Aula Aberta 6 O prazer de ensinar ciências
ANO I - NO 6 - 2011 - R$ 6,90
FÍSICA
MISTÉRIOS DO TEMPO A realidade de passado e presente que vivemos pode ser apenas uma ilusão
MATEMÁTICA
É possível haver mais de um infinito? Qual o papel desse conceito? QUÍMICA
Riscos e benefícios do armazenamento de CO2 no subsolo
BIOLOGIA
O que acontece em nosso cérebro durante o sono
www.sciam.com.br
Brasil
Aula Aberta 6 COMITÊ EXECUTIVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira (Diretor de marketing), Cidinha Cabral (Diretora comercial) e Ana Carolina Trannin (Diretora de operações) DIRETORA DE REDAÇÃO Ana Claudia Ferrari Especial Aula Aberta 6 EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Luciana Tezoni COLABORADOR EDITORA MODERNA: Carlos Zanchetta redacaosciam@duettoeditorial.com.br EDITOR-CHEFE: Ulisses Capozzoli EDITORA DE ARTE: Simone Oliveira Vieira ASSISTENTES DE ARTE: João Marcelo Simões e Ana Salles PESQUISA ICONOGRÁFICA: Gabriela Farcetta e Lorena Travassos (assistente) ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Elena Regina Pucinelli SUPERVISORA DE REVISÃO: Edna Adorno COLABORADORES: Luiz Roberto Malta, Maria Stella Valli e Saulo Krieger (revisão) PUBLICIDADE publicidade@duettoeditorial.com.br DIRETORA DE MERCADO PUBLICITÁRIO: Sandra Garcia COORDENADOR DE PUBLICIDADE: Robson de Souza REPRESENTANTES COMERCIAIS ALAGOAS/BAHIA/ PERNAMBUCO/SERGIPE: Pedro Amarante – (79) 3246-4139/ 9978-8962 BRASÍLIA: Sônia Brandão – (61) 3321-4304 ESPÍRITO SANTO: Dídimo Effgen – (27) 3229-1986/ 3062-1953/ 8846-4493/ 9715-7586 RIO DE JANEIRO: Carla Torres – (21) 22240095 PROJETOS ESPECIAIS FARMACÊUTICO EXECUTIVO DE CONTAS: Walter Pinheiro MARKETING GERENTE DE MARKETING: Guilherme Gabriel MARKETING EVENTOS: Cássia Peres COORDENADORA DE MARKETING LEITOR: Camilla Milanello ASSISTENTE DE MARKETING PUBLICITÁRIO: Rodrigo Sampaio OPERAÇÕES GERENTE FINANCEIRA: Arianne Castilha SUPERVISORA DE PLANEJAMENTO: Dilene Cestarolli CIRCULAÇÃO Circulação Avulsa GERENTE: Ana Paula Gonçalves PRODUÇÃO GRÁFICA: Wagner Pinheiro ASSISTENTE DE PCP: Paula Medeiros VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli Assinaturas Coordenadores VENDAS PESSOAIS: Antonio Carlos de Abreu VENDAS TELEMARKETING: Viviane Tocegui NÚCLEO MULTIMÍDIA DIRETORA: Mariana Monné REDATORA DO SITE: Fernanda Figueiredo WEB DESIGNER: Rafael Gushiken COORDENADORA DE VENDAS WEB: Michele Lima ASSISTENTE ADMINISTRATIVA: Sabrina de Macedo SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina MANAGING EDITOR: RICKI L. RUSTING CHIEF NEWS EDITOR: PHILIP M. YAM SENIOR WRITER: Gary Stix EDITORS: Davide Castelvecchi, Mark Fischetti, Steve Mirsky, -Michael Moyer, George Musser, Christine Soares, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley VICE PRESIDENT, OPERATIONS AND ADMINISTRATION: Frances Newburg PRESIDENT: Steven Inchcoombe Scientific American Brasil é uma publicação da Ediouro Duetto Editorial Ltda., -sob licença de Scientific American, Inc.
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EDITORIAL
O
s números impressionam: a cada ano, as atividades humanas lançam cerca de 30 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, 12 das quais provêm da queima do carvão. O resultado é sabido: aumento do efeito estufa, um fenômeno importante para a manutenção da vida no planeta, pois sem ele o calor se perderia no espaço e as temperaturas aqui seriam insuportavelmente baixas, mas que em excesso, como acontece em nossos tempos, é prejudicial. O que fazer? A primeira proposta é reduzir a emissão do dióxido de carbono, mas isso tem um custo elevado, significa diminuir o consumo, a produção, os negócios. Uma ideia que à primeira vista parece mirabolante é o sequestro de carbono, um dos temas examinados nesta edição, que consiste em injetar o gás produzido nas indústrias em camadas profundas do subsolo, criando reservatórios capazes de absorver toda a emissão na Terra por mais de 100 anos. Há riscos? Aparentemente, não, como o artigo deixa entrever. O máximo que poderia ocorrer seria o desprendimento do CO2, ou de outros gases formados na estocagem, por alguma fissura geológica, algo semelhante ao que ocorria nos oráculos gregos, onde os gases emergiam do solo e inebriavam as pitonisas, mas logo eram absorvidos pela atmosfera, sem maiores consequências que a de influenciar as decisões dos cidadãos da Antiguidade grega. Com esse tema pretendemos também reverenciar o Ano Internacional da Química, essa ciência que nasceu da magia e acabou, no nosso tempo, sendo injustamente associada a práticas nocivas à vida, a ponto de nos referirmos a um produto pouco saudável dizendo: isso tem muita química. Como toda ciência, a Química não é boa nem má. Podemos convertê-la em benefícios para a humanidade e dela vamos precisar para resgatar o equilíbrio da Natureza. Por outro lado, é costume dizer também que há química entre duas pessoas quando a relação entre ambas dá certo. No fim das contas, temos aí uma ciência presente em todos os momentos da vida e que nos garante diariamente uma boa noite de sono. Os potenciais elétricos desenvolvidos nas reações químicas do cérebro são responsáveis pelas sinapses neuronais e estão por trás dos dois tipos de sono que temos: o REM e o não REM, assunto ainda cheio de mistério que é explorado em outro artigo dessa edição. Mistério é o que não falta. O trabalho científico é uma busca incessante, muitas vezes até assintótica, que nos permite aproximar de seus limites, apenas no infinito, esse conceito, vital para a matemática, que se delineia logo que começamos a contar. Sobre esse assunto já se debruçaram renomados pensadores tentando desvendar suas propriedades. Um enigma tão grande, podemos dizer, quanto o tempo, o qual sempre imaginamos como um fluxo do passado para o futuro. Mas será o tempo uma ilusão? Esses temas todos se juntam nesta edição porque a ciência é assim, fruto de observações diversas, e essa visão deve ser transmitida aos jovens.
IMPRESSÃO: Ediouro Gráfica
Aula Aberta no 6, ISSN 2176163-9. Distribuição com exclusividade para todo o Brasil: DINAP S.A. Rua Doutor Kenkiti Shimomoto, 1678.
Luiz Carlos Pizarro Marin AULA ABERTA
SUMÁRIO 32
SCIENTIFIC AMERICAN BRASILredacaosciam@duettoeditorial.com.br – AULA ABERTA 2011 – Número 6
FÍSICA
ESSE FLUXO MISTERIOSO Por Paul Davies
Do passado fixo ao presente tangível, e ao futuro indeterminado, é como se o tempo fluísse inexoravelmente. Mas essa é uma ilusão
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NOTAS Comentários em blog inovam abordagem em matemática REPORTAGEM Química para um mundo melhor QUÍMICA Sequestro de carbono salvará o “carvão limpo”?
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MATEMÁTICA A ciência do infinito
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BIOLOGIA Por que dormimos
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ENSAIO Vida sintética e ética
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FRONTEIRAS Molibdênio-99, crise e oportunidade
CAPA: © Artpartner-images/Photographer’s Choice/Getty Images SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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NOTASNOTASNOTA A IDEIAS E DESCOBERTAS
Gigante do Pantanal
ATé 1 METRO DE ENVERGADURA: Presença do morcego indica boa qualidade ambiental
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m exemplar do morcego-fantasma-grande (Vampyrum spectrum), o maior morcego das Américas, foi capturado na fazenda Nhumirim, da Embrapa Pantanal, pelo ecólogo Maurício Silveira. É o primeiro exemplar desse animal coletado no Mato Grosso do Sul. Silveira desenvolve pesquisas sobre ocupação de hábitats naturais e alterados por morcegos para sua dissertação de mestrado em ecologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e estudos de campo desde dezembro de 2009 na fazenda da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 6
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A captura desse exemplar ocorreu no dia 20 de fevereiro de 2010 e foi divulgada em 5 de abril. Trata-se de uma fêmea, que pode pesar até 230 gramas e ter até 1 metro de envergadura. O espécime coletado está depositado na Coleção de Vertebrados da Embrapa Pantanal, servindo para documentar a distribuição geográfica. Silveira já capturou cerca de 150 morcegos de 20 espécies na fazenda Nhumirim. O estudante usa redes de neblina, que são armadas no fim da tarde na grade permanente da fazenda. Essa grade é um conjunto de parcelas permanentes para o monitoramento da biodiversidade e de processos naturais, AULA ABERTA
MAURÍCIO SILVEIRA
MAIOR MORCEGO DAS AMÉRICAS É COLETADO PELA PRIMEIRA VEZ NO MATO GROSSO DO SUL
ASNOTASNOTASNO permitindo estabelecer vários tipos de interrelações ecológicas e o entendimento do funcionamento do ecossistema. Apesar de o nome científico se referir a um vampiro, a espécie na verdade é carnívora, alimentando-se principalmente de aves, roedores e até outros morcegos. “É uma espécie rara, mas com distribuição geográfica bem ampla, que vai do sul do México até o centro da América do Sul. Jamais havia sido coletada no Mato Grosso do Sul. Aliás, este foi o registro mais ao sul da presença desse animal e representa uma ampliação da sua distribuição geográfica”, afirmou Silveira Para ele, a presença do Vampyrum spectrum no Pantanal Sul pode ser um indicativo de boa qualidade ambiental. “Ele vive preferencialmente em ambientes florestais.”
O pesquisador Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, disse que por volta de 1955 houve um registro da espécie no Pantanal Norte, no estado de Mato Grosso. “O novo registro revela que o ecossistema Pantanal tem influência biogeográfica de biomas mais florestais. Significa também que ainda conhecemos muito pouco da biodiversidade do Pantanal. Ainda há carência de inventários biológicos na região”, afirmou. Para Walfrido, essa é uma das espécies que, por serem raras, topo de cadeia ecológica e ligadas a ambientes florestais, podem sofrer impactos diretos do desmatamento e da fragmentação de hábitats. Geralmente são as primeiras a desaparecer quando os hábitats são alterados. OS EDITORES
IDEIAS E DESCOBERTAS
Problema Resolvido COMENTÁRIOS EM BLOG INOVAM ABORDAGEM EM MATEMÁTICA
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m meados do século 20, o trabalho enciclopédico do matemático francês Nicolas Bourbaki seguiu cada conceito matemático até seus fundamentos na teoria dos conjuntos – aquela dos diagramas de Venn – e mudou a face da matemática. Como muitas de suas noções, Bourbaki também era uma abstração: ele foi o pseudônimo utilizado por um grupo fechado de jovens pesquisadores parisienses. Sua versão da era da internet seria D. H. J. Polymath, outro pseudônimo coletivo que pode definir um novo estilo de matemática. O Polymath surgiu no blog de Timothy Gowers, da University of Cambridge e ganhador da Medalha Fields, a maior distinção no ramo da matemática. Em um post de janeiro de 2009, Gowers perguntava se colaborações on-line espontâneas poderiam solucionar problemas matemáticos complexos – e se poderiam ser feitas em aberto, AULA ABERTA
permitindo ao mundo visualizar o processo criativo. Hoje são comuns as colaborações científicas com base na web e até mesmo colaboração em massa (crowdsourcing), mas neste caso é diferente. Em típicas colaborações on-line, cada cientista realiza uma pequena parte da pesquisa, contribuindo para um projeto maior, observa Gowers. Em alguns casos, cidadãos-cientistas como observadores de pássaros ou astrônomos amadores podem coletivamente fazer contribuições significativas. “Mas e no caso de um problema que não pode ser dividido facilmente em várias subtarefas?”, pergunta. Um problema desses poderia ser solucionado pelos leitores do seu blog simplesmente enviando comentários? Para uma primeira experiência, Gowers escolheu o chamado teorema da densidade de Hales-Jewett. Segundo Gowers, esse problema é parecido com “jogar o jogo da velha sozinho e SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASN SN
VOCÊ GANHOU: A colaboração on-line solucionou um problema semelhante a jogar o jogo da velha sozinho e tentar perder
tentar perder”. O teorema diz que, se o tabuleiro do jogo da velha for multidimensional e tiver uma quantidade de dimensões suficientes, após algum tempo se torna impossível deixar de marcar os “X” em uma fileira – não dá para não ganhar, por mais que se tente. Matemáticos já sabiam, desde 1991, que o teorema era verdadeiro, mas a prova existente utilizava ferramentas sofisticadas de outros ramos da matemática. Gowers desafiou os leitores de seu blog a ajudálo a encontrar uma prova mais elementar, desafio geralmente considerado bem difícil. O projeto virou um sucesso muito mais rapidamente do que Gowers esperava. Em seis semanas ele anunciou a solução. Transformar a prova em um trabalho acadêmico convencional demorou mais tempo, especialmente porque os argumentos estavam espalhados por centenas de comentários. No entanto, em outubro passado o grupo enviou um trabalho para o repositório on-line arxiv.org sob o nome de D. H. J. Polymath, cujas iniciais são uma referência ao problema em si. De certa forma, entretanto, o projeto foi um pouco decepcionante. Apenas seis pessoas – matemáticos profissionais e “colaboradores contumazes” na área – fizeram a maior parte do
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trabalho. Entre eles estava outro ganhador da Medalha Fields e blogueiro prolífico, Terence Tao, da University of California em Los Angeles. De acordo com Gowers, reunir talentos tem suas vantagens. Ao tentarem solucionar um problema, matemáticos normalmente fazem muitas tentativas frustradas, nas quais linhas de raciocínio podem se transformar em “becos sem saída”, após semanas ou meses de trabalho. Com frequência, essas linhas de raciocínio, que parecem promissoras para um especialista, para outro são obviamente infrutíferas. Portanto, cada vez que uma tentativa é exposta à crítica pública, o processo é acelerado. Tao descreve a experiência como “caótica”, mas muito divertida e “mais absorvente que a pesquisa tradicional”. Desde então, Gowers, que lançou mais alguns projetos colaborativos on-line, assim como fez Tao, observa que não profissionais começaram a contribuir de forma “genuinamente útil”. Esses intelectuais amadores incluem um professor, um padre e um Ph.D. em matemática que atualmente trabalha com computação. No entanto, não se sabe se essa abordagem será amplamente adotada. Tao observa que uma série de problemas complexos é adequada para isso, como encontrar um algoritmo para o jogo de xadrez que não seja baseado em cálculos de possíveis movimentos futuros. Conjecturas matemáticas famosas podem não ser tão favoráveis, porque esses problemas tendem a apresentar uma longa história – e os especialistas já conhecem todos os becos sem saída. Rafael Núñez, cientista cognitivo da University of California em San Diego, que vem estudando os processos mentais e sociais relacionados à matemática, observa que a solução de problemas é apenas outra atividade humana. Quando matemáticos trabalham juntos em frente ao quadro-negro, eles se comunicam de maneiras sutis com a voz e a linguagem corporal, sinais que se perdem em colaborações on-line. Os matemáticos, no entanto, se adequarão ao novo meio, assim como as pessoas se acostumaram a realizar todo tipo de coisas em um mundo conectado, acrescenta Núñez: “Tudo que fazemos on-line é diferente, não apenas matemática”. POR DAVIDE CASTELVECCHI AULA ABERTA
NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS IDEIAS E DESCOBERTAS
Retrato por DNA PODE A ANÁLISE FORENSE PRODUZIR RETRATOS FALADOS DE SUSPEITOS COMO OS DA POLÍCIA?
JEFFREY COOLIDGE GETTY IMAGES (JOGO DA VELHA ), PETER DAZELEY GETTY IMAGES
H
omem, baixo e robusto, com pele escura, olhos castanhos, dentes em forma de pá, sangue tipo A+ e cabelos grossos castanhoescuros com tendência à calvície. Teria alta tolerância ao álcool e risco acima da média de dependência de nicotina. Felizmente, ele viveu milhares de anos antes da descoberta do tabaco. A descrição de um habitante da Groenlândia da era do gelo, publicada em fevereiro de 2010, apresenta um retrato extraordinário de um homem que desapareceu há mais de 4 mil anos, obtido quase exclusivamente de resquícios de seu DNA. A análise, liderada por cientistas dinamarqueses, não apenas marca o primeiro sequenciamento completo de um genoma humano antigo, mas também oferece um exemplo impressionante de quanta informação os detetives modernos podem obter apenas por meio do código genético de um suspeito. Muito mais do que apenas ligar um indivíduo à cena de um crime utilizando as “impressões digitais” do DNA, a identificação forense está avançando para tornar possível a criação de um retrato falado de um desconhecido por meio da leitura de características inscritas em seu genoma. “O corpo interpreta o DNA para determinar a aparência do rosto”, observa o antropólogo Mark Shriver, da Morehouse College, que espera duplicar a capacidade dessa nova ferramenta dentro de uma década. Os cientistas que reconstruíram o antigo nativo da Groenlândia tinham apenas uns poucos tufos de cabelos preservados no permafrost (camada de terra congelada), de onde extraíram o DNA. O cabelo em si é escuro e grosso e contém traços químicos que indicam uma dieta constituída principalmente de frutos do mar. Através dos genes do homem, os cientistas puderam resolver uma antiga polêmica sobre a origem dos paleoesquimós da Groenlândia ao mostrar que tinham um padrão de variações de DNA comum em grupos AULA ABERTA
populacionais da Sibéria. Tendo estabelecido sua origem no norte da Ásia, a equipe interpretou variações chamadas polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, na sigla em inglês) em quatro genes ligados à cor castanha
dos olhos em asiáticos modernos. O mesmo método revelou SNPs associados com dentes em forma de pá e um tipo de cera de ouvido seca, características comuns em asiáticos modernos e nativos americanos. Quatro outros SNPs sugerem que ele provavelmente tinha a pele escura. Outro conjunto de variações típicas de populações adaptadas a climas frios indica que tinha corpo compacto e bastante gordura corporal. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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A IDENTIFICAÇÃO POR DNA pode vir a ter um novo significado conforme cientistas descobrem como os genes produzem uma característica específica. Esses avanços podem permitir à polícia fazer uma descrição com base nos dados dos genes de um suspeito.
RECONSTRUÇÃO: DNA antigo forneceu detalhes sobre a aparência de um homem que viveu na Groenlândia há mais de 4 mil anos.
Juntas, essas características poderiam não determinar, entre indivíduos de uma fila de reconhecimento, aquele que seria o antigo nativo, mas restringiriam bastante a busca por suspeitos. Alguns casos criminais importantes já demonstraram a utilidade até da mais básica informação prospectiva. Em 2007, Christopher Phillips e seus colegas da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, usaram marcadores na amostra de DNA obtida de uma escova de dente para identificar um suspeito da explosão do trem de Madri em 2004 como de ascendência norte-africana. Posteriormente a polícia confirmou que o terrorista era argelino. Numa vergonhosa investigação sobre um assassino em série na Louisiana, a declaração de uma testemunha apontou um culpado caucasiano, mas a evidência do DNA indicava alguém com significativa ascendência afro-americana ou de nativos americanos. A polícia ampliou as buscas e finalmente apanhou o assassino. O objetivo de programas como o Iniciativa DNA, do Instituto Nacional de Justiça dos 10
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Estados Unidos, que financiam pesquisas sobre marcadores genéticos alternativos para uso forense, é ter mais informações do que apenas a ascendência, que em geral é uma fraca indicação da aparência. Daniele Podini, da George Washington University, está desenvolvendo um kit forense para determinar, pela análise de 50 a 100 marcadores genéticos, a cor dos olhos e do cabelo, o sexo e provável ascendência de um suspeito. “A ideia é apenas oferecer outra ferramenta de investigação”, observa, “que ajude a corroborar a declaração de uma testemunha ou reduzir o número de suspeitos.” Ser mais específico já é difícil, acrescenta Daniele. O DNA apenas fornece poucas pistas sobre a idade, por exemplo. Já com células inteiras pesquisadores podem examinar os telômeros, estruturas que formam as extremidades dos cromossomos e se desgastam com o tempo, embora a saúde individual e outros fatores também possam influenciar seu encurtamento. Um estudo recente mostrou que atletas na faixa dos 50 anos podem ter telômeros de uma pessoa de 25 anos. Outra característica importante na identificação, a altura, tem raízes hereditárias, mas também depende de fatores ambientais, como a nutrição durante a infância. Por outro lado, estabelecer claramente os efeitos dos genes que influenciam o desenvolvimento do corpo é imprescindível para predizer a aparência específica de um indivíduo. Shriver está estudando populações na Europa e grupos raciais mistos em outros lugares na esperança de que, correlacionando um nariz gaulês ou olhos brejeiros irlandeses com genes que influenciam formas distintas, possa começar a descobrir o código que o corpo usa para construir uma característica específica. Ele está até mesmo expondo pedaços de uns poucos centímetros quadrados da pele de voluntários à luz ultravioleta para avaliar a gama de tons de pele possíveis para pessoas com diferentes origens raciais e étnicas. De acordo com alguns bioeticistas, o retrato com base no DNA não deve passar da profundidade da pele. O antigo morador da Groenlândia também apresentava um risco AULA ABERTA
DE ANCIENT HUMAN GENOME SEQUENCE OF AN EXTINCT PALAEO-ESKIMO, POR MORTEN RASMUSSEN ET AL ., EM NATURE , VOL. 463; 11 DE FEVEREIRO DE 2010 (HOMEM)
NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASN
NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS N elevado de hipertensão e diabetes. Um boletim contemporâneo de alerta para captura poderia, em princípio, descrever a pigmentação do suspeito, sua ascendência, e a possibilidade acima da média de ser obeso, fumante, alcoólatra ou apenas deprimido. “Acredito que haja algumas questões éticas válidas nesse tipo de trabalho”, observa Shriver. Podem ser, entretanto, considerações prá-
ticas que vêm retardando a adoção de qualquer técnica além do tradicional kit forense. “O meio forense é muito, muito conservador”, observa Daniele, “portanto, antes que se aplique alguma coisa em um caso real, tem de ter sido provado, além de qualquer dúvida razoável, que funciona perfeitamente, que é confiável e aceito pela comunidade científica.” POR CHRISTINE SOARES
TECNOLOGIA
“Microfone Quântico” OBJETO VISÍVEL EM DOIS LUGARES AO MESMO TEMPO
DE “QUANTUM GROUND STATE AND SINGLE-PHONON CONTROL OF A MECHANICAL RESONATOR”, POR A. D. O’CONNELL ET AL ., EM NATURE , VOL. 464; 1O DE ABRIL DE 2010
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ual é o som de uma molécula colidindo? Pesquisadores apresentaram um dispositivo capaz de captar quanta individuais de vibração mecânica semelhantes àqueles que agitam moléculas durante reações químicas. E mostraram que o próprio dispositivo, com a largura de um fio de cabelo, age como se existisse em dois lugares ao mesmo tempo. Esse tipo de façanha da “esquisitice quântica” só foi observado até agora na escala de moléculas. “Isso é um marco”, observa Wojciech Zurek, físico teórico do Laboratório Nacional de Los Alamos. “Confirma aquilo em que muitos de nós acreditamos, mas alguns continuam a não aceitar – que nosso Universo é essencialmente quântico.” Aaron O’Connell, estudante de graduação da University of California em Santa Barbara, utilizou técnicas de fabricação de chips de computador para criar um ressonador mecânico parecido com um pequeno diapasão. Com 1 mícron de espessura e 40 mícrons de comprimento, é suficientemente grande para ser visto a olho nu. Então O’Connell e seus colaboradores ligaram o ressonador a um circuito supercondutor e resfriaram tudo a 0,025 de grau acima do zero absoluto. A essa temperatura o ressonador estaria completamente imóvel ou teria um quantum de energia vibracional chamado fônon. Vibrações poderiam ser AULA ABERTA
MORTO OU VIVO? Este ressonador de 40 mícrons de comprimento é o maior objeto já visto em façanha de “esquisitice quântica.” SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASN detectadas utilizando-se o circuito supercondutor – nesse caso o dispositivo agiria como um “microfone quântico”. Alternativamente, correntes passando pelo circuito forçariam o ressonador a vibrar em sincronia. Portanto, quando a equipe colocou o circuito em uma superposição de dois estados, um com corrente e outro sem, o ressonador ficou em superposição de vibração e não vibração. Em estado de vibração, cada átomo no ressonador movia-se apenas por uma distância muito pequena – menos que o ta-
manho do próprio átomo. Portanto, na superposição de estados o ressonador nunca estava de fato em duas posições totalmente distintas. Mas, ainda assim, o experimento mostrou que um objeto grande (formado por cerca de 10 trilhões de átomos) pode apresentar tanta estranheza quântica quanto um único átomo. O’Connell apresentou os resultados em um encontro da Sociedade Americana de Física, e as descobertas foram publicadas na Nature . POR DAVIDE CASTELVECCHI
MEDICINA & SAÚDE
O Vício que Vai Dormir SONÍFEROS BLOQUEADORES DA VIGÍLIA PODEM CONTROLAR ADIÇÕES
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ma boa noite de sono pode tornar a xícara de café matinal uma necessidade menos desesperadora. Entretanto, companhias farmacêuticas analisam se as mais recentes pílulas que prometem um sono profundo e natural não poderiam também influenciar na recuperação dos mais poderosos vícios. Os novos soníferos bloqueiam a atividade dos peptídeos do cérebro chamados orexinas. Essas minúsculas proteínas nos mantêm acordados e atentos durante o dia e também governam alguns efeitos estimulantes de drogas viciantes. As orexinas não causam dependência ou recaída diretamente, mas isso também não acontece sem a participação dos peptídeos. A interessante conexão entre sono e vício há muito foi observada em pessoas que sofrem de narcolepsia – desordem que provoca sono súbito. Embora algumas vezes narcolépticos sejam tratados com anfetaminas potentes para ajudá-los a ficar acordados, nunca se tornam viciados no medicamento. Por volta de 1998, trabalhos de investigação genética já haviam relacionado a causa da narcolepsia a mutações nos genes para orexinas ou seus receptores – descobertas que revelaram tanto a existência dos peptídeos quanto sua 12
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importante participação na manutenção do cérebro em vigília. Esforços para utilizar esse novo conhecimento em tratamentos para insônia levaram a diversos compostos que estão agora em fase final de testes clínicos. As mesmas empresas que estão desenvolvendo esses soníferos investigam também a influência das orexinas na dependência química através de experiências com animais. Em estudo recente, Davide Quarta e seus colegas do Centro de Pesquisa de Medicamentos Glaxo-SmithKline, em Verona, Itália, confirmaram que quando a companhia administrou a ratos seu bloqueador experimental de orexina, o SB-334867, juntamente com anfetamina, o cérebro liberou menos dopamina, e eles se tornaram menos sensibilizados ao estimulante que o grupo de controle, mesmo com repetidas doses. Neurônios sensibilizados produzem receptores extras para a droga desejada, exigindo mais dela para atingir a estimulação, alimentando, dessa forma, um ciclo que leva à dependência. John J. Renger e seus colegas da Merck também mostraram que um bloqueador experimental de orexina diferente, administrado com anfetaminas a ratos, impediu a sensibilização. No mesmo estudo, o antagonista AULA ABERTA
SARAH-JANE JOEL GETTY IMAGES
NOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS dual do receptor de orexina da empresa, administrado juntamente com nicotina a ratos que foram previamente viciados nessa substância, impediu que os animais tivessem uma recidiva. “O que demonstramos não foi que orexinas são o alvo das anfetaminas”, explica Renger, “porque sabemos que a anfetamina visa a dopamina.” A liberação de orexinas pelo cérebro em resposta a estimulantes, porém, aumenta as atividades a jusante da dopamina, o que leva à sensibilização e dependência. “A orexina dá o tom”, observa Renger, o que possibilita a ocorrência daquelas mudanças cerebrais. Tendo a narcolepsia como exemplo extremo, a falta de orexina remove uma barreira para o sono. Por essa razão, o novo sonífero bloqueador de orexina pode propiciar um sono mais natural do que os atuais medicamentos, que deprimem a atividade geral do cérebro e, portanto, têm de lutar contra sinais de “vigília”, incluindo a orexina. Drogas estimulantes podem produzir uma imitação não natural semelhante a estímulos normais, cogita Renger, o que poderia explicar por que orexinas desempenham um papel na facilitação do processo de aprendizagem e recompensa induzido pela dopamina, o que leva à dependência. O estudo com animais indica que administrar bloqueadores de orexina com uma droga estimulante pode contribuir também para desaprender a dependência. As companhias farmacêuticas não anunciaram planos de desenvolver bloqueadores de orexina para tratamento de dependência química. Renger, entretanto, observa que assim que os soníferos chegarem ao mercado poderão ajudar apenas facilitando uma boa noite de sono. “Há evidências de que uma das principais razões para reincidência de alcoolismo seja a insônia”, explica, “porque os dependentes contam com o álcool para ajudá-los a dormir”. Os soníferos bloqueadores de orexina podem oferecer um sono de melhor qualidade do que a inconsciência induzida pelo álcool. No entanto, resta saber se são os primeiros soníferos garantidos contra dependência. POR CHRISTINE SOARES AULA ABERTA
OLHOS BEM ABERTOS: Um dos objetivos dos estudos da insônia é o funcionamento de orexinas, que mantêm o cérebro em vigília mas podem levar a novas formas de tratar dependências.
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2011 foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Química, data que marca o centenário do Prêmio Nobel conferido a Marie Curie, a primeira mulher a receber tal distinção. O evento, cujo propósito é fomentar o conhecimento e a educação dessa ciência para toda a sociedade, será especialmente celebrado na Unicamp
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arece que instituir anos temáticos tem dado resultado. Depois do Ano Internacional da Astronomia (2009), de Darwin (2009) e da Biodiversidade (2010), a Organização das Nações Unidas declarou 2011 o Ano Internacional da Química. Além de comemorar mundialmente as contribuições dessa ciência para o bem-estar da humanidade, o objetivo é promover o conhecimento e a educação da disciplina em todos os níveis, sob o slogan “Química para um mundo melhor”. No Brasil, esses princípios foram colocados em prática pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio do programa “Química em Ação”, que oferece gratuitamente às escolas de ensino médio da rede pública – e também privada-palestras ministradas por docentes ou pós-graduandos do Instituto de Química (IQ) da universidade. O programa, que já existia, foi ampliado em 2011, tendo em vista a celebração. Promovido em parceria com as diretorias de ensino de Campinas Leste e Oeste, abrange 114 escolas das cidades de Campinas, Jaguariúna, Valinhos e Vinhedo. Para usufruir do benefício, os professores das escolas interessadas devem entrar em contato com a instituição e agendar as datas das palestras. De acordo com a universidade, os objetivos das aulas oferecidas por especialistas são inúmeros, começando pela complementação da educação em química dos alunos do ensino médio. Mas a proposta é mais abrangente. A expectativa do comitê organizador é de atingir um público de 40 mil pessoas em 2011. O Instituto de Química da Unicamp pretende popularizar a química como ciência e parte do cotidiano; divulgar e desmistificar a imagem da ciência entre os participantes e a comunidade; popularizar as aplicações
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COLEÇÃO PARTICULAR
REPORTAGEM
QUÍMICA PARA UM MUNDO MELHOR
Marie Curie em seu laboratório na Universidade de Paris, em 1925. Suas descobertas em ciência pura revelaram-se de enorme aplicação prática. AULA ABERTA
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ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA
do conhecimento de química no dia a dia de todos; propiciar o contato entre os estudantes e os pesquisadores do instituto; complementar a formação de mestres e doutores em química, e dos alunos de graduação e pós-graduação, que, futuramente, poderão fazer parte do quadro de professores do ensino médio. NOBEL NA ABERTURA Em janeiro, a Unicamp realizou a cerimônia oficial de abertura de uma série de eventos comemorativos que ocorrerão ao longo do ano. O evento contou com a presença do reitor Fernando Costa e com uma convidada ilustre: a cientista israelense Ada Yonath, 71 anos, Prêmio Nobel de Química em 2009. A abertura mundial do Ano da Química foi no dia 27 de janeiro, em Paris. “Mas não podíamos deixar de aproveitar a vinda de Yonath a Campinas, onde participou de atividades no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron”, contou o professor Antonio Claudio Herrera Estudante participa de aula de química na Unicamp, durante as férias de julho do ano letivo de 2010.
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Braga, diretor associado do IQ e membro do comitê organizador dos eventos, sobre a antecipação de cerca de dez dias da abertura do ano na Unicamp. Na ocasião, a cientista apresentou a palestra intitulada “The amazing ribosome” (“O incrível ribossomo”), na qual resumiu seus 30 anos de trabalho com ribossomos, em São Paulo. Entre outras observações, Ada comparou a ação dos antibióticos sobre os ribossomos à luta de Davi contra o gigante Golias. As moléculas dos antibióticos podem ser menores, mesmo assim, conseguem entupir os túneis dos ribossomos e interromper a produção de proteínas – necessária aos seres vivos. ATIVIDADES EDUCACIONAIS Ao longo do ano, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) propuseram-se a apoiar as atividades educacionais interativas para pessoas de todas as idades, sob o tema “Química – nossa vida, nosso futuro” para divulgar à sociedade a contribuição da química e, assim, estimular o interesse do público, sobretudo do jovem, por essa ciência. A Unicamp, assim, pretende levar a química para fora do campus. Esta será a terceira edição do “Química em Ação”, voltado a alunos da rede pública de ensino e que, agora, será estendido aos professores. O programa será executado em dois blocos: no primeiro, os interessados participarão de palestras e demonstrações experimentais nos laboratórios do AULA ABERTA
FOTOS: ANTONINHO PERRI E ANTONIO SCARPINETTI/ASCOM/UNICAM
Está nas mulheres a explicação para, justamente, 2011 ser escolhido o Ano Internacional da Química. A data marca o centenário do Nobel de Química de Marie Curie e foi aprovada e proclamada na 63a sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorreu em 2008. A coordenação das atividades mundiais é exercida pela Unesco e pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac). O propósito é promover o conhecimento e a educação da química. Dentro do tema, está a reflexão sobre o papel da química na criação de um mundo sustentável. O Brasil, por meio de de diversos órgãos representativos, entre os quais, a Sociedade Brasileira de Química (SBQ), une-se à Unesco e à Iupac para celebrar e apresentar propostas e ações destinadas à melhoria da educação e da pesquisa em química no país.
O pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Ronaldo Pilli, explica aos coordenadores pedagógicos as diversas abordagens que a química pode ter.
A “MADAME” DA CIÊNCIA
Instituto; no outro, os docentes do IQ ministrarão palestras nas escolas. As palestras do AIQ na Unicamp seguirão os temas sugeridos pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac): água, energia, reciclagem e reúso, impacto da química na nutrição, história da química, desafios do mercado profissional e Marie Curie e as mulheres na ciência. No ano passado, os temas das palestras foram: AULA ABERTA
“ Diploma do Prêmio Nobel de Física em 1903 de Marie Curie, láurea que recebeu por suas pesquisas com radiação espontânea.
REPRODUÇÃO
A cientista Marie Curie, Maria Sklodowska, é respeitada por todos os cientistas. Segundo a página de internet oficial do Prêmio Nobel, Marie Curie nasceu em Varsóvia (Polônia), em 7 de novembro de 1867, filha de um professor do ensino secundário. Recebeu formação geral na escola e o treinamento científico de seu pai. Após participar da organização de estudantes revolucionários contra a Rússia, que dominava o país, seguiu para a cidade de Cracóvia , que na época estava sob domínio austríaco. Em 1891, ela foi a Paris para continuar os estudos na Sorbonne, onde se licenciou em ciências matemáticas. Em 1895, casou-se com Pierre Curie, professor da Escola de Física. Ela sucedeu o marido como chefe do Laboratório de Física na Sorbonne, obtendo o título de doutora em 1903. Em 1906, após a morte trágica do marido em um acidente de trânsito, Marie ficou no lugar de Pierre como professor de Física Geral na Faculdade de Ciências – a primeira vez que uma mulher ocupava a posição. Suas pesquisas iniciais, juntamente com o marido, eram muitas vezes realizadas com extrema dificuldade – como atualmente ocorre com muitos professores no Brasil, eles precisavam lecionar muito para se manter financeiramente. A descoberta da radioatividade por Henri Becquerel, em 1896, inspirou o casal em suas pesquisas que levaram ao isolamento de polônio, nome que homenageava o país de origem de Marie. Entre os inúmeros prêmios que a cientista recebeu e dividiu com o marido está o Nobel de Física em 1903, por seu estudo sobre a radiação espontânea descoberta por Becquerel, que com eles partilhou o prêmio. Em 1911, Marie recebeu o segundo Nobel, agora em química, pelo reconhecimento do seu trabalho na radioatividade. Madame Curie, que ficou conhecida dessa maneira após Eve, sua filha mais nova, publicar uma biografia com esse título, morreu em Sallanches (França) após sofrer de leucemia – provavelmente adquirida com seus trabalhos – em 4 de julho de 1934.
● a ciência e dois grandes desafios da sociedade: energia e meio ambiente; ● saúde e nutrição: a química dos alimentos; ● as cores e a química; vidros e meio ambiente; ● o universo da nanotecnologia; ● por que as reações ocorrem e por que elas param de ocorrer; ● a química como instrumento de saúde; ● o maravilhoso mundo da luminescência;
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É como uma luta entre Davi e Golias. As bactérias são gigantes e os antibióticos, pequenos, mas atacam exatamente onde é necessário Ada Yonath
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Em 108 anos de história do Prêmio Nobel, a cientista israelense Ada Yonath é apenas a quarta mulher contemplada na área de química. A premiação feminina começou com Marie Curie (1911), que foi também a primeira pessoa a ser laureada duas vezes (ganhou o prêmio de Física em 1903). Em 1935, foi a vez de sua filha Iréne Jolliot-Curie. A terceira ganhadora foi a britânica Dorothy Crowfoot-Hodgkin (1964). Conhecida por seus trabalhos pioneiros sobre a estrutura do ribossomo, Ada Yonath é atualmente diretora do Centro de Estrutura Biomolecular do Instituto Weizmann, em Israel. Ela introduziu uma nova técnica para o estudo de cristalografia em estruturas biológicas, a biocristalografia. Suas pesquisas versam sobre os processos que regem a chave A cientista israelense reconhecida internacionalmente, Ada da vida, como a tradução feita pelos Yonath, em janeiro no Brasil, durante a abertura do Ano da Química da Unicamp. ribossomos da informação do DNA.
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Nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Marie Curie
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a química e as pedras preciosas; a presença constante da química nas nossas atividades diárias; ● polímeros: heróis ou vilões; ● e energia solar: como podemos aproveitá-la. De acordo com o professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, que também integra o comitê organizador do evento na Unicamp, ainda há o preconceito contra a química que a associa com a poluição e outros males. Dessa maneira, a intenção do programa é demonstrar que a matéria é uma “ciência central” a começar pelos átomos, moléculas e como interagem para formar novos materiais. Segundo Ganzarolli, essa noção é pouco divulgada para a sociedade, que tem a imagem historicamente distorcida de que se trata de uma disciplina difícil e chata. ● ●
QUÍMICA É TUDO Outro canal de interação da Unicamp com a comunidade externa é o Simpósio de Profissionais do Ensino de Química (Simpeq), destinado a aproximar a universidade dos professores de química do ensino básico. Haverá workshop com palestras, atividades experimentais, apresentação de trabalhos e debates, que vão servir de treinamento para aprimorar a capacitação dos professores. A relação 18
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FOTO DE ANTONIO SCARPINETTI/ASCOM/UNICAM
QUÍMICA DAS MULHERES
também deve ser intensificada por meio de feiras de ciência e distribuição de kits de experimentos nas escolas. Dentro do campus, na rua Josué de Castro, que divide as duas quadras tomadas pelos prédios do Instituto a de Química, será inserido um mural permanente, executado em mosaicos com imagens estilizadas – como de uma tabela periódica – mostrando a contribuição da química para a sociedade e como ela foi evoluindo. Serão 400 metros quadrados que servirão para fazer uma apresentação geral da química aos alunos iniciantes. A parte artística caberá a um escritório de arquitetura. A inauguração deve ser realizada em 18 de junho, no Dia do Químico. Por trás das atividades, a Unicamp conta com o patrocínio das empresas 3M, Merck Sharp & Dohme, Vale, Cristália, Natura, AkzoNobel, Cargill, Contech, Nortec Química e Waters. Serão também realizadas palestras promovidas por representantes dessas companhias, às quais estão previstas visitas pelos estudantes. Os docentes não descartam a possibilidade de abertura de estágio e contratação de alunos. Por Ísis Nóbile Diniz é jornalista especializada em científica e meio ambiente AULA ABERTA
QUÍMICA
Sequestro de Carbono Salvará o
‘Carvão Limpo’? Extrair o dióxido de carbono do sistema de exaustão de usinas termoelétricas e armazená-lo no subsolo pode ser a única esperança para evitar mudança climática catastrófica causada pela queima de combustíveis fósseis Por David Biello
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS Resultam de um processo de decomposição das plantas e dos animais. Os principais combustíveis fósseis são o carvão, o petróleo e o gás natural. HIPERLINK
ANTRACITO Carvão mineral que apresenta teor de carbono acima de 80%.
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LINHITO Carvão mineral que apresenta teor de carbono abaixo de 80%.
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ssim como todas as grandes termoelétricas movidas a carvão, a usina Schwarze Pumpe, em Spremberg, Alemanha, com capacidade de 1.600 MW, é inegavelmente suja. No entanto, a instalação de uma pequena caldeira que produz 30 MW para bombear vapor para a indústria local representa uma esperança contra as mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. Para aquecer a caldeira, o carvão marrom, úmido e quebradiço, conhecido como linhito – que polui mais que o antracito, variedade preta e mais dura – queima na presença de oxigênio puro, liberando como resíduos vapor d’água e o conhecido gás estufa, o dióxido de carbono, ou gás carbônico (CO2). Ao condensar a água usando tubulação simples, a Vattenfall, empresa sueca proprietária da usina, sequestra e isola quase 95% do CO2 em uma forma 99,7% pura. Esse CO2 é então comprimido em líquido e enviado a outra empresa, a Linde, que se encarrega de vendê-lo. Compradores em potencial vão desde produtores de bebidas carbonatadas, como a CocaCola, a companhias petrolíferas que usam o gás para auxiliar na extração de petróleo de depósitos que estão se esgotando. A princípio, porém, o CO2 também poderia ser bombeado para o subsolo, em formações rochosas específicas, para ficar preso de maneira segura durante milênios. Na opinião de várias organizações, como a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), esse processo de sequestro e armazenamento de carbono (CCS), aplicado particularmente em usinas termoelétricas a carvão, é uma tecnologia importante para reduzir rápida e profundamente as emissões de gás estufa. Afinal, a queima do carvão é responsável por 40% dos 30 bilhões de toneladas de CO2 emitidos por atividades humanas a cada ano. “Agora existe a possibilidade de os Estados Unidos e outros países continuarem a usar o carvão como fonte de energia e, ao mesmo tempo, protegerem o clima das grandes emissões de gás estufa associadas ao carvão”, verifica Steven Caldwell, coordenador da política regional do Centro Pew para Mudanças Climáticas Globais, think tank (catalisador de ideias) em Arlington, Virgínia. 20
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© TIM ROBBERTS/THE IMAGE BANK/GETTY IMAGES
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FORMAÇÃO ARENÍTICA É o resultado do depósito de um grande volume de areia, ocorrido há aproximadamente 340 milhões de anos, no período carbonífero.
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GASES ESTUFA Substâncias gasosas que absorvem parte da radiação infravermelha, emitida principalmente pela superfície terrestre, e dificultam seu escape para o espaço. Isso impede que ocorra perda de calor, mantendo a Terra aquecida. O efeito estufa é um fenômeno natural, necessário para a manutenção da vida no planeta.
Mesmo o presidente Barack Obama declarou que essa tecnologia é importante para a “independência energética” e incluiu US$ 3,4 bilhões no pacote de estímulo econômico para usinas de “carvão limpo”. Mas, embora muitos projetos ao redor do mundo estudem ou testem diversos aspectos do CCS, poucos realmente se ligam a usinas de escala industrial: aquelas que produzem em média 500 MW e até 10 mil toneladas de dióxido de carbono por dia – justamente o cerne do problema de emissões. “Ela produz 9 toneladas de CO2 por hora em carga total”, relata Staffan Görtz, porta-voz de CCS da Vattenfall, sobre a caldeira experimental de US$ 100 milhões em Schwarze Pumpe. Mas admite: “Ainda não temos local para armazenamento”.
ENTERRADO NO MAR O armazenamento pode ser a parte mais simples do desafio do CCS. Afinal, desde 1996, a companhia petrolífera norueguesa StatoilHydro extrai CO2 do gás natural do campo de Sleipner, no mar do Norte, e, em vez de liberá-lo na atmosfera, bombeia o gás estufa de volta ao campo, a mil metros de profundidade, para que fique permanentemente retido. O princípio do armazenamento de carbono 22
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é simples: a mesma formação arenítica de Utsira, que tem armazenado o gás natural por milhões de anos, pode servir de armadilha para o CO2, explica Olav Kaarstad, consultor de CCS da Statoil. A camada de 250 metros de espessura de arenito – rocha porosa e quebradiça que aprisiona o gás nos minúsculos espaços entre suas partículas – é coberta por uma camada relativamente impermeável de xisto e lamito (rochas argilosas endurecidas). “Não estamos muito preocupados com a integridade da vedação e se o CO2 permanecerá lá por centenas de anos”, diz Kaarstad. Mais de 12 milhões de toneladas de CO2 foram injetadas na formação, destaca. A Statoil monitora o depósito de gás por meio de testes sismológicos periódicos, processo semelhante a uma sonografia da Terra, de acordo com a hidróloga Sally Benson, diretora do projeto sobre clima global e energia da Stanford University. Essa monitoração indica que entre 1996 e março deste ano, o CO2 líquido se espalhou como uma fina camada permeando uma extensão de 3 km2 de arenito poroso – apenas 0,0001% da área disponível para esse tipo de armazenamento. “Não estamos falando de uma caverna de sal ou de um rio subterrâneo. Estamos falando de buracos microscópicos”, explica a geóloga Susan D. Hovorka, da University of Texas em Austin, que trabalha em projetos piloto nos Estados Unidos. “Somando tudo, tem-se um grande volume” de espaço para armazenamento. De fato, o Departamento de Energia estima que os Estados Unidos, sozinhos, tenham espaço disponível para armazenar 3,911 trilhões de AULA ABERTA
VATTENFALL/FLICKR/CREATIVE COMMONS (USINA); HARALD M. VALDERHAUG/STATOILHYDRO/DIVULGAÇÃO (FOTO AÉREA)
Um futuro mais limpo para o carvão? Acima, em concepção artística, a futura usina de tecnologia integrada que está sendo construída em Edwardsport pela Duke Energy. Ao lado, a usina Schwarze Pumpe, em Spremberg, Alemanha, cujas caldeiras sequestram 95% do CO2 do carvão que consome.
toneladas de CO2, na forma de reservatórios geológicos de arenito permeável ou de aquíferos salinos profundos, de acordo com um atlas de 2008. Esses reservatórios são mais que suficientes para os 3,2 bilhões de toneladas de CO2 emitidos por ano pelas cerca de 4.600 grandes fontes industriais do país. A maior parte dos reservatórios fica perto de onde mais se consome carvão nos Estados Unidos: centro-oeste, sudeste e oeste. “Há capacidade para armazenar pelo menos 100 anos de emissões de CO2 e, provavelmente, ainda mais”, avalia Benson. Aparentemente, o reservatório também deve ser funcional no longo prazo; o gás sequestrado não se assenta simplesmente na rocha, esperando a oportunidade para escapar. Ao longo das décadas, dissolve-se na salmoura que preenche parte dos poros ou, em tempos mais longos, forma carbonatos minerais com as rochas ao redor, observa Susan. Na verdade, quando ela tentou remover o CO2 de seu reservatório de testes, usando técnicas de extração de gás natural, as tentativas falharam completamente. De acordo com o IPCC, que emitiu um relatório especial sobre CCS em 2005, um reservatório adequado deve armazenar em segurança pelo menos 99% do CO2 sequestrado por mais de mil anos. James Dooley, pesquisador sênior do Pacific Northwest National Laboratory e um dos principais autores do IPCC, considera essa meta alcançável. “Se tanta energia foi gasta para colocar [o CO2] no arenito, será necessária muita energia para retirá-lo”, analisa. “Assim como no caso de um campo de petróleo, em que conseguimos extrair apenas a metade ou menos de todo o petróleo inicial, grande parte do CO2 ficará presa. Ele fica imobilizado na rocha.” Encorajada pelo sucesso do projeto de Sleipner, a Statoil iniciou recentemente outro programa de injeção de CO2 no campo de gás natural de Snøhvit, no mar de Barents, apesar da necessidade de construir um gasoduto de 150 km no leito marinho para que o CO2 possa ser bombeado até o reservatório. E, desde 2004, a gigante do ramo petrolífero BP e seus parceiros (incluindo a Statoil) no campo de gás In Salah, na Argélia, têm separado, dos 9 bilhões de m3 de gás natural lá produzidos, os 10% de dióxido de carbono presentes, e 1 milhão de toneladas de CO2 tem sido bombeado de volta ao aquífero salino subjacente por meio de três poços adicionais. A BP utiliza várias técnicas, incluindo moniAULA ABERTA
toramento via satélite, para observar o impacto do armazenamento de CO2 (e da remoção de gás natural) no terreno. Enquanto algumas áreas afundaram cerca de 6 mm por causa da extração do gás natural, perto dos poços de injeção de CO2 a terra se elevou uns 10 mm, conta Gardiner Hill, gerente de tecnologia e engenharia de CCS da divisão de energia alternativa da BP. O National Energy Technology Laboratory dos Estados Unidos também trabalha para desenvolver tecnologias adequadas de monitoramento, verificação e contabilidade. É claro que a BP e a Statoil não estão realizando esses projetos de CCS por caridade. O imposto do governo norueguês de US$ 50 por tonelada de gás carbônico emitido inspirou o sequestro de carbono em Sleipner e Snøhvit. “Ele custa uma fração do imposto”, diz Kaarstad. “Estamos, na verdade, ganhando dinheiro com isso.” Tanto a Statoil como a BP preveem que lucrarão com as oportunidades de armazenamento de CO2. Hill nota que, se o CCS for aplicado em grande escala, a sociedade precisará da competência técnica da indústria petrolífera – seus “100 anos de conhecimento do subsolo”, diz. “Nossa expectativa é que a experiência que estamos adquirindo com esses projetos forneça vantagens à BP em um futuro negócio.”
DINHEIRO PARA HOJE Bombear CO2 no subsolo já é fonte de renda para alguns, por meio da recuperação avançada de petróleo (EOR). Durante 35 anos, empresas de serviços de petróleo como a Denbury Resources e a Kinder Morgan canalizaram gás carbônico de reservatórios naturais do Colorado para poços de petróleo em declínio da Bacia Permiana, no oeste do Texas. Os Estados Unidos têm ao menos 100 desses projetos e 6 mil km de gasodutos de CO2. Ao todo, foram injetados 300 bilhões de m3 do gás desde os anos 70, de acordo com R. Tim Bradley, presidente da divisão de CO2 da Kinder Morgan, para aumentar a produtividade de campos de petróleo em cerca de 650 mil barris por dia – mais de 10% da produção diária total dos Estados Unidos. Mais importante em relação ao CCS, a Great Plains Synfuels Plant, em Dakota do Norte, tem bombeado 2 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano no campo de petróleo de Weyburn, em Saskatchewan, desde o ano 2000. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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Gigantes petrolíferas passaram a separar o dióxido de carbono do gás natural e bombeá-lo de volta ao terreno
O CO2, basicamente, extrai mais hidrocarbonetos do campo petrolífero. “O projeto de gaseificação em Dakota do Norte está criando gás sintético e obtendo o CO2 desse processo”, que é, então, canalizado até o campo de Weyburn, observa Kurt Waltzer, coordenador de desenvolvimento de armazenamento de carbono da Clean Air Task Force, grupo ambiental sediado em Boston. “De fato, tem-se a demonstração de todos os aspectos de execução de um projeto de CCS.” Usar dióxido de carbono para recuperar mais combustível fóssil – e armazenar permanentemente o gás durante o processo – pode parecer contraproducente para evitar as mudanças climáticas, uma vez que esse combustível, quando queimado, libera mais CO2 na atmosfera. Mas a operação, de fato, reduz no mínimo 24% do total de emissões, calcula Ronald Evans, vice-presidente sênior de engenharia de reservatório da Denbury: cada barril de petróleo recuperado emite, no final, 0,42 tonelada de CO2 na atmosfera, mas de 0,52 a 0,64 tonelada é injetada no subsolo durante o processo de extração. Na verdade, Bradley estima que o uso da recuperação avançada de petróleo nos Estados Unidos poderia reduzir as emissões de CO2 em 4%, se feito corretamente. O grande temor geralmente associado ao sequestro de carbono é que o CO2 aprisionado possa escapar repentinamente para a superfície, com consequências letais, como aconteceu em 1986 no lago Nyos, em Camarões. Esse lago vulcânico havia acumulado naturalmente 2 milhões de toneladas de dióxido de carbono nas águas mais frias do fundo. Numa noite, expeliu espontaneamente o gás carbônico, deslocando 24
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o ar oxigenado e sufocando mais de mil pessoas que habitavam as vilas próximas. Ainda assim, em todas as décadas de injeção comercial de CO2 usada em EOR, nunca houve nenhum vazamento perigoso. O CO2 que já escapou de fissuras dos poços de injeção, sempre se dispersou rápido demais para que apresentasse algum risco. Por exemplo, prospectores de Utah que perfuravam o solo à procura de gás natural em 1936 criaram um gêiser de CO2 acidentalmente. Ele ainda entra em erupção algumas vezes por dia para liberar pressão, mas é “tão inofensivo que se tornou atração turística, não um risco”, afirma Benson, da Stanford. Na verdade, a concentração de dióxido de carbono no ar precisa superar os 10% para se tornar perigosa, o que é difícil de acontecer, de acordo com simulação feita no Lawrence Livermore National Laboratory. A razão é que a expulsão repentina de CO2 de um lago vulcânico cria condições diferentes das de um vazamento de uma boca de poço de petróleo ou pela permeação do subsolo, explica Julio Friedmann, chefe do programa de gestão de carbono do Lawrence Livermore. No lago Nyos, uma liberação abrupta de CO2 fez com que se acumulassem concentrações perigosas do gás nas regiões mais baixas dos arredores. O gás pressurizado que vaza por uma boca de poço ou por uma fissura misturase rapidamente à atmosfera, não apresentando nenhum perigo, assim como o uso de um extintor de incêndio não é nocivo. Em situações em que a concentração no ar é mínima, como no caso de um vazamento lento em um porão, o problema pode ser eliminado simplesmente instalando-se um AULA ABERTA
sensor e um ventilador, como é feito em edifícios de apartamentos, próximo a infiltrações naturais de CO2, na Itália e na Hungria. Em um projeto piloto no Japão, nem mesmo um terremoto com magnitude de 6,8 foi suficiente para liberar o CO2 de um aquífero salino profundo; as bocas de poço nem sequer vazaram. Grandes terremotos podem causar vazamentos, mas em muitos casos isso não ocorre, diz Friedmann. Entretanto, “o primeiro projeto malfeito de CCS será o último projeto de CCS a ser realizado”, adverte Mark Brownstein, diretor administrativo de parcerias de negócios do programa sobre o clima e o ar, do Fundo de Defesa Ambiental (EDF, na sigla em inglês) em Nova York. “Nesse sentido, é muito semelhante à energia nuclear.” Portanto, o armazenamento pode funcionar, mas será que o gás carbônico pode ser sequestrado nas usinas elétricas? Afinal, como Kaarstad, da Statoil, diz: “O sequestro de CO2 das usinas é uma ordem de grandeza mais difícil”.
SEQUESTRO DE CO2 Hoje existem três tipos de tecnologias que permitem sequestrar CO2 de uma usina termoelétrica. Um deles, como na Schwarze Pumpe, envolve o processo com oxicombustível: a queima de carvão em oxigênio puro para produzir um fluxo de emissões ricas em CO2. O segundo tipo usa vários processos químicos – sob a forma de lavagens com amina ou amônia, membranas especiais ou líquidos iônicos – para remover o dióxido de carbono de uma mistura mais complexa de gases de exaustão. O terceiro processo é chamado de gaseificação, em que combustíveis líquidos ou sólidos são inicialmente convertidos em gás natural sintético (gasogênio); o CO2 que se forma durante a conversão pode ser removido por um sifão. O problema básico comum a todos os processos é o custo. Falando de maneira simples, custa dinheiro – e energia – sequestrar CO2, variando de US$ 5 a tonelada, nos projetos de gás natural como o In Salah, a mais de US$ 90
COMO FUNCIONA Sequestro de carbono: CO2 pode ser separado de usinas termoelétricas a carvão – mas isso tem um preço.
Separação de CO2 Gás de escape Separação do ar
CO2
Gaseificador
Separação do ar
US$ 50 a 60
Separação de CO2
CO2
Compressão
CO2 líquido
Turbina a gás
US$ 25 a 50 por tonelada de US$ 25 a 75 por tonelada de CO2 capturado
Captura de CO2 pós-combustão. Em usinas convencionais, o CO2 pode ser separado quimicamente dos gases de escape, comprimido e armazenado ou vendido à indústria.
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Vapor
Compressão
Gás de escape (reciclável) Vapor
Combustão do carvão
Oxicombustão. Carvão queimado em oxigênio puro produz gases de escape que se compõem principalmente de CO2, o que simplifica o processo para isolá-lo. Os custos para preparar o oxigênio puro, no entanto, aumentam as despesas totais.
Carvão
Separação de CO2
O2
Hidrogênio
© ANTHONY ANEESE TOTAH JR./DREAMSTIME, INFOGRAFIAS: TAMALI REDA
O segredo para tornar as usinas a carvão mais benignas para o clima é capturar o gás carbônico liberado na mistura de gases quentes que sai das chaminés. Filtros químicos podem ser usados em usinas convencionais, mas uma forma mais eficiente envolve a alteração do processo de queima do carvão. O problema é que cada uma dessas operações aumenta significativamente o custo da eletricidade, ou requer a construção de uma usina completamente nova.
Compressão
CO2
CO2 capturado (não inclui o preço da nova usina)
Gaseificação integrada. A conversão do carvão em gasogênio (gás de síntese), que é então queimado, garante captura eficiente de CO2 ao menor custo direto. Mas para isso é necessário substituir as instalações atuais por sistemas integrados de gaseificação e ciclo combinado, que são muito caros.
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COMO FUNCIONA Enterrar o CO2: Várias camadas podem aprisionar o gás por longo prazo O dióxido de carbono recuperado das emissões de usinas termoelétricas a carvão pode ser injetado em vários tipos de formações geológicas para descarte em longo prazo, incluindo depósitos de petróleo e gás natural, e veios de carvão e água salgada subterrânea (salmoura). Na ver-
dade, o bombeamento de CO2 pode ser muito útil para aumentar a recuperação de campos de gás e petróleo que já passaram pelo pico de produção. O CO2 enterrado não fica assentado como uma piscina em uma caverna, mas, em estratos adequados, infiltra-se entre grãos de camadas de arenito (detalhe) e se dissolve em solução. Com o tempo, pode combinar-se quimicamente com os minerais que o envolvem. Camadas densas de rocha não porosa cobrem as formações que man-
têm o CO2, ajudando a assegurar que o gás não sofra percolação até à superfície, onde acúmulos súbitos poderiam apresentar risco à população. A experiência com o sequestro de CO2 até o momento sugere que o gás se mantém seguramente aprisionado no subsolo mesmo após terremotos, mas testes de segurança continuam sendo realizados. Projetos piloto de sequestro de CO2 podem ser promissores, mas o desenvolvimento em escala industrial ainda não foi tentado. CO2 injetado
Recuperação avançada de petróleo assistida por CO2 (em terra e no mar)
Petróleo/gás retornado
Reservas de petróleo e gás esgotadas Formações profundas de basalto contendo salmoura Depósitos de carvão não exploráveis Recuperação avançada de metano em camadas de carvão, assistida por CO2 Formações profundas de salmoura (em terra e no mar)
Rocha superior densa Rocha porosa
por tonelada produzida por certas tecnologias de gaseificação. O Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE, na sigla em inglês) estimou, em maio de 2007, que uma nova usina alimentada por carvão pulverizado e equipada com sistemas de lavagem scrubber com amina para sequestrar 90% do CO2 produziria eletricidade a um custo de mais de US$ 114 por megawatthora (comparado a apenas US$ 63 por MWh sem sequestro de CO2). Uma usina semelhante com sistema integrado de gaseificação e ciclo combinado (IGCC) – no qual carvão é transformado em gás antes de ser queimado – sequestrando a mesma quantidade de carbono produziria eletricidade por cerca de US$ 103 26
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por MWh. Para o consumidor, o custo extra de captura de carbono seria em torno de US$ 0,04 por quilowatt-hora. O DOE pretende baixar esse preço. “Em termos de custo total, eles querem chegar a US$ 10 por tonelada de CO2”, explica Rajesh Pawar, chefe do projeto de sequestro de CO2 do Los Alamos National Laboratory. “No momento, estamos chegando à faixa de US$ 50 por tonelada.” Entretanto, mesmo os altos custos atuais não impediram as empresas de energia e os governos de construir algumas fábricas de sequestro de carbono e planejar a criação de novas unidades. A usina de 180 MW, Warrior Run, em Maryland, já sequestra 96% de suas emissões de CO2, que são utilizados na fabricação de extintores de AULA ABERTA
incêndio. A usina de Kingsport, no Tennessee, tem capturado CO2 desde 1984, e o vende a fabricantes de bebidas carbonatadas. Em outros países, a Vattenfall expandirá a operação da Schwarze Pumpe e converterá diversas caldeiras comerciais de usinas como Jänschwalde, na Alemanha, e Nordjylland, na Dinamarca, para CCS até 2015, de acordo com Görtz, da Vattenfall. A Austrália e a China estão construindo usinas termoelétricas que terão emissão zero, usando a tecnologia IGCC, apelidadas ZeroGen e GreenGen, respectivamente. O governo Obama pode até ressuscitar o projeto FutureGen – uma usina de IGCC de 275 MW que capturaria 90% de suas emissões; o governo Bush cancelou-o por causa do aumento crescente dos custos (que haviam sido mal calculados). E o DOE ofereceu pelo menos US$ 8 bilhões em garantias de empréstimo para termoelétricas a carvão com CCS. A Duke Energy está gastando US$ 2,35 bilhões para construir uma usina de IGCC de 630 MW em Edwardsport, Indiana, que pode se tornar o primeiro sistema comercial de CCS no país – embora, de acordo com seu projeto (que aguarda aprovação), viesse a capturar apenas 18% do CO2 que geraria em 2013. “O nosso objetivo é que esta seja uma das primeiras demonstrações de CCS em uma usina em funcionamento”, comenta Angeline Protogere, porta-voz da Duke. “O carvão abastece cerca da metade da eletricidade do país, e nós precisamos encontrar formas limpas de queimá-lo.” É claro que essa fábrica piloto não mencionará as outras questões que difamam o uso de carvão, como a mineração por remoção do topo das montanhas para revelar os veios de carvão, ou a poeira de carvão tóxica que é liberada pelo processo. E todo (ou quase todo) o gás estufa precisaria ser sequestrado para que uma usina termoelétrica possa ser considerada ecológica. Mas o IGCC é capaz de remover 90% ou mais do CO2. “Nossa proposta é chegar a 18% de captura e armazenamento”, esclarece Protegere. “Mas isso não impede que depois voltemos atrás e busquemos um nível mais elevado.” A Duke não está sozinha. A American Electric Power começará a sequestrar, no máximo, pouco mais de 3% das 8,5 toneladas de gás carbônico emitidas por sua usina de 1.300 MW, Mountaineer, na Virgínia Ocidental, no final deste ano, e injetará o CO2 mais de 3 km abaixo da superfície. O grupo AULA ABERTA
Erora planeja construir uma usina de IGCC de 630 MW com CCS, apelidada Cash Creek, no Condado de Henderson, no Kentucky. A Summit Power propõe construir uma usina de IGCC de 170 MW, no oeste do Texas, para sequestrar 80% de suas emissões de CO2. A BP e a Southern Company também têm seus projetos. Mas abandonaram-se no meio do caminho usinas anteriores, como as duas propostas pela companhia energética NRG, no estado de Nova York e em Delaware. Elas foram canceladas pelos altos custos de tecnologia e pela falta de política federal – um programa de comércio de emissões (cap and trade) de carbono ou outro mecanismo que efetivamente ponha um preço na poluição por CO2 – para que pudessem ser economicamente viáveis, observa Caroline Angoorly, chefe de mercados ambientais da JP Morgan Chase, que comandou o desenvolvimento desses projetos quando estava na NRG. Entretanto, a Tenaska, sediada em Oklahoma, planeja criar duas usinas. A primeira, de US$ 3 bilhões, em Taylorville, Illinois, gaseificaria o carvão rico em enxofre da região antes de capturar pelo menos 50% do CO2. A outra, de US$ 3,5 bilhões, planejada para Sweetwater, no Texas, queimaria carvão em pó para gerar 600 MW de eletricidade, enquanto sequestraria os 5,75 milhões de toneladas de emissões póscombustão com lavagens com amina ou amônia ou, possivelmente, membranas avançadas que separam o CO2 de outros gases de escape. A Austrália e a China já demonstraram que esse sequestro pós-combustão é possível em fábricas piloto. Na usina de Loy Yang, em Victoria, uma unidade piloto operada pela CSIRO deve sequestrar mil toneladas de CO2 por ano. Essa organização de pesquisa australiana tem colaborado com o grupo chinês Huaneng, usando um lavador scrubber de amina para capturar CO2 de uma usina de cogeração em Pequim, que depois é vendido. E a Statoil está construindo um centro de pesquisa em CCS em sua refinaria Mongstad, na Noruega. Se o sequestro pós-combustão puder ser demonstrado comercialmente, “então o mercado para as termoelétricas a carvão existentes é muito grande. Há pelo menos 2 bilhões de toneladas de emissões de usinas de carvão em pó nos Estados Unidos”, comenta Greg Kunkel, vice-presidente de assuntos ambientais da Tenaska. “Não se pode atacar o problema maior [a mudança climática] SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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CONCEITO
GRANDES TERMOELÉTRICAS Instalações destinadas a converter a energia de um combustível em energia elétrica. Na termoelétrica, o combustível (gás natural, carvão, óleo etc.) é armazenado em tanques e enviado à caldeira da usina, onde é queimado e produz o calor para a vaporização da água que circula por tubos em suas paredes. Esse vapor é que movimenta as pás de uma turbina, ligada diretamente a um gerador de energia elétrica.
sem lidar com essas usinas de alguma maneira.” Essa consideração atraiu até grupos ambientais como o Natural Resources Defense Council (NRDC) e o EDF para apoiar o sequestro e armazenamento de carbono. De acordo com suas estimativas, as termoelétricas a carvão que surgiram desde a virada do milênio emitirão mais CO2 que toda a queima de carvão desde o início da era industrial: 660 bilhões de toneladas em sua vida de 50 anos, contra 524 bilhões de toneladas entre 1751 e 2000. “Os próximos 25 anos de investimento produziriam 34% mais emissões que todo o uso anterior de carbono pelo homem”, compara o engenheiro e cientista George Peridas, do centro climático do NRDC. “Esse é um imenso legado, não podemos deixar isso acontecer.” É claro que nem todos os ambientalistas estão de acordo. Tanto o Sierra Club como o Greenpeace se opõem ao CCS, embora todos os defensores do meio ambiente concordem, aparentemente, que as emissões de gás estufa devam ser reduzidas em pelo menos 80% abaixo dos níveis de 1990 até a metade do século, um objetivo também defendido pelo governo Obama. “Nós, ambientalistas, toleramos o carvão não porque gostemos dele”, acrescenta Brownstein, do EDF. “É porque precisamos lidar com ele se quisermos atingir as reduções de CO2 desejadas dentro do tempo planejado.” Como resultado, o NRDC, o EDF, a Clean Air Task Force e outros grupos apoiam tanto o esquema de comercialização de emissões de carbono, para limitar as emissões de CO2, como os subsídios para que as primeiras usinas com CCS sejam construídas. “Se não enfrentarmos o problema do carvão, será o fim da linha contra as mudanças climáticas”, avalia John 28
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Thompson, diretor do projeto de transição do carvão da Clean Air Task Force. E o CCS pode ser igualmente aplicado a outras indústrias que emitem grandes quantidades de CO2: fábricas de cimento, aço e alumínio, entre outras. Existe também a opção de combinar o CCS com a queima de matéria vegetal, para criar um combustível com “carbono negativo”, que, quando queimado, remove mais CO2 do ar do que libera. Mas isso levará tempo: o engenheiro de pesquisa Howard Herzog, do Massachusetts Institute of Technology, estima que a primeira usina a carvão com CCS dos Estados Unidos não ficará pronta antes de 2015. “Devemos ter algumas até 2020, quem sabe perto de dez”, comenta. “Se o objetivo é cortar 80% [de emissões de CO2] até 2050, então não é um número suficiente.” Mas “cada cinco anos sem ação (...) requerem um gigaton extra de reduções”, realça Hill, da BP. “A não ser que comecemos agora, não conseguiremos aproveitar as vantagens do CCS e as reduções que necessitamos.” E para agir será preciso muito dinheiro: a IEA estima ao menos US$ 20 bilhões para a próxima década, enquanto o grupo industrial American Coalition for Clean Coal Electricity afirma que custará US$ 17 bilhões para que o CCS esteja disponível até 2025. “Nós vamos ter de fazê-lo, assim como acrescentar as energias eólica, solar, nuclear e a conservação”, diz Friedmann, do Lawrence Livermore. “É um imperativo climático, então, precisamos conviver com isso.”
O AUTOR David Biello é editor associado da ScientificAmerican.com. AULA ABERTA
© ERIC BOUVET/GAMMA/EYEDEA PRESSE/OTHER IMAGES
Tragédia africana: o carbono acumulado no lago Nyos, em Camarões, liberou-se repentinamente, sufocando mais de mil pessoas
PARA O PROFESSOR QUÍMICA Ciências da Natureza e suas tecnologias
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CONTEÚDOS O carvão como fonte de energia O carvão como fonte de compostos orgânicos Fontes de energia Fontes alternativas de energia Energia limpa Termoquímica Reação de combustão Pressão, difusão e efusão gasosa
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES TRABALHADAS SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM
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© WERNER STOFFBERG/SHUTTERSTOCK
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Compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas como construções humanas, percebendo seu papel nos processos de produção e no desenvolvimento econômico e social da humanidade. Associar intervenções que resultam em degradação ou conservação ambiental a processos produtivos e sociais e a instrumentos ou ações científico-tecnológicas. Relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. Entender métodos e procedimentos próprios das ciências naturais e aplicá-los em diferentes contextos. Identificar a presença e aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais em diferentes contextos.
▼ PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTEXTUALIZAÇÃO O tema principal do artigo é o sequestro de carbono. Para acompanhar e compreender o processo sugerido no texto – extrair o dióxido de carbono do sistema de exaustão de usinas termoelétricas e armazená-lo no subsolo –, é preciso primeiramente identificar a matéria-prima utilizada e o modo específico de obtenção de energia em usinas termoelétricas. Outro requisito é entender a necessidade do sequestro de carbono e os riscos e as consequências do acúmulo de CO2 na atmosfera. O carvão mineral é uma mistura de um grande número de substâncias orgânicas, e sua composição e estrutura dependem das condições às quais esteve sujeito durante centenas de milhões de anos. Provém de vegetais terrestres soterrados há milhares de anos. O calor e a pressão começaram a provocar transformações nessa massa vegetal, originando o carvão mineral. Com o decorrer do tempo, substâncias voláteis foram eliminadas (CH4, CO2, H2O etc.) aumentando o teor de carbono. Esses depósitos receberam nomes diferentes de acordo com o teor de carbono que contêm:
Teor de carbono
Madeira
Turfa
Linhito
Hulha
Antracito
Grafita
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Além de servir como combustível, o carvão mineral é uma fonte importante de compostos orgânicos utilizados em indústrias químicas. A obtenção desses compostos é feita por destilação seca da hulha (aquecendo-a sob ausência de oxigênio). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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PARA O PROFESSOR Gases (300m3): H2, CO, CH4 (combustível) Águas amoniacais (2,5 kg) (fertilizantes)
Destilação HULHA seca (1 tonelada)
Alcatrão (45 L) (compostos aromáticos) Sólido: Coque (640 kg) (siderurgia)
O carvão e o petróleo são considerados fósseis porque surgiram depois de um longo processo de decomposição e transformação de matéria orgânica, a altas pressões, em outras eras geológicas. Os combustíveis fósseis representam mais de 80% da energia mundial atual, pois são a forma mais barata de produzir energia. A combustão é a reação de uma substância combustível com o oxigênio (O2), comburente, presente na atmosfera, com liberação de energia. A liberação ou absorção de energia durante uma reação é denominada variação de entalpia (ΔH). Quando temos ΔH>0, significa que o processo é endotérmico – a energia do(s) produto(s) é maior que a do(s) reagente(s), ou seja, ocorre absorção de calor do meio. Já quando temos ΔH<0, significa que o processo é exotérmico – a energia do(s) reagente(s) é maior que a do(s) produto(s), ou seja, há liberação de calor para o meio, como na combustão do carvão. C(s) + O2(g)JCO2 (g) ΔH= – 393,5kj/mol Essa combustão leva à produção de um gás indesejável, o dióxido de carbono (gás carbônico), o maior responsável pelo chamado efeito estufa. O sequestro de carbono é a absorção de grandes quantidades de gás carbônico, CO2, presentes na atmosfera. A forma mais comum de sequestro de carbono é 30
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realizada naturalmente pelas florestas. Na fotossíntese, as plantas, para se desenvolver, absorvem uma quantidade muito grande de CO2, e retiram esse elemento do ar. Porém, essa não é a única forma de sequestrar o carbono. Já existem estudos que propõem realizar o que os cientistas chamam de sequestro geológico de carbono, uma forma de devolver o carbono para o subsolo. Relembrados esses conceitos básicos, os estudantes terão condições de fazer uma leitura proveitosa do texto.
▼ PROPOSTAS E ATIVIDADES 1. Além de ser utilizado como
combustível, o carvão mineral é uma fonte importante de compostos orgânicos utilizados em indústrias químicas. A equação termoquímica que representa a combustão do carbono é: C(s) + O2(g)JCO2 (g) ΔH= – 393,5 kj/mol. Considerando o carvão mineral como 100% de carbono: a) Calcule a energia liberada na combustão de 1 tonelada de carvão em uma usina termoelétrica. b) Determine o volume de gás carbônico, nas CNTP, que deverá ser sequestrado, para considerarmos o carvão mineral utilizado como “carvão limpo”. Dados: Massa molar: C = 12 g/mol Volume molar (CNTP): 22,4 L 2. Solicitar aos estudantes que, em grupos, pesquisem sobre: a) os países que mais utilizam carvão como fonte de energia; e b) os países com as mais altas taxas de emissão de CO2 no mundo. Cada grupo escolhe uma forma para AULA ABERTA
QUÍMICA Ciências da Natureza e suas tecnologias
comparar a utilização do carvão e a emissão de CO2 entre os países (gráficos, mapas, tabelas etc.). O resultado da pesquisa pode ser apresentado em classe. 3. Quais são os riscos para a saúde se o CO2 armazenado, como mencionado no artigo, fosse liberado, como o fenômeno natural que ocorreu no lago de Nyos, em Camarões? 4. “Gás carbônico, mocinho ou vilão”? O tema geral do artigo pode inspirar um debate com a classe sobre a importância do gás carbônico no meio ambiente e as diferentes correntes científicas que se propõem explicar as mudanças climáticas e o efeito estufa. 5. Com base nas informações obtidas nas pesquisas e discussões anteriores, sugira a realização de um painel sobre as fontes alternativas de energia e as formas de sequestro de carbono. A atividade a ser realizada é interdisciplinar e exigirá a coordenação dos professores de geografia, biologia e química. Por meio dela os alunos deverão descobrir, conhecer e apresentar as alternativas propostas no Brasil sobre o tema proposto.
© AND INC./SHUTTERSTOCK
ATIVIDADE PRÁTICA
Identificando o gás carbônico Proponha aos alunos a atividade a seguir, que permite observar de forma simplificada o fenômeno do sequestro de gás carbônico. Material necessário: - 1 recipiente de vidro - cal - água - 1 canudinho plástico Procedimentos: - Dissolver uma pequena quantidade de cal na água; teremos água de cal. - Com cuidado, soprar através do canudinho na água de cal. - Solicitar aos alunos que expliquem e equacionem, quando possível: O que ocorreu quando a cal foi dissolvida na água? AULA ABERTA
O que se observa quando sopramos a água de cal através do canudinho? Esse processo pode ser considerado “sequestro de carbono”? ENEM
(Enem) As florestas tropicais úmidas contribuem muito para a manutenção da vida no planeta, por meio do chamado sequestro de carbono atmosférico. Resultados de observações sucessivas, nas últimas décadas, indicam que a floresta amazônica é capaz de absorver até 300 milhões de toneladas de carbono por ano. Conclui-se, portanto, que as florestas exercem importante papel no controle. (A) das chuvas ácidas, que decorrem da liberação, na atmosfera, de dióxido de carbono resultante dos desmatamentos por queimadas. (B) das inversões térmicas, causadas pelo acúmulo de dióxido de carbono resultante da não dispersão dos poluentes para as regiões mais altas da atmosfera. (C) da destruição da camada de ozônio, causada pela liberação, na atmosfera, de dióxido de carbono contido nos gases do grupo dos clorofluorcarbonos. (D) do efeito estufa provocado pelo acúmulo de carbono na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis, como carvão mineral e petróleo. (E) da eutrofização das águas, decorrente da dissolução, nos rios, do excesso de dióxido de carbono presente na atmosfera.
Roteiro elaborado por Wanda Lucas, professora do Colégio Bandeirantes (São Paulo, SP) SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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FÍSICA
ESSE FLUXO
MISTERIOSO Do passado fixo ao presente tangível, e ao futuro indeterminado, é como se o tempo fluísse inexoravelmente. Mas essa é uma ilusão Por Paul Davies
A
CONCEITO
PARADOXO paradoxo é uma conclusão que apresenta situações contraditórias decorrentes de afirmações verdadeiras.
ssim escreveu o poeta inglês do século 17 Robert Herrick, estabelecendo o clichê universal de que o tempo voa. E quem poderia duvidar disso? A passagem do tempo é provavelmente a característica mais básica da percepção humana, pois sentimos o tempo fluindo no âmago de nós mesmos de uma maneira mais íntima que o modo como experimentamos espaço ou massa. A passagem do tempo já foi comparada ao voo de uma flecha e a um córrego em perpétuo fluxo, transportando-nos inexoravelmente do passado ao futuro. Shakespeare referiu-se à “ciranda do tempo”, e seu compatriota Andrew Marvell, à “carruagem alada do tempo aproximando-se, veloz”. Por mais evocativas que essas imagens possam ser, esbarram num paradoxo profundo e desnorteante. Nada na física conhecida corresponde à pas32
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sagem do tempo. Os físicos insistem em afirmar que o tempo não flui; ele simplesmente é. Alguns filósofos sustentam que o próprio conceito da passagem do tempo não faz sentido, e que a ideia do rio ou do fluxo do tempo é baseada num conceito incorreto. Como algo tão próprio de nossa experiência do mundo físico pode ter uma identidade tão difícil de definir? Ou será que o tempo tem alguma qualidade essencial que a ciência ainda não identificou? Na vida cotidiana, dividimos o tempo em três partes: passado, presente e futuro. A estrutura gramatical da linguagem gira em torno dessa distinção fundamental. A realidade está associada ao momento presente. Pensamos no passado como algo que já não é, pois ficou para trás, enquanto o futuro está ainda mais envolto em sombras, com seus detalhes indefinidos. Dessa perspectiva simples, o “agora” de nossa consciência avança, AULA ABERTA
ARTES DO ACERVO DE SCIENTIFIC AMERICAN
Para sermos perfeitamente honestos, precisamos admitir que tanto cientistas como filósofos não sabem ao certo o que é o tempo, ou por que ele existe. O máximo que eles podem dizer é que o tempo é uma dimensão extra semelhante (porém não idêntica) à do espaço. Por exemplo, a órbita bidimensional da Lua através do espaço pode ser pensada como um saca-rolhas tridimensional através do espaço-tempo. AULA ABERTA
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TEMPO BLOCADO O Tempo Todo como Presente De acordo com o senso comum, o momento presente possui um significado especial. Ele é tudo o que é real. Com as batidas do relógio, o momento passa, e outro momento passa a existir — um processo a que chamamos fluxo do tempo. A Lua, por exemplo, encontra-se em apenas uma posição em sua órbita em torno da Terra. Com o tempo, ela deixa de existir naquela posição e passa a ocupar uma nova posição. No entanto, a maioria dos pesquisadores que refletem sobre esPASSADO
PRESENTE
sas questões afirma que não podemos definir um único momento presente como sendo especial, pois cada momento se considera especial. Objetivamente, passado, presente e futuro devem ser igualmente reais. Toda a eternidade é disposta, ou mapeada, em um bloco composto pelo tempo e pelas três dimensões espaciais. (Este diagrama mostra apenas duas dessas dimensões espaciais.) —P.D.
FUTURO
ESPAÇO
Lua
AÇO
Terra
ESP
TEMPO
VISÃO CONVENCIONAL: Apenas o presente é real
CONCEITO
MINUTOS-LUZ assim como anos-luz, minutos luz é uma medida de comprimento, não de tempo, e corresponde à distância percorrida pela luz em um minuto. No exemplo, 20 minutos-luz correspondem a 360.000.000 km.
UNIVERSO BLOCADO: Todos os tempos são igualmente reais
transformando eventos que faziam parte do futuro na realidade concreta, porém fugaz, do presente, e então relega-os ao passado. Por óbvia que possa parecer essa descrição baseada no senso comum, ela está em profunda contradição com a física moderna. É famosa a maneira pela qual Albert Einstein expressou essa questão, quando escreveu a um amigo: “O passado, o presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes”. A conclusão surpreendente de Einstein deriva diretamente de sua teoria da relatividade, que nega qualquer significado absoluto e universal ao momento presente. De acordo com essa teoria, simultaneidade é algo relativo. Dois eventos que ocorrem no mesmo momento, quando observados a partir de um determinado quadro de referência, podem ocorrer em momentos diferentes. Uma pergunta banal, como: “O que está acontecendo em Marte agora?” não tem uma resposta única. A questão central é que a Terra e Marte estão muito distantes entre si – até 20 minutos-luz. Como a informação não é capaz de viajar com velocidade superior à da luz, um 34
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observador na Terra é incapaz de conhecer a situação em Marte no mesmo instante. Ele precisa inferir a resposta após o evento, depois que a luz tiver cruzado a distância entre os dois planetas. A inferência sobre o evento será diferente, conforme a velocidade do observador. Por exemplo, durante expedição tripulada enviada a Marte, os controladores da missão aqui na Terra poderiam perguntar: “O que será que o comandante Jones está fazendo na Base Alfa, agora?”. Olhando para seus relógios e vendo que são 12h em Marte, a resposta deles poderia ser: “Almoçando”. Mas um astronauta passando pela Terra no mesmo momento a uma velocidade próxima à da luz poderia, ao olhar para seu relógio, dizer que o horário em Marte era anterior ou posterior a 12h, dependendo do sentido de seu movimento. A resposta desse astronauta à pergunta sobre as atividades do comandante Jones seria “preparando o almoço” ou “lavando a louça”. Esse tipo de desencontro torna cômica qualquer tentativa de conferir um status especial ao momento presente. Se você e eu estivéssemos em movimento relativo, um evenAULA ABERTA
to que eu consideraria como parte do futuro ainda não decidido poderia já existir para você no passado fixo. A conclusão mais imediata disso é que tanto o passado quanto o futuro são fixos. Por essa razão, os físicos preferem pensar o tempo como inteiramente mapeado – uma paisagem temporal (timescape), em analogia a uma paisagem espacial (landscape) – contendo todos os eventos passados e futuros. É um conceito algumas vezes chamado de “tempo blocado”. Essa descrição sobre um aspecto da natureza nada contém que defina um momento especial, que o privilegie como sendo “o presente”, nem qualquer processo que transforme os eventos futuros em acontecimentos presentes e, em seguida, em eventos passados. Em suma, o tempo do físico não passa nem flui. Diversos filósofos, no decorrer dos anos, chegaram à mesma conclusão ao examinar aquilo que normalmente denominamos passagem do tempo. Eles afirmam que o conceito não tem coerência interna. O conceito de fluxo, afinal, refere-se a movimento. Faz sentido falar do movimento de um objeto físico, como uma flecha viajando no espaço, ao medirmos como sua posição varia com o tempo. Mas que significado pode ser atribuído ao movimento do próprio tempo? Ele se move em relação a quê? Enquanto outros tipos de movimento relacionam um processo físico a outro, o fluxo hipotético do tempo relaciona o tempo a ele mesmo. A simples pergunta “Qual a velocidade do tempo?” desnuda o absurdo da própria ideia. A resposta trivial – “um segundo por segundo” – não nos diz absolutamente nada. Embora seja conveniente nos referirmos à passagem do tempo em nossos afazeres cotidianos, o conceito não fornece qualquer informação nova que não possa ser transmitida sem ele. Imagine o seguinte cenário: Alice esperava que nevasse no Natal, mas quando esse dia chegou, ela ficou desapontada porque apenas choveu; mas ela ficou contente porque nevou no dia seguinte. Apesar dessa descrição estar repleta de tempos verbais e de referências à passagem do tempo, as mesmas informações podem ser transmitidas com exatidão simplesmente correlacionando os estados mentais de Alice às datas, omitindo qualquer referência à passagem do tempo ou a mudanças ocorridas no mundo. Assim, a monótona e um tanto burocrática catalogação de fatos listados abaixo é suficiente: 24 de dezembro: Alice espera que neve no Natal. 25 de dezembro: Chove. Alice fica desapontada. 26 de dezembro: Neva. Alice fica contente. Nessa descrição, nada acontece ou muda. O AULA ABERTA
que se tem são simplesmente estados do mundo em diferentes datas, e os estados mentais de Alice associados a eles. Esse tipo de argumentação remonta aos tempos dos filósofos da Grécia Antiga, como Parmênides e Zenão. Há um século, o filósofo britânico John McTaggart procurou estabelecer uma distinção entre a descrição do mundo em termos de eventos acontecendo, que ele denominava série A, e a descrição em termos de datas correlacionadas aos estados do mundo, a série B. Cada uma delas parece uma descrição autêntica da realidade mas, apesar disso, os dois pontos de vista parecem se contradizer. Por exemplo, o evento “Alice fica desapontada” fez parte do futuro, e então do presente, e posteriormente do passado. Mas sendo passado, presente e futuro categorias exclusivas, como é que um único evento pode ter o status de pertencer às três? McTaggart usou esse conflito entre as séries A e B para defender a irrealidade do tempo. A maioria dos físicos colocaria a questão de maneira menos dramática: o fluxo do tempo é irreal, mas o tempo em si mesmo é tão real quanto o espaço. Uma fonte de confusão em discussões acerca da passagem do tempo provém da referência à chamada flecha do tempo. Negar que o tempo flui não é o mesmo que dizer que as designações “passado” e “futuro” são desprovidas de base física. Eventos no mundo formam, inegavelmente, uma sequência unidirecional. Por exemplo, um ovo derrubado no chão se partirá em pedaços, mas nunca assistimos ao processo inverso – um ovo quebrado se transformando num ovo intacto. Esse é um exemplo da segunda lei da termodinâmica, que afirma que a entropia de um sistema fechado – definida de forma aproximada como seu grau de desordem – tende a crescer com o tempo. Um ovo intacto tem menos entropia que um ovo quebrado. Pelo fato de haver uma abundância de processos físicos irreversíveis na Natureza, a segunda lei da termodinâmica desempenha um papel fundamental para impor ao mundo uma evidente assimetria entre as direções passada e futura, ao longo do eixo do tempo. Por convenção, a flecha do tempo aponta para o futuro. Isso, porém, não implica que a flecha esteja se movendo rumo ao futuro, assim como a ponta de uma bússola apontada para o norte não indica que a bússola esteja indo para o norte. Ambas as flechas simbolizam assimetria, mas não movimento. A flecha do tempo denota uma assiSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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CONCEITO
PARMÊNIDES E ZENÃO Esses filósofos gregos defenderam a ideia de que espaço e tempo não poderiam ser compostos de partes pequenas de tempo enfileiradas.
CONCEITO
ASSIMETRIA para a física, se há assimetria significa dizer que existe uma situação privilegiada em relação a outra.
SIMULTANEIDADE Tudo é Relativo O que está acontecendo em Marte exatamente neste momento? Uma pergunta tão simples, e uma resposta tão complexa. O problema está na expressão “neste momento”. Pessoas diferentes, movendo-se em velocidades diferentes, possuem percepções diferentes do que é o momento presente. Esse fato estranho é denominado relatividade da simultaneidade. Nos cenários abaixo,
duas pessoas – um terrestre em Houston e um homem-foguete cruzando o Sistema Solar a 80% da velocidade da luz – tentam responder à pergunta sobre o que está acontecendo em Marte nesse momento. Um habitante de Marte combinou que almoçaria quando o relógio marcasse 12h e transmitiria um sinal nesse momento. – P.D.
A Situação Vista da Terra
Da perspectiva do terrestre, a Terra está parada, Marte está a uma distância constante (20 minutos-luz) da Terra, e a espaçonave está se movendo a 80% da velocidade da luz. A situação parece exatamente a mesma para o marciano. Antes do meio-dia
Trocando sinais de luz, o terrestre e o marciano medem a distância entre eles e sincronizam seus relógios.
Terra
Marte 20 minutos-luz
12h
O terrestre supõe que o marciano começou a almoçar. Ele se prepara para aguardar 20 minutos até a confirmação.
12h11
Conhecendo a velocidade da nave, o terrestre deduz que ela recebe o sinal enquanto está a caminho de Marte.
12h20
O sinal chega à Terra. O terrestre confirmou sua hipótese anterior. Meio-dia em Marte coincide com meio-dia na Terra.
12h25
A nave chega a Marte.
Sinal de rádio
A Situação Vista do Foguete
Da perspectiva do homem-foguete, a nave está parada. Os planetas é que estão voando pelo espaço a 80% da velocidade da luz. Suas medições demonstram que os dois planetas estão separados por 12 minutos-luz — uma distância diferente da inferida pelo terrestre. Essa discrepância, um efeito bem conhecido da teoria de Einstein, é chamada contração do comprimento. Um efeito relacionado com a contração do comprimento é a dilatação do tempo, que faz com que os relógios na nave e nos planetas funcionem em velocidades diferentes. (O terrestre e o marciano pensam que o relógio da nave está andando mais devagar; o homem-foguete acha que são os relógios nos planetas que estão lentos.) Quando a nave passa pela Terra, ele sincroniza seu relógio com o da Terra. Antes do meio-dia
Trocando sinais de luz com seus colegas, o viajante mede a distância entre os planetas.
Terra Marte 12 minutos-luz
12h
Ao passar pela Terra, o viajante estabelece a hipótese de que o marciano começou a almoçar. Ele se prepara para aguardar 12 minutos até a confirmação.
Sinal de rádio
12h07
O sinal chega, negando a hipótese. O viajante conclui que o marciano almoçou em algum momento anterior ao meio-dia (horário da nave).
12h15
Marte chega à nave. O viajante e o marciano notam que seus relógios estão fora de sincronia, porém discordam sobre qual deles está certo.
12h33
O sinal chega à Terra. As discrepâncias entre os relógios demonstram que não existe um momento presente universal.
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(posições fora de escala)
AULA ABERTA
metria do mundo no tempo, e não assimetria ou fluxo temporais. As designações “passado” e “futuro” podem ser legitimamente aplicadas a direções temporais, da mesma forma que as expressões “para cima” e “para baixo” podem ser aplicadas a direções espaciais, porém falar do passado ou do futuro é algo tão desprovido de significado quanto nos referirmos a para cima ou para baixo. Essa distinção entre “estar no passado” ou “estar no futuro” e “o” passado ou “o” futuro é claramente ilustrada quando imaginamos um filme, por exemplo, do ovo caindo no chão e se partindo. Se o filme fosse projetado ao contrário, todos perceberiam que a sequência é irreal. Agora, imagine se o filme fosse cortado quadro a quadro, e os quadros fossem embaralhados aleatoriamente. Seria simples, para uma pessoa, a tarefa de reorganizar a pilha de quadros numa sequência ordenada corretamente, com o ovo quebrado no topo da pilha e o ovo intacto embaixo. Essa pilha vertical conserva a assimetria implícita na flecha do tempo, porque ela forma uma seqüência ordenada no espaço vertical, provando que a simetria do tempo é na verdade uma propriedade dos estados existentes no mundo, e não uma propriedade do tempo em si mesmo. Não é necessário que o filme seja exibido para discernirmos a flecha do tempo. Uma vez que a maior parte das análises físicas e filosóficas sobre o tempo é incapaz de revelar qualquer sinal de fluxo temporal, tudo o que nos resta é algo misterioso. A que devemos atribuir a impressão vigorosa e universal de que o mundo se encontra num estado de fluxo contínuo? Alguns pesquisadores, notadamente Ilya Prigogine, químico ganhador do Prêmio Nobel, sugeriram que a física sutil dos processos irreversíveis transforma o fluxo do tempo num aspecto objetivo do mundo. Mas eu, e outros, afirmamos que se trata de algum tipo de ilusão. Afinal, na verdade não observamos a passagem do tempo. O que observamos de fato é que estados mais recentes do mundo diferem de estados anteriores dos quais ainda nos lembramos. O fato de recordarmos o passado, e não o futuro, não é uma observação da passagem do tempo, mas da assimetria do tempo. Apenas um observador consciente registra o fluxo do tempo. Um relógio mede as durações entre eventos assim como uma fita métrica mede as distâncias entre lugares; ele não mede a “velocidade” com que AULA ABERTA
um momento sucede outro. Portanto, o fluxo do tempo parece ser subjetivo, e não objetivo. Essa ilusão exige uma explicação, e essa explicação deve ser buscada na psicologia, na neurofisiologia, e talvez na linguística ou na cultura. A ciência moderna mal começa a levar em conta a questão de como percebemos a passagem do tempo; só podemos especular quanto à resposta. Pode ter algo a ver com o funcionamento do cérebro. Há dois aspectos da assimetria temporal que podem produzir a falsa impressão de que o tempo está fluindo. O primeiro deles é a distinção termodinâmica entre passado e futuro. Como os físicos notaram nas últimas décadas, o conceito de entropia está intimamente ligado ao conteúdo de informação de um sistema. Por essa razão, a formação da memória é um processo unidirecional – novas memórias acrescentam informação e aumentam a entropia do cérebro. Possivelmente percebamos essa unidirecionalidade como sendo o fluxo do tempo. Uma segunda possibilidade é que nossa percepção do fluxo do tempo esteja de alguma maneira ligada à mecânica quântica. Desde os primeiros tempos da formulação da mecânica quântica, observou-se que o tempo entra na teoria de forma peculiar, bem diferente da inclusão do espaço. O papel especial do tempo é uma das razões pelas quais tem sido tão difícil consolidar a mecânica quântica com a relatividade geral. O princípio da incerteza de Heisenberg, segundo o qual a Natureza é inerentemente indeterminística, implica um futuro em aberto (e, a propósito, também um passado em aberto). Esse indeterminismo se manifesta de modo mais conspícuo na escala de dimensões atômicas e dita que as propriedades observáveis que caracterizam um sistema físico permanecem em geral não decididas de um momento para o momento seguinte. Por exemplo, um elétron que se choca com um átomo pode sofrer um desvio de trajetória para uma entre muitas direções, e em geral é impossível prever de antemão qual será o resultado em determinado caso. O indeterminismo quântico implica que, para um estado quântico em particular, há muitos (possivelmente, infinitos) futuros alternativos ou realidades em potencial. Com a mecânica quântica podemos calcular as probabilidades relativas de cada resultado observável, embora a teoria não afirme qual futuro potencial será realidade. Mas quando um observador humano faz uma medição, um, e somente um resultado é obtido; por exemplo, poderemos verificar que o elétron que se chocou contra o átomo está se movendo SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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CONCEITO
PRINCÍPIO DA INCERTEZA esse princípio afirma que, ao medir determinado evento em escala microscópica, o observador o influencia. Assim, não podemos saber, ao mesmo tempo, as medidas de posição e de velocidade de uma partícula.
O AUTOR Paul Davies é físico teórico do Centro Australiano de Astrobiologia da Universidade Macquarie, em Sydney. Ele é um dos mais prolíficos escritores de livros populares sobre física. Seus interesses na área da pesquisa científica incluem buracos negros, teoria de campos quânticos, a origem do Universo, a natureza da consciência e a origem da vida.
em determinada direção. No ato da medição, uma única realidade específica é projetada a partir de uma vasta gama de possibilidades. No interior da mente do observador, o possível realiza uma transição para o real, o futuro em aberto transita para o passado fixo – o que é exatamente o que descrevemos como sendo o fluxo do tempo. Não há um consenso, entre os físicos, sobre a maneira como acontece essa transição de muitas realidades em potencial para uma única realidade. Muitos físicos já afirmaram que isso tem algo a ver com a consciência do observador, uma vez que é o ato da observação que leva a Natureza a se decidir. Alguns pesquisadores, como Roger Penrose, da University of Oxford, sustentam que a consciência – inclusive a impressão de fluxo temporal – pode estar relacionada a processos quânticos no cérebro. Embora os pesquisadores não tenham encontrado evidências da existência de um único “órgão do tempo” no cérebro, ou seja, algo semelhante, por exemplo, ao córtex visual, é possível que estudos futuros detectem esses processos cerebrais responsáveis pela nossa impressão de passagem do tempo. É possível imaginar a existência de drogas capazes de suspender a percepção, por parte do indivíduo, de que o tempo está passando. Na verdade, alguns praticantes de meditação afirmam ser capazes de atingir esses estados mentais naturalmente. E se a ciência fosse capaz de explicar o fluxo do tempo? Talvez deixássemos de nos inquietar com o futuro ou sofrer com o passado. As preocupações com a morte poderiam se tornar tão irrelevantes quanto preocupações com o nascimento. Expectativas e nostalgia poderiam deixar de fazer parte do vocabulário humano. Acima de tudo, o sentido de urgência que acompanha tantas atividades humanas poderia se evaporar
PARA CONHECER MAIS
PARA O
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Conteúdos
• Conceito de tempo • Princípios da teoria da relatividade • Leis da termodinâmica
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Competências trabalhadas segundo a matriz de referência do Enem
• Compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas como construções humanas, percebendo seus papéis nos processos de produção e no desenvolvimento econômico e social da humanidade.
The unreality of time. John Ellis McTaggart, em Mind, vol. 17, págs. 456-473, 1908. Can time go backward? Martin Gardner em SCIENTIFIC AMERICAN, vol. 216, no 1, págs 98-108, janeiro de 1967. What is time? G. J. Whitrow. Thames & Hudson, 1972. The physics of time asymmetry. Paul Davies. University of California Press, 1974. Time and becoming. J.J.C. Smart in time and cause. Editado por Peter van Inwagen. Reidel Publishing, 1980. About time: E instein’s unfinished revolution. Paul Davies. Simon & Schuster, 1995.
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Habilidade envolvida
• Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. AULA ABERTA
PROFESSOR
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▼ Propostas pedagógicas PARA A LEITURA DO TEXTO O tema principal do texto é o conceito de tempo. Esse conceito, tão presente no cotidiano e fundamental para a física, deve ser discutido com os estudantes principalmente com o objetivo de diferenciar o “nosso” tempo do tempo da física. A palavra tempo pode aparecer em diferentes contextos do nosso dia a dia: dizemos “não tenho tempo” quando queremos indicar que estamos ocupados; “hoje o tempo está feio”, para nos referirmos ao tempo atmosférico. Esses dois “tempos” são distintos do tempo da física, em que ele tem caráter de dimensão. A dimensão do tempo e as outras três dimensões de espaço caracterizam o estado de um evento, ou situação. Mas, então, como relacionar o nosso tempo com o tempo da física? A física procura reconhecer regularidades e entender quando e como elas ocorrem. Procurar regularidades no Universo significa observar quando determinado evento se repete. E é essa repetição, ou regularidade, que nos permite medir AULA ABERTA
FÍSICA
Ciências da Natureza e suas tecnologias
o tempo. O Sol, todos os dias, surge e se põe, dia a dia e da mesma forma. Com base nessa repetição podemos criar um intervalo de tempo: o dia. Por outro lado, nossa percepção de tempo está associada também a mudanças. Como percebemos a passagem do dia? Pela variação da luminosidade do Sol, que aumenta ao longo da manhã até diminuir novamente, no final do dia. Do mesmo modo, se observarmos duas fotos de um mesmo lugar, será difícil distinguir se houve intervalo de tempo entre ambas, se não aparecerem mudanças explícitas, como um novo elemento ou personagem em uma delas. Assim, dizemos que dois estados com as mesmas características são idênticos, e não conseguiríamos saber se o tempo passou ou não para eles. A principal contribuição da teoria da relatividade, proposta por Einstein, foi de reconhecer o caráter de dimensão do tempo. Antes disso, o tempo era visto como absoluto, o que significa dizer que o tempo era o mesmo para todos os referenciais, parados ou em movimento, o que contraria nossa percepção de tempo. Na teoria einsteiniana, tempo e espaço são colocados lado a lado, criando-se o espaço-tempo. Outro aspecto fundamental levantado pelo texto é o conceito de ordem e sua relação com o tempo. Não podemos nos referir ao tempo sem nos referir à ordem. O conceito de irreversibilidade aparece na termodinâmica e indica que temos uma ordem para alguns acontecimentos, e que as situações de maior desordem são privilegiadas. Essa é a assimetria do tempo, ou seja, alguns estados têm mais probabilidade de ocorrer do que outros. Nesse contexto, o tempo da física se aproxima do nosso “tempo”. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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PARA O PROFESSOR O texto que lemos apresenta o exemplo do filme de um ovo quebrando, que, quando passado de trás para frente, nos provoca estranheza. O que reconhecemos como passagem de tempo, ou seja, a ordem de determinados eventos, é a assimetria do tempo na termodinâmica. Levantar a discussão sobre o conceito de tempo com os estudantes é importante por se tratar de uma questão que permeia toda a física. Isso pode e deve ser feito em diferentes momentos do curso: no início, como uma introdução, ao apresentar as características gerais da ciência, ou em momentos mais específicos, ao trabalhar assuntos como relatividade ou termodinâmica, com a abordagem que foi apresentada acima. A discussão sobre o tempo pode ser proveitosa também em atividades interdisciplinares. Por exemplo: procurar entender como a química utiliza os conceitos de tempo e de meia-vida. Ou ainda, compreender como o conceito de tempo foi apresentado e discutido pela filosofia.
▼ Propostas e atividades As atividades propostas a seguir preparam para a leitura do texto. Podem ser realizadas antes que os alunos leiam o artigo, para que acionem os conhecimentos prévios sobre o tema, que foram desenvolvidos durante o estudos de mecânica e de termodinâmica. Esses assuntos permitem uma boa discussão sobre o conceito de tempo. 40
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REPRESENTAÇÃO DO TEMPO Peça aos alunos que, individualmente, façam em uma folha de papel um desenho que represente o tempo. Depois, proponha que escrevam uma justificativa para o desenho, explicando por que ele representa o tempo. Reúna os alunos em pequenos grupos para que vejam os desenhos feitos pelos colegas e os comparem. Solicite, então, que reconheçam elementos comuns nos desenhos do grupo. Finalmente, oriente-os a escrever uma lista com as características do tempo presentes nos diversos desenhos. Com toda a turma, discuta as características levantadas pelos alunos, ressaltando a passagem do tempo e a percepção que temos dele. Finalize a discussão apresentando o tempo da física. PERCEPÇÃO DO TEMPO 1. Escolha algumas tirinhas de jornal ou de gibis, recorte os quadrinhos e embaralhe-os. Leve os quadrinhos para a classe e peça que os estudantes, em grupos, ordenem os quadrinhos e justifiquem a ordem escolhida. Nessa atividade não é imprescindível que eles organizem a história como ela foi concebida originalmente, mas que consigam reconhecer elementos indicadores da passagem do tempo de um quadrinho para outro. Aproveite para apresentar para a classe os conceitos de entropia e irreversibilidade referidos no artigo. 2. Todos os dias são iguais? A partir dessa pergunta, procure estabelecer com os estudantes formas de respondê-la. Discuta o conceito de dia, que decorre do movimento de rotação da Terra. A classe pode apresentar diferentes formas de acompanhar o movimento do Sol. Sugestão: construir um aparato que mantenha uma lupa fixa, exposta ao Sol, em determinada posição, e marcar a imagem do Sol refletida num ponto, durante alguns dias, sempre no mesmo horário. Com as marcas feitas, será possível perceber a trajetória do Sol e a passagem do tempo. AULA ABERTA
FÍSICA
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AS CULTURAS E O TEMPO Proponha uma pesquisa sobre os calendários utilizados por diferentes povos, que demonstram como as diversas culturas medem o tempo. Peça que os alunos apresentem os calendários selecionados para a classe, comparem-nos e discutam as diferenças e semelhanças entre eles. Durante a discussão, ressalte a busca de regularidade que deve ser comum a todos eles. QUESTÕES DO ENEM As duas questões escolhidas abordam as formas de medir o tempo, ressaltando a influência humana sobre essa grandeza. A primeira está diretamente ligada à elaboração de calendários; a segunda apresenta uma proposta de compreensão das escalas temporais. Em ambas as questões, podemos notar o caráter interdisciplinar do assunto, que aproxima história e geografia.
(C) o calendário cristão foi adotado universalmente porque, sendo solar, é mais preciso que os demais. (D) a religião não foi determinante na definição dos calendários. (E) o calendário cristão tornou-se dominante por sua antiguidade Resposta: B 2. (Enem, 2009) Suponha que o universo tenha 15 bilhões de anos de idade e que toda a sua história seja distribuída ao longo de 1 ano – o calendário cósmico – , de modo que cada segundo corresponda a 475 anos reais e, assim, 24 dias do calendário cósmico equivaleriam a cerca de 1 bilhão de anos reais. Suponha, ainda, que o universo comece em 1o de janeiro a zero hora no calendário cósmico e o tempo presente esteja em 31 de dezembro às 23h59min59,99s. A escala abaixo traz o período em que ocorreram alguns eventos importantes nesse calendário.
REPRODUÇÕES CEDIDAS PELA EDITORA MODERNA; REPRODUÇÃO (PINTURA RUPESTRE)
1. (Enem, 2000) Os quatro calendários apresentados abaixo mostram a variedade na contagem do tempo em diversas sociedades.
Com base nas informações apresentadas, pode-se afirmar que: (A) o final do milênio, 1999/2000, é um fator comum às diferentes culturas e tradições. (B) embora o calendário cristão seja hoje adotado em âmbito internacional, cada cultura registra seus eventos marcantes em calendário próprio. AULA ABERTA
Se a arte rupestre representada acima fosse inserida na escala, de acordo com o período em que foi produzida, ela deveria ser colocada na posição indicada pela seta de número (A) 1 (B) 2 (C) 3 (D) 4 (E) 5 Resposta: E Roteiro elaborado por Ana Luiza Sério, professora de Física dos colégios Equipe e Miguel de Cervantes (São Paulo, SP) SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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MATEMÁTICA
A CIÊNCIA
DO INFINITO O infinito, em seus aspectos de potência e ato, parece ter um papel regulador na formalização matemática Por Javier de Lorenzo Martínez
A repetição sem limite conduz à intuição primordial de que sempre é possível incluir mais um objeto na contagem, numa sequência sem fim, que é o infinito potencial. Mas a identificação do ilimitado com o infinito real (em ato) é uma questão que ainda incomoda muita gente...
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O INFINITO POTENCIAL O andarilho, na sucessão de seus passos, um após o outro, sabe que sua caminhada pode se repetir indefinidamente. Em princípio, ele sempre pode ir “um passo além” do ponto a que acaba de chegar. Essa repetição sem limite leva a uma intuição primeira de um indefinido sem fim, o infinito potencial (ou infinito em potência). Sempre é possível mais um passo. O infinito potencial, a faculdade de ir “um pouco adiante”, está ligado, assim, à noção de sucessor de um número natural. A cada número sempre sucede um outro, e não há um último, pois também este possuirá um sucessor. Os números naturais permitem enumerar os passos, isto é, saber quantos foram dados. Contando ou medindo, associa-se um valor numérico a uma grandeza espacial ou a uma quantidade. Contam-se as cabeças de um rebanho, os grãos de areia do deserto ou o comprimento de um bastão. Frequentemente, essa contagem utiliza, de maneira implícita, um princípio conhecido como arquimediano, que permite as comparações. Quaisquer que sejam os valores numéricos x e y, com x menor do que y, existe um número natural n tal que nx é maior do que y. Para comparar duas grandezas de mesma natureza, escolhe-se uma delas como unidade de referência e associa-se, então, um número a cada uma. A razão entre os valores numéricos associados às duas grandezas pode ser um número natural, mas será com maior frequência um número racional, isto é, uma fração, como um oitavo, um quinto etc. Nessa comparação, opera-se uma divisão em que todo número pode ser expresso na forma decimal. Assim, escrevemos 9/10 = 0,9; 1/3 = 0,333..., e as reticências indicam que há um número infinito de dígitos com repetição periódica de certos blocos. Um valor numérico, contudo, nem sempre é o quociente de dois números associados a grandezas, ou seja,
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Faça o seguinte experimento: acione o cronômetro de seu relógio logo no início de uma palestra de matemática; não tardará cinco minutos para que o orador pronuncie a palavra “infinito”. Essa onipresença do infinito na matemática é bastante surpreendente, pois o homem é um ser finito, limitado, passageiro de uma nave – a Terra – também limitada e finita. Ainda assim, esse ser finito contempla o infinito e se deleita, a ponto de considerá-lo indispensável para a compreensão da finitude. O estudo do infinito é a joia da coroa do matemático, cujo trabalho consiste, essencialmente, em repetir, comparar, ordenar e classificar. A iteração e a comparação conduzem a dois infinitos diferentes – um em potência, outro em ato.
REDUÇÃO AO ABSURDO
O
raciocínio por absurdo apareceu, originalmente, na demonstração da irracionalidade de números como , , ... Platão relata no diálogo Teeteto que os matemáticos haviam demonstrado a irNo racionalidade desses números até entanto, não explica como eles consegui. am, nem por que pararam em Aristóteles, em sua Metafísica, propôs uma demonstração da irracionalidade de , que desde então se tornou clássica. seja racional, isto é, Suponhamos que que possa ser expresso como uma razão entre dois números naturais, digamos a e b, primos entre si (números que não têm nenhum fator em comum). Assim, temos = a/b. Multiplicando os dois lados
CONCEITO
= a. dessa expressão por b, obtemos b Elevando-a ao quadrado, resulta a2 = 2b2, o que implica que a2 é par e, consequentemente, a também o é. Como a é par, pode-se considerar que a = 2p (em que p é um natural). Daí, segue que 2b2 = (2p)2 = 4p2, ou seja, b2 = 2p2, o que significa que b também é par; portanto, a e b não são primos entre si (2 é um fator comum a ambos), contrariamente ao que se havia suposto. Vê-se, assim, que a hipótese da racionalidade conduz a uma contradição (a partir de da existência de dois números a e b primos entre si, conclui-se que a e b não são primos entre si), ou seja, a um absurdo, e deve ser rejeitada.
LIMITE
CONCEITO
COMENSURÁVEL/ INCOMENSURÁVEL A origem dos termos é incerta quanto a data e autoria. Dois números reais são ditos comensuráveis se a razão entre eles puder ser expressa por um número racional. Do contrário, serão chamados incomensuráveis. Estes formam o conjunto dos números irracionais.
pode não ser um racional. Um número irracional também se escreve, na base dez, com uma infinidade de dígitos após a vírgula, mas, ao contrário do racional, não tem nenhuma periodicidade. Assim, no número ϖ = 3,14159... não há nenhum grupo de dígitos que se repita, e ϖ não é, portanto, um racional. Todo número real, como a distância dos pontos de uma curva à origem, é expresso por meio de um número infinito de dígitos. Essa infinidade é a característica do número real, mas apresenta certos problemas quando se deseja fazer uma definição construtiva. O infinito aparece também com a ideia de aproximação do limitado, do valor numérico associado a uma grandeza comensurável ou incomensurável. Por exemplo, 2/3 ou são números cujos desenvolvimentos decimais não podem ser dados em sua totalidade; ainda assim, seus primeiros 10, 100, ou 1.000 dígitos servem como aproximação. O símbolo 2/3, ao contrário do outro, expressa uma relação de proporcionalidade: 2/3 é uma quantidade comensurável com a unidade, ou seja, trata-se de um número racional. Já em um quadrado, a diagonal é incomensurável com o lado (não se pode expressá-la como fração do comprimento do lado), e o número é, assim, irracional. Nos dois
casos, e de modo incontornável no segundo, o infinito está ligado à convergência de diferentes frações rumo a um valor limite. Na geometria, o infinito também surge como processo de aproximação de um limite. A área do círculo é o limite para o qual tendem as áreas de polígonos inscritos ou circunscritos, no caso em que se aumente indefinidamente o número de lados. Diz-se, nessa situação, que o número de lados dos polígonos inscritos ou circunscritos tende ao infinito. A circunferência pode ser pensada como um polígono com infinitos lados, cada um deles infinitamente pequeno. Aqui, o infinito não é mais somente um processo de cálculo, mas, antes, o resultado desse processo. É o número que está no fim da sequência de números, o limite dos valores numéricos sucessivos de uma variável que aumenta (ou diminui) a cada etapa. De forma análoga, para obter a reta real, precisamos de
Para calcular o comprimento da circunferência, Arquimedes considera o limite de uma infinidade de polígonos circunscritos e inscritos nela, e calcula o valor para o qual eles tendem. Assim, no cálculo de um comprimento finito, mas representado por uma infinidade de casas decimais, é preciso utilizar um processo infinito. Entretanto, o infinito é cheio de armadilhas: mesmo nesse caso simples podem-se construir curvas de tipo fractal, de comprimento infinito, que ainda assim ficam compreendidas entre os polígonos
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POUR LA SCIENCE
Conceito usado na Matemática, em geral, e no cálculo diferencial e integral, em particular, para indicar quando, na relação entre duas variáveis, na medida em que uma delas tende a um valor sem nunca atingi-lo, a outra tende a um valor limite.
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dois infinitos, +∞ e -∞. O plano euclidiano, por sua vez, só fica completo com a introdução de uma reta no infinito, útil em perspectiva, cujos pontos indicam as possíveis direções das retas. Assim, retas paralelas, que possuem a mesma direção, “encontram-se” sobre os pontos dessa reta no infinito. Os pontos do plano localizados no infinito permitem, uma vez aceitos os princípios de continuidade e dualidade, passar de um espaço métrico a um projetivo. Por exemplo, num plano euclidiano, dois pontos determinam uma reta, mas nem sempre duas retas determinam um ponto (quando são paralelas). Não há simetria no enunciado, mas, admitindo-se que duas retas paralelas se encontram no infinito, num único ponto, a recíproca se torna verdadeira.
UMA SINFONIA SOBRE O INFINITO O infinito geométrico não se confunde com a ausência de limite. Pode-se conceber com facilidade um espaço ilimitado (isto é, sem fronteiras), mas finito, como a esfera. Existe uma identidade entre a infinitude e a ausência de limites somente no caso métrico euclidiano. Para o cálculo numérico, isso significa que a possibilidade de sempre acrescentar “uma unidade a mais” (característica do infinito potencial) aparece como propriedade métrica, quantitativa. O ilimitado, em tal circunstância, permanece identificado com o infinito potencial. Retornemos ao infinito visto como aproximação de um valor dado. Na prática, quando se mede a diagonal de um quadrado, a precisão dos aparelhos limita o resultado a apenas algumas casas decimais. O valor da medição é sempre um número racional; o irracional não tem vez no campo experimental. Mas o matemático não fica prejudicado por essa limitação. Ele entende que possui um desenvolvimento decimal infinito e não periódico, e afirma que é um irracional. Qualquer que seja a medida realizada, ela sempre será inexata. Na possibilidade de aproximação sucessiva, o matemático encontra a coerência entre o modo operacional da física e o seu resultado. Ele inventa métodos de demonstração que asseguram a consis-
tência das definições para os objetos ideais introduzidos: o infinito é identificado ao ilimitado, o número é posto como irracional. A matemática é continuamente enriquecida com novos modos de demonstração: métodos associados à progressão sem limites ou à iteração e à convergência, como as provas por indução finita; métodos relacionados à não aceitação de contradições, os quais utilizam a demonstração por absurdo; métodos ligados aos conjuntos hiperinfinitos. Voltemos ao princípio da repetição sem fim, utilizado para demonstrar a existência de uma infinidade de números primos. A proposição 20 do livro IX dos Elementos de Euclides estabelece que “os números primos existem em quantidade maior que qualquer quantidade de números primos que seja proposta”. Na prova de Euclides, constrói-se um número primo, ausente previamente da lista proposta, que a ela deve ser acrescentado. Tem-se então um novo conjunto de números primos, ao qual se pode reaplicar o mesmo procedimento de construção, para obter outro número primo. Hoje, dizemos que “há infinitos números primos”. Mas essa formulação, que identifica o ilimitado com o infinito real (em ato), talvez não seja fiel ao pensamento de Euclides. O alemão David Hilbert (1862-1943) enxergava na análise infinitesimal o domínio privilegiado de expressão do infinito potencial: “Em um certo sentido, a análise matemática nada mais é que uma sinfonia sobre o tema do infinito”. A análise infinitesimal nasce num contexto geométrico, relacionado ao cálculo de comprimentos, áreas e volumes delimitados por curvas, as quais são dadas como gráficos de funções. De um ponto de vista cinemático, uma curva representa a trajetória de um ponto em movimento em função do tempo. O estudo do comportamento de uma função se faz nas vizinhanças de um ponto, em um pequeno intervalo. A análise infinitesimal é o sistema ideal para a compreensão dos fenômenos físicos, mas esteve apoiada, por muito tempo, sobre bases enigmáticas. De início, os físicos estabelecem uma equação diferencial que rege o fenômeno e integram essa equação sobre o intervalo correspondente ao domínio de estudo. Nesse contexto é que surgem os conceitos-chave da
Poincaré (à esquerda) acreditava que o infinito potencial era suficiente para os matemáticos, e desconfiava dos paradoxos surgidos devido à hierarquia de conjuntos infinitos de Cantor. Hilbert (à direita) era mais otimista, e não queria se privar do paraíso que Cantor criara para os matemáticos AULA ABERTA
CONCEITO
PERSPECTIVA Ramo da geometria, da Física e – por que não dizer? – da Arte que se encarrega de estudar como o olho humano percebe o espaço tridimensional e também de como se pode representá-lo no plano. CONCEITO
ITERAÇÃO Repetição; processo de resolução de uma equação mediante a aplicação de uma sequência repetitiva de operações (em linguagem matemática, um algoritmo) em que o objeto de cada uma delas é o resultado da que a precede. CONCEITO
CONVERGÊNCIA É observada quando a solução obtida por um determinado método tende a um valor.
análise infinitesimal (derivada, integral, continuidade etc.), os quais utilizam as noções de limite e de aproximação, isto é, do infinito potencial.
POUR LA SCIENCE
A FORMULAÇÃO DE CAUCHY A ideia de continuidade – intuitivamente, a possibilidade de traçar uma curva sobre uma folha de papel sem levantar o lápis – foi formalizada pelo matemático francês Augustin Cauchy (1789-1857). Ele definiu que uma função f(x) é contínua em relação a x se um acréscimo infinitamente pequeno da variável sempre resultar num crescimento infinitamente pequeno da própria função. Dito de outro modo, para um pequeno acréscimo h no valor de x, a diferença f(x + h) - f(x) diminui tanto quanto se queira, dependendo de quão pequeno seja o valor escolhido de h. Em termos de limite, uma função f, definida para
Johann Bernoulli (1667-1748)
RACIOCÍNIO POR RECORRÊNCIA OU INDUÇÃO FINITA
O
s princípios do raciocínio por indução finita podem ser compreendidos por meio da chamada desigualdade de Bernoulli, que tem o seguinte enunciado: (1 + x)n � 1 + nx, para todo n�2. Uma indução se faz em três etapas:
Começa-se pela verificação da fórmula – no caso uma desigualdade – para o primeiro número natural que satisfaça às condições do enunciado, isto é, para n = 2. Assim, (1 + x)2 = 1 + 2x + x2 . 1 + 2x, pois x2 é sempre positivo Formula-se a hipótese de indução. Esse procedimento consiste em verificar a seguinte propriedade: se a fórmula é válida para certo número natural k, então aplica-se também para o seu sucessor k + 1. No exemplo considerado, começa-se pela suposição de que a desigualdade de Bernoulli é verdadeira para o natural k, isto é, (1 + x)k � 1 + kx. É preciso mostrar, então, que ela também será verdadeira para o número k + 1. Isso pode ser provado com relativa facilidade, lembrando que (1 + x)k + 1 = (1 + x)k (1 + x). Como, pela suposição anterior, (1 + x)k � 1 + kx, tem-se, então, que (1 + x)k (1 + x) � (1 + kx) (1 + x) = 1 + x + kx + kx2 = 1 + (1 + k)x + kx2 � 1 + (1 + k)x (pois kx2 é um número positivo). Assim, conclui-se que (1 + x)k + 1 � 1 + (k + 1)x. Fecho da indução. Como a desigualdade é válida para o número natural 2, e foi demonstrado que a validade para um número k qualquer estende-se para o seu sucessor k + 1, pode-se concluir que ela é válida para todos os sucessores do número 2. A proposição está demonstrada, portanto, para todos os naturais maiores do que 2. Convém distinguir esse procedimento da indução ordinária. Esta consiste na verificação da propriedade para cada número, um por vez, e não tem valor senão para os naturais efetivamente testados. Nesse caso, não há o fecho da indução. É possível assim que a hipótese não seja válida para algum número natural que ainda não foi testado. Mesmo se, nos casos examinados (em quantidade necessariamente finita), nenhum contraexemplo for encontrado, não se pode ter certeza de que ele não exista. Hume já notara essa fraqueza essencial da indução ordinária. O fecho da indução finita exclui a possibilidade de existência do contraexemplo: a afirmação é válida para todos os naturais.
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todos os elementos de um intervalo fechado [a, b], é chamada contínua em um elemento x0 desse intervalo se o limite de f(x), quando x tende a x0, for igual a f(x0). Cauchy enuncia que “uma quantidade variável se torna infinitamente pequena quando seu valor numérico diminui indefinidamente, convergindo para zero”. Nessa linguagem dinâmica, as quantidades são grandezas que aumentam ou diminuem, com os valores numéricos associados convergindo, respectivamente, para infinito ou para zero. Em termos estáticos, os pontos do intervalo são dados “em ato”. A formulação de Cauchy não tem, então, um sentido verdadeiramente preciso, e pode ser descartada em favor de conceitos de natureza mais aritmética, como o de majoração, de minoração ou de aproximação. Nesse caso, o enunciado da continuidade de uma função em um ponto x0 tem a forma seguinte: a função f é contínua em x0 se, para todo ��0, existe � �0 tal que, se |x - x0|��, então |f(x) - f(x0)|�� . A nova formulação traduz um deslocamento conceitual. Os intervalos deixam de ser considerados como grandezas extensas, que diminuem ou aumentam, para serem vistos como conjuntos de pontos tomados simultaneamente. Podem ser maiores ou menores, sem a possibilidade de aumentar ou diminuir dinamicamente, e, evidentemente, sem que seus elementos possam mudar. O infinito aparece assim em ato, não como processo (em potência). Passamos, portanto, de um infinito potencial a um infinito real, como havíamos passado do plano euclidiano ao projetivo. A noção de diferenciabilidade estende a noção de continuidade. A derivada de uma função em um ponto x0 é dada por:
f’(x0)=lim f(x0 + h) - f(x0) , h 0 h quando esse limite existir. Uma função é diferenciável (derivável) num ponto se ela possuir uma derivada nesse ponto. Então, ela também será contínua nesse ponto (em compensação, a recíproca muitas vezes não é verdadeira; como veremos, uma curva contínua nem sempre é derivável). A curva associada à função f possui nesse ponto uma tangente, e o valor da derivada é igual à inclinação dessa tangente. É sempre possível estudar o comportamento da função – saber se ela é crescente ou decrescente, se admite um máximo ou um ponto de inflexão – pela análise de suas derivadas sucessivas no ponto em consideração. Quando o domínio de valores da variável de uma função é o conjunto dos números naturais, o exame de seu comportamento se reduz ao estudo de uma sequência u1, u2, ..., un, ... . A partir daí, chega-se ao AULA ABERTA
conceito de série infinita formada pelas somas parciais sucessivas dos n primeiros termos da sequência. As funções contínuas clássicas são, em geral, altamente regulares; deriváveis, possuem tangente em todos os pontos. Mas há funções contínuas que não são deriváveis em nenhum de seus pontos (e que, em consequência, não podem ser representadas geometricamente por meio de um gráfico), além de funções contínuas que preenchem completamente o plano, como a curva construída por Peano em 1890. Para compreender essas curvas patológicas, deve-se recorrer ao conceito de infinito potencial, considerado aqui como a iteração de um processo de aproximação. Pode-se aproximar uniformemente uma função contínua por funções infinitamente deriváveis num intervalo; substitui-se a função em cada ponto pela média dos valores que ela toma num pequeno intervalo em torno do ponto. Os métodos de aproximação são muito frequentemente utilizados em análise infinitesimal. Aproximar uma função consiste em substituí-la, por exemplo, por uma função polinomial, como a série de Taylor associada. Essa aproximação é justificada pelo teorema de Karl Weierstrass: “Toda função complexa f, contínua num intervalo fechado [a, b], pode ser aproximada uniformemente em [a, b] por polinômios”. Uma função também pode ser desenvolvida em uma série de potências, sob a forma
f(z)= cnzn
POUR LA SCIENCE
n=0
(com n variando de zero a infinito), em que o segundo membro é convergente num disco no plano complexo. Há, assim, uma correspondência entre o comportamento de uma série e o de uma função. A utilização, na análise infinitesimal, de métodos de aproximação, de infinitesimais ou de derivadas traz à tona o problema da obtenção desses infinitesimais por meio de um processo iterativo infinito. A aritmetização da análise pelo alemão K. Weierstrass e sua escola não chegou a uma solução satisfatória. O infinito não pode ser totalmente eliminado: ele se situa no coração da análise matemática, como vimos na formalização do conceito de continuidade de uma função em um ponto. Expulso como infinito potencial por uma porta, o infinito tem de reaparecer, em ato, por outra. Nascido em um contexto geométrico relacionado à perspectiva e à admissão de pontos no infinito, o infinito real (em ato) possibilita a quantificação e resolução de problemas do mundo real. Ele é a essência dos elementos idealizados (número infinito, ponto no infinito, séries infinitas de elementos). A demonstração por recorrência se justifica pela passagem do infinito AULA ABERTA
DIFERENCIABILIDADE E CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO a
b
f
p
A
função f da figura a admite, no ponto p, uma derivada à esquerda e outra à direita, de inclinações diferentes: a curva possui duas semitangentes no ponto considerado. A função não é diferenciável (ou derivável) nesse ponto, ainda que seja contínua. As noções de diferenciabilidade e continuidade não eram claramente distintas até a metade do século 19, pois ainda não se apresentara a necessidade de separá-las. Por muito tempo, estudaram-se funções suficientemente regulares: as curvas admitiam tangente em todos os pontos, ou possuíam um número finito de descontinuidades, fáceis de compreender, como na figura b. A situação mudou com o surgimento de funções patológicas, como aquelas que recobrem completamente um quadrado (curva de Peano) ou que apresentam infinitos pontos de descontinuidade (Weierstrass). Foi necessário, então, tornar mais precisas essas duas noções. Um primeiro passo consistiu na aceitação do infinito (real) como possível valor de uma função. O floco de neve, ou curva de Koch, é outro exemplo de curva anômala. Ela possui comprimento infinito, mas delimita uma área finita. Pode-se obtê-la a partir de um triângulo equilátero. Os três vértices são, de início, os pontos em que não há derivada. Sobre cada lado do triângulo constrói-se, então, um Karl Weierstass (1815-1897) outro triângulo equilátero, cujos lados medem um terço do lado original. Repete-se esse procedimento infinitas vezes. A curva resultante é perfeitamente contínua. Apesar disso, pode-se demonstrar que ela não é derivável em nenhum ponto. Diferentemente das curvas de Weierstrass e Peano, que podem ser expressas analiticamente, o floco de neve não corresponde ao gráfico de nenhuma função. Publicado por Koch em 1906, foi um dos primeiros exemplos de curva fractal. O conjunto de Mandelbrot é talvez ainda mais patológico. É definido como a fronteira, no plano complexo, dos pontos obtidos pela iteração ilimitada de uma função da variável complexa z, definida como z2 + c, em que c também designa um parâmetro complexo. Essa definição é bem adequada à análise por computador: o método proposto por John Hubbard e utilizado por Peitgen e Ritcher consiste em colorir os pontos em função de sua posição relativa a uma fronteira da qual eles se aproximam mais e mais. A existência de curvas fractais generaliza a noção de dimensão em geometria. Existem objetos geométricos cuja dimensão não é inteira.
f(xi + 1) f f(xi)
A = x0
x1
x2
xi
xi + 1
B = xn
I
ntuitivamente, a reta é um objeto de dimensão 1. Já o plano, um objeto de dimensão 2. Assim, nenhuma coleção de retas pode resultar num plano – é o princípio da homogeneidade dimensional. Reciprocamente, pelo mesmo princípio, se uma reta é dividida em segmentos, e esses segmentos divididos em outros segmentos, ainda menores, e assim por diante, sempre se obterão segmentos. Eles podem tornar-se minúsculos, é certo, mas continuarão sendo sempre segmentos. Em particular, nunca serão iguais a pontos; ao contrário, cada um deles conterá infinitos pontos. Essa ideia de homogeneidade encontra-se expressa, por exemplo, na obra de John Wallis, em 1671: “Uma quantidade finita (aqui, o segmento AB) pode supostamente ser dividida (por dicotomia) em um número infinitamente grande de partes (isto é, maior que qualquer número finito dado): não há nenhuma razão para crer que essa divisão se encerre (pois, mesmo após a última etapa realizada, um segmento, tão pequeno quanto seja, ainda terá duas metades)”. Como explicar que uma grandeza extensa qualquer, quando dividida, permaneça com a mesma dimensão? Essa questão é central nas obras de Leibniz e de Cauchy. Kant aborda-a explicitamente em sua análise do contínuo. Para ele, uma reta não é um conjunto de pontos simplesmente, mas acima de tudo uma grandeza extensa; quanto aos pontos em si, eles demarcam as extremidades dos segmentos. A análise não standard de Robinson propõe uma resposta que não reivindica filiação com a análise leibniziana. Em outras palavras, Leibniz recusa o infinito real para certas utilizações em matemática, mas a análise não standard não tem sentido senão quando o aceita. Para calcular a área delimitada pela curva representativa de uma função f, juntamente com as retas ordenadas (retas verticais) dos pontos A e B e o eixo das abscissas, Pascal troca a área S sob a curva pela soma de todos os retângulos de base “infinitesimal”, cada um com área Si. Ele obtém, dessa forma, uma aproximação para S. Pela figura, pode-se ver que (xi +1 – xi)f(xi) S , (xi + 1 – xi)f(xi+1). A diferença entre a área correta, delimitada pela curva, e a área Si dos retângulos (em rosa-claro), é sempre menor do que a área do retângulo mais escuro. Conforme o comprimento dos intervalos [xi, xi + 1] diminui, essa diferença torna-se cada vez menor. Aí, precisamente, reside a essência do método de Pascal. De acordo com o princípio da homogeneidade de Wallis, a repetição sem fim desse processo nunca gera segmentos não divisíveis. Os infinitesimais que resultam são da mesma natureza dimensional que a grandeza inicial, o segmento AB. O infinitesimal não é um indivisível, como o ponto, que tem dimensão 0 e apenas determina as extremidades do intervalo. Mesmo quando a diferença xi + 1 – xi tende a 0, [xi, xi + 1] permanece um segmento de dimensão 1. Assim, a soma das áreas Si dos retângulos não será igual, mesmo no limite, à área desejada S, se não quisermos cometer um erro sistemático. Ao identificar xi + 1 – xi com o indivisível – isto é, um ponto – pode-se obter uma igualdade, mas isso implica romper com o princípio de homogeneidade dimensional das figuras geométricas, com os retângulos infinitesimais sendo identificados, Johnretas. Wallis (1616-1703) no limite, com simples
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INFINITOS E BIJEÇÕES O conjunto dos números naturais é uma das formas sob a qual o infinito real aparece, como conjunto cardinal transfinito, chamado :0. A abordagem conjuntista do infinito apoia-se na comparação bijetora, um método que complementa a iteração. Podem-se comparar dois conjuntos sem saber contá-los. Um pastor analfabeto contenta-se em comparar uma a uma as ovelhas de dois rebanhos no pasto, para estabelecer qual é o mais numeroso. Ele saberá se os rebanhos têm o mesmo número de cabeças ou não. Para executar esse tipo de bijeção, os rebanhos devem estar efetivamente presentes em sua totalidade. O ponto de partida é, assim, a presença desses dois conjuntos e a possibilidade de compará-los: pouco importa se é possível enumerá-los independentemente. Existirá um único infinito real, em ato? Ou há muitos deles, e quantos são? Um conjunto é infinito se puder ser colocado em correspondência bijetora com uma de suas partes próprias (uma parte que não seja igual ao todo). Por essa definição, vê-se que o conjunto dos números naturais é infinito, pois está em bijeção com o conjunto dos números pares ou, o que é mais impressionante ainda, com o conjunto dos números primos. Além disso, conclui-se daí que todos esses conjuntos têm o mesmo número de elementos, ou seja, o mesmo cardinal (ou cardinalidade). De um ponto de vista puramente contábil, nossa tendência seria afirmar que os primos existem em menor quantidade que os naturais. Os números primos constituem um subconjunto dos naturais, e estes se compõem a partir dos primos (todo número pode ser decomposto, de forma unívoca, em um produto de números primos). Na perspectiva conjuntista, porém, nem sempre “o todo é maior que a parte”. Aliás, essa afirmação é a base da diferença entre o finito e o infinito: no terreno do finito, o todo é maior do que a parte; no do infinito, porém, isso deixa de ser verdade. Haverá apenas um tipo de infinito real, aquele associado aos números naturais tomados em conjunto? Em outras palavras, será que existe apenas um cardinal transfinito? Após termos ultrapassado a noção de ilimitado e aceitado a existência de um infinito real, sua unicidade parece muito razoável. Cantor despedaçou essa intuição ao estabelecer a existência de uma hierarquia de conjuntos transfinitos. AULA ABERTA
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em potência ao infinito em ato. Pascal se refere a essa situação quando diz que sabemos que há um infinito, mas ignoramos sua natureza.
A HOMOGENEIDADE DIMENSIONAL
AS CURVAS CONTÍNUAS SEM DERIVADA
A
fim de distinguir continuidade e diferenciabilidade, o matemático alemão Karl Weierstrass construiu, em 1872, uma função definida pela seguinte série convergente:
a
b
Ç
f(x)= an cos( bnx), n=0
Trata-se de uma função que é contínua em todos os pontos, mas não derivável em nenhum. Essa função é muito difícil de visualizar. Peano construiu uma curva (a) definida por um processo infinito de iteração, contínua, não derivável em nenhum ponto e que, “no infinito”, preenche todo o plano de dimensão 2. Von Koch elaborou outra curva (b), de dimensão não inteira (4/3), em forma de floco de neve.
Ele indicou mesmo um caminho, o chamado método diagonal, que permite passar de certo conjunto dado a outro, de cardinalidade superior . Cantor decidiu comparar os conjuntos na sua condição de totalidades reais. Ao se definir qualquer conjunto, também fica definido seu chamado “conjunto das partes” – o conjunto de todos os subconjuntos do conjunto original. A cardinalidade do conjunto das partes é sempre maior que a do conjunto de partida. Dispomos, assim, além do método diagonal, de um processo para construir conjuntos transfinitos de cardinalidades crescentes. O infinito real, em ato, desempenha um papel essencial na criação matemática. Como elemento regulador, ele permite estabelecer teoremas e proposições que, em sua ausência, não teriam sentido algum. E isso vale mesmo se o matemático, na prática, contentar-se com apenas dois tipos de infinitos, o enumerável e o contínuo. As demonstrações matemáticas que recorrem ao infinito real perdem o caráter construtivo daquelas que utilizam apenas o infinito potencial. Elas possuem somente um caráter existencial, sem que se possa construir explicitamente o objeto cuja existência elas demonstram. Esse é o caso de uma prova que utilize o “axioma da escolha”, que afirme a existência de certa função de escolha, mas não forneça suas características (em uma formulação equivalente, esse axioma estabelece a existência de uma “relação de boa ordem”, sem indicar sua natureza). O raciocínio por absurdo é, frequentemente, o ponto de partida dessas provas de existência. Contudo, não se pode perder de vista que, garantida a existência de um objeto, pode ser que exista um caminho construtivo, temporariamente inacessível ao pesquisador, capaz de levar até esse objeto. Por outro lado, já se demonstrou ser impossível construir AULA ABERTA
conjuntos tais como os hiperinfinitos, não menos úteis e talvez até indispensáveis.
PRETENSÃO FORMAL OU ARTIFÍCIO? O infinito, em potência ou em ato, não existe na Natureza. O homem, imerso nessa Natureza, não consegue conhecer senão ela e aquilo que a compõe. A rigor, pode-se admitir o infinito potencial, ou falso infinito, entendido como repetição ilimitada de um processo de geração, como no caso dos pontos de uma reta. No entanto, ele não conseguirá jamais apresentar esses pontos em sua totalidade real. Como representar então o infinito real? O essencial é menos representá-lo como objeto do que apreender aquilo que é consubstancial a ele: as noções primeiras de conjunto e de aplicação bijetora entre conjuntos. É necessário compreender o uso dessas noções fundamentais. Recusar o papel conceitual e regulador dos infinitos – particularmente o do infinito real – é correr o risco de se restringir a um construtivismo finito, limitado, talvez erroneamente justificado pela onipresença do computador. É também esquecer que a teoria das funções recursivas e da computabilidade têm como base conceitual a teoria dos conjuntos. Vale o mesmo para o teorema da parada de Alan Turing e suas consequências para o problema da computabilidade. O infinito, em potência ou em ato, regula e estrutura a atividade matemática. Fazer matemática, dizia Poincaré, é falar alguma coisa sobre o infinito, mesmo que nenhum matemático tenha feito, ou jamais venha a fazer, uma demonstração ou cálculo infinito...
PARA CONHECER MAIS Reaching for infinity. Stan Gibilisco. Tab Books, 1990. Infini des mathématiciens, infini des philosophes. F. Monnoyeur (org.). Belin-Pour la Science, 1992. On the infinite. D.Hilbert,em Philosophy of Mathematics: Selected readings. Editado por P. Benacerraf e H. Putnam. Cambridge University Press, 1983. Analyse algébrique. A.-L. Cauchy, , 1821. Éditions J. Gabay, 1989.
O AUTOR
Les mathématiques. Ian Stewart. Belin-Pour la Science, 1989.
Javier de Lorenzo Martínez é professor de filosofia da ciência da Universidade de Valladolid, Espanha.
Breve storia dell´infinito. Paolo Zellini. Adelphi, Milão, 1980.
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PARA O PROFESSOR ▼ CONTEÚDOS
▼ CONTEXTUALIZAÇÃO
•
Os conceitos de infinito, limite, infinitesimal, diferenciação e integração e alguns outros citados no texto do artigo costumam ser pouco desenvolvidos no ensino médio, embora existam educadores matemáticos que acreditam ser possível e interessante incluí-los no programa. Afinal, a reflexão sobre os princípios da Matemática pode ser um caminho eficaz para fomentar o interesse dos alunos. Como o autor afirma, o conceito de infinito é de fundamental importância para a matemática, apesar de extremamente complexo, dependendo do enfoque e da situação em que se apresente. Para embasar uma discussão sobre o tema, o autor traça um histórico sobre os conjuntos numéricos e discute conceitos relacionados ao estudo das funções, principalmente aqueles relacionados ao cálculo diferencial e integral e à geometria, e que se relacionam com a ideia de infinito. Mesmo que os alunos não tenham pleno domínio de todos os conceitos a que o artigo faz referência, a leitura do texto pode ser proveitosa, pois apresenta questões instigantes sobre o infinito tal como visto pela matemática.
• • •
Números reais: naturais, inteiros, racionais e irracionais Áreas e perímetros de figuras planas Métodos de demonstração matemática Funções
▼ COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
TRABALHADAS SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM •
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Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais e reais. Utilizar o conhecimento geométrico para realizar a leitura e a representação da realidade e agir sobre ela. Construir noções de variação de grandezas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
▼ HABILIDADES
ENVOLVIDAS
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• •
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Reconhecer, no contexto social, diferentes significados dos números e operações – naturais, inteiros, racionais ou reais. Identificar padrões numéricos ou princípios de contagem. Interpretar a localização e a movimentação de pessoas/ objetos no espaço tridimensional e sua representação no espaço bidimensional. Identificar a relação de dependência entre grandezas.
▼ PROPOSTAS
E ATIVIDADES
• Após a leitura do texto, solicite que os alunos façam uma pesquisa sobre a história dos conjuntos numéricos e os contextos que justificaram seu desenvolvimento. • Uma possibilidade interessante é apresentar um dos métodos de demonstração matemática mais simples: a justificativa da irracionalidade da raiz quadrada de dois pela redução ao absurdo, conforme está relatado no quadro da pág. 44. • Uma aplicação bem simples dos
MATEMÁTICA
Ciências da Natureza e suas tecnologias
conceitos de infinito e de limite se dá no cálculo da soma dos infinitos termos de uma progressão geométrica. Tome como exemplo uma PG convergente, ou seja, uma PG em que seus termos, à medida que se avança na sequência, se aproximam de um valor, nesse caso, zero, como em: 1 024, 512, 256, 128, 64, 32, 16, 8, 4, 2, 1, ½, ¼... Assinale para os alunos que os termos vão ficando cada vez menores, uma vez que o primeiro deles é positivo e a razão da PG é ½. Conforme se avança, eles são, a cada passo, divididos por 2. No infinito, eles tenderão a zero, sem nunca alcançar esse valor. Lembre-os de que a soma dos n termos de uma PG finita é dada pela fórmula a .(qn-1) Sn= 1 (q-1) em que n é o número de termos da sequência, q é a razão da PG e a1 é seu primeiro termo. Saliente que se temos uma PG com infinitos termos, dizemos que n , representação que significa n tende a infinito. Oriente a turma para o seguinte raciocínio: ao se substituir os valores relativos à nossa sequência na fórmula da soma dos termos da PG finita, surgirá (½)n; se n for um número muito grande, uma fração menor que 1, elevada a um expoente muito grande fica cada vez menor. Enfatize que se nJ∞ , então (½) n J0, ou seja, se n tende a infinito, então (½)n tende a zero. Assim, se substituírmos esse valor na equação acima, temos que a soma dos termos da PG infinita pode ser entendida como um limite, assim escrito: a lim S = 1 nJ∞ n 1-q
que pode ser lido como o limite da soma dos termos de uma PG quando n tende a infinito. • Solicite aos alunos que façam uma breve pesquisa sobre como os artistas plásticos representam o mundo tridimensional no plano bidimensional. Em outras palavras, que observem em pinturas e ilustrações como os autores aplicaram os conhecimentos da geometria para representar objetos com profundidade no plano do papel ou da tela. Esse tipo de técnica, que não era conhecido até a Idade Média, faz uso da semelhança de triângulos e da aplicação do conceito de proporção. Enem e vestibular 1. (Enem, 2005) Podemos estimar o consumo de energia elétrica de uma casa considerando as principais fontes desse consumo. Pense na situação em que apenas os aparelhos que constam da tabela abaixo fossem utilizados diariamente da mesma forma. Tabela: A tabela fornece a potência e o tempo efetivo de uso diário de cada aparelho doméstico. Aparelho
Potência (KW)
Tempo de uso diário (horas)
Ar Condicionado
1,5
8
Chuveiro elétrico
3,3
1/3
Freezer
0,2
10
Geladeira
0,35
10
Lâmpadas
0,10
6
Supondo que o mes tenha 30 dias e que o custo de 1KWh é de R$0,40 o consumo de energia elétrica mensal dessa casa é de aproximadamente: a) R$ 135 b) R$ 165 c) R$ 190 d) R$ 210 e) R$ 230 Resposta: E 2. (UFRJ) Uma de nossas mais tradicionais festas juninas é realizada anualmente em Campina Grande, na Paraíba. Nesta festa dança-se a quadrilha, na qual os pares, para formarem o caracol, partem em fila puxados pelo líder, seguindo uma semicircunferência no sentido anti-horário. A primeira semicircunferência é formada com 20 m de raio, a segunda com raio igual a 2/3 da primeira, a terceira com raio igual a 2/3 da segunda e assim sucessivamente. Ao final, quantos metros serão percorridos pelo líder durante o movimento do caracol? Resposta: 60ϖ m Roteiro elaborado por Fábio Marson Ferreira, professor de Matemática do Colégio Móbile (São Paulo, SP)
BIOLOGIA
POR QUE
DORMIMOS As razões do sono estão gradualmente se tornando menos enigmáticas Por Jerome M. Siegel
HIPERLINK
TRONCO CEREBRAL Região que contém muitos centros de funções corporais inconscientes.
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AULA ABERTA
MINDY JONES
A
famosa citação do jurista americano Potter Stewart sobre a obscenidade – “I know it when I see it” (sei o que é quando vejo) – é uma diretriz útil, mas incompleta sobre o sono. Apesar da dificuldade de definir o sono com precisão, um observador pode normalmente dizer quando uma pessoa está dormindo: aquele que dorme exibe um certo distanciamento do ambiente e fica, usualmente, imóvel. Entre os animais, no entanto, golfinhos e outros mamíferos marinhos nadam enquanto dormem e alguns pássaros talvez durmam durante as longas migrações. Em 1953, o pioneiro na pesquisa sobre o sono Nathaniel Kleitman e seu aluno Eugene Aserinsky, ambos da University of Chicago, derrubaram definitivamente a crença comum de que o sono era simplesmente uma interrupção na maior parte da atividade cerebral. Eles descobriram que o sono é marcado por períodos de movimentos rápidos dos olhos, conhecidos como sono REM (do inglês Rapid Eye Movement). Sua existência implica que alguma coisa ativa ocorre durante o sono. Todos os mamíferos terrestres examinados têm o sono REM, que se alterna, em ciclos regulares, com o sono não REM. Mais recentemente, o maior progresso nessa área foi alcançado com a caracterização da natureza do sono na escala das células nervosas (neurônios) no cérebro. Nos últimos 20 anos, cientistas se especializaram em técnicas para guiar microfios (com apenas 32 mícrons de largura, comparáveis ao fio mais fino de cabelo humano) por várias regiões cerebrais. Esses fios não causam dor ao ser implantados e têm sido utilizados em humanos e em uma grande variedade de animais de laboratório, que podem continuar mantendo suas atividades rotineiras, inclusive dormir, enquanto são examinados. Esses estudos demonstram, como poderíamos esperar, que a maioria dos neurônios cerebrais está em seu nível máximo de atividade, ou perto dele, quando o paciente está acordado. As atividades neurais durante o sono, porém, são surpreendentemente variadas. Apesar da postura similar e do distanciamento do ambiente demonstrados por quem dorme, o cérebro se comporta de maneira completamente diferente nos dois estágios do sono. Durante o sono não REM, células de diferentes regiões cerebrais realizam atividades diversificadas. A maior parte dos neurônios do tronco cerebral, situado logo acima da medula espinhal, reduz ou
interrompe os disparos, enquanto a maioria dos neurônios do córtex cerebral e das regiões adjacentes do prosencéfalo diminui um pouco as atividades. O que muda mais drasticamente são os padrões gerais de atividade. Na vigília, um neurônio ocupa-se em maior ou menor grau com suas próprias atividades. Mas, durante o sono não REM, os neurônios corticais adjacentes começam a disparar em sincronia, em um ritmo de frequência relativamente baixo. Paradoxalmente, a atividade elétrica sincronizada gera ondas cerebrais de voltagens mais altas que na vigília. Ainda assim, como um carro parado, menos energia é consumida quando o cérebro está inativo. As frequências respiratórias e cardíacas tendem à regularidade durante o sono não REM, e são raros os relatos de sonhos vívidos durante esse estado. Um grupo bem pequeno de células cerebrais (totalizando, talvez, só 100 mil em humanos) na base do prosencéfalo está maximamente ativo somente durante o sono não REM. Essas células foram denominadas neurônios do sono e parecem ser responsáveis pela indução do sono. Os sinais precisos que ativam os neurônios indutores de sono não são AULA ABERTA
ainda totalmente compreendidos, porém o aumento do calor corporal enquanto um indivíduo está acordado ativa, claramente, algumas dessas células, o que poderia explicar a sonolência provocada por um banho quente ou por um dia de verão. Por outro lado, a atividade cerebral durante o sono REM se assemelha muito, em vários aspectos, à de quando se está acordado. As ondas cerebrais permanecem em baixa voltagem porque os neurônios trabalham individualmente, e a maioria das células de regiões do prosencéfalo e do tronco cerebral está bem ativada, sinalizando outras células nervosas em taxas tão ou até mais altas que na vigília. O consumo geral de energia cerebral durante o sono REM é também tão alto quanto na vigília. Uma maior atividade nervosa acompanha as contorções e os movimentos dos olhos que caracterizam o sono REM. As células especializadas, denominadas células indutoras de sono REM, localizadas no tronco cerebral, tornam-se particularmente ativas durante o sono REM e parecem ser responsáveis, de fato, pela promoção desse estado. Nossos sonhos mais vívidos ocorrem durante SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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CONCEITO
CÓRTEX CEREBRAL Região mais externa do encéfalo, formada pela substância cinzenta, que é rica em corpos celulares e dendritos dos neurônios.
CONCEITO
PROSENCÉFALO Uma das vesículas anteriores encontrada na fase inicial do desenvolvimento embrionário encefálico.
HIPERLINK
NEUROTRANSMISSORES Substâncias liberadas nas sinapses (espaços entre dois neurônios) que possibilitam a propagação do impulso nervoso. HIPERLINK
DOENÇA CEREBRAL DEGENERATIVA Moléstia causada pela alteração da constituição química ou da estrutura de células, tecidos ou órgãos, com perda das características normais.
HIPERLINK
CLASSIFICAÇÃO TAXONÔMICA Sistema que ordena os seres vivos e os distribui em grupos hierárquicos.
HIPERLINK
MUDANÇAS FISIOLÓGICAS Alterações no funcionamento de um órgão.
o sono REM e o sonhar é acompanhado pela ativação frequente dos sistemas motores do cérebro, que, de outra forma, só operam durante o movimento na vigília. Felizmente, a maior parte dos movimentos durante o sono REM é inibida por duas ações bioquímicas complementares envolvendo os neurotransmissores, as substâncias químicas que transmitem os sinais de uma célula nervosa (neurônio) a outra através da sinapse (ponto de contato entre dois neurônios). O cérebro suspende a produção de neurotransmissores que poderiam, caso contrário, ativar os motoneurônios (células nervosas cerebrais que controlam os músculos) e liberar outros neurotransmissores que vão inativar aqueles motoneurônios. Esses mecanismos, todavia, não afetam os motoneurônios controladores dos músculos que movem os olhos, permitindo seus movimentos rápidos, típicos desse estágio de sono. O sono REM também afeta profundamente os sistemas cerebrais que controlam os órgãos internos do corpo. Por exemplo, os batimentos cardíacos e a respiração tornam-se irregulares durante o sono REM, semelhante ao que acontece durante as atividades da vigília. A temperatura corporal, também, não é mais regulada, e ao dormirmos o sangue se resfria, como em um réptil, tendendo para a temperatura ambiente. Além disso, os machos têm ereções e as fêmeas, dilatação do clitóris, apesar de o conteúdo do sono, em sua maioria, não ter qualquer conotação sexual. Essa breve descrição do sono é precisa, porém tão insatisfatória quanto acordar antes de completar uma noite bem dormida. A torturante questão ainda permanece: para que serve o sono? Durante uma conferência recente sobre o sono, um participante comentou que a função do sono permanece um mistério. A conferencista da sessão argumentou veementemente contra essa visão, porém não forneceu uma descrição concreta do porquê de a função do sono não ser mais um mistério. Fica claro que ainda não se chegou a um acordo sobre o tema. Mas, baseando-me nas evidências atualmente disponíveis, posso manifestar o que muitos acreditam ser algumas hipóteses razoáveis. Uma abordagem para investigar a função do sono é verificar quais mudanças fisiológicas e comportamentais resultam de sua falta. Há mais de uma década foi descoberto que a privação total de sono em ratos leva à morte. Esses animais perdem peso, apesar do consumo exagerado de 56
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alimentos, têm aumento da frequência cardíaca e do gasto energético, sugerindo uma perda de calor excessiva. Os animais morrem por razões ainda desconhecidas em 10 a 20 dias, bem mais rápido que se fossem completamente privados de alimento mas pudessem dormir normalmente. Em humanos, uma doença cerebral degenerativa bem rara, denominada insônia familiar fatal, leva à morte após vários meses. Se a própria perda de sono ou outros aspectos do dano cerebral são fatais, ainda não está claro. Estudos de privação de sono em humanos revelaram que a sonolência aumenta até mesmo com pequenas reduções no tempo de sono noturno. Sentir-se sonolento ao dirigir ou durante atividades que requerem vigilância contínua é tão perigoso quanto consumir álcool antes delas. Porém as evidências sugerem que “ajudar” pessoas a aumentar o tempo de sono ao prescrever medicamentos indutores de sono por longos períodos não produz benefícios nítidos à saúde e pode, realmente, encurtar o tempo de vida. Sete horas de sono por noite correspondem a um tempo maior de vida em humanos. É tão inexorável a necessidade de sono que, para conseguir uma privação total, é necessária uma estimulação intensa e repetida. Os pesquisadores que estão empregando a privação para estudar a função do sono são, portanto, rapidamente confrontados com a dificuldade de distinguir os efeitos de estresse daqueles por perda de sono. Os pesquisadores também estudam os hábitos de sono natural de diversos organismos. Uma pista importante sobre a função do sono é a enorme variação na quantidade de que cada espécie necessita. Por exemplo, o gambá passa 22 horas por dia dormindo, enquanto o elefante só dorme 3 ou 4 horas. As espécies intimamente relacionadas, que têm semelhanças genéticas, fisiológicas e comportamentais teriam, supostamente, hábitos de sono similares. No entanto, estudos de laboratório em animais de zoológico e selvagens revelam que a quantidade de sono não está relacionada à classificação taxonômica dos animais: o período de tempo de sono dos diferentes primatas se sobrepõe extensivamente ao dos roedores, que se sobrepõe ao dos carnívoros, e assim por diante nas várias ordens de mamíferos. Se a correspondência evolutiva não determina o tempo de sono, então o que o faz? A extraordinária resposta é que o tamanho é o maior determinante: animais de grande porte simplesmente necessitam dormir menos. AULA ABERTA
DORMINDO, SONHANDO, ACORDANDO O sono REM e o não REM diferem de várias maneiras. Veja algumas delas nas ilustrações abaixo, e também uma das funções sugeridas para cada tipo de sono.
SONO REM
SONO NÃO REM
Disparo dos neurônios indutores de sono REM no tronco cerebral
Disparo dos neurônios indutores de sono no prosencéfalo
Movimento rápido dos olhos
Neurônios indutores do sono estão desativados
Estado desperto
Ocorrência de sonhos vívidos
Alguns receptores ficam inativos durante o sono REM, o que pode ser necessário para seu funcionamento apropriado durante o estado de vigília
Os elefantes, as girafas e os grandes primatas (como os humanos) requerem relativamente pouco sono, enquanto ratos, gatos e outros animais pequenos passam a maior parte do tempo dormindo. A razão está aparentemente relacionada ao fato de animais de porte pequeno apresentarem valores metabólicos mais altos e temperaturas corporais e cerebrais mais altas que animais de grande porte. E o metabolismo é uma ação confusa que gera radicais livres – produtos químicos extremamente reativos que danificam ou até matam as células. Altas taxas de metabolismo, portanto, provocam um prejuízo AULA ABERTA
O sono não REM pode permitir que as células reparem suas membranas danificadas por radicais livres
Radicais livres danificam as membranas das células quando os neurônios estão ativos, assim como quando estamos acordados
maior às células e aos ácidos nucleicos, gorduras e proteínas neles contidas. Os danos por radicais livres aos vários tecidos do corpo podem ser tratados pela substituição das células comprometidas por outras, novas, produzidas pela divisão celular; porém a maior parte das regiões no cérebro não produz um número significativo de novas células após o nascimento. O hipocampo, envolvido com o aprendizado e a memória, é uma exceção importante. O baixo índice do metabolismo e a temperatura do cérebro registrados durante o sono não REM aparentemente proporcionam SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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KEITH KASNOT
Ausência de sonhos vívidos
CONCEITO
HIPOCAMPO Região do prosencéfalo que participa na formação da memória de longo prazo.
CONTABILIZANDO O SONO
24 horas
uma oportunidade para recomposição do dano causado O tamanho do corpo parece determinar a quantidade de sono de que as espécies durante a vigília. Por exemnecessitam. Em geral, quanto maior o animal, menos sono é requerido. Uma plo, as enzimas normalmente das funções do sono é reparar os danos das células cerebrais. As altas taxas de metabolismo de animais pequenos danificam ocupadas com a manutenção células e demandam mais tempo de reparação podem ser direcionadas para o reparo. Ou enzimas velhas, elas mesmas já alteradas por radicais livres, podem ser substituídas por outras recém-sintetizadas e estruturalmente perfeitas. Em 2009, meu grupo da 12,5 14,4 10,1 University of California, Los 18 8 Angeles, (UCLA) encontrou Furão Gato Gambá Cachorro Homem o que acredita ser a primeira evidência de dano às células cerebrais (na forma de degradação da membrana celular) em ratos, e de seus receptores (as moléculas nas células ocorrendo como uma resposta direta à privação receptoras, que retransmitem os sinais do neurode sono. A descoberta sustenta a ideia de que o transmissor para dentro daquela célula). Os vários sono não REM previne o dano metabólico. estudos indicam que uma liberação constante O sono REM é uma charada envolvida em de monoaminas é capaz de dessensibilizar os um mistério dentro de um enigma. A hipótese de receptores dos neurotransmissores. A interrupção reparo celular permite explicar melhor o sono não da liberação de monoamina durante o sono REM, REM, mas falha quanto ao sono REM. Afinal, o portanto, pode permitir que o sistema receptor tempo ocioso para o reparo não pode estar acon- “descanse” e recupere totalmente a sensibilidade. tecendo na maior parte das células do cérebro E essa sensibilidade restaurada pode, durante durante o sono REM, quando essas células estão, a vigília, ser crucial para a regulação do humor, no mínimo, tão ativas quanto na vigília. Um grupo que depende de uma colaboração eficiente dos específico de células cerebrais, porém, contradiz neurotransmissores e seus receptores. (Os antiesse argumento, e é de especial interesse na depressivos conhecidos, como o Prozac, o Paxil, o procura por uma base lógica REM. Zoloft e outros denominados inibidores seletivos de Lembre-se de que a produção de alguns recaptação da serotonina – os ISRSs – funcionam neurotransmissores cessa durante o sono REM, por provocar um aumento líquido na quantidade incapacitando o movimento corporal e reduzin- de serotonina disponível à célula receptora.) do a percepção do ambiente. Os principais Esses neurotransmissores também desempeneurotransmissores afetados – noradrenalina, nham um papel na plasticidade cerebral em resserotonina e histamina – são conhecidos como posta às novas experiências. Desativá-los durante monoaminas, porque cada um deles contém um o sono REM, portanto, seria talvez uma forma grupo químico conhecido como amina. As células de impedir as mudanças nas conexões cerebrais cerebrais que produzem essas monoaminas estão que poderiam ser inadvertidamente criadas como total e continuamente ativas durante a vigília (e resultado de atividades intensas de outras células muitas apresentam um papel na geração de novas cerebrais durante o REM. células no hipocampo). Dennis McGinty e Ronald Curiosamente, Paul J. Shaw e colegas do Harper da UCLA, porém, descobriram em 1973 Neurosciences Institute em La Jolla, Califórnia que essas células param completamente de liberar notaram, em 2000, uma conexão entre os níveis durante o sono REM. de monoaminas e períodos como os de sono em Em 1988, Michael Rogawski, do National Ins- moscas-das-frutas, quando os insetos ficam relatititutes of Health, e eu criamos a hipótese de que vamente inativos. Eles descobriram que interromper essa interrupção na liberação do neurotransmissor a ociosidade resultava em níveis aumentados de é vital para a própria função desses neurônios monoaminas, como acontece com humanos. Essa
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MEMBRANA CELULAR É constituída basicamente por fosfolipídios e proteínas. Está presente em todas as células dos seres vivos.
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AULA ABERTA
Elefante
descoberta sugere que a restauração da função do neurotransmissor que deve se tornar, futuramente, um atributo do que agora conhecemos como sono, surgiu até bem antes de os mamíferos se desenvolverem no planeta. OUTRAS POSSIBILIDADES O que mais o sono REM poderia fazer? Pesquisadores como Frederick Snyder e Thomas Wehr, do National Institute of Mental Health, e Robert Vertes, da Florida Atlantic University, propuseram que a elevada atividade das células do cérebro durante o sono REM, não envolvidas na produção de monoaminas, permite que os mamíferos estejam mais bem preparados que os répteis no enfrentamento de ambientes perigosos. Quando despertos em um ambiente frio, os répteis ficam lentos e requerem uma fonte de calor externa para se tornar ativos e responsivos. Mas, apesar de os mamíferos não apresentarem uma termorregulação durante o sono REM, a atividade hormonal intensa durante essa fase pode aumentar a taxa de metabolismo cerebral, auxiliando os mamíferos a monitorar e reagir mais prontamente a uma determinada situação quando despertos. Essa ideia é apoiada pela observação de que os humanos ficam muito mais alertas quando acordados durante o período de sono REM que durante o não REM. Os estudos sobre privação de sono indicam, todavia, que o sono REM deve fazer mais que preparar o cérebro para a experiência acordada. Esses estudos demonstram que os animais privados de sono REM irão dormir mais que o tempo usual quando puderem. Eles aparentemente tentam AULA ABERTA
RENEE LYNN PHOTO RESEARCHERS
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recuperar o “débito” – mais uma pista de que o sono REM é importante. Fica claro que se a única função do sono REM fosse a excitação do cérebro, estar acordado poderia saldar o débito, porque o cérebro é também quente e ativo quando estamos acordados. Porém a vigília, claramente, não realiza essa tarefa. O débito de sono REM talvez resulte de uma necessidade de descansar os sistemas de monoaminas ou outros sistemas que são “desligados” no sono REM. Aquelas antigas ideias de que a privação do sono REM levaria à insanidade não foram convincentemente provadas (apesar de estudos mostrarem que privar uma pessoa de dormir, por exemplo, acordando-a por estimulação repetitiva, pode certamente causar irritabilidade). A privação de sono REM, de fato, realmente alivia a depressão clínica. O mecanismo para esse fenômeno não está muito claro, mas uma sugestão é que a privação imita os efeitos dos antidepressivos ISRSs (inibidores seletivos de receptação de serotonina): como a diminuição normal nas monoaminas durante o REM não chega a ocorrer, há um aumento na concentração sináptica dos neurotransmissores em depleção nos indivíduos depressivos. Alguns pesquisadores investigam a ideia de que o sono REM poderia ter um papel na consolidação da memória, mas como observado em detalhes em um artigo na Science (ver Para Conhecer Mais), as evidências para essa função são fracas e contraditórias. As descobertas que não sustentam essa hipótese incluem a demonstração de que pessoas com danos cerebrais que impedem o sono REM ou que tenham se submetido ao bloqueio do sono REM induzido por drogas apresentam uma memória normal ou até melhorada. E apesar de a privação de sono antes de uma tarefa de fato perturbar a concentração e o desempenho – estudantes sonolentos não aprendem ou pensam bem –, a privação do REM após um período de aprendizado alerta não parece interferir na retenção de novas informações. Além disso, os golfinhos, que têm pouco ou nenhum SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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CONCEITO
TERMORREGULAÇÃO Mecanismo pelo qual os organismos endotérmicos mantêm sua temperatura corpórea constante, independentemente de mudanças na temperatura ambiental.
O AUTOR Jerome M. Siegel é professor de psiquiatria e membro do Brain Research Institute da University of California, do Los Angeles Medical Center. Ele também é responsável pela pesquisa em neurobiologia no Sepulveda Veterans Affairs Medical Center. É o primeiro presidente da Sleep Research Society e catedrático do Associated Professional Sleep Societies.
HIPERLINK
ORNITORRINCO Mamífero monotremado que bota ovos, tem bicos córneos, mamas sem mamilos e é restrito ao território da Austrália.
sono REM, exibem raciocínio impressionante e habilidades de aprendizado. Na verdade, as habilidades de aprendizado através das espécies não parecem se relacionar à duração total do sono REM. Os humanos não apresentam períodos de sono REM particularmente longos – entre 90 e 120 minutos por noite – se comparados a outros mamíferos. E os humanos com coeficientes de inteligência mais elevados ou com melhor desempenho escolar não têm mais ou menos sono REM que aqueles com coeficientes mais baixos. A quantidade de tempo despendida em REM, no entanto, realmente muda durante o curso de vida de um indivíduo. Em todos os animais estudados, o período diário devotado ao sono REM é o mais alto no início de vida do sujeito, gradualmente declinando a um nível mais baixo e regular na idade adulta. Um fato adicional e fascinante emerge da comparação entre as várias espécies: a melhor projeção da quantidade de sono REM necessária para um adulto de uma determinada espécie é o quanto os filhotes daquela espécie nascem imaturos. Em 1999, Jack Pettigrew e Paul Manger da University of Queensland, Austrália, e eu pudemos pesquisar um animal raro, o ornitorrinco. Esse sobrevivente de espécies mamíferas evolutivamente primitivas nos surpreendeu ao se revelar como o campeão do sono REM: cerca de oito horas por dia. O ornitorrinco nasce completamente sem defesas e cego, não apresenta termorregulação, não é autossuficiente na alimentação e fica preso à sua mãe por semanas após o nascimento. No outro extremo, o golfinho recém-nascido pode e deve ter termorregulação, nadar, seguir a sua mãe e evitar os predadores. E golfinhos adultos, como previamente observado, quase não apresentam sono REM. Michel Jouvet, o pesquisador pioneiro que há quatro décadas descobriu que o tronco cerebral gera o sono REM, tem uma sugestão provocativa para a grande quantidade de REM em animais imaturos. A intensa atividade neural do sono REM e o gasto energético, acredita Jouvert, apresentam um papel cedo na vida ao estabilizarem as conexões neuronais geneticamente programadas, possibilitando o assim chamado comportamento instintivo. Antes do nascimento, ou em animais com desenvolvimento sensório atrasado, o sono REM pode funcionar como um substituto para a estimulação externa indutora do desenvolvimento neuronal 60
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em criaturas que já estão maduras ao nascer. O trabalho conduzido por Howard Roffwarg, diretor do Sleep Disorders Center da University of Mississippi Medical Center, e colegas sustenta essa ideia. Roffwarg descobriu que a privação de sono REM em gatos, nesse período inicial, pode acarretar anormalidades no desenvolvimento do sistema visual. Os animais que apresentam bastante sono REM logo após o nascimento continuam a exibir quantidades relativamente maiores quando maduros. O que seria, então, essa imaturidade ao nascer que faz com que a duração do sono REM seja alta mais tarde na vida? Em termos evolutivos simples, os animais que apresentam baixo tempo REM necessitariam menos combustível e deixariam mais descendentes que os animais que têm longos períodos de consumo energético elevado. É bem mais provável, partindo dessa perspectiva, que os animais que ainda apresentam um tempo de REM alto devem ter desenvolvido um uso para o sono REM não encontrado em animais precoces. Essa função, porém, ainda deve ser identificada. Os pesquisadores do sono estão confiantes em que o progresso na identificação das regiões cerebrais que controlam tanto o sono REM como o não REM vai logo conduzir a uma compreensão coerente e satisfatória do sono e suas funções. Ao avançarmos no estudo dos mecanismos e da evolução do sono, é bem provável que teremos maiores insights sobre o que exatamente é reparado e colocado para descansar, por que esses processos são mais bem executados durante o sono e por que, afinal de contas, o sono, que tece as mangas desfiadas da atenção, segundo Shakespeare em Macbeth, ajuda-nos a permanecer acordados.
PARA CONHECER MAIS Encyclopedia of sleep and dreaming. Mary A. Carskadon. MacMillan, 1993. Narcolepsy. Jerome M. Siegel, SCIENTIFIC AMERICAN, vol. 282, n0 1, págs. 76-81, janeiro de 2000. Sleep and dreaming. Allan Rechtschaffen e Jerome M. Siegel, em Principles of Neural Science, 4a edição. Organizado por Eric R. Kandel, James H. Schwartz e Thomas M. Jessell. McGraw-Hill/Appleton & Lange, 2000. The REM sleep-memory consolidation hypothesis. Jerome M. Siegel, em Science, vol. 294, págs. 1058-1063, 2 de novembro de 2001. Center for Sleep Research at U.C.L.A. www.npi. ucla.edu/sleepresearch AULA ABERTA
PARA O PROFESSOR BIOLOGIA
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Ciências da Natureza e suas tecnologias •
▼ CONTEÚDOS • • • • •
Fisiologia humana Sistema nervoso Hormônios Metabolismo Vertebrados
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▼ COMPETÊNCIAS
TRABALHADAS SEGUNDO A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM
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Compreender interações entre organismos e ambiente, em particular aquelas relacionadas à saúde humana, relacionando conhecimentos científicos, aspectos culturais e características individuais. Apropriar-se de conhecimentos da biologia para, em situações problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções científico-tecnológicas.
HABILIDADES ENVOLVIDAS Identificar padrões em fenômenos e processos vitais dos organismos, como manutenção do equilíbrio interno, defesa, relações com o ambiente, sexualidade, entre outros. Interpretar modelos e experimentos para explicar fenômenos ou processos biológicos em qualquer nível de organização dos sistemas biológicos.
Compreender o papel da evolução na produção de padrões, processos biológicos ou na organização taxonômica dos seres vivos. Associar características adaptativas dos organismos com seu modo de vida ou com seus limites de distribuição em diferentes ambientes, em especial em ambientes brasileiros. Interpretar experimentos ou técnicas que utilizam seres vivos, analisando implicações para o ambiente, para a saúde, produção de alimentos, matérias-primas ou produtos industriais. Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam à preservação e à implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente.
▼ CONTEXTUALIZAÇÃO O assunto tratado no artigo provoca a curiosidade e é bastante interessante para os alunos de ensino médio. Além disso, permite ao professor contextualizar diversos conteúdos do programa de biologia. Especialmente, é possível relacioná-lo aos conteúdos de fisiologia humana e comparada, sobretudo os que abordam a atividade encefálica. Para começar é interessante indagar à turma: por que temos de dormir? Com base nas respostas, esboce as principais ideias expostas no artigo. Não é necessário que os jovens assimilem em detalhes todos os mecanismos do sono que estão em discussão no texto. É suficiente que compreendam que existem momentos diferentes de sono (não REM e REM) e saibam diferenciálos com base nas principais características de cada tipo. É interessante comentar a atividade metabólica e assinalar que animais menores dormem por mais tempo que os animais maiores. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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PARA O PROFESSOR
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ATIVIDADES
1. Peça aos alunos que respondam às seguintes perguntas individualmente: • Quanto tempo você dorme à noite em média? • Você acha que esse tempo é suficiente? • Você tem a mesma concentração e desempenho nas atividades da escola se dormir pouco tempo? • Se o tempo de sono for menor do que o habitual, você se sente mais ou menos irritado? Com base nas respostas obtidas, o professor pode discutir a respeito da importância do sono e as consequências de sua privação. 2. Você pode perguntar aos alunos: Dormir com a luz acesa interfere no sono? A partir das respostas, comentar sobre a importância da glândula chamada pineal, localizada no encéfalo, responsável pela secreção do hormônio melatonina, cujo papel é induzir o sono. Esse hormônio é 52
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secretado quando escurece e diminui pela manhã, quando há luminosidade, ou seja, a luz inibe sua secreção. Por isso, os cientistas destacam a importância da escuridão para se ter uma boa noite de sono. 3. Outro ponto que pode ser discutido em sala é sobre a apneia do sono. Você pode perguntar à classe se alguém já ouviu falar dessa doença. Esclareça que ela consiste em paradas respiratórias durante o sono, que podem durar de 10 segundos a mais de um minuto, e se repetir 200 vezes por noite. • Peça que os alunos calculem quanto tempo (em minutos) uma pessoa que tiver 200 paradas de 20 segundos ficará sem respirar durante uma noite. Sabe-se que os sintomas mais conhecidos são ronco e sonolência diurna. Quadros frequentes de apneia podem causar déficits de memória, arritmias cardíacas, hipertensão, e até colocar a vida da pessoa em risco. Graças aos estudos de polissonografia, atualmente é possível controlar e tratar essa doença. 4. Sugerir aos alunos que, em grupo, pesquisem sobre esses e outros assuntos associados ao sono: • Relação entre a atividade da glândula tireoide e o sono • Relação entre o hormônio GH e o sono • Remédios para dormir: como eles atuam nas sinapses? O perigo do mau uso dos soníferos É possível que na turma algum aluno conheça alguém com problema de mau funcionamento da tireoide ou tenha lido sobre o hormônio GH, utilizado por pessoas que tenham problemas de apneia ou AULA ABERTA
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Em seguida, recorde resumidamente com os alunos o mecanismo de condução do impulso nervoso, as sinapses e os receptores de membrana nela envolvidos, e a anatomia do encéfalo. Com base nesses conceitos gerais, a turma pode proceder à leitura do artigo.
BIOLOGIA
Ciências da Natureza e suas tecnologias
disfunções do sono. Isso pode ampliar o significado das discussões.
DIVULGAÇÃO
5. Sugerimos que assista com os alunos ao filme Insônia (2002, Playarte Filmes, classificação 12 anos), com Al Pacino, Robin Williams e Hillary Swank. A história se passa no Alasca, em um período do ano em que o dia tem 24 horas. É possível verificar quais são as influências da luz no sono e o que a privação do sono pode causar nas pessoas.
QUESTÕES DO ENEM E VESTIBULAR 1. (Enem, 2010) Diversos comportamentos e funções fisiológicas do nosso corpo são periódicos; sendo assim, são classificados como ritmo biológico. Quando o ritmo biológico responde a um período aproximado de 24 horas, ele é denominado ritmo circadiano. Esse ritmo diário é mantido pelas pistas ambientais de claro-escuro e determina comportamentos como o ciclo do sono-vigília e o da alimentação. Uma pessoa, em condições normais, acorda às 8h e vai dormir às 21h, mantendo seu ciclo de sono dentro do ritmo dia e noite. Imagine que essa mesma pessoa tenha sido mantida numa sala totalmente escura por mais AULA ABERTA
de quinze dias. Ao sair de lá, ela dormia às 18 h e acordava às 3 h da manhã. Além disso, dormia mais vezes durante o dia, por curtos períodos de tempo, e havia perdido a noção da contagem dos dias, pois, quando saiu, achou que havia passado muito mais tempo no escuro. BRANDÃO, M. L. Psicofisiologia. São Paulo: Atheneu, 2000 (adaptado).
Em função das características observadas, conclui-se que a pessoa (A) apresentou aumento do seu período de sono contínuo e passou a dormir durante o dia, pois seu ritmo biológico foi alterado apenas no período noturno. (B) apresentou pouca alteração do seu ritmo circadiano, sua noção de tempo foi alterada somente pela sua falta de atenção à passagem do tempo. (C) estava com seu ritmo já alterado antes de entrar na sala, o que significa que apenas progrediu para um estado mais avançado de perda do ritmo biológico no escuro. (D) teve seu ritmo biológico alterado devido à ausência de luz e de contato com o mundo externo, no qual a noção de tempo de um dia é modulada pela presença ou ausência do sol. (E) deveria não ter apresentado nenhuma mudança do seu período de sono porque, na realidade, continua com o seu ritmo normal, independentemente do ambiente em que seja colocada. Resposta: D 2. (Mackenzie, 2011) Vários distúrbios neurológicos são devidos a alterações na ação de neurotransmissores. A respeito dessas substâncias, é correto afirmar que a) sua ação sempre depende da existência de receptores na membrana. b) não podem ser reabsorvidas uma vez secretadas, sendo necessária a sua destruição. c) sempre são capazes de provocar um potencial de ação em um neurônio. d) são sempre lançadas no espaço entre um axônio e um dendrito. e) a intensidade da resposta não depende da quantidade dessas substâncias lançadas na sinapse. Resposta: A Roteiro elaborado por Marcelo Suehara, professor de biologia do Colégio São Luís (São Paulo, SP). SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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ENSAIO
Vida sintética e ética Técnicas de manipulação genética estimulam novas discussões jurídicas Por Fábio Ulhoa Coelho
A
experiência de criação em laboratório de “vida sintética” inevitavelmente iniciou discussões sobre desdobramentos éticos e jurídicos. A equipe de Craig Venter, partindo do arquivo eletrônico com a descrição do sequenciamento do genoma de uma bactéria, reproduziu-o com bases químicas, inserindo-o numa célula de outra bactéria, da qual extraíram previamente o DNA. O ser assim gerado se desenvolveu e se reproduziu. Essa experiência deve se repetir com animais mais complexos, como mamíferos e, evidentemente, o ser humano. Conhecido o sequenciamento do genoma de uma pessoa qualquer – digamos, Albert Einstein –, será possível aglutinar em laboratório timinas, adeninas, guaninas e citosinas rigorosamente na mesma ordem, implantá-las numa célula reprodutiva humana sem DNA, transpô-las em um útero e aguardar que o ciclo natural da gestação cuide do resto. Einstein renascerá? Não é possível ter certeza disso, pois ainda são inconclusas as discussões 64
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sobre a extensão da influência do meio sobre o desenvolvimento da personalidade. Quer dizer, se o bebê não for amado ou desamado na mesma forma que foi o pequeno Albert, na Alemanha do último quarto do século 19, é quase certo que terá perfil psicológico diferente. Além disso, será uma pessoa nascida em outro tempo e lugar, com outra história. É provável, assim, que se frustrem as expectativas depositadas no futuro desempenho intelectual do rebento. O temor dessa variante de clonagem é injustificado. Se certa memória da história de cada um de nós se imprime, de algum modo, em nossas timinas e demais bases químicas do DNA, a pessoa gerada a partir da reprodução do mesmo esquema de sequenciamento de genoma de outra não transportará essa memória, mas a eventualmente contida nas bases empregadas pelos cientistas. Outro uso da técnica objeto do experimento é que deve preocupar as discussões éticas e jurídicas. Se com as pesquisas genômicas descobrirmos como desenhar em computador um ser humano ideal, inapto a desenvolver as doenças AULA ABERTA
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conhecidas de origem genética, será possível à medicina curar esses males desde o início. O casal com propensão a gerar filhos com determinada doença poderia contratar os serviços de uma clínica de fertilização que ajustaria o sequenciamento das células reprodutivas ao projeto ideal de ser humano, eliminando o risco. Aqui reside a questão crucial, de ordem ética e jurídica. Deve a lei reconhecer aos casais que desejam ter apenas filhos saudáveis o direito de utilizar essa técnica? Sendo a saúde apenas uma de muitas características portáveis por nós, a questão se abre igualmente a uma gama imensa de possibilidades – tipo de inteligência, compleição física etc. Essa discussão interessa apenas a quem não crê num Deus criador e ordenador. Aqueles que acreditam ter o homem, com essa conquista científica, definitivamente avançado o sinal e afrontado a vontade divina não necessitam do aclaramento da dúvida ética ou jurídica. Bastalhes a crença para inibi-los a utilizar a técnica, ao gerar seus filhos. A discussão deve ser contextualizada, assim, numa questão filosófica altamente complexa e, por isso mesmo, constantemente evitada: a de quanto a atual sociedade democrática enfraquece a espécie humana. A seleção natural é, evidentemente, o processo de supremacia do mais forte, do mais apto a relacionar-se com o meio ambiente. A cultura liberta o ser humano dessa cruel imposição da seleção natural. Permite à espécie humana, após longo processo civilizatório, integrar também membros desafortunados, portadores de limitações físicas ou mentais. Mas, ao desafiar o princípio básico da seleção natural, dando chance de viver e se reproduzir a todos os homens e mulheres, e não somente aos mais aptos, a cultura acaba envolvendo a espécie humana numa estratégia arriscada. A discussão é altamente complexa e constantemente evitada, porque pode resvalar em execráveis postulações de controle da “pureza” da espécie humana. Não é disso que se trata. A sociedade democrática deve continuar a abrigar todos os homens e mulheres, sem qualquer distinção, em vista da plena igualdade de dignidade que cada um de nós carrega. Mas, sem abrir mão desse valor fundamental, conquistado a duras penas, talvez não devamos deixar de nos preocupar com AULA ABERTA
a pertinência das estratégias adotadas enquanto espécie em evolução. A técnica prometida por aquele experimento pode atender à delicadíssima questão evitando-se as limitações na origem. O ser humano caminha para ter nas mãos o controle da evolução. Assim como deverá, um dia, controlar a evolução da própria espécie, poderá também submeter à mesma lógica as demais. Os dois vetores tendem a se desenvolver simultaneamente. O processo de evolução das espécies, que hoje designamos como “seleção natural”, corre o risco de se transformar em algo próximo ao que poderíamos deduzir da expressão “seleção cultural”. Isto só aumenta a já enorme responsabilidade do Homo sapiens.
Fábio Ulhoa Coelho é jurista e professor da PUC-SP. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
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FRONTEIRAS
Molibdênio-99, crise e oportunidade Pane em reator canadense que fornece 40% do elemento mostra necessidade de autonomia na produção
OS AUTORES Afonso Rodrigues de Aquino e Martha Marques Ferreira Vieira atuam no Núcleo de Divulgação Científica do Ipen.
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Por Afonso Rodrigues de Aquino e Martha Marques Ferreira Vieira
pós sofrer defeito em seu reator nuclear, em maio de 2009, a empresa canadense MDS Nordion, responsável por 40% do fornecimento mundial de molibdênio-99, interrompeu suas atividades, causando uma crise no mercado de radiofármacos e, consequentemente, na área da medicina nuclear. Radiofármacos são fármacos radioativos utilizados no diagnóstico ou tratamento de doenças e disfunções do organismo humano (fármaco é qualquer droga utilizada com fim medicinal). Até então, somente cinco reatores atendiam à demanda mundial. Hoje, apenas três estão operando, o que contribui para agravar a crise. O molibdênio-99 importado serve para produzir geradores de tecnécio-99, o radiofármaco usado em mais de 80% dos procedimentos adotados na medicina nuclear, cujo papel é fundamental no diagnóstico de doenças associadas a coração, fígado, rim, cérebro, pulmão, tireoide, estômago e sistema ósseo, entre outras. Em termos de massa, o Brasil consome cerca de 1 mg por semana de tecnécio-99. É importante destacar que, por se tratar de uma questão de saúde, os países produtores atendem prioritariamente a suas demandas internas, comercializando apenas o excedente de produção. Além disso, a medicina nuclear é uma das especializações que mais crescem no mundo. No Brasil, a evolução da medicina nu66
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clear seguiu o padrão internacional, tendo hoje a relevante participação de 4,4% do mercado mundial. Isso corresponde a mais de 3 milhões de procedimentos médicos por ano. No entanto, em termos per capita, esse atendimento ainda é proporcionalmente inferior ao de muitos países. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), dentro de suas atribuições legais, vem executando por meio de sua unidade conveniada, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/CNEN-SP), mais de 95% das atividades inerentes ao monopólio federal relativo à produção de radioisótopos de meia-vida acima de 120 minutos. Em maio de 2010, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anunciou um investimento total de R$ 850 milhões distribuído ao longo de seis anos para um empreendimento, de concepção inteiramente nacional, que dotará o país de um reator nuclear e instalações associadas, com capacidade para prestar os seguintes serviços: I Produzir radioisótopos e fontes radioativas para a saúde, indústria, agricultura e meio ambiente; II Realizar testes de irradiação de materiais e combustíveis nucleares; III Realizar pesquisas científicas e tecnológicas com feixes de nêutrons. A crise de radiofármacos somente tornou evidente o alto preço que se paga com a postergação da tomada dessa decisão. AULA ABERTA