros, um com água pura e outro com água

conSuMo exceSSivo de Sal eStá relacionado à hiPertenSão arterial salgada, preferiam a salgada (aversiva ao paladar desses animais), o que redu­ zia a mortalidade. Em 1940 ele descreveu um caso, fascinante na época, de um menino que manifestava intenso e persistente de­ sejo por sal desde o nascimento, apre­ sentando um comportamento muito semelhante ao observado nos ratos sem glândulas adrenais. Mesmo antes de aprender a falar, a criança já mostrava forte tendência para a ingestão de sal. Preferia receber uma colher de sal puro, ou alimentos salgados, em vez de açú­ car ou doces. Devido a um quadro clí­ nico grave, o garoto foi internado em um hospital onde a quantidade de sal em sua dieta foi restringida, o que o le­ vou à morte. A doença dessa criança – SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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Os ciclos do sal e da água Deficiência de Na+ e de água Deficiência da função renal

Sal

Deficiência de água Jejum hídrico Transpiração (suor)

Sede

Apetite por Na+ Água

Conteúdo e concentração de Na+ Volume de água

Volume de água Concentração de Na+ Água

Apetite Sal por Na+

Sal

Apetite por Na+

Deficiência de Na+ Dieta deficiente em sal Ingestão excessiva de água

Conteúdo e concentração de Na+

só diagnosticada após a autópsia – foi provocada pelo não funcionamento das glândulas adrenais. A semelhança entre esse caso e o dos ratos de Richter está na insuficiência ou ausência das glândulas adrenais, responsáveis pela produção da aldosterona, hormônio essencial na re­ gulação do conteúdo de sódio no orga­ nismo. Sem esse controle, a pessoa perde grande parte de sua capacidade de reter sódio e, para sobreviver, precisa repor constantemente o volume perdido. Em um estudo realizado no início do século passado, pacientes humanos foram submetidos à dieta praticamente sem sal durante dez dias. Os participan­ tes relataram experiências extremas de sede e desejo de ingerir alimentos salga­ dos, chegando a relatar perda de sono por essa razão. Eles se referiram também a alguns outros sinais comportamentais, como perda geral de apetite, dificuldade de concentração, perda do prazer e sen­ sação de cansaço excessivo. São relata­ dos também distúrbios graves resultantes da deficiência prolongada de sal na dieta como aborto, parto prematuro, retardo no crescimento, problemas reprodutivos, redução da massa muscular e fragilidade óssea, às vezes culminando em morte. Apesar dessas evidências, alguns autores suspeitam que o apetite huma­ 52 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

Sede Deficiência de água e de Na+ Diarreia Hemorragia Vômito Volume de água Conteúdo de Na+

no por sódio seja irrelevante, conside­ rando que o principal fator, neste caso, é de natureza cultural. Isso implicaria uma série de diferenças entre huma­ nos e animais quanto às necessidades de sódio. Os humanos preferem inge­ rir sal proveniente dos alimentos; já a maioria dos animais opta pela inges­ tão de sal diluído em água; os huma­ nos parecem ter apetite específico pelo sal de cozinha (NaCl), ao passo que os animais ingerem outros sais de sódio, como bicarbonato de sódio (NaCO3). Os animais respondem rapidamente a uma deficiência aguda de sódio com a ingestão de sal, e nos humanos essa resposta depende de uma perda crôni­ ca de sódio. O SAL NA DIETA OCIDENTAL O sal foi muito consumido na conser­ vação de alimentos, principalmente carnes, na ausência das geladeiras mo­ dernas. Posteriormente seu consumo foi significativamente reduzido. Mas ainda hoje continuamos a apreciar alimentos salgados, como embutidos, carnes cura­ das e conservas, de modo que carrega­ mos a herança de quase 8 mil anos de consumo de altos teores de sal, e seu sa­ bor é requisitado da mesma forma que a cafeína, doces, gordura, carnes e outros

alimentos consumidos em quantidades acima de nossas necessidades diárias. A maioria das pessoas aprecia muito o sal, o que as leva a consumos eleva­ dos. Na dieta das sociedades ocidentais modernas, cerca de 10% do sal provém dos próprios alimentos consumidos; ou­ tros 15% a 25% são adicionados aos alimentos durante o preparo; e cerca de 75% se encontra em alimentos indus­ trializados com elevado conteúdo de sódio, que normalmente é adicionado para aumentar a palatabilidade e/ou o tempo de conservação. Por exemplo, um simples macarrão instantâneo, com 85 gramas e 22,4% da necessidade ener­ gética recomendada diariamente, pode ter até 107% do conteúdo máximo to­ lerado de sódio diário. Uma pesquisa realizada em várias partes do mundo revelou que apenas 10% da população está preocupada com a quantidade de sal ingerida, o que evidencia a neces­ sidade de maior atenção por parte das autoridades da saúde pública. SAL E HIPERTENSÃO Dados experimentais mostram que ratos alimentados com uma dieta mí­ nima de sal vivem significativamente mais que outros que ingerem quantida­ des maiores. Em estudo realizado com

ARTE ERIKA ONODERA COM BASE EM MAGENS CEDIDAS PELA AUTORA; FOTOS AUTORES: ARQUIVO PESSOAL

Sede

Água


Consumo de sal (em gramas) 5% adicionados no preparo dos alimentos 6% acrescentados no prato pronto 12% provêm de fontes naturais 77% encontrados em alimentos pré-processados

ERIKA ONODERA

Aumento da pressão arterial dos 20 aos 60 anos (mmHg)

uma colônia de chimpanzés, animais geneticamente próximos do homem, observaram­se aumentos progressivos na pressão arterial à medida que quan­ tidades crescentes de sal foram adicio­ nadas à dieta ao longo de 20 meses – a quantidade máxima de sal administra­ da aos chimpanzés foi similar à da die­ ta ocidental típica. Curiosamente, a hi­ pertensão reverteu completamente seis meses depois de os animais retornarem à dieta natural. Em humanos, vários estudos confir­ mam que o consumo excessivo de sal é uma das principais causas de hipertensão arterial. Entre agricultores quenianos, por exemplo, que consumiam alimentos sem sal não havia casos dessa doença. Mas, quando os filhos jovens se alistaram no serviço militar e começaram a consu­ mir alimentos com sal, houve aumento na pressão arterial. Além disso, indiví­ duos do mesmo grupo que migraram para áreas urbanas, com dieta ocidentali­ zada, também apresentaram aumento da pressão arterial proporcional às quanti­ dades de sal ingeridas. No caso da hipertensão, o sal age nos rins e no cérebro e tanto o sódio quanto o cloreto são considerados vi­ lões dessa patologia. Entre os principais mecanismos que provocam a hiperten­ são pela ingestão excessiva de sal está a incapacidade renal de eliminá­lo. Isso eleva o acúmulo dessa substância no organismo e a consequente retenção de água. O aumento da concentração de sal no plasma sanguíneo que chega ao cérebro também ativa exageradamente áreas cerebrais responsáveis pela con­ tração dos vasos sanguíneos; produção excessiva dos hormônios angiotensina II

e/ou aldosterona; e déficit de vasodila­ tadores naturais no organismo, como o óxido nítrico, endotelinas e bradicinina. Algumas pessoas são mais sensíveis aos efeitos do consumo de sal, mas, em geral, é preciso manter níveis balancea­ dos dessa substância, levando em con­ ta outros fatores como idade, estresse, fatores genéticos, sedentarismo e outros componentes alimentares como a gor­ dura, relacionados com o desenvolvi­ mento da hipertensão arterial. Parece haver também uma diferenciação sexu­ al, tendo sido constatada uma incidên­ cia de hipertensão maior em homens em fase reprodutiva. Após a menopausa e andropausa, no entanto, a incidência de hipertensão entre os dois sexos se equi­ para, indicando um possível efeito pro­ tetor dos hormônios sexuais femininos (principalmente o estrógeno) sobre o sistema cardiovascular.

Em trabalho recente realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Ja­ neiro (UFRRJ), nosso grupo confirmou dados mostrando que ratas castradas (modelo experimental da menopausa humana) consomem mais sal que as sub­ metidas à reposição hormonal com estró­ geno, tanto em condições basais quanto após estímulos que provocam ingestão específica de sódio. Verificamos, tam­ bém, que o estrógeno – pelo menos em parte – age sobre o sistema nervoso cen­ tral em áreas cerebrais específicas rela­ cionadas ao controle do apetite ao sódio. Como os circuitos cerebrais envolvidos nessa resposta estão associados ao de­ senvolvimento de resposta hipertensiva, é fundamental considerar as implicações clínicas da hiperatividade desse circuito no desenvolvimento da hipertensão arte­ rial de fêmeas, particularmente em mu­ lheres, no período pós­menopausa.

Sal na história, arte e religião O poeta Homero referiu-se ao sal como “uma substância divina”. Platão reverenciou a importância do sal dizendo que ele é “particularmente caro aos deuses”. No Império Romano, a Via Salaria era a principal estrada que levava a Roma e por onde passavam os soldados com cargas desse produto. Para o senador romano Cassiodoro, o sal era mais importante que o ouro, porque “alguns precisam de ouro, mas todos precisam de sal”. Impedir o HLA-DQ2 de atacar os peptídeos de glúten e expô-los para as células T-helper. A palavra “sal” aparece mais de 50 vezes na Bíblia em versículos como “Vós sois o sal da terra”. (Mateus 5: 13). Bloquear a migração de células T-killer para o epitélio intestinal. “O sábio coloca uma pitada de açúcar em tudo o que diz ao próximo, e ouve com um grão de sal o que o outro diz.” (Provérbio tibetano) No filme Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen (2008), um dos personagens descreve da seguinte forma seu fracassado relacionamento amoroso: “O amor requer um equilíbrio perfeito. É como o corpo humano. Pode ter todas as vitaminas e minerais, mas se houver um pequeno e único ingrediente em falta, como o sal, por exemplo, a gente morre”. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

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Cuidado com o inimigo oculto

Produto (100 gramas)

Atualmente se discute uma possível conexão entre consumo excessivo de sal e distúrbios comportamentais. Essa rela­ ção já foi observada em ratos espontane­ amente hipertensos, que apresentaram significativa redução da produção de se­ rotonina – substância relacionada à sacie­ dade e ao prazer – em regiões cerebrais envolvidas com a regulação cardiovas­ cular, com o balanço corporal de sódio e água e com distúrbios comportamentais, como depressão e ansiedade. Distúrbios semelhantes foram registrados em grupos de americanos hipertensos que ingeriam altos teores de sal. Trabalhos realizados na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e na UFRRJ mostram uma clara relação entre a redução da produ­ ção cerebral de serotonina e consumo excessivo de sal em ratos. Alguns trabalhos demonstram ain­ da que diferentes condições durante a 54 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

% do valor energético diário

% máximo recomendado de sódio diário

vida intrauterina e neonatal podem in­ duzir a manifestação de hipertensão em adultos. Uma das condições seria o con­ sumo elevado de sal durante a gestação. Nosso grupo também mostrou que a inibição da produção do hormônio pep­ tídico angiotensina II em períodos pré e neonatal altera as respostas de ingestão de sal expressa em ratos adultos, e pos­ síveis relações deste padrão comporta­ mental com a “programação” de uma resposta hipertensiva no adulto devem ainda ser mais bem investigadas. Atualmente, os estudos sobre a ati­ vação do sistema nervoso central uti­ lizando a tomografia PÓSITRON Antipartícula do por emissão de pósi­ elétron, com mestrons (PET) identifica­ ma massa, spin ½ e carga elétrica +e. ram áreas sensíveis às É uma partícula mudanças na osmola­ que se forma em lidade (concentração decaimentos de núcleos radiativos. de substâncias capazes

de reter água) do plasma e envolvidas na sensação da sede e apetite por só­ dio em humanos. Assim, um importan­ te campo de pesquisa para trabalhos, no futuro, seria definir os mecanismos fisiológicos e moleculares que contri­ buem para regular os níveis de sódio no organismo, principalmente entender o funcionamento das complexas redes neurais que controlam a necessidade do mineral em animais e humanos. Es­ ses estudos poderão ajudar a compre­ ender melhor como o consumo de sal contribui para o agravamento da hiper­ tensão em humanos. Além da redução da pressão ar­ terial, alguns estudos demonstraram também que dietas com baixos teores de sal reduzem a mortalidade por aci­ dente vascular cerebral e contribuem para a regressão da hipertrofia cardí­ aca. Como os demais nutrientes, o sal deve constar da alimentação diária, mas é preciso estar atento à quantidade ingerida, particularmente nos produtos industrializados. n OS AUTORES André de Souza Mecawi, médico veterinário pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), investiga o papel dos hormônios ovarianos na manutenção dos fluidos corporais e pressão arterial. Luís Carlos Reis, professor-associado do Departamento de Ciências Fisiológicas, Instituto de Biologia da UFRRJ, há mais de 30 anos dedica-se ao ensino e pesquisa e ao estudo do controle cerebral da manutenção dos fluidos corporais. José Antunes Rodrigues, professor emérito do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, autor do livro Neuroendocrinologia básica e aplicada, é editor do Brazilian Journal of Medical and Biological Research. PARA CONHECER MAIS Biobehavior of the human love of salt. Micah Leshem em Neuroscience and Biobehaviors Reviews, vol. 33, págs. 1-17, 2009. Salt craving: The psychobiology of pathogenic sodium intake. Michael J. Morris et al. em Physiology and Behavior, vol. 94, págs. 709721, 2008. Central regulation of sodium appetite. Joel C. Geerling e Arthur D. Loewy em Experimental Physiology, vol. 93, págs. 177-209, 2008. Sodium intake and hypertension. Heikki Karppanen e Eero Mervaala, em Progress in Cardiovascular Diseases, vol. 49, págs. 59-75, 2006. Links between dietary salt intake, renal salt handling, blood pressure, and cardiovascular diseases. Pierre Meneton et al. em Physiology Review, vol. 85, págs. 679-715, 2005.


pRoFESS R

pARA o Matemática Física Biologia Geografia Química

RoTEIRoS ELABoRAdoS poR pRoFESSoRES ESpECIALISTAS CoM SugESTõES dE ATIvIdAdES pARA SALA dE AuLA

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pARA o pRoFESSoR MATEMáTICA

Quadrados mágicos do Islã propostas pedagógIcas coNteXtualIZaÇÃo

o

artigo de Jacques Sesiano faz parte de uma edição especial dedicada à etnomatemática. Por isso, acreditamos que ele possa ser adotado por professores que desejarem discutir o processo de legitimação do conhecimento matemático. É provável que muitos alunos sejam surpreendidos pela afirmação de que existiram (e ainda existem!) outras formas de “fazer matemática”. Além disso, pode ser discutido por que determinado tipo de matemática é escolhido por uma cultura, difundido pela academia e oficializado pelos referenciais curriculares. Sob esse prisma,

pode ser interessante discutir o porquê da prevalência de uma matemática europeia em detrimento de outras matemáticas praticadas por culturas africanas, asiáticas e centro-sul-americanas. Nessa mesma linha, o professor poderá discutir por que algumas práticas da cultura árabe acabaram incorporadas à cultura ocidental. Ao analisar o período da ocupação árabe na Península Ibérica (711-1492), são evidenciadas contribuições em diversas áreas: agricultura (sistemas de irrigação), militar (utilização de canhões), navegação (as-

trolábio e bússola), arquitetura (fontes, jardins de inverno, mosaicos e arcos), língua portuguesa (inúmeras palavras que utilizamos são de origem árabe). Para a matemática, a mais notória contribuição é o sistema simbólico que hoje chamamos de “algarismos arábicos”. Outra possibilidade é aproveitar algumas das características matemáticas associadas à construção de quadrados mágicos (QM): cálculo aritmético, cálculo mental, generalizações algébricas, simetrias e a interpretação de algoritmos de relativa complexidade.

proposta de atIvIdades Desenvolva

1

Divida a turma em pequenos grupos. Peça aos alunos que leiam o artigo, orientando-os a se familiarizar com o vocabulário, as nomenclaturas e os algoritmos propostos. Nesse momento, não se preocupe em ajudá-los a compreCOMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Matemática e suas Tecnologias n Competência de área 1 H2 – Identificar padrões numéricos ou princípios de contagem. H3 – Resolver situação-problema envolvendo conhecimentos numéricos. n Competência de área 5 H22 – Utilizar conhecimentos algébricos/ geométricos como recurso para a construção de argumentação. Ciências Humanas e suas Tecnologias n Competência de área 1 H3 – Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos.

56 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ender a “lógica de construção” desenvolvida pelos algoritmos: isso será uma das tarefas destinadas aos alunos.

2

Convide os alunos a observar a gravura de Dürer (site indicado no fim deste roteiro). Peça que cada grupo tome nota dos aspectos que lhe pareceram mais interessantes. Em seguida, organize um debate sobre as características mais observadas pelos alunos. Se necessário, reforce os comentários a respeito: das formas geométricas utilizadas, dos personagens retratados, de quem utilizava as ferramentas apresentadas, do título (Melancolia: que sentimento é esse?). Não se esqueça de falar sobre o QM retratado. Ele apresenta, entre outras particularidades, o ano de produção da gravura. Essa atividade pode contar com o apoio do professor de educação artística, que pode falar sobre a vasta produção de Dürer, bem como sobre técnicas de produção de gravuras.

3

Utilize questões propostas em vestibular que apresentam situações-problema com procedimentos matemáticos considerados “incorretos”. Ao discutir os “erros” apresentados, o caráter da produção e legitimação do conhecimento matemático poderá ser discutido. Sugerimos que sejam usadas a questão 9 do ENEM/2001 (prova amarela), que trata do cálculo do volume de toras de madeira pelos madeireiros; a questão 17 do Concurso Vestibular UFRGS/2004, que aborda o cálculo da área de um trapézio pelos babilônios. A discussão responderá à pergunta: “Quem disse que está errado?”. Essa atividade pode contar com o apoio dos professores de filosofia e de história.

4

Distribua tarefas entre os grupos. Cada um deles terá a missão de aprofundar temas tratados no artigo e apresentá-los aos colegas na forma de um seminário. Sugerimos algumas possíveis tarefas. Tarefa 1: Organização de um painel que


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discuta as contribuições árabes para a cultura ocidental. Acreditamos que os alunos devem ter a liberdade de escolher aquelas que julgarem mais interessantes, mesmo que não sejam assuntos relacionados à matemática. Assim, não se preocupe se algum grupo decidir falar sobre as simetrias encontradas em azulejos, pavimentos ou mosaicos, sobre os procedimentos geométricos necessários para desenhar um “arco mourisco” ou, até mesmo, sobre algum dos poemas das Mil e Uma Noites. Essa tarefa pode contar com a participação dos professores de história, geografia e educação artística. Tarefa 2: A organização de um painel sobre o trabalho desenvolvido pelo professor Júlio César de Melo e Sousa (18951974), mais conhecido como Malba Tahan, cuja obra foi fortemente influenciada pela cultura árabe. É provável que os alunos fiquem impressionados com a elegância das soluções propostas pelo calculista Beremiz Samir em O homem que calculava. Nesse sentido, eles poderão apresentar uma análise de algum dos problemas desse livro. Tarefa 3: Demonstração de proposições válidas para um QM de ordem n, que possui os números naturais de 1 até n. Proposição I: Esse QM possui n2 elementos. Proposição II: A soma de todos os elementos desse QM é n2 (n2 + 1) . 2 Proposição III: A “soma mágica” desse QM é n (n2 + 1) . 2

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Quadrado mágico com frações

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Quadrado mágico com números primos

Essa tarefa é uma boa oportunidade para a utilização das propriedades das progressões aritméticas. Tarefa 4: Construção de um QM de ordem 3, utilizando um algoritmo ou, até mesmo, “por tentativas”. O grupo também deve apresentar uma demonstração algébrica da unicidade desse quadrado. Nessa demonstração, poderá ser explorada a solução de um sistema linear indeterminado. As simetrias podem ser evidenciadas, mostrando que é possível reescrever esse QM de 8 formas diferentes. Essa tarefa é uma boa oportunidade para desenvolver argumentação de natureza algébrica e geométrica. Tarefa 5: A construção de um QM de ordem 6, utilizando o algoritmo de Al-Kharadi; a construção de um QM de ordem 8, utilizando o algoritmo das “trocas diagonais”. Tarefa 6: Construção de um QM de ordem 7, utilizando o algoritmo de Ibn Al-Haythan; construção de outro QM de ordem 7, utilizando o algoritmo do século 12; construção de outro QM de ordem 7, utilizando os métodos propostos pelo algoritmo de Abul Wafa Al-Buzjani.

3

3

Quadrado mágico com quadrados perfeitos

Nas tarefas que envolvam a construção de um QM, sugerimos que os alunos sejam orientados a diversificar suas apresentações, usando desde cartazes até os recursos computacionais disponíveis. O importante é que eles sejam claros em seus argumentos para ajudar os colegas a compreender os algoritmos propostos.

5

Como atividade complementar, podemos incentivar os alunos a encontrar outros QM5 e 6. Mostre a eles que há QM compostos apenas por números primos, por frações ou por quadrados perfeitos.

6

Apesar de não se tratar de QM, não podemos perder a oportunidade de fazer referência aos quadrados de números utilizados no Sudoku. Esse jogo, que parece ter sido inventado por Leonhard Euler (1707-1783), foi redescoberto no fim da década de 70. Apesar de ser conhecido em nosso país, é possível que algum aluno nunca tenha tentado resolvê-lo. Podemos encontrar vários Sudoku na internet: apresente-os aos grupos e incentive-os a resolvê-los.

sugestões de leItura http://professorubiratandambrosio.blogspot.com.br www.britishmuseum.org/explore/highlights/highlight_objects/pd/a/ albrecht_d%c3%bcrer,_melancholia.aspx www.ibeipr.com.br/noticias.php?id_noticia=899 www.malbatahan.com.br/ www.genealogy.com/users/d/e/f/Antonio-D-De-figueiredo/FILE/0011page.html Revista do Professor de Matemática (RPM), volumes 39 e 41. www.websudoku.com/?select=1&level=1

Roteiro elaborado por Marcos Milan, bacharel em ciência da computação (UFSM), mestre em ensino de matemática (UFRGS) e professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e do Anglo Pré-vestibulares de Porto Alegre, RS. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR FíSICA

telescópios gigantes do futuro propostas pedagógIcas coNteXtualIZaÇÃo

o

artigo trata da evolução da tecnologia para a construção de telescópios cujas dimensões vêm aumentando de forma acelerada. Praticamente toda essa tecnologia já existe. Quando mencionamos o tamanho de um telescópio, estamos nos referindo às dimensões do espelho primário de um telescópio refletor, por exemplo, sobre o qual a luz incide e é dirigida para um espelho secundário. Após a reflexão neste último, a luz é focalizada em um plano que permite observá-la a olho nu, tirar fotos e até decompô-la em um arco-íris para análise espectroscópica, conforme destaca o artigo. Assim, é possível perceber que os fenômenos relacionados à óptica geométrica estão presentes no desenvolvimento e construção dos telescópios. As leis da reflexão e da refração da luz (em lentes convergentes

e divergentes), tratadas no artigo, possibilitam um trabalho inicial com base no conhecimento prévio dos alunos, a fim de relacioná-lo a dois aspectos importantes de todo telescópio: resolução e sensibilidade. Dessa forma, notação científica, escalas de medida e suas conversões são conteúdos que ganham significado com as dimensões descritas no artigo, o que favorecequestionamentos que levam à compreensão da evolução da astronomia e dos telescópios e da exploração do Universo pelo homem.

proposta de atIvIdades

1

Construir lentes convergentes (bordos finos) e divergentes (bordos grossos) com gelatina a fim de visualizar as trajetórias dos raios de luz

compEtêncIAs E hAbILIDADEs sEgunDo A mAtrIz DE rEFErêncIA Do EnEm Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 1 H1 – Reconhecer características ou propriedades de fenômenos ondulatórios ou oscilatórios, relacionando-os a seus usos em diferentes contextos. H2 – Associar a solução de problemas de comunicação, transporte, saúde ou outro com o correspondente desenvolvimento científico e tecnológico. H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. n Competência de área 2 H6 – Relacionar informações para compreender manuais de instalação ou utilização de aparelhos, ou sistemas tecnológicos de uso comum. n Competência de área 6 H20 – Caracterizar causas ou efeitos dos

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movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes. Matemática e suas Tecnologias n Competência de área 3 H10 – Identificar relações entre grandezas e unidades de medida. H11 – Utilizar a noção de escalas na leitura de representação de situação do cotidiano. H12 – Resolver situação-problema que envolva medidas de grandezas. n Competência de área 4 H15 – Identificar a relação de dependência entre grandezas. H16 – Resolver situação-problema envolvendo a variação de grandezas, direta ou inversamente proporcionais. n Competência de área 6 H24 – Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas para fazer inferências. H25 – Resolver problema com dados apresentados em tabelas ou gráficos.

ao atravessá-las. Combine com os alunos a aquisição de gelatina incolor (à venda nos supermercados). Depois de preparadas, oriente-os a cortá-las de acordo com as figuras abaixo, de modo a tomar a forma de lentes convergentes e divergentes (ver quadro na próx. pág.). A placa de gelatina deve ter altura de no mínimo 2 cm. É conveniente que sejam confeccionados moldes para as lentes feitos com EVA (espuma vinílica acetinada). Oriente os alunos a observar a trajetória e o comportamento dos raios de luz emitidos por uma caneta laser ao atravessarem a gelatina. Com esses procedimentos, será possível apresentar aos alunos os princípios físicos envolvidos em uma luneta constituída por uma lente objetiva (convergente) e uma lente ocular (divergente).

2

Envolva toda a classe, dividida em grupos, na construção de um telescópio, que pode se converter em um


netas de baixo custo (ver indicações de sites abaixo).

3

Com os dados apresentados no artigo, é possível estabelecer relações matemáticas sobre a resolução e a sensibilidade dos telescópios, o que permite explorar assuntos como notação científica, razões e proporções. É possível, também, valendo-se das imagens do artigo, construir maquetes em escala das cúpulas e espelhos. Tudo isso pode se converter em material para uma feira de ciências na escola.

4

Outra atividade que irá deixar os seus alunos muito empolgados é observar o universo pelos telescópios on-line indicados no final deste roteiro, entre os quais se destaca o projeto Telescópios na Escola, coordenado pelo Departamento de Astronomia do IAG-USP.

5 bordos finos

Organize com os alunos uma linha do tempo feita com cartazes ou na forma de apresentação de slides sobre os telescópios mencionados no artigo. Peça que destaquem as principais caraterísticas desses instrumentos apontadas no texto.

bordos grossos

6

Elabore um seminário que terá como tema as questões (e respostas dos alunos) levantadas pelo autor no último parágrafo do artigo. Para essa atividade sugere-se que os alunos busquem informações sobre a evolução da astronomia e dos telescópios e sobre a exploração do universo pelo homem. sugestões de sItes e lIvros biconvexa

planoconvexa

côncavaconvexa

o nome da lente termina com a palavra convexa.

projeto amplo e interdisciplinar, de que participem professores de outras áreas. As lentes e os espelhos tiveram social e histórico importante papel, e

bicôncava

planocôncava

convexacôncava

o nome da lente termina com a palavra côncava.

o momento pode ser propício para encomendar pesquisas dessa natureza. Na internet existem vários sites que ensinam a construir telescópios e lu-

http://www.observatorio.ufmg.br/ pas66.htm telescópios http://www.iag.usp.br/astronomia/ telescopios-na-escola http://www.tecmundo.com.br/ astronomia/23170-4-telescopios-online-para-ver-o-universo-de-perto.htm http://www.telescope.org/ http://mo-www.harvard.edu/cgi-bin/ oWN/own.pl

Roteiro sugerido por Marcelo Vettori, professor do Centro Universitário Univates e da PUC-RS.

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pARA o pRoFESSoR BIoLogIA

o primeiro de nossa espécie propostas pedagógIcas coNteXtualIZaÇÃo

N

os estudos sobre evolução biológica, a história do homem certamente é um dos mais interessantes capítulos. E também um dos mais intrigantes. O texto de Kate Wong, editora-sênior da Scientific AmericAn, alimenta de forma bem detalhada a discussão sobre a nossa existência: de onde viemos é a questão chave

da pesquisa dos cientistas ouvidos por Kate. As divergências e os calorosos debates expõem o lado humano da pesquisa, repleto de valores, interesses, vaidades... Compreender a forma como nasce a biodiversidade, no processo chamado especiação, é um passo importante na compreensão do nosso passado. Boa viagem!

proposta de atIvIdades Reúna a turma em torno da questão: de onde viemos? Lembre-os de que estão diante de uma pergunta que ronda a humanidade desde sua origem e peça que se concentrem nas questões da biologia, da evolução. As questões existenciais ligadas às crenças, importantíssimas, devem ser discutidas em outro espaço e em outro momento. A proposta é exercitar o pensamento científico. Anote no quadro as palavras e ideias que surgirem: mesmo soltas e muitas vezes sem grandes explicações, elas auxiliarão o professor a mapear o que a turma já sabe sobre o assunto (conhecimentos prévios, trazidos de outras fontes, não exclusivamente a escola) e definir os tópicos que merecem mais atenção. Peça aos alunos que copiem no caderno as palavras escritas no quadro.

Apresente o artigo desta edição para a turma. Antes de entregar as cópias aos alunos, oriente a leitura: devem fazer anotações de rodapé, registrar as dúvidas, grifar as partes mais importantes e analisar as imagens e gráficos com atenção. Textos de divulgação científica têm uma dinâmica diferente daquela dos textos de livros didáticos, de artigos científicos ou de literatura (incluindo a ficção). É um material precioso para o uso em sala de aula. Estabeleça uma discussão em torno do texto, ouça a opinião dos estudantes sobre o assunto. Agora, resgate com eles as palavras do quadro. Solicite que procurem conectá-las em uma rede/mapa conceitual, quase um esquema em que as palavras são reorganizadas espacialmente em uma folha de papel e ligadas por linhas e flechas, com legendas, formando um esquema. Cada

aluno fará um esquema diferente, único e personalizado. Não há um mapa correto, mas sim diferentes interpretações das relações entre as palavras. Esse mapa é de grande utilidade no momento de estudo: organiza ideias e conceitos e sintetiza tópicos. O momento seguinte é de estudo do processo de surgimento de espécies, chamado pelos evolucionistas de especiação. Compreender como as espécies aparecem – e desaparecem! – é essencial para entender como os registros fósseis descritos no texto compõem o quebra cabeças (que cada pesquisador monta à sua maneira). Mas o que é espécie? Atrás da aparente simplicidade da pergunta se esconde uma discussão entre pesquisadores de diferentes áreas: pode ser um grupo de organismos que se assemelham morfo-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloa- nos ou processos biológicos em qualquer nível de organização dos sistemas biológicos. ds/2012/matriz_referencia_enem.pdf Ciências da Natureza e suas Tecnologias H16 – Compreender o papel da evolução na produção de padrões, n Competência de área 1 processos biológicos ou na organização taxonômica dos seres vivos. H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações basean Competência de área 5 das no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas n Competência de área 4 de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas H13 – Reconhecer mecanismos de transmissão da vida, prevendo ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações ou explicando a manifestação de características dos seres vivos. matemáticas ou linguagem simbólica. H14 – Identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos or- n Competência de área 8 ganismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações H28 – Associar características adaptativas dos organismos com com o ambiente, sexualidade, entre outros. seu modo de vida ou com seus limites de distribuição em diferentes H15 – Interpretar modelos e experimentos para explicar fenôme60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ambientes, em especial em ambientes brasileiros.


tegrarem essas mutações (e suas vantagens e desvantagens) aos seus patrimônios genéticos, podem vir a estabelecer um isolamento reprodutivo. Pense com a turma o que ocorreria se, por exemplo, um obstáculo geográfico passasse a separar dois ou mais grupos, impedindo-os de se reproduzir entre si: o surgimento de um deserto, o desvio no curso de um rio, o aumento no nível do mar ou algo parecido cria grupos isolados geograficamente que – em milhares de gerações – passam por mutações diferentes, pressões seletivas diferentes e não se cruzam mais, estão isoladas reprodutivamente. Têm-se novas espécies.

logicamente entre si e diferem de outros (conceito fenotípico de espécie), pode ser o menor conjunto de organismos que compartilham um ancestral e se distinguem de outros grupos de organismos (conceito filogenético). De forma mais abrangente, o conceito biológico define espécie como grupos de indivíduos que realmente ou potencialmente se reproduzem de forma natural. Ou seja, se um indivíduo pode se reproduzir com outro, gerando descendentes também férteis, eles são da mesma espécie. É a reprodução – ou o potencial reprodutivo – que distingue uma espécie de outra. Mas e entre os seres com reprodução assexuada, como as bactérias? E entre os organismos híbridos férteis, originários de duas espécies diferentes? A dificuldade de definir espécie (afinal, um conceito inventado pelo homem não poderia ser de fácil con-

clusão) não nos impede, no entanto, de estudar seus processos de origem. Os cientistas evolucionistas descrevem algumas possibilidades para o surgimento – sempre de um ancestral – de novas espécies. Na chamada via ecológica, subgrupos de uma população são expostos a diferentes fatores ambientais (pressões seletivas) que beneficiarão (por meio da seleção natural) as variações mais vantajosas em cada condição. O acúmulo dessas variações, no decorrer de muitas gerações, cria espécies que não se reconhecem mais do ponto de vista reprodutivo. Há ainda a via mutacional em que mutações aleatórias aparecem em subgrupos populacionais sob as mesmas condições ambientais, são acumuladas e repassadas às novas gerações. Ao in-

Complemente, se julgar necessário, o estudo sobre especiação com uma pesquisa na internet. Solicite aos alunos que busquem exemplos de processos de especiação descritos por pesquisadores, oriente-os a procurar em sites de universidades, blogs de evolucionistas e até mesmo a escrever mensagens aos pesquisadores. (Os alunos descobrirão que, mesmo renomados cientistas frequentam as redes sociais, têm blogs e respondem às mensagens!) Como forma de avaliar o entendimento dos alunos sobre o assunto, peça que refaçam – desta vez em grupos – o mapa conceitual acrescentando os novos conceitos, reformando conexões e refinando definições. sugestões de sItes Entendendo a Evolução. Instituto de Biociências da USP IB-USP http://www.ib.usp.br/evosite/evohome.html blog Evolucionismo http://evolucionismo.org/ blog Evolução e Desenvolvimento http://evodevobr.wordpress.com/ Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos - Ib-usp http://www.ib.usp.br/leeh/leeh.htm

Atividade proposta por Luiz Caldeira Brant de Tolentino-Neto, biólogo e professor do Departamento de Metodologia do Ensino no Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

61


pARA o pRoFESSoR gEogRAFIA

A realidade dos biocombustíveis propostas pedagógIcas coNteXtualIZaÇÃo

A

geração energética situa-se entre os principais desafios para as sociedades contemporâneas. Nos últimos anos, tem sido grande o esforço de países e organizações de cooperação regional para reduzir a dependência em relação aos combustíveis fósseis e ampliar a oferta de energia a partir de fontes limpas e renováveis. Nesse quadro, o artigo de Allan Kardec Duailibe traz novos elementos ao debate atual sobre a matriz energética nacional, destacando a consolidação da produção em larga escala do etanol de cana e as inovações tecnológicas que permitem alargar o aproveitamento integral da planta. Isso inclui o aumento da produtividade agrícola, a geração de eletricidade a partir da biomassa e a elaboração de bioprodutos. Nos debates em sala de aula, os estudantes poderão comparar a composição da matriz energética brasileira com a mundial, o que mostra a posição privilegiada do país quanto à participação de energias renováveis – entre elas, os biocombustíveis. De outro lado, trata-se de uma oportunidade para que reflitam sobre os efeitos das novas descobertas de petróleo e gás natural do pré-sal, que estabelece em definitivo a autossuficiência energética do país, mas apresenta o risco de acentuar o peso dos recursos de origem fóssil e “carbonificar” a matriz energética nacional.

As turmas deverão também avaliar criticamente a hegemonia dos veículos automotores na matriz de transporte nacional, dada a crescente demanda de energia para alimentá-losaliada aos efeitos que eles produzem nas estruturas urbanas, nos modos de deslocamento e mobilidade e no transporte de passageiros cargas.

proposta de atIvIdades

1

Inicie as atividades lançando questões para os estudantes sobre o que já sabem sobre a oferta e consumo de energia, suas principais fontes e as perspectivas para um futuro próximo. Ouça as opiniões de todos e, se necessário, retome ou esclareça os conceitos de matriz energética, fontes de energia, tanto as primárias (sol, água, vento, petróleo bruto, carvão etc.) e secundárias (gasolina e outros derivados de petróleo, eletricidade etc.) como as ditas renováveis (biomassa da cana, hídrica, lenha e carvão vegetal e outras) e as não renováveis (petróleo, gás natural, carvão mineral, urânio). Em seguida, proponha que a turma leia o artigo e faça destaques nos principais pontos relativos à expansão dos bicombustíveis no país – em especial, do etanol de cana.

2

Proponha à turma que examine os dados contidos nos gráficos e tabe-

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM n Competência de área 2 H6 – Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos. n Competência de área 4 H19 – Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano. n Competência de área 6 H29 – Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. 62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

las a seguir, organizados segundo dados recentes da Agência Internacional de Energia e do Balanço Energético Nacional produzido pela EPE.

3

Observando os dados, os estudantes poderão perceber a forte presença dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. Para esse debate, considere que, apesar do crescimento da demanda mundial por energia e correspondente crescimento da participação de todas as fontes, ainda são pequenos os percentuais de renováveis como a hídrica e os biocombustíveis. A comparação entre as matrizes energéticas do Brasil, do mundo e de países da OCDE confirma esse dado: embora com pequena redução entre 2010 e 2011, a participação de renováveis na matriz brasileira se manteve entre as mais elevadas do mundo. A retração pode ser explicada por extremos climáticos que afetaram a safra de cana e por efeitos da crise econômica mundial, queda de investimentos no setor e elevação nos preços do açúcar no mercado internacional. Apesar dos esforços de países como Alemanha, Espanha e Estados Unidos para ampliar opções renováveis, o bloco da OCDE ainda apresenta baixos percentuais nesse campo. Portanto, o


oferta de energia primária no mundo 2007

2010

Brasil confirma sua posição de contar com matriz energética diversificada, com forte presença de fontes renováveis, com destaque para o etanol e a energia hidráulica. Peça à turma que elabore quadros-síntese com os resultados.

5

Com base nos dados, os estudantes poderão refletir sobre esse novo quadro e debatê-lo, considerando os impactos ambientais da expansão do uso de combustíveis fósseis e suas repercussões sobre os biocombustíveis. É importante também que a turma considere a evolução recente das demais fontes de energia, incluindo as limpas e renováveis, como eólica e solar. Da mesma forma, dados sobre a expansão dos cultivos de cana em diferentes regiões e os preços do etanol no mercado nacional. Com base nos debates e reflexões, encomende dissertações individuais sobre os rumos e perspectivas da questão energética no Brasil e sobre a participação do país no mercado mundial de energia.

participação de renováveis na matriz energética Brasil (2011) Brasil (2010) Mundo (2009) OCDE (2009) renováveis

não renováveis em *Mtep

FontE

renováveis Energia hidráulica e eletricidade

2011

2010

120,1

121,2

39,9

37,7

Biomassa de cana

42,8

47,1

Biomassa tradicional

26,3

26,0

11,1

10,4

não renováveis

Outros renováveis

152,2

147,6

Petróleo

105,2

101,7

Gás natural

27,6

27,5

Carvão mineral

15,2

14,5

4,1

3,9

Urânio (U3O4)

(*) Mtep – Milhões de toneladas equivalentes de petróleo. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2012: Ano-Base 2011. Rio de Janeiro: EPE, 2012, p. 15, 19.

Proponha à turma que pesquise e levante novos dados a respeito da produção de petróleo e derivados no Brasil, em especial diante do potencial das novas reservas do pré-sal. Estimativas publicadas pela Petrobrás indicam, face à descoberta de novos campos de exploração nas bacias de Santos e de Campos, que até 2017 o país poderá alcançar a marca de 1 milhão de barris/ dia, contra os 300 mil produzidos hoje.

brasil: oferta interna de energia

4

Fonte: Agência Internacional de Energia. Key World Energy Statistics 2012.

ERIKA ONODERA

sugestões de leItura empresa de pesquisa energética. Balanço Energético Nacional 2012 (Ano-base 2011). https://ben.epe.gov.br/downloads/Resultados_Pre_BEN_2012.pdf (ver Resultados preliminares e Relatório final). Internacional energy agency (Agência Internacional de Energia). Key World Energy Statistics 2012. http://www.iea.org/publications/freepublications/publication/kwes.pdf (em inglês). Ministério das Minas e energia. Petróleo, gás e combustíveis renováveis. http://www.mme.gov.br/spg/ petrobrás. pré-sal. http://www.petrobras.com.br/minisite/presal/pt/uma-nova-fronteira/ uNIca. união da Indústria de cana-de-açúcar. http://www.unicadata.com.br/ Energia alternativa: solar, eólica, hidrelétrica e de biocombustíveis. Marek Walisiewicz. Publifolha, 2008. Roteiro elaborado por Roberto Giansanti, geógrafo, autor de livros didáticos para Ensino Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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pARA o pRoFESSoR QuíMICA

A versatilidade do sal propostas pedagógIcas coNteXtualIZaÇÃo

o

artigo de André de Souza Mecawi, Luís Carlos Reis e José Antunes Rodrigues permite uma importante reflexão sobre o uso de uma das substâncias mais comuns em nosso dia a dia: o cloreto de sódio. Como a saúde tem sido alvo de crescente preocupação de todos e o sal é muito consumido de modo direto e indireto, o artigo permite também uma abordagem interdisciplinar que envolverá todos os alunos.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM Matemática e suas Tecnologias n Competência de área 6 H24- Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas para fazer inferências. H26- Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos. Ciências da Natureza e suas Tecnologias n Competência de área 4 H14 – Identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos organismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações com o ambiente, sexualidade, entre outros. H15 – Interpretar modelos e experimentos para explicar fenômenos ou processos biológicos em qualquer nível de organização dos sistemas biológicos n Competência de área 5 H17 – Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. H18 – Relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam.

64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

O sal é um componente essencial em nossa vida e apresenta mais de 14 mil usos conhecidos, muitos dos quais derivam das propriedades químicas e físicas do sódio e do cloro e do papel destes na nutrição humana. Do ponto de vista do estudo da química, com base no artigo é possível abordar o conceito de osmose estabelecendo uma relação entre o comportamento dos sistemas em diferentes concentrações com os

significativos impactos na saúde humana. É possível ainda apresentar os modos de obtenção do sal, fazendo que os alunos percebam que é também um mineral e tem, por isso, importância econômica.

proposta de atIvIdades O texto permite uma abordagem interdisciplinar muito interessante e, por isso, convém realizar a leitura do texto na presença do professor de biologia, caso isso seja possível. Isso permitirá relacionar as propriedades do sal com o possível impacto que o uso acarreta no funcionamento de vasos, cérebro, coração e rins. Depois da leitura, peça aos alunos que destaquem os pontos que consideraram mais significativos e comentem casos de portadores de hipertensão e de pessoas que gostam de comer muito sal é uma forma de aproximar o assunto do cotidiano da turma. Eles perceberão que hipertensão é um problema que atinge a todos, independentemente de idade, sexo, cor ou condição social. Após a discussão, construa junto com os alunos um esquema indicativo da ação dos hormônios em função da concentração de íons sódio, a fim de que eles percebam a importância de tais substâncias no controle das funções do corpo humano. Peça que analisem o esquema apresentado no artigo relativo aos ciclos do sal e da água, procurando explicar as relações entre volume de água e conteúdo de Na. Em seguida, explique à classe que o cloreto de sódio na forma mineral é cha-

mado halita e sua extração é uma atividade de grande importância econômica e ele é considerado uma commodity (bem de consumo) nos mercados financeiros. O sal é encontrado na natureza na forma de solução (oceanos, lagos, aquíferos subterrâneos e fontes de salmoura natural) ou em estado sólido (depósitos a céu aberto ou subterrâneos), mas as maiores reservas de sal do mundo estão nos oceanos. No Brasil, as principais reservas de depósitos sólidos se localizam na bacia amazônica, Sergipe/Alagoas, Recôncavo e Espírito Santo; já no mar – nossa principal fonte - temos depósitos desde a bacia de Santos até a bacia de Sergipe/Alagoas. Ressalte que não é apenas o cloreto de sódio que pode ser encontrado e extraído da água dos mares e oceanos. Apresente a tabela abaixo para os alunos conhecerem a composição iônica da água do mar (ver quadro na pág. seguinte). Por causa dessa composição, o mar é fonte de outras substâncias como o magnésio. Como é feita a extração do sal da água do mar? Alta incidência de energia solar, vento constante, pouca chuva e uma grande área


principais componentes da água do mar componentes Químicos

conteúdo (ppm)

Cálcio (Ca)

0,419

Magnésio (Mg)

1,304

Sódio (Na)

10710

Potássio (K)

0,390

Bicarbonato (HCO3-)

0,146

Sulfato (SO4 )

2690

Cloro (Cl)

19350

Bromo (Br)

0,070

2-

Fonte: US Geological Survey.

de terra. A água do mar é bombeada para reservatório primários, bacias rasas onde a água fica para evaporar lentamente. Como resultado, forma-se uma salmoura concentrada que é encaminhada para reservatórios secundários onde a evaporação continua. Na última etapa, no reservatório final, ocorre a cristalização do sal. Daí, o sal é encaminhado para a indústria, onde é limpo, tratado e, então, destinado às mais diversas aplicações. No Brasil, o sal usado na indústria de alimentação, antes de chegar ao consumo, recebe a adição de iodo na forma de iodeto, procedimento imposto a partir da década de 50, como parte de um programa de fortificação dos alimentos destinado prevenção de doenças. Atualmente, tal adição faz parte das estratégias da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. Normas e documentos de referência – sal para consumo humano Resolução RDC 130, de 26/05/2003 – Teor de iodo no sal para consumo humano; Decreto 75.697, de 6 de maio de 1975 – Padrões de qualidade para o sal destinado ao consumo humano; NBR 10.888:1989 – Cloreto de Sódio – Sal para Alimentação Humana (Norma da Associação Brasileira de Normas técnicas – ABNT); Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, do

Ministério da Justiça (Código de Proteção e Defesa do Consumidor).

Parte experimental O experimento indicado a seguir permite que o aluno perceba como a concentração de sal de uma solução interfere no trânsito de solvente entre dois meios, ou seja, na osmose. Nele, esferas mudam de tamanho apenas por terem sido colocadas em água e depois em solução salina. Material necessário “Crystal ice” (esferas que aumentam de tamanho em contato com a água), copo, sal, água. Procedimento Coloque uma esfera de “Crystal ice” dentro de um copo com água e aguarde de 2 a 4 horas. Esse é o tempo necessário para que as esferas cresçam e fiquem redondas. Prepare uma solução saturada de água com sal (retome com os alunos o conceito de solução saturada) utilizando, aproximadamente, 36 g/100 mL de água. Coloque nessa solução outra esfera de “crystal ice” e aguarde durante 3 horas. Retire a esfera que estava na solução e coloque-a ao lado da que foi posta em água. Resultados esperados A esfera mergulhada na água cresce muito mais que a da solução saturada de sal, por causa do fenômeno da osmose. Explique aos alunos o que é osmose e peça que expliquem os resultados ex-

perimentais com base no conteúdo que acabaram de aprender. Quando colocamos a esfera em água, ela se torna o meio mais concentrado (possui íon em seu interior) e isso faz que a água penetre através da membrana semipermeáveal da esfera, provocando seu crescimento. Quando colocamos a esfera na solução saturada de sal, o processo que ocorre é o mesmo. Entretanto, como a concentração de sal é quase tão grande quanto a da esfera, a água penetra menos e o aumento de tamanho da esfera é menor. Relação com o artigo Depois da discussão dos resultados com os alunos, peça que estabeleçam inferências em relação ao possível efeito do sal nas células do corpo humano e também ao uso na conservação dos alimentos, sempre relacionando com a osmose. Outras possibilidades de ação pedagógica Proponha a formação de grupos, de modo que cada um faça um trabalho sobre um trecho do artigo, com o objetivo de expô-lo ao restante da escola. Os grupos podem falar sobre a produção de sal, os usos e os efeitos dessa substância no organismo, e compor os trabalhos em diferentes formatos (maquete, vídeo, animações, cartazes, folder informativo para a comunidade etc.), o que pode se converter em uma apresentação bastante empolgante para a garotada.

sugestões de sIte centro de tecnologia Mineral do Ministério da ciência e tecnologia – Halita – http://www.cetem.gov.br/publicacao/CTs/CT2008-177-00.pdf Inmetro – sal para consumo humano – http://www.inmetro.gov.br/consumidor/ produtos/sal2.asp sugestões de vídeo como tudo funciona – sal – http://www.youtube.com/watch?v=pQAdYA4ABa0 carne seca – http://www.youtube.com/watch?v=QnUNHRs9JxY documentário vidas de sal – http://www.youtube.com/watch?v=g7z68Dj0yFM

Roteiro sugerido por Fábio Aviles Gouvea, coordenador geral e professor de química dos colégios Guilherme de Almeida e Anglo – Guarulhos, de São Paulo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

65


LIVROS Biblioteca Scientific American. GENIALIDADE

O pai da corrente alternada

O universo e seus mistérios.

e o leitor conhece a saga do físico, engenheiro, matemático, filósofo e gênio Nikola Tesla (1856-1943), mas gostaria de conhecer sua vida mais profundamente e acredita que uma autobiografia poderia ser uma maneira de fazer essa exploração, talvez seja o caso de desistir. Não porque essa obra, publicada pela Editora da Unesp, quase 120 páginas, não tenha qualidade. Mas porque a trajetória do biografado, em suas próprias palavras, é intrincada o bastante para não permitir uma visão mais definitiva da vida que viveu. “O inventor da idade moderna” é o clichê consagrado quando se fala de Tesla. Literalmente “espalhou a luz sobre a face da Terra”, como também quase sempre se lê. Mas os desencontros começam cedo na vida dele. Nasceu em 10 de julho de 1856 em Smilijan, então parte do Império Austríaco, que agora integra a Croácia. Foi austríaco até 1891, quando assumiu a cidadania americana. Tesla, com a postura enigmática e algo desafiadora que caracterizou sua figura, foi o autor de boa parte dos trabalhos revolucionários na área de eletricidade/eletromagnetismo entre fins do século 19 e o passado. Tanto as patentes que desenvolveu quanto a estrutura teórica que legou formam a base dos sistemas que movem o mundo com uso de corrente alternada (cujo fluxo varia no tempo, ao contrário da corrente contínua). Em síntese, Tesla foi uma figura intimamente associada ao que se batizou de Segunda Revolução Industrial. Uma demonstração de transmissão sem fios, em 1891, que caracteriza o rádio, entre outros feitos, fez dele um dos pesquisadores mais respeitados já no período em que viveu nos Estados Unidos, onde fora trabalhar com outro construtor da modernidade do mundo, o pai da lâmpada incandescente e de inúmeros outros desenvolvimentos do cotidiano atual: Thomas Alva Edison, parceria que não

66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULA ABERTA

durou muito. Edison era defensor do sistema de corrente contínua para transmissão de energia. Quem ganhou com essa disputa foi George Westinghouse, que comprou a patente de um motor de corrente alterAo falar de si mesmo Tesla diz que nada de Tesla e o transformou na base do sistema que ainda hoje responde pelo “na tentativa de dar um relato articuabastecimento de energia em todo o mun- lado e fiel das minhas atividades devo do. À época da ruptura com Edison, Tesla deter-me, ainda que com relutância, nas havia recebido a encomenda de projetar impressões de minha juventude e nas ciros geradores de corrente alternada nas ca- cunstâncias e acontecimentos fundamentaratas do Niágara. Assombrou a cidade tais na determinação de minha carreira”. de Nova York ao produzir um sismo que Diz então que “nossos primeiros esforafetou vários quilômetros no entorno de ços são induções puramente instintivas seu laboratório, além de desenvolver um de uma imaginação vívida e indisciplisistema que anteciparia comunicações nada”. Mas, à medida que ficamos mais sem fio, as máquinas de fax que antecede- velhos, acrescenta, “firma-se a razão e ram a internet, o radar, mísseis e aerona- nos tornamos mais sistemáticos e articulados. Mas esses primeiros impulsos, ves guiadas por rádio, entre outros. Cada uma dessas criações se ma- embora não sejam imediatamente pronifestava num ambiente em que Tesla dutivos, são do maior momento e podem descreve: “Falando por mim mesmo, já moldar nossos próprios destinos”. Revetive mais do que poderia esperar desse la então que “hoje sinto que, se tivesse requintado prazer”. Tanto que, acres- entendido e cultivado em vez de suprimicenta, “minha vida esteve muito perto -los, teria acrescentado um valor subsde ser um contínuo êxtase. Tenho fama tancial ao meu legado ao mundo. Mas de ser um trabalhador dos mais duros só me dei conta de que era um inventor e talvez seja mesmo, se pensar que isso quando alcancei a maturidade”. Tesla faz referências a cenas do seu equivale a trabalhar, pois dediquei ao A coleção Biblioteca Scientiic American reúne, em cinco volumes, pensamento quase todas as minhas ho- cotidiano, como um cavalo que fora presenteado um amigo querido ras de vigília”. temas da atualidade cientíica. os principais Ospor melhores Uma lista de desenvolvimentos com- e era “um animal magnífico, de raça artigos escritos por especialistas, agora em suas mãos. Lançamentos prova que ele não exagera. Tesla é co- árabe, dono de uma inteligência quase humana”. O cavalo levava o pai dele, nhecido pela bobina Tesla, turbina de bancas! bimestrais, ediçãodede julho já nas Tesla, teleforça, oscilador de Tesla, Prin- Milutin Tesla, quando se assustou com cípio de Tesla, Ovo de Colombo de Tes- lobos e derrubou o cavaleiro. O animal, la, corrente alternada, motor de indução, sangrando, retornou à casa dos Tesla e, campo magnético rotativo, transmissão acompanhado de um grupo de busca, sem fios, canhão de feixe de partículas, voltou a galope onde Milutin se enconraio da morte, ondas estacionárias terres- trava. O mesmo animal, conta Tesla, tres, enrolamento bifilar, telegeodinâmica, levou à morte um irmão que, segundo eletrogravítica e canhão de Tesla. Teve em ele, era ainda mais talentoso. A autobiografia de Nikola Tesla é um Ernest Mach, físico e filósofo austríaco, talvez seu único mentor. Mach, cujas obras desses livros que podem ser lidos numa influenciaram o século, rejeitou, no entan- única noite. Mas não se pode dizer que, to, os conceitos de átomo e moléculas que depois dessa experiência, um leitor tenha formam a base da ciência contemporânea. uma noite tranquila de sono. – (U.C.)

DIVULGAÇÃO (capa do livro)

S

MINHAS INVENÇÕES – A AUTOBIOGRAFIA DE NIKOLA TESLA Nikola Tesla. Editora Unesp, 116 págs. 2012. R$ 20,00


Depressão, tristeza, luto e melancolia Um olhar psicanalítico A química da depressão Estilo de vida e prevenção Novos tratamentos, riscos e benefícios As depressões Diagnósticos, acompanhamentos e perspectivas

Para inscrições e mais informações, acesse: www.seminariomentecerebro.com.br Realização

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