Scientific American - Aula Aberta 9

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Roteiros temáticos elaborados para atividades em classe

Aula Aberta

BRASIL

O prazer de ensinar ciências

ANO I - NO 9 - 2011 - R$ 6,90

MATEMÁTICA

Teoria de

cordas Universo com 10 dimensões? Sistema baseado nos números complexos pode fornecer a explicação para essa ideia

BIOLOGIA

Como controlar os mecanismos que levam à obesidade QUÍMICA

GEOGRAFIA

Mudanças climáticas podem gerar migrações em massa

FÍSICA

Refração negativa é a base das chamadas superlentes

De onde vieram e como evoluíram os minerais do planeta



SUMÁRIO

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SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta no 9

MateMátICa

Os estranhos números da teoria de cordas Um esquecido sistema numérico inventado no século 19 pode fornecer a explicação mais simples de por que o Universo teria 10 dimensões

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fÍsICa

a procura pela superlente Metamateriais podem produzir imagens com resolução menor que o comprimento de onda da luz

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bIOlOGIa

Como solucionar a crise da obesidade No estudo do comportamento social pode estar a chave para enfrentar esse desafio

40

quÍMICa

Como evoluíram os minerais Análises mostram que a maioria dos elementos deve sua existência às formas vivas da Terra

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GeOGrafIa

Vítimas da mudança climática Alterações ambientais contribuirão para migrações em massa em escala inédita no planeta SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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SEçõES 6 Olhares

O impacto do gás metano liberado pelo rebanho bovino brasileiro

8 nOtas

Como calcular a velocidade de nossos passos em uma caminhada; n Troca de genes entre bactérias é mais rápida do que se pensava; n Novos aparelhos devem acelerar chegada de medicamentos ao mercado; n Tecnologia baseada em ultrassom permite decodificar idiomas em extinção; n Técnica de origem francesa ajuda a amenizar problemas da má postura; n Como o cozimento por imersão se diferencia do método de grelhar. n

www.sciam.com.br

BRASIL

COMItÊ eXeCutIVO Jorge Carneiro, Luiz Fernando Pedroso, Lula Vieira, Cidinha Cabral e Ana Carolina Trannin

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Meu PerCursO

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lIVrOs

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O neurocientista Stevens Rehen fala sobre sua trajetória profissional

As perspectivas de um novo ser humano segundo Miguel Nicolelis. Da tela para o papel, uma história da ciência

Farcetta e Lorena Travassos (assistente) ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Elena Regina Pucinelli SUPERVISORA DE REVISÃO: Edna Adorno COLAbORADORES: bruno Troiano (redação); Luiz Roberto Malta e Isaías Zilli (revisão) ESTAGIáRIOS: Denise Martins e Rodrigo Seixas

redacaosciam@duettoeditorial.com.br EDITOR-ChEFE: Ulisses Capozzoli EDITORA DE ARTE: Simone Oliveira Vieira ASSISTENTES DE ARTE: João Marcelo Simões e Ana Salles PESqUISA ICONOGRáFICA: Gabriela

rePresentantes COMerCIaIs alagoas/bahia/ Pernambuco/sergipe Pedro Amarante – (79) 3246-4139/ 9978-8962 brasília Sônia brandão – (61) 3321-4304 espírito santo Dídimo Effgen – (27) 3229-1986/ 3062-1953/ 8846-4493/ 9715-7586

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55 Para O PrOfessOr

Roteiros elaborados por professores especialistas com sugestões de atividades para sala de aula

66 ensaIO

Por que tantas pessoas não acreditam nos cientistas

Uma lista de vídeos e endereços para visitar, inspirar-se e explorar com os alunos

EDITOR: Luiz Marin DIAGRAMAÇÃO: Juliana Freitas

Aula Aberta

Sensíveis ao tato revolucionam o mercado

Internet

PublICIDaDe publicidade@duettoeditorial.com.br DIRETORA: Cidinha Cabral cidinhacabral@duettoeditorial.com.br DIRETORA DE MERCADO PUbLICITáRIO: Sandra Garcia GERENTE: Leandro Dias COORDENADOR DE PUbLICIDADE: Robson de Souza

DIretOra De reDaçãO Ana Claudia Ferrari anaferrari@duettoeditorial.com.br

16 COMO funCIOna

rio de Janeiro Carla Torres – (21) 2224-0095 PrOJetOs esPeCIaIs – farMaCÊutICO ExECUTIVO DE NEGóCIOS: Walter Pinheiro MarKetInG GERENTE DE MARKETING: Moacir Nóbrega MARKETING EVENTOS: Claudio Rahal COORDENADORA DE MARKETING: Camilla Milanello ANALISTA DE MARKETING: Camila Carneiro OPerações DIRETORA: Ana Carolina Tranin ana.carolina@duettoeditorial.com.br GERENTE FINANCEIRA: Arianne Castilha SUPERVISORA DE PLANEJAMENTO: Dilene Cestarolli CIrCulaçãO Circulação avulsa PRODUÇÃO GRáFICA: Wagner Pinheiro ASSISTENTE DE PCP: Paula Medeiros VENDAS AVULSAS: Fernanda Ciccarelli


EDITORIAL A

garotada ouve (e fala) diariamente expressões como “10 megabytes por segundo, 100 quilohertz ” e tantas outras, das quais grande parte dos jovens só conhece as relações quantitativas: sabem que uma banda larga de 10 “mega” é melhor que uma de 2, mas têm apenas uma vaga ideia do que significam. Muitas vezes ficam no desconhecimento durante anos, porque essas grandezas da física só serão abordadas na escola muito mais tarde. Por um lado uma das conquistas, podemos assim dizer, da não tão nova orientação no ensino brasileiro é não fugir da explicação aos alunos dos eventos do seu dia a dia, abandonando a cômoda atitude de responder: esse assunto é complicado e você só vai poder aprender mais tarde. Por outro lado, no empenho de explicar fenômenos do cotidiano, acaba-se relegando assuntos que rotulamos como “pouco úteis” para a maioria das pessoas. Um exemplo disso são os números complexos. Para que servem? E a teoria de cordas? É só uma teoria, nem sabemos se esse modelo corresponde à realidade ou não. Diante disso, cabe lembrar que a ciência deve ser aprendida no seu todo, e que os caminhos que levam a uma grande descoberta passam muitas vezes por extensos intervalos de latência para mostrar sua importância anos, até séculos depois, como aconteceu com a álgebra booleana. Essas questões estão, de certa forma, abordadas no artigo sobre teoria de cordas e no roteiro elaborado para explorá-lo em sala de aula.

Essa imprevisibilidade dos caminhos da ciência aparece também no artigo sobre superlentes, uma revolução na chaCaPa: Ilustração de Dusan Petricic/ mada óptica geo- SCIENTIFIC AMERICAN métrica, um ramo da física que já se dava como esgotado, mas que deve se desenvolver agora, com os recursos oferecidos pelos metamateriais com índice de refração negativo. O plano de atividades preparado para esse assunto traz novidades: um programa interativo que permite ao aluno observar, em diversas situações, todo o percurso dos raios luminosos ao atravessarem meios refringentes positivos e negativos. Esta edição contempla as ciências da Terra com dois artigos importantes, um sobre a origem e a evolução dos minerais e outro, a respeito dos problemas ambientais que o planeta e todos os seus habitantes têm de enfrentar e para isso devem contar com os conhecimentos científicos adquiridos a fim de, no mínimo, mudar condu­ tas. Nisso está também a chave para resolver uma das ameaças à saúde dos indivíduos, a obesidade, outro tema desta edição. Boa leitura e boas aulas. Convidamos todos os nossos leitores a enviar comentários e sugestões para a redação.

Luiz Carlos Pizarro Marin redacaosciam@duettoeditorial.com.br

assinaturas GERENTE: Rosemery Andrade COORDENADOR DE VENDAS PESSOAIS: Antonio Carlos de Abreu núCleO MultIMÍDIa DIRETORA: Mariana Monné REDATORA DO SITE: Fernanda Figueiredo WEb DESIGNER: Rafael Gushiken COORDENADORA DE VENDAS WEb: Michele Lima ASSISTENTE ADMINISTRATIVA: Sabrina de Macedo sCIentIfIC aMerICan InternatIOnal EDITOR IN ChIEF: Mariette DiChristina MANAGING EDITOR: RICKI L. RUSTING ChIEF NEWS EDITOR: PhILIP M. YAM SENIOR WRITER: Gary Stix EDITORS: Davide Castelvecchi, Mark Fischetti, Steve Mirsky, Michael Moyer, George Musser, Christine Soares, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PhOTOGRAPhY EDITOR: Monica bradley

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OLhARES O que nem sempre é mostrado

Mais de

9 milhões

de toneladas por ano é a quantidade de gás metano gerada pelo rebanho bovino brasileiro, o 2o maior do mundo, com cerca de

© bobby haas national Geographic Getty images

200 milhões de cabeças...

6 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta


...ou

80 milhões de toneladas por ano é a quantidade estimada de gás metano gerada pelo rebanho bovino mundial, que tem mais de

1 trilhão de cabeças... SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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NOTAS fÍsICa nO esPOrte

Como você anda?

Bastam duas grandezas para calcularmos a velocidade com que caminhamos confortavelmente análise da física do andar pode parecer difícil, uma vez que os pés e pernas se deslocam com velocidades variáveis e, durante alguns instantes, o pé chega a parar quando está encostado no chão. Enquanto isso, a perna correspondente gira em torno dele. Isso tudo soa muito complicado! Uma tática comum em física, quando encontramos um problema complexo, é olhá-lo de algum ponto de vista que possa facilitar o entendimento. Outra manobra consiste em procurar o que ele tem de essencial, deixando os detalhes para depois. Vamos aplicar esses dois recursos ao estudo do andar calmo, não forçado, ou seja, da forma mais confortável possível. O objetivo é descobrir um jeito de estimar a velocidade com que caminhamos. O primeiro passo (sem trocadilho) é analisar o andar de um referencial em que a pessoa esteja parada. É o que acontece, por exemplo, quando observamos alguém praticando esteira. Nesse caso, vemos o corpo estacioná-

L

rio e as pernas oscilando, para a frente e para trás, como um pêndulo, em um movimento bem regular. A forma mais confortável de andar é aquela em que não fazemos força nem para empurrar a perna para a frente, nem para segurá-la. Essas duas ações – empurrar para a frente e segurar – seriam cansativas. Assim, para andar confortavelmente, devemos deixar que as pernas oscilem livremente. Ao observarmos o problema dessa forma, aplicamos as duas táticas: consideramos a pessoa parada e simplificamos o movimento das pernas, tomando-as como pêndulos. Podemos agora estimar a velocidade do andar com base no do tamanho de um passo dividido pelo tempo para completá-lo. a perna como um pêndulo Se a perna fosse um pêndulo simples – uma haste bem leve com uma massa pendurada em seu extremo – seu período de oscilação, em pequena amplitude, seria dado por 2π L /g , em

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O PerÍODO De OsCIlaçãO de um pêndulo simples é 2π L /g . O período de oscilação de uma barra uniforme é 2π 2l /3g . Você pode testar essas equações usando um cronômetro, um barbante com um pequeno peso pendurado e uma régua. 8 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

que l é o comprimento da perna e g a aceleração da gravidade (10 m/s2). Mas esse não é o caso, pois a massa de nossos membros inferiores não está concentrada em seus extremos. Se considerarmos que a distribuição de massa é relativamente uniforme, o período de oscilação será 2π 2L /3g. Podemos assumir esse resultado como uma boa aproximação. estimando a velocidade do andar Conhecido o período de oscilação, podemos agora estimar a velocidade com que andamos. Para tanto, basta dividir o comprimento de um passo pelo tempo que demoramos para completá-lo (que é igual à metade do período do pêndulo). A medida do passo varia de

© Oriontrail/Shutterstock

A


física interplanetária Um aspecto interessante do resultado obtido é que a velocidade do andar confortável depende da raiz quadrada do comprimento da perna. Isso pode explicar por que crianças e adultos conseguem andar lado a lado, sem grandes esforços, apesar de suas pernas terem comprimentos muito diferentes: basta que os adultos encurtem um pouco os passos e as crianças aumentem os seus. A equação que obtivemos é bastante geral, não vale apenas para pessoas e na Terra. Outros animais que balançam suas pernas para andar, mesmo que façam isso com as pernas dianteiras e traseiras separadamente também devem andar com a velocidade que deduzimos. Aplique a equação para um pequeno cachorro ou para uma girafa e vá ao zoológico verificar se o resultado confere com as suas contas. Outro dado notável é a dependência da velocidade do andar com a aceleração da gravidade, g: o mesmo animal anda mais rápido em planetas de maior aceleração gravitacional e mais devagar onde ela é menor. Talvez os diretores de cinema devessem considerar isso em seus filmes de ficção científica. – Felipe Fábio Frigeri é mestrando e Otaviano Helene é professor e mantém o blog cienciasolimpicas.blogspot.com/, ambos no Instituto de Física da USP

MICrObIOlOGIa

Partilhar e compartilhar Bactérias trocam genes com seus vizinhos mais frequentemente que os pesquisadores pensavam

B

actérias e arqueias – conhecidas pelo nome comum de procariotas – vivem de modo geral em toda parte, dividindo-se alegremente em lugares que vão do ácido estomacal a respiradouros em alto-mar. Elas conseguem se dar bem em tantos lugares tão diferentes porque seus genomas são incrivelmente flexíveis: eles se alteram, perdem e duplicam genes quase à vontade. Cientistas reconheceram há muito que procariotas também adquirem genes de seus vizinhos (prerrogativa que contribuiu para resistência a antibióticos). Mas se considerava que esse método de adquirir novo DNA, chamado de transferência horizontal de genes, fosse relativamente raro e ocorresse apenas sob fortes pressões no ambiente, como exposição a poderosos antibióticos. Um estudo recente em PLoS Genetics descobriu, ao contrário, que procariotas adquirem genes de microrganismos vizinhos com frequência. Essa transferência ocorre quando um indivíduo obtém informação genética de outro via uma ponte ou um vírus e se dá até quando dois procariotas são de espécies diferentes. Ao compilar um banco de dados de 110 diferentes genomas procariotas, Todd J. Treangen e Eduardo P. C. Rocha, do Instituto Pasteur em Paris, calcularam o número de genes adquiridos através de transferência horizontal de genes. Eles sabiam que genes que evoluem dentro do

próprio genoma procariota muitas vezes se localizam perto de genes semelhantes e têm funções semelhantes em genes existentes. Genes que chegam via transferência horizontal, no entanto, aparecem aleatoriamente ao longo de todo o genoma e com frequência têm funções radicalmente diferentes. Ao rastrear esses dois principais indicadores Treangen e Rocha calcularam que procariotas que eles estudaram adquiriram entre 88% e 99% de novos genes por transferência horizontal. – Carrie Arnold

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WALTER HODGES Corbis (prato de Petri)

uma pessoa para outra, mas vamos supor que seja igual ao tamanho de sua perna. Com um pouco de álgebra e de aritmética, concluímos que a velocida2 de do andar é v = L /T ≈ 0,40 L /g. O comprimento da perna de um adulto é de cerca de 1 metro. Esse va­ lor nos leva à velocidade de 1,3 m/s, ou cerca de 4 km/h. Você pode verifi­ car isso andando alguns metros e medindo sua velocidade. Mas, atenção: essa é a velocidade mais confortável de andar, sem forçar para andar depressa, nem segurando as pernas para andar devagar.


NOTAS bIOteCnOlOGIa

Órgãos em um chip

U

m dos maiores desafios no desenvolvimento de drogas é o teste. Os cientistas são forçados ou a experimentá-las em animais – o que custa caro, levanta questões éticas e talvez não ajude a prever os efeitos em humanos – ou realizar testes com células humanas microscópicas, alteradas para se conservarem, que têm pouca relação com as pessoas reais, vivas. A solução pode estar nos microchips que simulam as atividades e o mecanismo de órgãos e sistemas. Esses “órgãos em chip”, como são chamados, consistem em lâminas de vidro guarnecidas com células humanas configuradas para imitar um determinado tecido ou interface entre tecidos. Os idealizadores desse sistema esperam fazer os remédios chegar mais cedo ao mercado e, em alguns casos, talvez até eliminar a necessidade de testes em animais. Os pesquisadores estão “traduzindo” cada vez mais partes do corpo para a interface. Em meados de 2010, bioengenheiros da Harvard University anunciaram na revista Science a criação de um aparelho que imita um pulmão humano: uma membrana

porosa cercada por células de tecido de pulmão humano, que respira, distribui nutrientes para as células e inicia respostas de imunização. Em novembro de 2010, pesquisadores japoneses anunciaram na revista on-line Analytical Chemistry a construção de um chip que simultaneamente testa como os cânceres de fígado, intestino e mamas respondem ao tratamento com drogas. Antes disso, em fevereiro de 2010, em publicação na Proceedings of the National Academy of Science USA, tinham informado o desenvolvimento de uma réplica em microescala do fígado humano que lhes permitiu observar o ciclo vital inteiro da hepatite C, um vírus muito difícil de observar em células cultivadas. Laboratórios farmacêuticos começaram experimentos com chips, mas avançam com cautela. O principal defeito, segundo alguns, é que os chips podem não replicar certos aspectos cruciais da fisiologia viva tanto quanto os testes com animais permitem. “Se não se usar algo próximo do sistema fisiológico total, é bem provável que se venha a ter encrencas”, como por efeitos colaterais em futuros ensaios clí-

nicos, diz William Haseltine, fundador e ex-presidente da empresa Human Genome Sciences (Ciências do Genoma Humano), baseada em Rockville, Maryland. Pesquisadores de Harvard afirmam que os chips fornecem pistas a respeito de toxicidade. Em última instância, o objetivo é fazer chips que imitem sistemas mais complexos – quem sabe, até seres humanos inteiros, prevê Donald Ingber, diretor do Instituto Wyss de Harvard para Engenharia de Inspiração Biológica e cocriador do pulmão-no-chip. Os cientistas poderiam desenvolver chips que contenham células de pacientes com mutações genéticas, que ajudariam a prever respostas a drogas em populações específicas, além de chips personalizados que prevejam resposta individual a uma droga. “Em essência, isso seria análogo ao projeto de ensaio clínico humano, mas tudo feito com chips que não são caros”, considera Ingber. “Esse é o ponto central da engenharia bioinspirada. Não é preciso recriar tudo – você tem apenas de colocar as características salientes.” – Melinda Wenner Moyer

teCnOlOGIa

um estalo da língua

Ultrassom decodifica idiomas em extinção

A

manda Miller se senta em frente a uma senhora idosa em Upington, África do Sul, segurando uma sonda cilíndrica embaixo do queixo da mulher. “Fale”, diz Amanda em sua língua nativa, N|uu, e, conforme as palavras fluem, uma tela brilha com o vídeo da língua em movimento. Linguistas estão utilizando a mesma tecnologia que produz imagens de fetos para estudar línguas ameaçadas. Para alguém como Amanda, que estuda fonética – a ciência de como os sons são percebidos, articulados e organizados nos diferentes idiomas –, é de extrema importância 10 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

acompanhar a língua enquanto se fala. Amanda é professora adjunta visitante da Ohio State University e uma dos cerca de 40 linguistas no mundo que utilizam ultrassom. Essa tecnologia portátil, que se tornou acessível para os linguistas por volta de 2000, permite aos pesquisadores ver em tempo real a língua enquanto se move. Esse é o único dos equipamentos que acompanha o falar. Os aparelhos de ressonância magnética, por exemplo, são lentos. Antes do ultrassom os linguistas dependiam de raios X ou sondas eletrônicas aderentes. Os raios X não serviam por expor os indivíduos à radiação nociva, enquanto as sondas eram quase sempre inconvenientes. “Imagine entrar numa vila e dizer ‘Gente, quero apenas secar a lín-

FELICE FRANKEL Wyss Institute

Novos aparelhos devem apressar chegada de medicamentos ao mercado


saúDe

O risco do salto alto

Técnica de origem francesa ajuda a amenizar problemas provocados por má postura

© CARLOS E. SANTA MARIA/Shutterstock

B

oa saúde é fundamental para atividades cotidianas, e um dos principais problemas que dificulta a vida dos brasileiros é a má postura, quase sempre a vilã por trás das dores nas costas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 85% da população mundial sofre de dores na coluna. Mas a postura inadequada pode ser a razão de várias outras dificuldades, como dores de cabeça frequentes e tensão muscular, quase sempre associadas ao estresse, mas que podem ser um alerta para problemas posturais. E se engana quem considera que os problemas posturais se restringem ao ambiente de trabalho. É preciso levar em conta as atividades em que se permanece muito tempo na mesma posição, na maneira de sentar-se ou em tarefas repetitivas como forma de evitar a má postura, o que pode ocorrer fora do ambiente profissional. A prática de alongamento, de duas a três vezes por semana, associada a algum tipo de exercício físico, são atitudes capazes de reduzir esses problemas. Uma ameaça sorrateira, de combate aparentemente difícil, é o uso de sa-

patos de salto alto, peças indispensáveis no guarda-roupa feminino. O uso do salto alto faz com que uma mulher distribua maior peso e exerça maior pressão nos dedos dos pés, o que pode levar ao encurtamento nos músculos da panturrilha (batata da perna), provocar tendinite, fraqueza muscular, ruptura de ligamentos, entorse (virada de pé), esporões de calcâneos e tornozelos. Sem falar em aumento da lordose lombar, dores nos joelhos, calosidade, joanetes e unhas encravadas, caso o sapato tenha bico fino. Com o uso continuado dos saltos altos, outros problemas também podem manifestar-se, como deformidade no quadril, com efeitos no equilíbrio e mudanças na marcha de caminhada, levando a quedas. Na avaliação dos fisioterapeutas Vidigal Gasparini e Mauro Pedroni Júnior, “o salto mais recomendado para as mulheres que não conseguem viver fora das alturas são os sapatos de salto meia-pata, pois ele proporciona um conforto maior para os pés”. O salto mais indicado, avaliam, “é o Anabela, pois a distribuição de peso nos pés se dá de forma mais adequada”.

gua de vocês e colar algumas coisas nela’. As pessoas ficariam arredias”, avalia Diana Archangeli, professora de linguística da University of Arizona, que trabalha com ultrassom desde 2004. Graças a essa nova tecnologia, Amanda e seus colegas documentaram alguns dos sons mais rápidos na fala humana: as consoantes não pulmonares conhecidas como cliques, presentes em muitos idiomas africanos. Devido ao fato de os linguistas não saberem exatamente como esses cliques eram produzidos, o som foi classificado numa categoria de “miscelâneas” do Alfabeto Fonético Internacional, sistema universal que classifica todos os sons dos idiomas do mundo. Linguistas utilizam esse alfabeto

A podoposturologia, técnica francesa da área da fisiote­ rapia capaz de reeducar e realinhar a estrutura do corpo, pode ajudar a amenizar essas dificul­ dades. Exames específicos prescrevem o uso de pal­ milhas proprioceptivas, que podem ser usadas tanto na prevenção como no alívio das dores e sintomas. A técnica corrige vícios posturais decorrentes dos desequilíbrios que afetam tanto atletas quanto sedentários, segundo Gasparini e Pedroni Júnior, especializados em podoposturologia. As palmilhas são confeccionadas com um tipo de material usado em calçados esportivos de última geração, que oferecem sensação de conforto e bem-estar. A avaliação podoposturológica é realizada por fisio­ terapeutas ao longo de várias etapas. – Pedro Nunes

para estudar a relação entre sons diferentes e, através disso, a origem das pessoas e das línguas. Amanda investigou mais de 40 tipos diferentes de consoantes cliques. Sua pesquisa, publicada em 2009, organizou os cliques com base em atributos como jatos de ar (de onde o ar se origina), lugar (onde a boca se contrai) e modo de articulação. Essas mudanças possibilitaram que os cliques fossem devidamente classificados no alfabeto. “Uma vez que se tenha a classificação e subclassificação dos cli­ ques, pode-se começar a notar semelhanças com outros sons, por exemplo, em inglês”, diz ela. Tanto o “t” como o “k” compartilham características das consoantes cliques. – Lisa Song SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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NOTAS alIMentaçãO

a ciência por trás do sous vide

Como o cozimento por imersão se diferencia do método de grelhar

P

eça um filé ao ponto para malpas­ sado nos restaurantes sofisticados de hoje e, ao cortar a carne, descobrirá que está perfeitamente rosada não apenas em seu centro, mas de uma extremidade a outra, e envolta somente por uma crosta dourada superfina. O segredo para obter de forma constante resultados tão espantosos vem de uma técnica surpreendentemente simples, porém eficaz, chamada cocção por sous vide (o termo francês para “vácuo”). O chef primeiro sela o alimento em sacos plásticos especiais, usualmente em uma câmara a vácuo, mas, às vezes, utiliza ar ou outros gases. Então, cozinha-se lentamente o alimento ensacado em temperaturas relativamente baixas, em geral de 50° a 65°C, por horas ou até mesmo dias em banho-maria ou forno a vapor. 12 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Para os chefs de churrascaria acostumados a preparar pratos em grelhas a uma temperatura de 980°C, essa abordagem parece pouco ortodoxa. Mas, o cozimento por sous vide “pegou” rapidamente – mesmo entre os cozinheiros amadores. O simples ato de embalar a vácuo um ingrediente e submergi-lo em água quente altera mais que se possa imaginar a física da cocção. O objetivo comum ao cozinhar é trazer o alimento a uma temperatura específica, em que está perfeitamente cozido. Para muitos insumos, como peixes e certos vegetais, a margem de erro é bem pequena. Mas no cozimento tradicional, a alta temperatura da panela, forno ou grelha empurra de forma tão rápida o calor para o exterior do alimento que se forma um amplo gradiente

de temperatura entre a superfície e o centro geométrico. Quando empregam o sous vide, os chefs geralmente ajustam o banho-maria somente um ou dois graus acima da temperatura que se pretende alcançar no centro da preparação. Um aquecedor controlado por computador pode manter a água dentro de uma variação de meio grau em relação à temperatura programada, enquanto o alimento é lentamente preparado. Como a temperatura não pode subir muito, não é realmente possível cozinhar demais a preparação, assim o tempo é bem menos importante. A embalagem a vácuo evita que o ar isole o insumo, melhora a segurança alimentar e reduz muito as reações por oxidação. – W. Wayt Gibbs e Nathan Myhrvold

RYAN SMITH Modernist Cuisine LLC

eM áGua quente: Os chefs podem cozinhar praticamente qualquer coisa em sous vide, incluindo carne ensopada.


MEU PERCURSO

stevens rehen Neurocientista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ fala de seu trabalho aos leitores de aula aberta Por luiz Marin

N

© RobeRto PRice/FolhaPRess

o Colégio Marista São José, uma escola tradicional do Rio de Janeiro onde estudei, recebi uma formação sólida, humanista. Talvez meus professores de biologia, por serem os mais cativantes, tenham contribuído para despertar meu maior interesse por essa área. Mas o colégio valorizava a prática de esportes, o que influiu muito na minha formação. Costumo fazer um paralelo do esporte com as ciências, principalmente porque ele estimula o trabalho em grupo. Sempre joguei vôlei, vivia treinando, é um dos esportes mais coletivos que existe. Esse tipo de atuação colaborativa tem de acontecer também na atividade científica. Até cerca de cinquenta anos atrás, conseguia-se produzir um trabalho brilhante com uma ou duas pessoas. Hoje, isso é impossível. Projetos de envergadura geralmente estão associados a grandes consórcios, com colaboradores de várias áreas. Ciência no brasil Acho que atualmente existem boas possibilidades para pesquisa em biologia. Recentemente, quando dei uma palestra em Manaus, observei que havia várias ofertas, não só de bolsa, mas também oportunidades profissionais. O problema é que tendemos a ser pouco flexíveis para nos estabelecermos em outras regiões do país. Diria para os jovens que, além dessa flexibilidade, é preciso mais empreendedorismo. Na minha época de faculdade senti falta de perceber com clareza essa possibilidade de realizar, criar coisas. Acabei aprendendo isso um pouco na marra, e o período em que fiquei nos Estados Unidos, foram seis anos, me ajudou a perceber melhor as oportunidades, e hoje em dia sou sócio de uma pequena empresa. Se eu tivesse per-

cebido isso com 20 anos teria sido bem melhor para minha carreira. E vai ser vantajoso para o país se conseguirmos mostrar à garotada essas alternativas. Acho que o baixo interesse pelas ciências no Brasil é, em grande parte, fruto do desconhecimento. Pouco tempo atrás, um colega meu, em conversa com um taxista que lhe perguntou qual era sua profissão, respondeu: sou cientista. O motorista exclamou: “Nossa! Pensei que isso só tivesse no Japão e nos Estados Unidos”. É um exemplo de quão pouco é difundida a ciência no país, daí o desconhecimento da população e a importância da divulgação. a universidade vai à escola Minha opção no vestibular foi medicina veterinária, e nas escolas em que não havia esse curso, inscrevi-me em biologia. Na época eu namorava uma menina cujo pai era cientista, o que me ajudou a desmitificar a figura desse profissional como um ser distante da realidade. Pude perceber melhor a importância dele na sociedade. Acho que muito da minha carreira atual é consequência da entrada precoce no ambiente de pesquisa. Se eu tivesse só ficado na sala de aula, não teria as mesmas oportunidades. Hoje há programas de incentivo à vocação científica voltados para alunos do ensino médio. Tenho dois estudantes desse nível no laboratório. São alunos excelentes, que têm interesse em fazer graduação na área biológica. É importante inserir jovens assim desde muito cedo nesse contexto. Há programas aqui no Rio que incentivam esse tipo de inserção, o que é bom para todo mundo, e também cursos de reciclagem dentro da

universidade destinado a professores do ensino médio. Temos ainda um trabalho de “formiguinha” chamado Ciência sobre rodas: professores da UFRJ saem em uma van e visitam um colégio por semana, para dar aulas. É impressionante o impacto que isso tem na vida da garotada. sobre células-tronco Usamos as células-tronco, reprogramadas a partir de células da pele de pacientes, como uma ferramenta para tentar responder a diversas questões, relativas à complexidade do cérebro e de alguns distúrbios mentais, como a esquizofrenia. Também nos dedicamos a pesquisas mais relacionadas com a questão da diferenciação, isto é, o que faz uma célula se especializar em exercer uma função específica. Temos ainda uma atividade mais ligada ao empreendedorismo, a produção de insumos para a pesquisa com célulastronco, em um laboratório ligado à Rede Nacional de Terapia Celular. Essa atividade toda é o que me encanta no dia a dia da vida acadêmica: a novidade, a geração constante de novas hipóteses. Acho que fazer ciência no país é um desafio imenso, mas que traz como recompensa a possibilidade de transformar se a sociedade. Respiro meu trabalho 24 horas por dia, mas também me divirto nesse tempo, e tento levar uma vida a mais normal possível. n

Na seção Internet (pág. 15) há informações sobre o site do LaNCE (Laboratório Nacional de Células-tronco Embrionárias). O professor Stevens mantém uma coluna mensal no Instituto Ciência hoje (http:/cienciahoje.uol.com.br/colunas/brconexaoes)

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LIVROS reDe InfInIta

Maravilhas do binômio homem-máquina

graças a neuropróteses comandadas pelo cérebro e um sem-fim de possibilidades e conquistas com que o ser humano sempre sonhou mas nunca pensou que pudessem ser alcançadas. Nicolelis nos leva a vislumbrar um mundo em que as interfaces cérebromáquina (ICMs), a médio prazo, “contribuirão para uma aceleração explosiva da convergência de várias disciplinas, como ciência da computação, engenharia, robótica, matemáti14 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ca, biologia e filosofia para criar uma nova neurociência”. Um mundo em que todos os seus habitantes estarão em contato sem a necessidade das nuvens em que se apoiam as atuais redes sociais, que hoje vemos como uma revolução na comunicação entre as pessoas, “sem a necessidade de digitar ou pronunciar uma única palavra”. Imagine tudo isso e pense nas mudanças sociais que virão. Pense na influência da internet nas últimas revoltas populares no Egito, na Libia, na necessidade e no medo que ela representa para países de regimes totalitários e imagine como seria um mundo em que a comunicação ocorresse cérebro a cérebro. A nova neurociência que Nicolelis apresenta certamente vai trazer consigo um ser humano diferente, uma nova sociedade. Ao mesmo tempo, ele nos desperta para uma jornada através do mais instigante e atraente universo que mal começamos a conhecer – o cérebro humano –, evidenciando a teoria de que o pensamento não é localizado em partes específicas do cérebro, mas sim distribuído pela imensidão de nossa rede de neurônios. Ao longo do livro somos levados a acompanhar a obsessão que a partir de certo ponto tomou conta da carreira do autor: “Criar novas formas de visualizar, monitorar, medir e decifrar a melodia produzida pelos universos neurais”. Nosso cérebro vai além do corpo. Ele pode nos passar sensações que ocorrem, por exemplo, num braço de borracha. Isso nos leva a vislumbrar a possibilidade de simulações incríveis, como tocar a superfície arenosa de outro planeta, numa viagem mental sem sair de casa. Ou como ele diz: “A cada passo dessa escalada exploratória sem fim, as ferramentas criadas por nossos descendentes para viagens mentais maravilhosas continuarão

MuItO aléM DO nOssO eu Miguel Nicolelis. Companhia das Letras, 552 págs., 2011, R$ 39,50

a ser assimiladas por seus cérebros, como genuínas expansões do senso de eu, definindo um ponto de vista próprio do cérebro que estará muito além de qualquer coisa que cada um de nós possa hoje imaginar ou verbalizar”. Mas Muito além do nosso eu é mais que futuro. Nicolelis é um contador de casos. Mas que contador! E que casos! Cada um deles é um experimento científico que, como a grande maioria, encerra no mínimo toda a paixão que acompanha uma pesquisa, seja na comprovação experimental de um fenômeno, seja no suspense em torno do resultado final ou no desafio de decifrar o enigma que os dados obtidos muitas vezes oferecem. Com seus casos, o autor dispara uma viagem pela história da neurociência, começando dos primórdios, quando o italiano Luigi Galvani tentava comprovar a existência da eletricidade animal e o inglês Thomas Young – o mesmo que se destacou pelo experimento da dupla fenda e com isso verificou o comportamento ondulatório da luz – lançava sua teoria tricromática da visão colorida. Tudo isso em um texto saboroso, muitas vezes até hilário – e com direito a boas metáforas futebolísticas, – entrelaçado de tal forma que acabamos esquecendo do almoço e até das necessidades mais cotidianas. Mesmo quem não é da área pode ler sem medo. É leitura ao alcance de todos. – Luiz Marin

© dUke UniVeRsity PhotoGRaPhy/diVUlGação (Miguel nicolelis) , diVUlGação (capa do livro)

O

pequeno espaço da contracapa e da orelha de um livro muitas vezes é insuficiente para oferecer ao leitor uma boa noção panorâmica de seu conteúdo. Esse é o caso de Muito além do nosso eu, a mais recente publicação de Miguel Nicolelis, o neurocientista brasileiro que por seus estudos sobre a rede neural ganhou reconhecimento no universo acadêmico internacional. Na primeira lida, somos fatalmente atraídos pelo futuro, talvez não muito distante, que as pesquisas nessa área prometem: máquinas monitoradas pelo pensamento, incapacitações físicas, como a paraplegia, superadas


atraVés DOs teMPOs

Evolução científica em seis temas

M

osley é economista, médico e jornalista. Ele acabou voltando seus conhecimentos para a produção de programas de divulgação na BBC, emissora pública inglesa de rádio e televisão. Lynch, por seu lado, é diretor da área científica na mesma empresa e já produziu filmes famosos, como Caminhando com os dinossauros (1999) e O último teorema de Fermat. O livro Uma história da ciência é fruto de uma parceria de ambos para converter no meio impresso um documentário de sucesso com título similar. Se o filme está disponível na internet, então para que o livro? Essa é uma questão que remete a uma longa discussão em que entram em jogo os valores de cada um dos veí-

culos, e sabemos que não podemos compará-los. Muitos se perguntam se estaremos assistindo aos últimos dias do reinado do papel, que dará seu lugar dominante às páginas digitais dos e-books. Tudo indica que a mídia eletrônica veio para ficar, mas é certo que historicamente nenhum novo veículo de comunicação tomou lugar de outro até hoje. Todos eles foram capazes de se adaptar aos emergentes e até interagir com eles. Como muitos defensores do meio impresso gostam de dizer: “Papel tem cheiro e é bom”. Uma história da ciência não é nenhum tratado, não oferece uma análise, digamos, nos moldes de um estudo acadêmico. É um livro de divulgação, bem ilustrado, interessante para a garotada e para quem deseja

uMa hIstÓrIa Da CIÊnCIa Michael Mosley e John Lynch. Zahar, 288 págs., 2011, R$ 39,90

obter uma visão panorâmica das principais conquistas científicas ao longo da evolução do conhecimento humano. Todas elas são apresentadas em seis grupos temáticos – cosmo, matéria, vida, energia, corpo e mente – de forma contextualizada, vinculadas ao momento histórico e aos fatos que as fizeram ocorrer. – L. M.

INTERNET

diVUlGação (capa do livro) , RePRodUção (imagem do site)

A

cada dia novos recursos educacionais, ou assim autorrotulados, aparecem na web. O critério para avaliar se são bons ou não deve incluir necessariamente a forma de usá-los e o destino que terão. Nesta seção, procuramos oferecer aos professores indicações que possam ser úteis para o desenvolvimento de suas atividades em sala de aula, mas incluímos uma página sem avaliação prévia, deixando ao leitor o papel de analista e crítico. O site sugerido para esse exame pode ser acessado no endereço (http://www.khanacademy.org/). Segundo anúncio na página principal, estão ali disponíveis gratuitamente 2.400 vídeos com aulas de praticamente todos os assuntos (em inglês). Trata-se de aulas expositivas, com o professor em off (ouve-se apenas a voz) e tudo se desenvolve com giz e quadro-negro. Cabe ao leitor observar e estabelecer o que é bom e o que é ruim nesse sistema, mas na pior das hipóteses, oferece a possibilidade de pensar e, quem sabe, gerar novas e melhores ideias.

VíDEOS INDICADOS física Os metamateriais, com os quais se prevê a fabricação das superlentes, mencionados no artigo da página 24, prometem uma revolução nos instrumentos ópticos. Uma das promessas que se mostra intrigante é a da possibilidade de confecção dos chamados mantos de invisibilidade, tecidos feitos de metamaterial capazes de refletir a luz proveniente da região que eles cobrem, dando a impressão de que são atravessados por ela. Os sites abaixo trazem vídeos sobre o assunto. A exibição para os alunos pode render boas discussões e maior motivação para o estudo da óptica. http://www.newscientist.com/article/dn16527-video-revealing-the-technology-of-invisibility.html http://www.youtube.com/watch?v=Ja_fuzyhDuk

Geografia O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) mantém o site http://videoseducacionais.cptec.inpe.br/ que disponibiliza vídeos educativos sobre clima, tempo e ambiente e oferece diversos materiais educacionais. Um deles, intitulado Mudanças Ambientais Globais, discute os efeitos das alterações antropogênicas. Pode constituir um excelente ponto de partida para introduzir a leitura ao artigo referente ao tema desta edição. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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COMO FUNCIONA telas

sensíveis ao tato revolucionam o mercado uando a Apple lançou o iPhone, sua grande tela sensível ao toque tornou-se a sensação do momento. O telefone funcionava exclusivamente na rede sem fio da AT&T nos Estados Unidos. Imediatamente outros provedores de redes exigiram que seus engenheiros criassem rapidamente novos aparelhos competitivos. A concorrência se estabeleceu e opções de telefones com telas de toque proliferaram em 2008. Foram colocados no mercado o Blackberry Storm, da Research in Motion, que funciona na rede Verizon, o T_Mobile G1 da HTC, o Samsung Instinct (Sprint) e outros. Todos esses aparelhos são conhecidos como telefones inteligentes, o que normalmente é sinônimo de tecnologia bastante robusta, capaz de fornecer uma série de serviços além de ligações para telefones celulares e mensagens de texto. Isso significa, geralmente, que o sistema de operação está aberto para outros desenvolvedores de softwares que desejem criar novas opções. Os telefones inteligentes se comunicam cada vez mais através das chamadas redes 3G, que permitem buscas na internet e envio e recebimento de e-mails mais rápidos. Mas as telas de toque logo se tornaram “objetos de desejo” dos consumidores. “Todos os provedores têm hoje um telefone em mostruário para divulgação, na tentativa de competir com o iPhone”, observa Ross Rubin, diretor de análise industrial do Grupo NPD, empresa de pesquisa de mercado, em Port Washington, Nova York. Os aparelhos são equipados com hardwares como máquina fotográfica e câmeras de vídeo digitais, reprodução de música e telas atraentes (ver ilustração). Esses dispositivos, em breve, devem evoluir para pequenos computadores de pulso. A Hewlett­Packard e outras empresas já estão oferecendo esses netbooks com internet 3G. Já estão disponíveis os serviços de telefonia celular. Telefones inteligentes englobam uma série incrível de facilidades de telecomunicação, incluindo mensagens de e-mail, buscadores da web, navegadores GPS e – ah!, claro – telefone celular. E vem mais por aí. “Há muita coisa a ser explorada na rede 3G”, destaca Rubin. Finalmente, a promessa de liberar a banda larga móvel – equivalente ao DSL ou serviço a cabo que muitas pessoas recebem em casa – exigirá a evolução para o 4G, que já está nos planos da LTE (AT&T e Verizon) e da WiMAX (Sprint). 16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Quando o 4G for lançado, os provedores poderão finalmente abrir suas redes sem fio para que os usuários possam comprar telefones de diferentes marcas que funcionem em diferentes redes. Isso já está ocorrendo parcialmente no Brasil; é a chamada portabilidade oferecida por algumas empresas, como a Claro e a TIM. Os telefones provavelmente serão mais caros, porque não serão subsidiados pelas operadoras para manter os usuários presos a um contrato de serviço de longo prazo. “Você só pagará serviços mensais ou diários”, antecipa Rubin, “e pode mudar de operadora livremente.” – Mark Fischetti

➔  ■

TelefoneS inTeligenTeS como os iPhones da Apple (acima) e Blackberry Storm (abaixo) são providos de

1 Bateria ● 2 Câmara ● 3 Microfone ● 4 Memória ● 5 Transreceptores ●

celulares Porta-USB 7 ● Processador 6 ●

2 ●

5 ● 3 ● 7 ●

6 ●

4 ●

1 ● 9 ●

8 ●

5 ●

GeoRGe Retseck; Fonte: stMicRoelectRonics

Q


VOCÊ sabIa?

1 ● 2 ● 3 ● 4 ●

5 ●

7 ●

sensibilidade

6 Substrato de vidro ● 7 Cristal líquido ●

➔  ■

em telefones com telas sensíveis ao toque detectam quando o usuário muda a orientação da tela de “retrato” para “paisagem”. Mas os recursos disponíveis permitem novas aplicações. Quando o iPhone exibir a lista de restaurantes próximos, se você sacudir o telefone, reorganizará as entradas; o acelerômetro também pode enviar um comando para a câmara tirar uma fotografia à noite, com pouca luz, se o telefone estiver no modo estacionário.

u MIDs: Dispositivos móveis para internet (MID, na sigla em inglês) estão chamando mais a atenção dos consumidores, pois as telas de toque aumentam o tamanho dos telefones celulares em vez de tornálos menores. MIDs são, talvez, duas vezes maiores que os telefones de toque e otimizados para uma função, como câmara de vídeo que pode mandar arquivos para a web, ou um console de vídeogame móvel capaz de ser disputado por adversários em diferentes partes do mundo. A Intel está investindo no conceito e no nome MID, em parte porque a empresa produz um processador chamado Atom que comanda esses dispositivos e já faz parte de computadores muito pequenos – netbooks – otimizados para buscas na web.

1 Capa lisa ● 2 eletrodos de comando ● 3 Corrente ● 4 espaçador ● 5 eletrodos de ●

6 ●

u sacuda-o: Acelerômetros embutidos

A TelA Do iPhone e do Storm é sensível ao toque “projetada com capacitância mútua”. Os eletrodos de comando transportam a corrente da bateria que passa por eletrodos de sensibilidade. Quando um objeto condutor como a ponta do dedo toca a tela, ele altera a capacitância mútua de eletrodos de sensibilidade das vizinhanças, definindo o ponto de contato. A maioria das telas controla um toque de cada vez, mas o IPhone com tela multitoque pode responder a comandos de dois dedos simultaneamente.

1 Massa livre ● 2 Mola ● 3 Movimento ● 4 Capacitor de ●

placas fixas

1 ●

3 ● 1 ●

2 ● 1 ● 2 ● 3 ● 4 ●

lCD traseiro reentrância interruptor Dobradiça com mola

➔  ■

3 ●

2 ● 4 ●

4 ●

A SenSAção Do “CliqUe” no Storm dá aos usuários um retorno táctil quando pressionam uma tecla virtual na tela. Toda a tela elevada se descomprime ligeiramente e uma reentrância na parte traseira aciona um microinterruptor. Em resposta, o interruptor libera a capa traseira.

➔  ■

o ACelerôMeTro detecta quando se altera a posição da tela do telefone de vertical para horizontal, e envia um sinal para que o software reestruture os circuitos de imagem de modo que ocupe a tela toda. no projeto microeletromecânico de três eixos da STMicroelectronics, quando uma massa livre (azul), mantida por molas, se desloca, placas de um capacitor acoplado passam por placas fixas, fornecendo a direção e a extensão do movimento nos eixos x e y. Um segundo sensor (verde), no mesmo chip, acompanha o movimento na direção z. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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MATEMÁTICA

Os estranhos números da teoria de cordas Um esquecido sistema numérico inventado no século 19 pode fornecer a explicação mais simples de por que o Universo teria dez dimensões POr JOhn C. baez e JOhn huerta

bRad dececco

q

uando crianças, todos aprendemos os nú- cos disponíveis. Então, durante a Renascença, matemámeros. Começamos com a contagem, se- ticos ambiciosos tentavam resolver formas de equações guida da adição, subtração, multiplicação cada vez mais complexas, e até chegavam a fazer compee divisão. Mas os matemáticos sabem que o sistema tições para ver quem conseguiria resolver os problemas numérico que aprendemos na escola é apenas uma de mais difíceis. A raiz quadrada de -1 foi introduzida como muitas possibilidades. Outros tipos de números são uma espécie de arma secreta pelo matemático, físico, joimportantes para entender geometria e física. Entre as gador e astrólogo italiano Gerolamo Cardano. Onde mais estranhas alternativas estão os octônios. Muito outros reclamavam, ele se permitia usar esse misterioso negligenciados desde sua descoberta, em 1843, eles têm número como parte de cálculos mais longos nos quais assumido uma curiosa importância na teoria de cordas. as respostas eram números reais convencionais. Ele não E, certamente, se a teoria de cordas for uma representa- estava certo da razão de esse tru1545 ção correta do Cosmos, eles podem explicar por que o que funcionar; tudo que sabia era Nesse ano, Cardano Universo tem um número surpreendente de dimensões. que fornecia as respostas corretas. publicou Ars magna, Os octônios não seriam o primeiro pedaço da ma- Ele publicou suas ideias em 1545, livro no qual revelou o método de resoluções temática pura mais tarde usada para melhorar nosso deflagrando uma controvérsia que de cúbicas que, de cerentendimento do Cosmos. Nem seria o primeiro siste- duraria séculos: a raiz quadrada de ta forma, aprendeu ma numérico alternativo a mostrar usos práticos. Para -1 existia mesmo ou era apenas um com Tartaglia. entender por que, primeiro temos de olhar o caso mais truque matemático? Aproximadasimples de números – o sistema numérico que aprende- mente 100 anos depois, o grande pensador René Descarmos na escola – que os matemáticos chamam de núme- tes apresentou seu veredicto quando deu a esse número o ros reais. O conjunto de todos os números reais forma depreciativo nome “imaginário”, agora abreviado por i. Apesar disso, os matemáticos seguiram os passos uma linha, por isso dizemos que a coleção de números reais é unidimensional. Também poderíamos dizer que: de Cardano e começaram a trabalhar com números complexos – números da forma a + bi, em que a e b a linha é unidimensional são números reais convencionais. Por volta de 1806, porque especificar um a + bi ponto sobre ela requer Essa é a forma algébrica ou binomial Jean-Robert Argand popularizou a ideia de que núde um número complexo, introduzida meros complexos descrevem pontos em um plano. um número real. por Euler e adotada por Gauss, que Antes de 1500, os nú- preferiu separar a noção de número Como a + bi descreve um ponto em um plano? meros reais eram os úni- complexo das propriedades operató- Simples: o número a nos diz a que distância para a rias da radiciação. Assim, passou a ser utilizada a unidade imaginária “i”.

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esquerda ou para a direita o ponto está, enquanto b nos diz a distância do ponto para cima ou para baixo. Desse modo, podemos pensar que qualquer número complexo é um ponto em um plano, mas Argand deu um passo a mais: mostrou que podemos fazer operações com esses números – adição, subtração, multiplicação e divisão – como manipulações geométricas no plano (ver o quadro inferior na página oposta). Um aquecimento para entender como essas operações podem ser pensadas como manipulações geométricas é pensar, primeiramente, sobre os números reais. Adicione ou subtraia quaisquer números reais, e o resultado será como um deslizamento da linha real para a esquerda ou para a direita; e se você multiplicar ou dividir, o resultado será como esticar ou encolher a linha real. A multiplicação por 2, por exemplo, estica a linha por um fator 2; enquanto dividir por 2 a encolhe, movendo todos os pontos para duas vezes mais perto do que estavam antes. Multiplicar por -1 significa inverter a linha dos números reais. O mesmo funciona para os números complexos, com apenas algumas modificações extras. Adicionar qualquer número complexo a + bi a um ponto no plano desliza aquele ponto por uma quantidade a para a esquerda ou para a direita e para cima ou para baixo por uma quantidade b. Multiplicar por um número complexo não só estica ou encolhe, mas também rotaciona o plano complexo. Em particular, multiplicar por i rotaciona o plano em um quarto de volta. Assim, se multiplicarmos 1 por i duas vezes, giramos o plano em meia-volta, chegando ao número -1. A divisão é o oposto da multiplicação, de modo que para dividir apenas encolhemos em vez de esticar, ou vice-versa, e então giramos o plano na direção oposta. Quase tudo que podemos fazer com os

te em uma geometria tridimensional, um esforço que rendeu a ele apenas frustrações. Uma vez ele escreveu ao filho: “Toda manhã... em minha descida para o café da manhã, você e o seu então irmão menor, William Edwin, me perguntavam: ‘Bem, papai, você já consegue multiplicar tripletos?’, e eu era obrigado a responder negativamente com um triste aceno com a cabeça: ‘Não, eu posso apenas adicioná-los e subtraí-los’”. Embora ele não pudesse saber, a tarefa que ele se deu era matematicamente impossível. Hamilton estava procurando um sistema numérico tridimensional no qual pudesse adicionar, subtrair, multiplicar e dividir. A divisão é a parte difícil: um sisa alquIMIa De haMIltOn Em 1835, com 30 anos, o físico-matemá- tema numérico em que se pode dividir é tico William Rowan Hamilton descobriu chamado álgebra de divisão. Não foi antes como tratar números complexos como de 1958 que três matemáticos provaram pares de números reais. À época os ma- um fato incrível de que se suspeitava hatemáticos escreviam os números comple- via décadas: qualquer álgebra de divisão xos na forma a + bi que Argand popu- deve ter uma dimensão (os números reais), larizou, mas Hamilton notou que somos duas dimensões (os números complexos), livres para pensar no número a + bi como quatro ou oito. Para ter sucesso, Hamilton apenas um jeito peculiar de escrever dois teria de mudar as regras do jogo. O próprio Hamilton descobriu uma números reais – como (a, b). Essa notação torna fácil adicionar solução em 16 de outubro de 1843. Ele ou subtrair números complexos – ape- estava caminhando com a esposa pelo nas adicione ou subtraia os números re- Royal Canal para uma reunião na Royal ais correspondentes dos pares. Hamilton Irish Academy em Dublin quando teve também veio com regras um pouco mais uma súbita revelação. Em três dimensões, complicadas para a multiplicação e para a as rotações, a distensão e o encolhimento divisão, e assim ambas as operações man- não poderiam ser descritos com apenas tivessem o belo significado geométrico três números. Ele precisava de um quarto número, gerando, assim, um conjundescoberto por Argand. Depois de Hamilton inventar esse to quadridimensional chamado quatérsistema algébrico para números comple- nions, que tomam a forma a + bi + cj + dk. Aqui, os números i, j xos, com significaquatérnIOns e k são três diferentes raído geométrico, ele São os mais importantes números zes quadradas de -1. tentou, por muitos hipercomplexos conhecidos. Nessa forma, a, b, c e d são números reais; Hamilton escreveria anos, inventar uma i, j e k são unidades imaginárias que mais tarde: “Naquele álgebra maior de verificam as seguintes propriedades: momento senti o circuitripletos que tivesse i.i = -1, i.j = k, i.k = j, j.i = -k, j.j = -1, j.k = i, k.i = j, k.j = -i e k.k = -1. to galvânico do pensaum papel semelhannúmeros reais vale para números complexos. Na verdade, a maioria das coisas funciona melhor, como Cardano sabia, porque podemos resolver mais equações com números complexos do que com números reais. Mas se um sistema de números bidimensional fornece ao usuário um poder de cálculo superior, o que dizer de sistemas com dimensão mais elevada? Infelizmente, uma extensão simples mostrou-se impossível. Um matemático irlandês descobriria o segredo de sistemas numéricos de dimensão mais alta décadas depois. E apenas agora estamos começando a entender como eles podem ser poderosos.

Em síntese

A

maioria das pessoas está familiarizada com os números “reais, mas existem muitos outros tipos de números. Entre eles, os mais bem conhecidos são os números complexos, que incluem a raiz quadrada de -1. Podemos construir também sistemas numéricos de dimensão mais alta. Mas é possível definir todas as quatro operações fundamentais – adição, subtração, multiplicação e divisão – em apenas alguns casos especiais. Um

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desses casos são os octônios, um sistema numérico octodimensional. Matemáticos inventaram esse sistema na década de 1840, mas, encontrando poucas aplicações práticas, não deram a devida atenção ao tema pelos 150 anos seguintes. Matemáticos agora suspeitam que os octônios podem ajudar no entendimento de pesquisas avançadas em física de partículas e em campos como a supersimetria e teoria de cordas.


mento se fechando; e as fagulhas que saMatemática em múltiplas dimensões íam dele eram as equações fundamentais entre i, j e k; exatamente como as que usei Na escola fomos ensinados a conectar as ideias abstratas de adição e subtração a operações concretas – movendo números para cima e para baixo da linha real. desde sempre”. E em um significativo ato Essa conexão entre álgebra e geometria mostrou-se incrivelmente poderosa. Por de vandalismo matemático, ele esculpiu causa disso, matemáticos podem usar a álgebra dos octônios para resolver essas equações nas pedras da Brougham problemas em mundos octodimensionais difíceis de serem imaginados. O painel Bridge. Embora elas estejam agora enterabaixo mostra como estender operações algébricas na linha real para os números radas sob grafitagem, uma placa foi cocomplexos (bidimensionais). locada lá para comemorar a descoberta. Pode parecer estranho que precisemos de pontos em um espaço quadridimensionúmeros reais nal para descrever mudanças num espaço tridimensional, mas é verdade. Três dos adição subtração Multiplicação Divisão números devem descrever rotações, o que 0 – 2 =0–2 – 02 –= 2–2 0=– –2 2 = –2 2 x 2 =24x 2 = x 242=x 42 = 4 2 ÷ 2 =2 1÷ 22 ÷= 212 =÷ 12 = 1 podemos ver rapidamente se imaginarmos 0 + 2 =0 2+02 += 20 =+ 22 = 2 um avião decolando. Para orientar o avião –4 –2–4 0–4–2 +2 –4 –20 +4–2 +2 0 +2 +4 0 +4 +2 +4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 precisamos descrever o ângulo com a horizontal. Também precisaremos ajustar o curso, virando à esquerda ou à direita, assim como dirigir um carro. Finalmente, 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 –20 +4–2 +2 0 +2 +4 0 +4 +2 +4 precisaremos ajustar o balanço: o ângulo–4 –2–4 0–4–2 +2–4 das asas do avião. O quarto número de que precisamos é necessário para descreA adição ao longo da Na multiplicação A subtração opera da A divisão é ver a distensão ou contração. linha real é simples: distendemos a linha mesma maneira, mas equivalente a encolher apenas desloque dos números por um aqui mudamos os Hamilton passou o resto de sua vida os pontos sobre a cada número para a fator constante. números para a linha dos números obcecado pelos quatérnions e encontrou direita pela esquerda. quantidade que você muitos usos práticos para eles. Hoje, em está adicionando. muitas dessas aplicações, os quatérnions têm sido substituídos pelos seus primos mais simples, os vetores, que podem ser números complexos pensados como bi + cj + dk (o primeiro número, a, sendo igual a zero). Ainda asDivisão adição sim, os quatérnions têm seu nicho: persubtração Multiplicação mitem um modo eficiente de representar i + (2 + i) i=+2(2+ +2ii)i += (2 2 ++i +2ii)(2= 2+i +–i) (2 2i = 2++i)2i i=––2 (2 ++ 0i i)i –= (2 –2+i+–i)0i(2= –2 + i)+=0i–2i +x (2i) 0i = –2 i x (2i) =i–2 x (2i)i =x –2 (2i) = –22i ÷ (2i) =2i1 ÷ (2i) 2i = 1÷ (2i) 2i ÷= 1(2i) = rotações tridimensionais em um compu+2i tador e aparecem em todos os lugares +2i +2i +2i onde são necessários: orientação de uma+i +i +i +i espaçonave a um videogame. –2 –1

–2 +1–1 +2 –2 –1 +1–2 +2–1 +1 +2+1 +2 –i –i –i –i –2i –2i –2i –2i

IMaGInárIOs seM fIM Apesar dessas aplicações, poderíamos nos perguntar o que, exatamente, são j e k se já definimos a raiz quadrada de -1 como i. Essas raízes quadradas de -1 realmente existem? Podemos inventar raízes quadradas de -1 a nosso critério? Essas questões foram levantadas por um colega de Hamilton, um advogado de nome John Graves, cujo interesse em álgebra levou Hamilton a pensar sobre os números complexos e tripletos em primeiro lugar. No dia seguinte à reveladora caminhada, em outubro de 1843, Hamilton enviou a Graves uma carta descrevendo a descoberta. Graves respondeu nove

Os números complexos têm duas componentes – a parte real, medida no eixo horizontal, e a parte imaginária (denotada por i), que é medida no eixo vertical. Adicionar dois números complexos desloca o número original para a direita, pela quantidade da parte real, e para cima, pela quantidade da parte imaginária.

De modo similar, quando subtraímos dois números complexos, deslocamos o ponto original para a esquerda, pela quantidade da parte real, e para baixo, pela quantidade da parte imaginária.

A multiplicação é onde a brincadeira começa: assim como no caso dos números reais, a multiplicação estica um número complexo. Além do mais, a multiplicação por i gira o ponto em 90 graus contra o sentido horário.

A divisão encolhe o número complexo, assim como no caso dos números reais. A divisão por i também gira o número complexo em 90 graus, mas no sentido horário.

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sIMetrIa e COrDas Nos anos de 70 e 80, físicos teóricos desenvolveram uma belíssima ideia chamada supersimetria. (Mais tarde os pesquisadores aprenderiam que a teoria de cordas exige a supersimetria.) Ela afirma que nos níveis mais fundamentais o Universo exibe uma simetria entre a matéria e as forças da Natureza. Cada partícula de matéria, como um elétron, tem uma partícula parceira que carrega a força. E cada partícula de força, como um fóton (o transmissor da força eletromagnética), tem uma partícula de matéria como gêmea. A supersimetria também engloba a ideia de que as leis da física permaneceriam imutáveis se trocássemos todas as partículas de matéria e força. Imagine ver o Universo em um estranho espelho que, em vez de trocar o lado esquerdo pelo direito, trocasse cada partícula de força por uma de matéria e vice-versa. Se a supersimetria for verdadeira, se ela realmente descreve o Universo, esse universo espelho funcionaria do mesmo modo que o nosso. Mesmo que os físicos ainda não tenham encontrado qualquer evidência

ERIC MARCOTTE (régua); ibM coRPoRation (anúncio)

Comumente, você pode multiplicar os números em qualquer ordem que quiser. Por exemplo, 2 vezes 3 é o mesmo que 3 vezes 2. Mas em sistemas numéricos de dimensão mais alta, como os quatérnions e os octônios, a ordem é fundamental. Considere os quatérnions, que descrevem rotações em três dimensões. Se tomarmos um objeto como um livro, a ordem em que o rotacionamos tem influência em sua orientação final. Na linha superior à direita, viramos um livro verticalmente, e depois rotacionamos, mostrando as páginas. Na linha de baixo, rotacionamos o livro e depois o viramos verticalmente, revelando a lombada do livro no lado oposto.

usando multiplicação de octônios. Mas por mais de um século isso foi um exercício puramente intelectual. Levaria tempo até o desenvolvimento da física de partículas – e da teoria de cordas, em particular – para demonstrar a utilidade dos octônios.

Virar, depois girar

O problema com as rotações

Os quatérnions já eram um pouco estranhos. Quando multiplicamos números reais, não importa em qual ordem o fazemos: 2 vezes 3 é igual a 3 vezes 2, por exemplo. Dizemos que a multiplicação comuta. O mesmo vale para números complexos. Mas os quatérnions são não comutativos, ou seja, a ordem da multiplicação interfere no resultado final. Ordem é importante porque os quatérnions descrevem rotações em três dimensões e, para essas rotações, a ordem faz diferença para o resultado final. Você mesmo pode checar isso (ver quadro abaixo). Porque o resultado depende da ordem, as rotações não comutam. Os octônios são muito mais estranhos. Não apenas eles são não comutativos como quebram outra familiar lei da aritmética: a lei associativa (xy)z=x(yz). Todos nós vimos uma operação não associativa em nosso estudo em matemática: a subtração. Por exemplo, (3 - 2) -1 é diferente de 3 - (2 - 1). Mas estamos acostumados com a multiplicação sendo associativa, e a maioria dos matemáticos ainda pensa desse modo, mesmo acostumados com operações não comutativas. Rotações são associativas, embora não sejam comutativas. Mas talvez o mais importante: na época de Hamilton não estava clara a utilidade dos octônios. Eles estão intimamente relacionados com a geometria de sete e oito dimensões, e podemos descrever rotações

Girar, depois virar

dias depois, cumprimentando Hamilton pela ousadia da ideia, mas adicionando: “Ainda há algo no sistema que me atormenta. Eu ainda não tenho uma clara visão de até que ponto temos a liberdade de criar números imaginários e dotá-los de propriedades sobrenaturais”. Ele perguntou: “Se com sua alquimia você pode fazer três potes de ouro, por que parar por aí?”. Assim como Cardano antes dele, Graves pôs suas preocupações de lado tempo suficiente para conjurar algum louro para si mesmo. Em 26 de dezembro ele enviou uma carta a Hamilton, descrevendo um novo sistema numérico octodimensional que hoje é conhecido como octônios. Entretanto, Graves não foi capaz de fazer Hamilton se interessar por suas ideias. Hamilton prometeu falar sobre os octônios de Graves na Irish Royal Society, maneira como os resultados matemáticos eram tornados públicos na época. Mas Hamilton continuou deixando isso de fora e, em 1845, o jovem gênio chamado Arthur Cayley redescobriu os octônios e publicou os resultados antes de Graves. Por essa razão os octônios são, às vezes, conhecidos como números de Cayley. Por que Hamilton não gostou dos octônios? Por um lado, ele estava obcecado com a pesquisa de sua própria descoberta, os quatérnions. Mas ele tinha também uma razão puramente matemática: os octônios quebram algumas leis da aritmética.


Rick FURR

Espaço Espaço

Esp aç o

Tempo

Tempo Esp aç o

experimental que suporte a supersimetria, a teoria é tão bela e tem conduzido a tão encantadora matemática que muitos físicos acreditam que ela seja real. Uma coisa que sabemos ser real, entretanto, é a mecânica quântica, e, de acordo com ela, as partículas OnDas são, também, ondas. Em 1924, o físico Na versão padrão tridide Broglie afirmou que os elétrons mensional da mecânica apresentavam quântica, que os físicos características usam no dia a dia, um tanto ondulatórias como corpusculatipo de número, chamares, comportandodo espinor, descreve o se de uma ou movimento ondulatório outra forma, conforme o experide partículas de matémento específico. ria. Outro tipo de número, o vetor, descreve o movimento ondulatório de partículas de força. Se quisermos entender as interações entre as partículas, temos de combinar esses dois tipos valendo-nos de uma imitação precária da multiplicação. Embora o sistema que utilizamos agora pareça funcionar bem, ele não é muito elegante. Como alternativa, imagine um estranho universo desprovido de tempo, contendo apenas o espaço. Se esse universo tem dimensão um, dois, quatro ou oito, então ambas, partículas de matéria e força, seriam ondas descritas por um único tipo de número – ou seja, um número em uma álgebra de divisão, o único tipo de sistema que permite a adição, subtração, multiplicação e divisão. Em outras palavras, nessas dimensões os vetores e os espinores coincidiriam: eles seriam, cada um, apenas números reais, números complexos, quatérnions ou octônios, respectivamente. A supersimetria emerge naturalmente, provendo uma descrição unificada da matéria e das forças. Uma simples multiplicação descreve as interações, e todas as partículas – não importa o tipo – usam o mesmo sistema numérico. Ainda assim, nosso universo de brinquedo não poderia ser real porque precisamos levar em conta o tempo. Na teoria de cordas, essa consideração tem um efeito intrigante. Em qualquer momento no tempo, uma corda é um objeto unidimensional, como uma curva ou linha. Mas essa corda traça uma superfície bidimensional conforme o tempo passa (ver ilustração acima). Essa evolução muda as dimen-

na teOrIa De COrDas, cordas unidimensionais traçam superfícies bidimensionais no tempo. na teoria-M, membranas bidimensionais traçam volumes tridimensionais. a adição dessas dimensões às oito características dos octônios fornece pistas pelas quais essas teorias requerem 10 ou 11 dimensões.

sões nas quais a supersimetria aparece, ao adicionar duas – uma para a corda e uma para o tempo. Em vez da supersimetria em dimensão um, dois, quatro ou oito, temos, com essa adição, a supersimetria em dimensão três, quatro, seis ou dez. Coincidentemente, os teóricos de cordas vêm dizendo, há anos, que apenas as versões com dez dimensões (decadimensionais) são autoconsistentes. As demais sofrem de anomalias, nas quais o mesmo cálculo, quando efetuado de duas maneiras diferentes, dá resultados diferentes. Em qualquer outra versão que não a decadimensional a teoria de cordas falha. Mas a decadimensional é, como acabamos de ver, a versão da teoria que usa octônios. Assim, se a teoria de cordas estiver correta, os octônios não são uma curiosidade inútil; pelo contrário, eles fornecem uma razão profunda por que o Universo deve ter dez dimensões: em dez dimensões, partículas de matéria e força estão embebidas no mesmo tipo de números – os octônios. Mas esse não é o fim da história. Os físicos começaram a ir além das cordas para considerar as membranas. Uma membrana bidimensional, por exemplo, ou 2-brana, parece com uma folha a cada instante. Conforme o tempo passa, ela traça um volume tridimensional no espaço-tempo.

Enquanto na teoria de cordas tínhamos de adicionar duas dimensões à nossa coleção padrão de uma, duas, quatro ou oito, agora temos de adicionar três. Assim, quando lidamos com membranas, esperaríamos que a supersimetria emergisse naturalmente em dimensão quatro, cinco, sete e onze. E, como na teoria de cordas, temos uma surpresa na história: pesquisadores nos dizem que a teoria-M (o “M” geralmente significa membrana) requer 11 dimensões – o que implica que ela deveria fazer, naturalmente, uso dos octônios. Nesse ponto devemos enfatizar que a teoria de cordas e a teoria-M não fizeram nenhuma predição experimentalmente testável. Elas são belos sonhos – mas até agora apenas sonhos. O Universo em que vivemos não parece ter 10 ou 11 dimensões, e ainda não vimos qualquer simetria entre partículas de matéria e de força. David Gross, um dos maiores especialistas em teoria de cordas, colocou as estatísticas de detectar alguma evidência de supersimetria no LHC do Cern em 50%. Céticos dizem que é muito menos que isso. Apenas o tempo dirá. Devido a essa incerteza ainda estamos distantes de saber se os estranhos octônios são imprescindíveis para o entendimento do mundo que vemos ou se são apenas um ramo da matemática. É claro que a beleza matemática compensa por si só, mas seria melhor se os octônios estivessem, de fato, incorporados ao tecido da Natureza. n O AUTOR John C. baez, físico-matemático, trabalha no Centro de Tecnologias Quânticas de Cingapura. Antes disso, explorou questões de física fundamental. John huerta está terminando seu Ph.D. em matemática na University of California em Riverside. Seu trabalho aborda os fundamentos da supersimetria. PARA CONHECER MAIS

ubiquitous octonions. Helen Joyce, em Plus Magazine, vol. 33, janeiro de 2005. http://plus.maths.org/content/33 the octonions. John C. Baez, em Bulletin of the American Mathematical Society, vol. 39, págs. 145-205, 2002. Artigo e bibliografia adicional disponíveis em http://math.ucr.edu/home/baez/octonions an imaginary tale: the story of the square root of -1. Paul J. Nahin. Princeton University Press, 1998. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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uM CubO De MetaMaterIal, que consiste em uma matriz tridimensional de fios lineares de cobre e anéis abertos. Micro-ondas com frequências próximas a 10 gigahertz se comportam de maneira excêntrica no cubo, que tem índice de refração negativo. O espaçamento do retículo é de 2,68 mm.


FíSICA

a procura pela superlente Construída de “metamateriais” com propriedades ópticas estranhas e controversas, uma superlente é capaz de produzir imagens com detalhes menores que o comprimento da luz proveniente de um objeto POr JOhn b. PenDry e DaVID r. sMIth

h

á cerca de 40 anos, o cientista russo características desses constituintes é limitaVictor Veselago idealizou um material do, os milhões de materiais que conhecemos com potencial para virar a ciência da exibem apenas uma quantidade restrita de óptica de cabeça para baixo. Ele poderia fa- propriedades eletromagnéticas. Porém, em zer ondas de luz se propagar aparentemente meados dos anos 90 um dos autores (Penpara trás e comportar-se de várias outras ma- dry), em colaboração com os cientistas da neiras paradoxais. Uma espécie de lente to- Marconi Materials Technology, na Inglatertalmente nova construída com esse material ra, percebeu que um “material” não preciteria propriedades mágicas, que a fariam su- sa ser um pedaço homogêneo de substânperar as melhores lentes convencionais. O de- cia. Ao contrário, ele poderia adquirir suas safio era conseguir o material com índice de propriedades eletromagnéticas de pequenas refração negativo (“refração” descreve quan- estruturas, que coletivamente criam efeitos to uma onda muda de direção quando entra impossíveis de obter individualmente. A equipe da Marconi chamou essas esou sai num material), num momento em que todos os materiais conhecidos tinham índice truturas de metamateriais e demonstrou positivo. Mesmo procurando durante anos, que algumas delas eram capazes de desviar Veselago não encontrou nada que tivesse as ondas eletromagnéticas de maneira inteirapropriedades eletromagnéticas desejadas, e mente nova. Em 2000, Smith, também autor deste artigo, e colegas da Universidade seu projeto caiu no esquecimento. Recentemente, um notável avanço res- da Califórnia de San Diego produziram uma suscitou a ideia de Veselago. Na maioria dos combinação de metamateriais que possuía a materiais, as propriedades eletromagnéticas fugaz propriedade da refração negativa. Nos materiais com índice de refração resultam diretamente das características de seus átomos e moléculas. Como o número de negativa, a luz se comporta de maneira SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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26 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Minas h. tanielian boeing Phantom Works (pág. 24)

tão estranha que os físicos teóricos gação de luz de um material através de sempre positivo. No entanto, em 1968 tiveram essencialmente de reformular alterações em sua composição química, Veselago mostrou que se e e m são negativos, n também deve ter sinal negativo. muitas noções sobre eletromagnetismo visando uma aplicação específica. Porém, a química não é o único cami- Assim, um material com e e m negativos – processo que gerou debate acalorado em que até a própria existência desses nho para o desenvolvimento de materiais tem índice de refração negativo. materiais foi questionada. No momen- com comportamento eletromagnético inUm e ou m negativo implica que os to, físicos experimentais trabalham teressante. Como os metamateriais mos- elétrons dentro do material se movem no desenvolvimento de tecnologias que tram, é possível alterar esse comportamen- na direção oposta à força aplicada pelos empregam as estranhas propriedades dos to produzindo estruturas diminutas, mas campos elétrico ou magnético. Embora metamateriais: por exemplo, uma super- macroscópicas. Isso acontece porque o esse comportamento possa parecer palente que permitisse comprimento de uma onda eletromagnéti- radoxal, na verdade é simples fazer os a visualização de ob- ca típica – a distância na qual ela se repete elétrons se opor ao “empurrão” dos lItOGrafIa jetos menores que o – é muito maior que os átomos ou molécu- campos elétrico e magnético. ÓPtICa comprimento de onda las que formam um material. A onda não Pense em um balanço: um lento e Processo de microfabricação (de dese- da luz emitida sobre “vê” uma molécula individual, mas um si- constante empurrão o fará mover-se obenhos, componentes dientemente na direção do empurrão, emeletrônicos etc) que eles. Isso tornaria vi- nal coletivo de milhões de moléculas. Como o nome sugere, as ondas eleável a litografia óptica bora ele não suba muito. Uma vez em moutiliza a luz. Consiste na transferência de de microcircuitos em tromagnéticas contêm um campo elé- vimento, o balanço tende a oscilar para a um padrão desenhatrico e um magnético. Cada um deles frente e para trás a uma determinada taxa, do numa máscara escala nanométrica e induz um movimento característico nos conhecida tecnicamente como frequência a estocagem de muipara um material fotossensível. to mais dados nos elétrons de um material – para a frente de ressonância. Empurrões periódicos, discos ópticos. Para e para trás em resposta ao campo elétri- sincronizados com o balançar, farão com realizar esses planos, há ainda muito co e em círculos em resposta ao campo que ele suba cada vez mais. Se a frequque fazer, mas agora que as ideias de magnético. Dois parâmetros quantifi- ência dos empurrões for aumentada, eles Veselago foram confirmadas o progres- cam a extensão dessas respostas em um sairão de sincronia com o movimento do material: a permissividade so será rápido. balanço – até que os braços sejam PerMeabIlIDaDe elétrica, e, ou quanto seus MaGnétICa acertados pelo balanço que volta. O elétrons respondem a um Medida de como um balanço então exercerá um empurrefraçãO neGatIVa Para entender como surge a refração campo elétrico, e a perme- campo magnético é rão em sentido contrário. Da mesma capaz de magnetizar negativa, deve-se saber como os mate- abilidade magnética, µ, o um meio material. maneira, os elétrons em um material riais afetam as ondas eletromagnéticas. grau de resposta dos elécom um índice negativo de refração Quando uma onda eletromagnética trons a um campo magnético. A maior saem de fase e resistem ao “empurrão” do (como um raio de luz) viaja através de parte dos materiais tem e e µ positivos. campo eletromagnético. Outro indicador importante da resum material, ela exerce uma força sobre os elétrons contidos em seus átomos e posta magnética de um material é seu MetaMaterIaIs moléculas, colocando-os em movimento. índice de refração, n. Existe uma relação A ressonância, ou a tendência a oscilar Esse movimento consome um pouco da simples entre e, m e esse índice: n = ± √em. numa frequência particular, é a chave energia da onda, afetando suas proprie- Em todo material conhecido, o valor para obter esse tipo de resposta negativa. dades e a maneira de ela viajar. É pos- positivo deve ser escolhido para a raiz Ela pode ser introduzida artificialmente sível ajustar as características de propa- quadrada; assim, o índice de refração é em um metamaterial mediante a confecção de pequenos circuitos projetados para imitar a resposta magnética ou elétrica de um material. Por exemplo, em um circuiResumo to chamado ressonador em anel aberto u Materiais feitos de estruturas microscópicas cuidadosamente confeccionadas (RAA), um fluxo magnético penetra anéis podem ter propriedades eletromagnéticas inéditas em substâncias que ocorrem de metal e induz neles correntes rotativas naturalmente. Em particular, algumas vezes esses metamateriais têm índice de análogas ao magnetismo num material refração negativo, o que significa que eles curvam a luz de maneira totalmente nova. convencional (ver quadro na pág. 28). u Uma barra de material com índice de refração negativo poderia agir como uma Também como no magnetismo convensuperlente capaz de superar as lentes atuais, que têm índice de refração positivo, cional, num metamaterial um campo elée de criar imagens que distinguem detalhes menores que os permitidos pelo trico induz correntes para a frente e para limite de difração. Tal limite restringe a performance de todos os elementos ópticos de índice positivo. a trás num arranjo linear de fios de metal. u Embora a maioria dos experimentos com metamateriais tenha sido realizada com Por si sós, os elétrons nesses circuitos micro-ondas, eles devem no futuro usar menores comprimentos de onda, como o oscilam naturalmente na frequência de infravermelho e a luz visível. ressonância determinada pela estrutu-


Excentricidades da refração negativa

Em um meio com índice de refração negativo, a luz (e todo tipo de radiação eletromagnética) se comporta diferentemente do que ocorre em materiais com índice positivo, de diversas maneiras paradoxais.

Meio de índice negativo

Meio de índice positivo Um lápis na água parece dobrado por causa do índice de refração da água, maior que o do ar

quando a luz viaja de um meio com índice de refração baixo para um meio maior, ela dobra em direção à normal (linha tracejada em ângulo reto à superfície) efeItO DOPPler Alteração da frequência observada de uma onda devido ao movimento relativo entre a fonte e o receptor.

Melissa thoMas

raDIaçãO De CerenKOV Radiação eletromagnética, usualmente em tom azulado, emitida pelo meio quando atravessado por partículas carregadas com velocidade maior do que a velocidade da luz naquele meio.

Um objeto que se afasta fica avermelhado por causa do efeito Doppler

Um objeto carregado eletricamente (vermelho) que viaja mais rápido que a velocidade da luz gera um cone de radiação de Cerenkov (amarelo) na direção frontal

Em um meio de índice positivo, as ondas individuais de um pulso eletromagnético (roxo) viajam na mesma direção que o formato geral do pulso (verde) e que a energia (azul)

Um lápis imerso em um meio de índice de refração negativo pareceria estar dobrado para fora do meio

n = 1.0

n = 1.0

n = 1.3

n = –1.3

quando a luz viaja de um meio com índice positivo para um com índice negativo, ela se dobra em direção ao mesmo lado da normal

Um objeto que se afastasse ficaria azulado

O cone aponta para trás

As ondas individuais viajam na direção contrária do formato do pulso e da energia

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Resposta eletromagnética projetada O segredo para produzir um metamaterial é criar uma resposta artificial a campos elétricos e magnéticos. eM uM MaterIal COMuM

Um campo elétrico (verde) induz um movimento linear de elétrons (vermelho).

Um campo magnético (roxo) produz um movimento circular nos elétrons.

eM uM MetaMaterIal

Correntes lineares (setas vermelhas) fluem em arranjos de fios lineares.

Correntes circulares fluem em ressonadores de anel aberto (RAA).

estrutura De uM MetaMaterIal

Fabrica-se um metamaterial com um arranjo de fios e RAAs que são menores que o comprimento das ondas eletromagnéticas a serem refletidas de um objeto

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to de onda usado, o grupo utilizou a faixa das micro-ondas, que têm comprimentos de onda de vários centímetros. Assim, os elementos do metamaterial poderiam ter dimensões de até alguns milímetros – uma escala conveniente. A equipe projetou um metamaterial que tinha fios e RAAs entrelaçados e dispostos em formato de prisma. Os fios forneciam e negativo, e os RAAs proviam m negativo: os dois juntos deveriam resultar em um índice de refração negativo. Para efeito de comparação, eles também fabricaram um prisma com formato idêntico feito de teflon, uma substância com índice n = 1,4, positivo. Os pesquisadores direcionaram um feixe de microondas sobre uma das faces dos prismas e mediram a intensidade das micro-ondas que emergiam de vários ângulos. Como esperado, o feixe de micro-ondas sofreu refração positiva no prisma de teflon, mas negativa no de metamaterial. A especulação de Veselago tinha se concretizado. Um material com índice de refração negativo fora produzido. Ou não? Debate aCalOraDO Tanto os experimentos de San Diego como as novas e importantes previsões sobre o comportamento dos materiais com índice de refração negativo aumentaram o interesse no assunto. Quando Veselago expôs sua hipótese, não existiam metamateriais, e a comunidade científica não havia investigado a fundo o conceito de refração negativa. As pessoas começaram a prestar mais atenção a essa teoria após a invenção dos metamateriais, que possibilitam comprovar os fenômenos excêntricos que ela prevê. Os céticos puseram-se a questionar se a própria noção de materiais com índice de refração negativo violava alguma lei física fundamental. Se esse fosse o caso, todo o programa de pesquisa com metamateriais poderia ser invalidado. Uma das discussões mais acaloradas se centrava no atual entendimento sobre a velocidade da onda nesse material. A velocidade da luz no vácuo, cujo símbolo é c, é de 300 mil km por segundo. Quando a luz passa por um material, no entanto, sua velocidade diminui em proporção inversa ao índice de refração – ela passa a ser c/n. Se n é negativo, uma interpretação simples da fórmula para a velocidade da

Melissa thoMas

ra e pelas dimensões do circuito. Se um frequência. Esses tipos de circuito são as campo abaixo dessa frequência é aplica- peças necessárias para gerar uma ampla do, ocorre uma resposta positiva normal. variedade de metamateriais, como aquele Logo acima da frequência de ressonância, tão procurado por Veselago. O primeiro indício de que um material no entanto, a resposta é negativa – da mesma forma que um balanço empurra com índice de refração negativo poderia de volta quando empurrado mais rápido ser produzido veio dos experimentos reaque sua frequência. Assim, um circuito lizados pelo grupo de San Diego em 2000. linear e um anel aberto podem fornecer, Como o principal requisito para um metarespectivamente, respostas magnéticas material é que seus elementos sejam signicom e e m negativos, e na mesma faixa de ficativamente menores que o comprimen-


1,2

Detector Lente

Melissa thoMas (esquerda); Melissa thoMas; Fonte: Minas h. tanielian Boeing Phantom Works (direita)

Emissor de micro-ondas

Prisma

braço rotatório

luz sugere que ela se propaga para trás. Uma interpretação mais completa leva em consideração que uma onda tem duas velocidades, conhecidas como velocidade de fase e velocidade de grupo. Para entender essas duas velocidades, pode-se imaginar um pulso de luz que viaja por um meio. O pulso se parecerá com o que é mostrado na última ilustração do quadro na página 31: as ondulações aumentam até o máximo no centro do pulso e então voltam ao zero. A velocidade de fase é a das ondas individuais. A velocidade de grupo é aquela com que o formato de pulso, que inclui várias ondas, viaja. Essas velocidades não são necessariamente as mesmas. Como Veselago descobriu, em um material com refração negativa as velocidades de grupo e de fase estão em direções opostas. Surpreendentemente, as ondas individuais do pulso viajam para trás, mesmo quando o pulso inteiro viaja para a frente. Esse fato afeta de maneiras impressionantes um raio de luz contínuo, como o de uma lanterna completamente imersa em material de índice negativo. Se as ondas individuais de um feixe de luz pudessem ser vistas, elas emergiriam de um alvo qualquer, viajariam para trás ao longo do feixe e entrariam na lanterna, como num filme ao contrário. No entanto, a energia do feixe de luz viaja para a frente, para longe da lanterna, como se espera. Essa é a direção para a qual o feixe está realmente viajando, apesar do estranho movimento retrógrado das ondas individuais. Na prática, não é fácil estudar ondas individuais, e os detalhes de um pulso

Amplitude normalizada

1,0 0,8

Material de índice negativo

Teflon

0,6 0,4 0,2 0,0

–60 –40 –20 0 Ângulo de refração (graus)

20

40

60

80

100

eXPerIMentO realizado na boeing Phantom Works em seattle inicialmente com um prisma de metamaterial e depois com um prisma de teflon (índice positivo) confirmou o fenômeno da refração negativa. O teflon refratou as micro-ondas em um ângulo positivo (linha azul) e o metamaterial em um ângulo negativo (linha vermelha).

podem ser bastante complicados, de ma- do tivesse absorvido tanta energia que neira que os físicos utilizam um truque as ondas escaparam apenas pelo lado engenhoso para ilustrar a diferença en- estreito do prisma, parecendo ondas netre as velocidades de fase e de grupo. Se gativamente refratadas. Afinal, a amosduas ondas de diferentes comprimentos tra do grupo de San Diego teve absorção de onda se propagam juntas na mesma significativa, e as medições foram feitas direção, elas interferem e produzem um próximo à face do prisma, o que torna padrão de pulsação. As pulsações se mo- essa hipótese plausível. Essas conclusões causaram muita vem na velocidade de grupo. Em 2002, Prashant M. Valanju e preocupação, pois poderiam invalidar seus colaboradores da Universidade não só os experimentos da Universidade do Texas em Austin observaram algo de San Diego, mas também os fenômecurioso ao aplicar esse conceito ao nos previstos por Veselago. Após refletir experimento de refração do grupo de um pouco, no entanto, percebemos que San Diego. Quando duas ondas de di- era errado se apoiar no padrão de pulferentes comprimentos se refratam na sação como indicador da velocidade de fronteira entre um material de índice grupo. Concluímos que, para duas ondas que viajam em diferentes dide refração negativo e outro de índice de refração positivo, InterferÊnCIa reções, o padrão de interferência Variação da intensielas se curvam em ângulos dade que pode ser resultante perde sua conexão com ligeiramente diferentes. O pa- observada quando a velocidade de grupo. Enquanto os argumentos dos drão de pulsação resultante, duas ondas de mesma natureza críticos ruíam, surgiam mais conem vez de seguir os feixes que são superpostas. firmações experimentais da refrarefratam negativamente, pação negativa. A equipe de Minas rece exibir refração positiva. Igualando esse padrão de pulsação com Tanielian da Boeing Phantom Works a velocidade de grupo, os pesquisado- em Seattle repetiu o experimento de res do Texas concluíram que qualquer San Diego com um prisma de metamaonda verdadeira tem de sofrer refração terial de absorção muito baixa. A equipositiva. Embora um material com ín- pe da Boeing colocou o detector muito dice de refração negativo possa existir, a mais longe do prisma, de modo que a absorção pelo metamaterial podia ser refração negativa é impossível. Admitindo que as descobertas dos fí- descartada como verdadeira causa da sicos do Texas sejam verdadeiras, como refração negativa verificada. A excelenexplicar os resultados dos experimentos te qualidade dos dados da Boeing e de de San Diego? Valanju e vários outros outros grupos finalmente pôs um fim a pesquisadores atribuíram a aparente re- quaisquer dúvidas remanescentes sobre fração negativa a uma série de outros fe- a existência da refração negativa. Estánômenos. É possível que o material usa- vamos livres para prosseguir explorando SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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30 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

Melissa thoMas

DIfraçãO-

cie (uma conveniente medida de segu- de um objeto. A di- Desvio da luz ao pasrança, se fosse real). Além disso, toda fração representa o sar por aberturas ou a água da piscina, assim como seu leito, principal limite de bordas de barreiras. As ondas difratadas apareceriam acima da superfície. aMPlIaçãO DO COnCeItO todo equipamen- eventualmente interfeVeselago utilizou o delineamento de to óptico, como o rem entre si produzinDepois que a poeira da batalha assentou, regiões de máxicomeçamos a entender que as ideßias raios para prever que um pedaço de ma- menor objeto que do mos e mínimos de ousadas de Veselago não eram a palavra terial negativamente refrativo (índice n= pode ser visto em intensidade. final sobre o comportamento da luz em -1) agiria como uma lente com proprie- um microscópio ou materiais com índice de refração negati- dades nunca vistas. Lentes com índice a menor separação que permitiria a um vo. Uma de suas ferramentas mais prá- positivo são familiares – elas integram telescópio distinguir duas estrelas. Ela ticas era o delineamento dos raios – o câmeras, lentes de aumento, microscó- também determina o tamanho do meprocesso de desenhar linhas que traçam pios e telescópios. Elas possuem uma nor componente possível de criar por o caminho que um raio de luz deve se- distância focal, e o local em que uma processos de litografia óptica na indúsguir, levando em conta a reflexão e a re- imagem é formada depende da combina- tria de microchips. De forma semelhanfração na fronteira entre diferentes ma- ção entre a distância focal e a distância te, a difração limita a quantidade de teriais. O delineamento dos raios é uma entre o objeto e a lente. Tipicamente, as informação opticamente armazenada ou poderosa técnica que ajuda a entender, imagens têm tamanho diferente do obje- retirada de disco de vídeo digital (DVD). por exemplo, por que objetos no fundo to original, e as lentes funcionam melhor Contornar o limite de difração significade uma piscina parecem mais próximos para objetos situados num eixo que as ria revolucionar a tecnologia óptica, ao da superfície do que realmente estão e atravessa. A lente de Veselago funciona permitir litografia óptica em escala napor que um lápis parcialmente submer- de maneira bem diferente (ver quadro nométrica e armazenagem de dados censo parece dobrado. Isso acontece porque abaixo): ela é muito mais simples e age tenas de vezes maior em discos ópticos. o índice de refração da água (aproxima- apenas sobre objetos adjacentes, transfePara determinar se a óptica de índidamente 1,3) é maior que o do ar, e raios rindo todo o campo óptico de um lado ce negativo poderia ultrapassar a verde luz se dobram na divisa entre o ar e a da lente para o outro. são positiva, precisávamos ir além do A lente de Veselago é tão insólita delineamento de raios, já que essa aborágua. O índice de refração é aproximadamente igual à razão entre a profundi- que Pendry ficou tentado a investigar a dagem despreza a difração e não pode dade real e a profundidade aparente. O eficiência com que poderia operar. Es- ser usada para predizer a resolução de delineamento dos raios também indica pecificamente, qual seria sua resolução uma lente de índice de refração negatimáxima? Em elementos ópticos vo. Para incluir a difração, teríamos de que crianças que lIMIte De DIfraçãO nadam em pisci- A resolução máxima de um sis- com índice de refração positivo, o utilizar uma descrição mais exata do na com índice de tema óptico, ou seja, a separa- limite de difração limita a resolu- campo eletromagnético. refração negativo ção mínima de duas fontes que ção a detalhes que são do mesmo pode ser distinguida por um pareceriam flutuar instrumento óptico, a um dado tamanho ou maiores que o com- a suPerlente primento de onda da luz refletida Descritas de forma mais exata, todas as acima da superfí- comprimento de onda. fontes de ondas eletromagnéticas – seja a emissão por átomos, seja uma antena de rádio ou um raio de luz emergindo de Superlente uma pequena abertura – produzem dois Uma barra retangular de um material de índice de refração negativo forma uma tipos de campo: o distante e o próximo. superlente. A luz (linhas amarelas) de um objeto (à esquerda) é refratada na Como o nome sugere, o campo distante superfície da lente e se junta novamente para formar uma imagem invertida dentro é irradiado para longe de um objeto e da barra. A luz é refratada novamente quando deixa o material, produzindo uma pode ser capturado por uma lente para segunda imagem (à direita). Para alguns metamateriais, a imagem inclui até formar uma imagem. Infelizmente, ele detalhes mais finos que o comprimento de onda da luz utilizada, algo impossível contém apenas uma imagem grosseira com lentes de índice positivo. do objeto, pois a difração limita a resolução ao tamanho do comprimento de onda emitido. O campo próximo, por outro lado, contém todos os detalhes, mas sua intensidade cai rapidamente com a distância. As lentes de índice positivo não conseguem capturar o fraquíssimo campo próximo e transmiti-lo para a imagem. Isso não acontece com lentes de índice negativo. o conceito, embora intimidados pela sutileza dos novos materiais.


XianG ZhanG Universidade da Califórnia de Berkeley

fIna CaMaDa De Prata atua como superlente em distâncias muito pequenas. aqui a palavra “nanO” está mostrada com um feixe de íons focado (à esquerda), opticamente sem uma superlente (meio) e opticamente com uma camada de 35 nanômetros de prata no lugar (à direita). a barra de escala mede 2 mil nanômetros. Com a superlente, a resolução é mais fina que o comprimento de onda da luz utilizada.

Ao examinar cuidadosamente a ma- curtos correspondem a frequências maio- POssIbIlIDaDes futuras neira pela qual os campos próximo e res, e os metais se tornam condutores A demonstração da superlente é apenas distante de uma fonte interagiam com menos eficientes nessas frequências e pre- a mais recente das várias previsões sobre a lente de Veselago, Pendry concluiu judicam as ressonâncias das quais depen- materiais de índice negativo a serem realiem 2000 – para surpresa geral – que dem os metamateriais. Em 2005, Costas zadas – uma indicação do rápido progresa lente poderia, em princípio, focali- Soukoulis, da Universidade do Estado de so que ocorreu nesse campo emergente. zar tanto o campo próximo quanto o Iowa, e Martin Wegener, da Universidade A possibilidade de refração negativa fez distante. A confirmação dessa previsão de Karlsruhe, Alemanha, demonstraram os físicos reexaminar praticamente todo espetacular significaria que a lente de experimentalmente que os RAAs podem o eletromagnetismo. Fenômenos básicos Veselago não estaria sujeita ao limite funcionar em comprimentos de onda de antes considerados completamente ende difração de todos os objetos ópticos até 1,5 micrômetro. A ressonância mag- tendidos – como a refração e o limite de conhecidos. O material com índice de nética se torna muito fraca em compri- difração – têm agora novas nuances no refração negativo foi consequentemen- mentos de onda tão curtos, mas ainda contexto dos materiais de índice negativo. O desafio de transformar a magia dos te chamado de superlente. assim alguns metamateriais interessantes metamateriais e dos materiais de índice Numa análise subsequente, nós podem ser produzidos. e outros pesquisadores descobrimos Entretanto, ainda não se consegue de refração negativo em tecnologia utilique a resolução da superlente está fabricar um material que gere m = -1 em zável permanece. Superá-lo implicará o limitada pela qualidade do material comprimentos de onda visíveis. Feliz- aperfeiçoamento de seu design e preço de índice negativo empregado. A per- mente, há uma solução de compromis- baixo na manufatura. n formance ideal requer não apenas um so. Quando a distância entre um objeíndice de refração n = -1, mas também to e sua imagem é muito menor que o OS AUTORES e = -1 e m = -1. Uma lente que não comprimento de onda usado, apenas a John b. Pendry e David r. smith foram membros de alcance esse ideal tem sua resolução condição e = -1m precisa ser satisfeita, e uma equipe de pesquisadores que dividiu o prêmio Descartes em 2005 por suas contribuições à ciência drasticamente reduzida. Atingir essas pode-se esquecer m. Em 2004, dois gru- dos metamateriais. Eles colaboram no desenvolviespecificações simultaneamente é por- pos, um chefiado por Richard Blaikie mento de materiais como esses desde 2000. Pendry tanto um requisito essencial. Porém, da Universidade de Canterbury, Nova é professor de física do Imperial College de Londres. Seus interesses atuais abrangem fenômenos eletroem 2004 Anthony Grbic e George V. Zelândia, e outro liderado por Xiang magnéticos, fricção quântica, transporte de calor Eleftheriades, da Universidade de To- Zhang, da Universidade da Califórnia entre nanoestruturas e quantização de condutividaronto, mostraram experimentalmente de Berkeley, seguiram independente- de térmica. Smith é professor de engenharia elétrica e computacional da Universidade Duke. Ele estuda que um metamaterial projetado para mente essa prescrição e demonstraram propagação de ondas eletromagnéticas em materiais ter e = -1 e m = -1 em frequências de a super-resolução em um sistema óptico. incomuns e atualmente colabora com diversas emrádio podia de fato distinguir objetos As ressonâncias inerentes a uma camada presas para definir e desenvolver novas aplicações para metamateriais e materiais de índice negativo. numa escala menor do que o limite de muito fina de metal podem gerar uma difração. Esse experimento mostrou permissividade negativa (e = -1), sufi- PARA CONHECER MAIS ser possível construir uma superlen- ciente para uma superlente que age em negative-refraction metamaterials: fundate – mas seria viável fabricar uma que comprimentos de onda ópticos. Tanto mental principles and applications. G. V. Eleftheriades e K. Balmain. Wiley-IEEE Press, 2005. agisse em comprimentos de onda me- Blaikie como Zhang utilizaram uma lâreversing light with negative refraction. nores que os de rádio? mina de prata com cerca de 40 nano- John B. Pendry e David R. Smith, em Physics O desafio de adaptar metamateriais metros de espessura para fazer imagens Today, vol. 57, no 6, págs. 37-43, junho de 2004. a comprimentos de onda ópticos é duplo. de luz de 365 nanômetros emanando de Mais informação sobre metamateriais e refraPrimeiro, os elementos metálicos condu- estreitas aberturas desenhadas, menores ção negativa está disponível em: tores que formam os microcircuitos do que o comprimento de onda da luz. Em- www.ee.duke.edu/˜drsmith/ metamaterial, como fios e RAAs, devem bora uma camada de prata esteja longe www.cmth.ph.ic.ac.uk /photonics/references.html ser produzidos em escala nanométrica, de ser uma lente ideal, a superlente de esperia.iesl.forth.gr/˜ppm/research.html para serem menores que o comprimento prata aumentou substancialmente a rewww.nanotechnology.bilkent.edu.tr/ de onda da luz visível (de 400 a 700 nanô- solução da imagem, provando o princíwww.rz.uni-karlsruhe.de/˜ap/ag/wegener/ metros). Segundo, comprimentos de onda pio por trás das superlentes. meta/meta.html SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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BIOLOGIA – SAÚDE

Como solucionar a crise da

obesidade

Apesar de a ciência ter revelado muito sobre os processos metabólicos que influenciam o peso, a solução para esse desafio pode estar no estudo do comportamento social

A

obesidade é uma crise de saúde em várias partes do mundo. Nos Estados Unidos, se as tendências atuais continuarem, em breve será o fator mais importante de morte precoce, redução da qualidade de vida e de gastos com cuidados de saúde, ultrapassando o tabagismo. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta (CDC/USA), um terço dos adultos é obeso, outro terço está com sobrepeso e, a cada ano, os americanos engordam mais. Um estudo publicado no periódico Journal of the American Medical Association indicou que a obesidade é responsável por mais de 160 mil “excessos” de mortes por ano no país. Segundo pesquisadores da George Washington University, uma

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pessoa obesa custa mais de US$ 7 mil por ano para a sociedade, devido à perda de produtividade e custos adicionais com tratamentos médicos. Os gastos com cuidados de saúde ao longo da vida de uma pessoa com excesso de peso de 30 quilos ou mais somam US$ 30 mil, dependendo da etnia e do sexo. Tudo isso confere urgência a essa questão: por que é tão difícil emagrecer e se manter no peso ideal? A resposta não parece difícil. A fórmula básica para a perda de peso é simples e bem conhecida: consumir menos calorias do que se gasta. Mas se realmente fosse fácil, a obesidade não seria o principal problema de saúde relacionado ao estilo de vida. Para uma espécie que evoluiu

ilUstRaçÕes de bRyan chRistie

POr DaVID h. freeDMan


eM sÍntese ePIDeMIa MODerna: por milênios, a falta de alimento foi um problema mundial. Atualmente, a obesidade é um fardo global que afeta meio bilhão de pessoas. Entre 1980 e 2008, a obesidade no mundo dobrou. a ObesIDaDe é COMPleXa: pesquisadores desenvolveram ideias-chave sobre os fatores metabólicos, genéticos e neurológicos relacionados à obesidade. Mas essas ideias não criaram uma solução para esse problema de saúde pública. fOCO nO COMPOrtaMentO: a adoção de técnicas que provaram ser efetivas para o tratamento do autismo, gagueira e alcoolismo pode ser fundamental para a perda e prevenção do ganho de peso. PrÓXIMOs PassOs: estudos comportamentais mostram que registrar as calorias ingeridas, os exercícios físicos, o peso e adotar metas modestas, além de participar de um grupo de apoio, aumenta as chances de sucesso.


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desejos e assim passemos a preferir, por exemplo, brócolis a bifes. Mas, até lá, a melhor estratégia podem ser métodos comportamentais-psicológicos desenvolvidos ao longo dos últimos 50 anos. Centenas de estudo comprovaram sua eficiência. COMO CheGaMOs aquI O desespero das pessoas obesas e com sobrepeso está refletido no fluxo constante de conselhos despejados por fontes tão diferentes quanto revistas científicas, bestsellers, jornais ou blogs. Nosso apetite por qualquer tipo de dieta de emagrecimento ou artifício que traga a promessa da perda rápida de peso parece tão insaciável quanto o desejo por alimentos que engordam. Gostamos de acreditar em soluções

engenhosas indicadas pelos meios de comunicação, destacando novas descobertas científicas, em manchetes sucessivas, como se fossem soluções. Mas isso não adianta, pois, com frequência, elas parecem estar em conflito. Um estudo publicado na American Journal of Clinical Nutrition, por exemplo, constatou uma associação entre maior consumo de laticínios e perda de peso. Mas uma análise posterior, que saiu na edição de maio de 2008, da Nutrition Reviews não confirmou essa associação. Um artigo publicado na Journal of Occupational and Environmental Medicine de janeiro de 2010 sugere a associação entre estresse no trabalho e obesidade. Mas, de acordo com outro artigo, pu-

Um problema crescente Nos últimos 30 anos a obesidade no mundo dobrou. Segundo estudo publicado pela revista médica Lancet no início de fevereiro de 2011, existe hoje meio bilhão de pessoas obesas espalhadas por 199 países. Acompanhando a tendência mundial, o tema tornou-se um sério problema de saúde pública no brasil. Em três décadas, houve um crescimento explosivo de sobrepeso no país. O número quase triplicou em homens adultos: saltou de 18,5% em 1974, para 50,1% em 2009. Nas mulheres, de 28,7% para 48%. Os resultados são da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IbGE), em parceria com o Ministério da Saúde. De acordo com a

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pesquisa, que analisou dados de 188 mil pessoas, quase metade da população brasileira (49%) com 20 anos ou mais em todos os grupos de renda e todas as regiões do brasil está com excesso de peso. Também nos pequenos, a situação é alarmante: em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos e um em cada cinco adolescentes estavam acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde. O aumento do sobrepeso e da obesidade prediz uma crescente carga de acidente vascular cerebral, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer e outros problemas crônicos de saúde ao longo deste século.

Masculino

Feminino

50,1

50

48,0

41.4

41,440,9

40 29,9

30 20

28,7

18,5

16,9

10

5,4

9,0

12,4

8,0

13,2 13,5

2,8

0

Excesso de peso 1974-75

Obesidade 1989

Excesso de peso 2002-03

Obesidade 2008-09

Evolução de indicadores na população de 20+ anos de idade por sexo no Brasil Períodos 1974-75, 1989, 2002-03 e 2008-09

Fonte: ibGe

para consumir alimentos altamente energéticos – em um ambiente onde a fome era uma ameaça constante – perder peso e permanecer magro em meio à abundância, alimentado por mensagens de marketing e por calorias vazias e baratas, realmente é difícil. A maior parte das pessoas que tenta fazer um regime parece falhar a longo prazo – uma revisão de 31 estudos sobre dietas de redução de peso, feita pela American Psychological Association, em 2007, identificou que, após dois anos, cerca de dois terços das pessoas acabam pesando mais que antes do início do regime. A ciência tem aperfeiçoado suas armas nessas batalhas. A agência americana National Institutes of Health (NIH) gasta cerca de US$ 800 milhões por ano em estudos sobre os fatores metabólicos, genéticos e neurológicos da obesidade. Em seu orçamento para pesquisas em obesidade de 2011, o NIH indicou os caminhos mais promissores, nesta ordem: uso de modelos animais para a determinação das funções de proteínas em tecidos específicos; estudo das vias de sinalização complexas no cérebro e entre o cérebro e outros órgãos; identificação de variações genéticas relacionadas à obesidade e dos mecanismos epigenéticos que regulam o metabolismo. As pesquisas MeCanIsMOs têm trazido inforePIGenétICOs mações importanNesses mecanismos, parte do genoma representado tes sobre como as pelo DNA é alterado por fato- proteínas interares ambientais, tais como o gem no organistabagismo, uso de esteroides e outras drogas. Essas mo para extrair e substâncias interagem físi- distribuir a energia ca ou quimicamente com o dos alimentos e DNA, causando modificações que atuam como sinais produzir e armazede regulação e modificação nar gordura; como na expressão gênica. o cérebro indica que estamos com fome; por que alguns de nós parecem ter nascido com maior probabilidade de ser obesos e se a exposição a determinados alimentos e a substâncias tóxicas pode modificar ou mitigar alguns desses fatores. Os estudos também têm sugerido à indústria farmacêutica diversos alvos potenciais para o desenvolvimento de medicamentos. Mas, ainda assim, sem sucesso. Talvez um dia a biologia desenvolva uma solução que gerencie o metabolismo para queimar mais calorias ou modifique


ilUstRação de PeteR e MaRia hoey; Photo ReseaRcheRs, inc. (mri)

blicado na Obesity de outubro de 2010, essa relação também não existe. Parte das dificuldades nessa área de saúde pública é que os pesquisadores parecem os cegos da parábola onde se tenta conhecer um elefante tateando diferentes partes do corpo do animal. O fato é que as conclusões de pesquisas individuais são apenas peças de um quebra-cabeça. Quando as pesquisas são analisadas em conjunto, fica claro que a solução para o problema da obesidade não pode ser obtida com a indicação de consumir esse ou aquele tipo de alimento, ou pela adoção de outra ação simples. Muitos fatores contribuem para esse problema: o excesso de peso está relacionado, em parte, ao ambiente (hábitos alimentares de amigos, tipo de alimento mais disponível em casa e lojas locais, oportunidade para se movimentar no trabalho). O complemento disso pode estar na biologia (algumas pessoas podem ter predisposição genética para armazenamento maior de gordura, limites de saciedade maiores e paladar mais sensível). E, em parte ainda, por aspectos econômicos (alimentos com alto teor calórico mas níveis reduzidos de nutrientes são mais baratos que produtos frescos). E isso é também obra do marketing – as empresas de alimentos são mestres em explorar a natureza social humana e de nossa “programação” evolutiva, produzindo alimentação não saudável, mas rentável. É por tudo isso que soluções simplistas falham.

A biologia da obesidade

rOtas bIOquÍMICas Conjunto de reações bioquímicas em que o produto de uma delas se torna o substrato da seguinte, formando uma série de reações lineares ou cíclicas acopladas em rede.

A agência federal americana National Institutes of health (NIh) tem gasto cerca de US$ 800 milhões por ano em estudos para entender os fatores neurológicos, metabólicos e genéticos da obesidade. Os cientistas descobriram rotas bioquímicas complexas e ciclos de realimentação (loops de feedback) conectando o cérebro e o sistema digestivo – uma nova apreciação das funções de regulação do tecido adiposo; pequenas alterações hereditárias que tornam alguns grupos mais propensos à obesidade que outros e a possibilidade de que a exposição a certos alimentos e substâncias tóxicas possa modificar e mitigar alguns desses fatores. Diante disso, provavelmente serão necessárias décadas para conhecer as causas da obesidade. Cérebro: Os cientistas já sabiam que o hipotálamo e o tronco cerebral ajudam a regular a sensação de fome e saciedade. Nos últimos anos, os pesquisadores descobriram que o centro de recompensa e/ou prazer do sistema límbico e o córtex pré-frontal (funções de análise) também estão intimamente envolvidos nesse processo. O hábito crônico de comer em excesso tem semelhanças bioquímicas com a dependência de drogas. Metabolismo: A capacidade de queimar e armazenar energia varia de célula para célula. Em 2009, três estudos publicados na New England Journal of Medicine demonstraram que pelo menos algumas pessoas continuam a se beneficiar na idade adulta de pequenas reservas de gordura marrom (tecido adiposo marrom), que, ao contrário de gordura branca, está associada à magreza. A gordura marrom contribui para a geração de calor e aparentemente está mais relacionada aos músculos que a gordura branca, cuja principal finalidade é armazenar a energia excedente.

esfOrçO e reCOMPensa Em dietas de emagrecimento e exercícios físicos, contamos com a força de vontade para superar impulsos de comer em excesso. Assim, desfrutamos da recompensa de ficarmos esbeltos e atraentes para nos Genética: Pesquisadores confirmaram manter no caminho. É gratificante perder variações em 20 genes odd que peso, mas infelizmente o tempo trabalha predispõem as pessoas a ganhar peso contra nós. À medida que o peso diminui com facilidade. Mas outras pesquisas indicam que, na melhor das hipóteses, temos mais fome, com desejos mais inesses efeitos são modestos e não podem tensos, e também exaustão com os exerexplicar a atual epidemia de obesidade. A cícios físicos. Enquanto isso, a perda de carga genética tem papel na obesidade, mas peso inevitavelmente desacelera porque existe a interação com o ambiente, que pode o metabolismo tenta compensar a privainfluenciar a ativação ou desativação dos genes. A maioria dos “interruptores ção, tornando-se mais parcimonioso com genéticos” relacionados à obesidade foi as calorias. Nessas condições, a punição identificada em por seguirmos com a camundongos; alguns InterruPtOres GenétICOs dieta de perda de peso Conceito originado na embriologia poucos candidatos em seres se torna cada vez mais genética e evolutiva. São regiões do humanos são conhecidos. genoma cujo DNA tem a função de regular a expressão de outros genes.

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dura e constante, afastando a recompensa esperada para o futuro. “Essa lacuna entre o reforço para se alimentar mais, e talvez perder peso meses mais tarde, é um desafio enorme”, avalia Sungwoo Kahng, pesquisador da área de neurocomportamento da faculdade de medicina da Johns Hopkins University e do Instituto Kennedy Krieger, nos Estados Unidos. Até o momento, a forma mais bemsucedida de perder peso, pelo menos uma quantidade moderada dele, é manter essa perda, com uma dieta equilibrada e prática de exercícios físicos, combinada com programas de mudanças de comportamento. A abordagem comportamental envolve pequenos ajustes nos hábitos alimentares e na prática de exercícios físicos, com o incentivo de pessoas próximas e do ambiente. As pesquisas defendendo abordagem behaviorista foram iniciadas há mais de meio século, época do desenvolvimento da abOrDaGeM behaVIOrIsta análise comportamental Análise de acordo com a escola de psicologia proposta pelo psicólogo B. F. Skinner, da Harchamada de comportamentalista. vard University. Esse Sua ênfase está no campo é baseado na comportamento ideia de que os cientisdefinido como um conjunto dinâmico tas não podem saber o de estímulos e que está acontecendo respostas e não no cérebro de uma pesna análise da mente, a qual rejeita soa, e, mesmo a ressopor considerar nância magnética funuma metodologia cional (o estado da arte não objetiva. para essa exploração) é insuficiente para isso. Mas os pesquisadores podem observar e medir, de forma objetiva e reproduzível, o comportamento físico e o ambiente em que ele ocorre, e isso permite identificar as relações entre o ambiente e o comportamento. A eficácia das intervenções comportamentais tem sido amplamente demonstrada para uma grande variedade de doenças e problemas de comportamento. Uma análise publicada na Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology em 2009 concluiu que “a intervenção comportamental precoce e intensiva deve ser a intervenção de escolha para crianças com autismo”. Uma revisão sistemática, patrocinada pelo painel independente de especialistas U.S. Preventive Services Task Force, observou 36 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

que até mesmo um aconselhamento comportamental breve é capaz de reduzir entre 13% e 34% o número de bebidas ingeridas por dependentes por quatro anos. Revisões da literatura têm encontrado resultados similares sugerindo o sucesso do uso de intervenções comportamentais em desafios tão diversos como a redução da gagueira, aumento do desempenho atlético e melhora da produtividade no trabalho. Para combater a obesidade, os analistas comportamentais examinam as influências ambientais relacionadas ao problema: que fatores externos levam as pessoas a comer demais ou consumir alimentos apenas calóricos e quais encorajam uma alimentação saudável? Em que situações os comportamentos e os comentários dos demais afetam a alimentação não saudável? O que parece efetivamente encorajar uma alimentação saudável em longo prazo? O que pode reforçar a prática de exercícios físicos? Desde a década de 60, os estudos focados em aspectos comportamentais sobre a obesidade e dietas de redução de peso reconheceram algumas condições básicas que parecem relacionadas a uma maior chance de perder peso e manter o emagrecimento: mensurar e registrar de forma rigorosa as calorias consumidas, praticar exercícios físicos; adotar mudanças pequenas e graduais, evitando alterações drásticas; consumir uma dieta equilibrada, com pouca gordura e açúcar; definir objetivos claros e modestos, focando mudanças de hábitos de vida em vez de dietas de emagrecimento de curto prazo e, especialmente, participar de um grupo de apoio para receber incentivo e reconhecimento do esforço despendido. Se essas estratégias soam como conselhos antigos e bem conhecidos é porque têm sido popularizadas por quase meio século pelos Vigilantes do Peso. Fundado em 1963 como forma de apoio a pessoas que fazem dietas de redução de peso, esse grupo adicionou em suas práticas outras abordagens e conselhos de acordo com dados de estudos comportamentais e desenvolveu-se como um “programa de mudança de comportamento”. “Quaisquer que sejam os detalhes de como perder peso, a base é sempre a mudança de comportamento”, resume a pesquisadora da área de

nutrição e chefe científico dos Vigilantes do Peso, Karen Miller-Kovach, para quem “isso é uma habilidade aprendida”. Estudos recentes voltaram a utilizar a abordagem comportamental para a perda de peso. Uma revisão da literatura de 2003, solicitada pelo U.S. Department of Health and Human Services, concluiu que “o aconselhamento e as intervenções comportamentais proporcionaram graus moderados de perda de peso, sustentáveis por pelo menos um ano” – e um ano é uma eternidade no mundo do emagrecimento. Uma análise de oito programas populares de redução de peso, publicada em 2005 pelos Annals of Internal Medicine, descobriu que o programa Vigilantes do Peso (na época, em sua revisão pré-2010) é o único eficaz, possibilitando perda de peso de 3% mantida durante os dois anos do estudo. Neste ínterim, um estudo publicado na Journal of the American Medical Association (Jama), em 2005, verificou que os Vigilantes do Peso – junto com a dieta Zone, que também recomenda uma alimentação balanceada com proteínas, carboidratos e gorduras – obtiveram o maior percentual (65%) de adesão durante um ano, em relação a outras dietas. Os autores da pesquisa destacaram que “o nível de adesão foi o fator determinante dos benefícios clínicos, mais que o tipo de dieta”. Um estudo de 2010 publicado na Journal of Pediatrics constatou que, após um ano, crianças que passaram por terapia comportamental mantiveram índice de massa corporal (IMC) 1,9 a 3,3 ÍnDICe De Massa COrPOral vezes inferior ao Número obtido pela divisão do de crianças que peso (p) do indivíduo em quiloquadrado de sua não fizeram a te- gramas pelo altura (h).. O IMC é utilizado rapia (índice de como parâmetro para avaliar o massa corporal é grau de obesidade ou faixas a relação numé- abaixo da normalidade. rica entre o peso e a altura; IMC igual ou menor que 18,5 indica que a pessoa está com peso abaixo do normal, enquanto um valor superior a 25 é considerado peso acima do normal). Algumas evidências sugerem que “essas melhorias podem ser mantidas ao longo dos 12 meses após o término do tratamento. Um estudo publicado na Obesity em 2010 observou que os participantes do Take Off Pounds Sensibly (TOPS)


– organização, sem fins lucrativos, que utiliza a mudança comportamental para a perda de peso – mantiveram uma redução entre 5% e 7% do seu peso corporal durante os três anos da investigação. Em 2010, a organização britânica Medical Research Council divulgou uma pesquisa de longo prazo demonstrando que os programas baseados em princípios comportamentais têm mais possibilidades de ajudar as pessoas a perder e manter o peso que outras abordagens (esse estudo foi financiado pelo Vigilantes do Peso, mas sem a participação dessa organização).

Nos últimos anos, alguns pesquisadores voltaram a atenção para o aprimoramento, ampliação e adequação das técnicas comportamentais, obtendo resultados encorajadores. Michael Cameron, chefe do departamento de pós-graduação em análise do comportamento da Simmons College e membro do corpo docente da Harvard Medical School, por exemplo, está concentrando suas pesquisas nas técnicas comportamentais. Há um ano Cameron desenvolve um estudo com quatro pessoas – em geral analistas comportamentais utilizam grupos pequenos ou mesmo uma única pessoa, para adaptar uma inter-

DensIDaDe CalÓrICa Quantidade de calorias por massa de alimento. Exemplo: 100g de maçã contêm 52 calorias, ou seja, 1g de maçã contém 0,52 calorias. Assim, a densidade calórica ou energética da maçã é 0.52. A densidade calórica depende de variáveis tais como a quantidade de água e fibras do alimento.

venção de forma mais detalhada e observar efeitos individuais – que se reúnem com ele por videoconferências para reforço, avaliação de peso (com a transmissão dos dados por redes sem fio) e terem suas dietas otimizadas. Neste último caso, tanto para reduzir a densidade calórica como para atender a preferências alimentares individuais. Alimentos favoritos são usados

quatro passos para perder peso

Estudos sobre as técnicas de mudanças de comportamento para o controle da obesidade identificaram algumas características básicas que parecem relacionadas a uma maior chance de promover o emagrecimento e a manutenção do peso ideal: definição clara e objetivos modestos, focando hábitos para serem adotados por toda a vida, entre outros. A maioria dessas mudanças de comportamento pertence a quatro categorias principais.

ilUstRação de PeteR e MaRia hoey

avaliação Inicial As pesquisas reforçam a necessidade da escolha de uma medida basal. quanto a pessoa pesa? quais são os rituais e as rotinas que contribuem para a alimentação em excesso (por exemplo, o estresse) ou para a baixa adesão aos exercícios físicos (expectativas irreais)? Um médico, uma enfermeira ou um nutricionista podem ajudar na avaliação.

Mudanças de Comportamento Muitas pessoas acham mais fácil fazer pequenas mudanças no início – como, por exemplo, subir escadas em vez de usar o elevador; e verificar alimentos oferecidos em um bufê antes de se servir é interessante (estudos mostram que essa ação ajuda a pessoa a colocar menos comida no prato).

automonitorização O registro do peso corporal, quantidade de calorias ingeridas e ações adotadas possibilita a elaboração de um retorno sobre os resultados obtidos com a mudança de hábitos. Os estudos comportamentais têm demonstrado que tanto registros em papel como também sistemas de monitoração wireless trazem benefícios.

Grupos de apoio Estudos identificaram os benefícios do incentivo de outras pessoas. Fazer parte de um grupo – para a prática de exercícios físicos, apoio formal ou até mesmo virtual – permite aos integrantes compartilhar triunfos, partilhar dificuldades e encontrar soluções.

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como recompensa para a prática do exercício físico. Até agora, as pessoas perderam entre 8% e 20% do peso corporal. Matt Normand, analista do comportamento da University of the Pacific, está pesquisando estratégias para seguir com mais precisão a ingestão e o gasto calórico das pessoas. Entre elas se incluem a coleta de recibos de compra de alimentos, fornecimento de listas de alimentos para ser anotado o que se está consumindo, uso de vários tipos de pedômetros, contadores de passos em caminhadas e outros dispositivos para medir a atividade física. Informações diárias detalhadas sobre fluxo de calorias são oferecifluXO De das aos participantes. CalOrIas Medida da quantida- Segundo um estudo de de calorias ingeridas por um determi- publicado por Normand, três dos quanado período. tro voluntários para a pesquisa reduziram a ingestão de calorias para níveis recomendados. Richard Fleming, pesquisador do Shriver Center da University of Massachusetts Medical School’s, avalia formas de incenti-

var pais a orientar seus filhos para escolhas mais saudáveis. Uma das técnicas consideradas úteis pela pesquisa é mostrar para os pais a porção adequada dos diferentes alimentos. Outro truque de sucesso: deixar as crianças escolherem uma recompensa em uma pequena loja de alimentos, enquanto caminham por ela. “As crianças podem realmente responder a essa recompensa por serem ativas”, garante ele. Por que as intervenções comportamentais são efetivas? Segundo Laurette Dubé, que realiza pesquisas na área de marketing e sobre os aspectos psicológicos do estilo de vida na McGill University’s Faculty of Management, em nosso meio ambiente, esforços de marketing, sofisticados e onipresentes, alimentam-se da necessidade natural de gratificação sensorial e vulnerabilidade à desinformação. Além disso, a má alimentação e a pouca prática de exercícios físicos observadas em amigos, familiares e colegas servem como exemplo. Essencialmente, as intervenções comportamentais buscam transformar esse ambiente para uma situação em que as necessidades de

informações, gratificação e estímulo social encorajem o consumo de alimentos saudáveis e a adoção de exercício físico. “Quando recebemos as mensagens corretas, de forma adequada, temos melhor chance de resistir ao desejo de comer mais que precisamos”, avalia Dubé. MuDança na POlÍtICa Os Vigilantes do Peso, de longe o programa mais popular, conta com apenas 600 mil membros em suas fileiras nos Estados Unidos. Isso significa que menos de um em cada 100 obesos americanos e cerca de uma em cada 200 pessoas com sobrepeso participam de um programa de modificação comportamental formal. Mas a política pública pode estar mudando. O U.S. Surgeon General’s Office e o Centers of Disease Control and Prevention (CDC) têm afirmado que as abordagens comportamentais são a principal arma na cruzada contra a obesidade. A campanha contra a obesidade infantil Let’s Move, lançada pela primeira-dama americana Michelle Obama, é composta quase inteiramente por re-

Uma selva urbana mais saudável

Um pesquisador me disse uma vez que o progresso na ciência biomédica pode ser medido pelo tamanho cada vez mais reduzido do seu foco. Antigamente, só conhecíamos as diferenças entre pessoas doentes e saudáveis. hoje, buscamos as diferenças entre moléculas doentes e saudáveis. Esse tipo de pensamento levou alguns a procurar a solução para a obesidade no interior das células do nosso corpo. No entanto, a epidemia será revertida não por meio da genética ou da fisiologia e sim através da sociologia e da economia. Em Nova York, onde logo teremos milhões de pessoas com sobrepeso ou próximas a ele, estamos usando as políticas públicas e os incentivos econômicos para criar um ambiente com alimentos saudáveis. Comer é um comportamento individual, então por que considerar o ambiente em vez de educar as pessoas a fazer escolhas melhores? A resposta é simples. Somos as mesmas criaturas há décadas, mas o mundo em que vivemos mudou radicalmente. hoje a 38 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

alimentação é onipresente, barata, altamente calórica e oferecida em porções maiores que o necessário. A maioria de nós vive em pântanos de alimentos, afogando-se em calorias em excesso. É muito mais fácil esCOlhas: 25% dos clientes usam a tabela calórica dos descrever esse alimentos para decidir o que comprar, chegando a consumir em ambiente alimentar que média 100 calorias a menos. modificá-lo para melhor. Mas em Nova York incentivos financeiros para a instalação de estamos tentando fazer com que o sistema supermercados em bairros onde existem ofereça uma mistura saudável de produtos apenas pequenos mercados. Estamos em porções adequadas. A prefeitura fornece melhorando a qualidade dos alimentos cupons de US$ 2 para as pessoas incluídas vendidos em cantinas escolares e removendo no Supplemental Nutrition Assistance bebidas altamente calóricas das máquinas Program (SNAP), como incentivo à compra das escolas. Além disso, estabelecemos de frutas e legumes frescos, com baixa padrões nutricionais para os alimentos densidade calórica. Incentivamos lojas de vendidos ou distribuídos por todas as alimentação a estocar alimentos de baixas agências municipais, que, juntas, oferecem calorias e adotamos o zoneamento e cerca de 225 milhões de refeições por ano.

iMaGens de stePhen cheRnin Getty

Nova York está usando a política e a economia para melhorar o “ambiente alimentar”


comendações sobre comportamentos que levam à perda de peso, ou seja, estimula a busca por formas de incentivar as crianças a comer alimentos menos calóricos e a se tornarem mais ativas, de forma prazerosa. A recente proposta de proibição da entrega de brinquedos junto com o McLanche Feliz da rede McDonald’s, em São Francisco, sugere que as autoridades podem estar se preparando para pressionar a indústria de alimentos contra a contaminação do ambiente com táticas de marketing que colaboram para a obesidade. Para facilitar e tornar mais tentadora a compra de alimentos mais saudáveis, nas áreas mais pobres dos Estados Unidos, as comunidades com maior excesso de peso, a Casa Branca propôs subsidiar os preços de frutas e legumes. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, está entre os que defendem a modificação dos programas assistenciais, restringindo a compra de bebidas com alto teor de açúcar. Em 2010, foi promulgada a taxação de 6% de impostos sobre as bebidas açucaradas em Washington, DC. A cidade de Nova

Em 2008, Nova York começou a exigir que cadeias de restaurantes divulgassem a quantidade de calorias dos alimentos em seus cardápios e placas com o menu. O efeito imediato foi modesto: cerca de 25% dos clientes que liam a quantidade de calorias as utilizavam para escolher o que pedir, reduzindo cerca de 100 calorias de sua refeição. O maior benefício potencial dessa exigência é levar os restaurantes a diminuir o tamanho das porções. qualquer esforço para criar um ambiente alimentar saudável deve restringir as bebidas adoçadas, responsáveis em grande parte pelo aumento de 300 calorias na dieta diária dos americanos nos últimos 30 anos. Refrigerantes açucarados estão associados à obesidade ou ganho de peso de acordo com estudos observacionais e ensaios clínicos. Nova York apoia legislações estaduais que preveem imposto sobre essas bebidas. Os modelos econômicos sugerem que um aumento de 10% em seu preço pode reduzir as vendas em cerca de 8%. Em 2010, a prefeitura implementou um projeto para testar o efeito do fim do subsídio de produtos açucarados no SNAP. A medida acabaria com uma contradição fundamental nas políticas públicas: se informamos os cidadãos, de todas as formas possíveis, que as

York também tem oferecido cupons para compra de produtos em mercados de fazendeiros (feiras) para famílias de baixa renda e incentivos às lojas para oferecerem alimentação mais saudável. Especialistas estão tentando pressionar o governo a reescrever os códigos de zoneamento e de construção para garantir que bairros e edifícios favoreçam os pedestres, ciclistas e usuários de escada. Um estudo realizado em 2009, por pesquisadores da Louisiana State University Medical School, identificou que se uma pessoa aumentar em apenas 2,8% o uso de escadas, pode evitar o adicional de uma libra (0.45 kg) de peso por ano. A correlação entre níveis de atividade física e peso saudável é um dos pressupostos mais bem estabelecidos na pesquisa sobre a obesidade, de acordo com William M. Hartman, psicólogo e diretor do programa comportamental Weight Management Program do California Pacific Medical Center, de São Francisco. Aumentar o acesso à terapia comportamental é também um recurso. Muitas pessoas com sobrepeso podem precisar

bebidas adoçadas com açúcar causam obesidade e diabetes, como podemos justificar a entrega de cupons para a população consumir esses produtos de forma gratuita, como parte de um programa nutricional? A iniciativa deve também alterar os incentivos no mercado. Se o comércio não puder vender garrafas de 3 litros de refrigerante com açúcar por meio do SNAP, talvez venha a promover algo saudável, elegível pelo SNAP. Pesquisas mostram que adultos vêm diminuindo o consumo de bebidas adoçadas com açúcar desde 2007. Essas mesmas pesquisas acompanham a altura e o peso em adultos (medidos por eles mesmos) e monitoram ativamente a condição física e o índice de massa corporal de 1,2 milhão de alunos de escolas públicas. É cedo para saber se as alterações estão afetando as taxas de obesidade. A epidemia existe há 30 anos e revertê-la levará tempo. Mas acreditamos ter identificado o alvo certo. A menos que nossa visão de um futuro mais brilhante seja a maioria dos americanos tomando uma pílula contra a obesidade todos os dias, é o nosso ambiente que precisa mudar, não a nossa fisiologia. Thomas Farley, MD, MPH, Comissário do New York City’s Health

apenas de ferramentas on-line para o monitoramento, suporte e compartilhamento do progresso, que se revelaram moderadamente efetivas em estudos. Outras podem necessitar de intervenções mais intensivas e personalizadas, como as que Cameron desenvolve. O tratamento com a terapia comportamental seria necessário apenas por um ou dois anos para estabelecer novos hábitos alimentares e de exercícios físicos permanentes, e a economia trazida por essa mudança de comportamento pode continuar por toda a vida. Ao menos nos Estados Unidos ainda é cedo para dizer se a população aceitará os esforços do governo para empurrá-la para escolhas mais saudáveis. Em São Francisco, o plano para proibir o McLanche Feliz provocou reações iradas em uma comunidade conhecida por ser especialmente favorável às iniciativas de saúde pública, e, por isso, o então prefeito, Gavin Newsom, vetou o projeto. Os esforços da campanha Let’s Move para a introdução de alimentos mais saudáveis nas cantinas escolares têm sido intensamente criticados como uma grande intrusão. Mesmo com a eventual implementação completa dessas estratégias em todo o país, não há como prever se vão reduzir significativamente a obesidade. A atual taxa de obesidade americana está muito além do que já havia ocorrido no planeta, portanto, uma solução em larga escala será um experimento de mudança de comportamento em massa. n O AUTOR David h. freedman escreve sobre ciência, economia e tecnologia há 30 anos. Seu livro mais recente, Wrong, explora as razões que levam os cientistas e outros especialistas a iludir a sociedade. PARA CONHECER MAIS Determining the effectiveness of take off pounds sensibly (TOPS), a nationally available nonprofit weight loss program. Nia S. Mitchell et al. (publicado na revista Obesity, disponibilizado em versão on-line em 23/9/2010, no endereço: www.nature.com/oby/ journal/vaop/ncurrent/full/oby2010202a.html). you on a diet: the owner’s manual for waist management. Michael F. Roizen e Mehmet C. Oz. Free Press, 2006 (um bom guia para leigos sobre vários aspectos sobre o gerenciamento do peso). about behaviorism. B. F. Skinner. Vintage, 1974 (obra clássica sobre mudança de comportamento). Visite o portal da NIH para conhecer as pesquisas sobre obesidade no endereço: obesityresearch.nih.gov SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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QUíMICA – GEOLOGIA

Como evoluíram os minerais

A análise do reino mineral desde os primórdios leva a uma conclusão surpreendente: a maioria dos elementos deve sua existência às formas vivas do planeta POr rObert M. hazen

N

o princípio dos tempos, não ha- mentos sólidos de minerais puderam se via minerais em nenhum lugar do constituir. Mas, mesmo assim, a maior Cosmos. Sólidos de tipo algum parte dos elementos e de seus compostos poderiam ter se constituído, muito menos era muito rara e dispersa – ou extremaresistido ao redemoinho superaquecido mente volátil – para subsistir sem ser na formado após o Big Bang. Foram neces- forma de átomos e moléculas esporádicos sários 500 mil anos para que os primeiros no meio dos gases e poeiras recém-produátomos – hidrogênio, hélio e uma peque- zidos. Uma vez que não formaram crisna quantidade de lítio – surgissem desse tais, com compostos químicos distintos e caldeirão de criação. Milhões átomos organizados em um conjunto nebulOsas de anos mais se passaram até são nuvens de constante de unidades repetidas, esses que a gravidade condensasse poeira ou gás materiais desarranjados não podem esses gases elementares nas e representam ser classificados como minerais. a maior parte primeiras nebulosas e, então, da massa do Provavelmente, os primeiros minecolapsasse essas nuvens nas Universo. rais a se formar foram cristais microsprimeiras estrelas incandescópicos de diamante e grafite, ambos centes, densas e quentes. formas puras do abundante elemento Todos os outros elemen- suPernOVa carbono. A eles, logo se juntou cerca Explosão de tos químicos se sintetizaram uma estrela com de uma dúzia de outros microcrise se espalharam pelo espaço massa no míni- tais duros, incluindo a moissanita cinco vezes apenas quando algumas es- mo (carboneto de silício), a osbornita maior que a do trelas gigantes explodiram, Sol, que ocorre (nitreto de titânio) e alguns óxidos formando as primeiras su- após o hidrogê- e silicatos. Talvez por 10 milhões de nela existenpernovas. E foi somente com nio anos, essas poucas espécies iniciais tes ser totalmena expansão e o resfriamento te consumido e – “minerais cerâmicos” – foram os dos invólucros estelares ga- ela começar a únicos cristais no Universo. sosos que os primeiros frag- se expandir. Em comparação, atualmente se 40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

conhecem mais de 4,4 mil espécies minerais na Terra, e ainda há muitas mais por descobrir. O que provocou essa notável diversidade, de uma simples dúzia para milhares de formas cristalinas? A fim de responder a essa questão, recentemente apresentei, em conjunto com mais sete colegas, um novo modelo de “evolução mineral”. A evolução mineral difere da abordagem mais tradicional e centenária da mineralogia, que considera os minerais como objetos importantes, contendo propriedades químicas e físicas particulares, mas, curiosamente, desvinculadas do tempo – a determinante quarta dimensão da geologia. Ao contrário, nossa abordagem se vale da história da Terra para compreender os minerais e os processos que os originaram. Rapidamente percebemos que a história da evolução mineral começou com o advento dos planetas rochosos, uma vez que esses astros são os instrumentos para a formação mineral. Constatamos que o nosso planeta, ao longo dos últimos 4,5 bilhões de anos, passou por uma série de fases, com novos fenôme-


Matt collins

nos surgindo em cada uma delas, o que enriqueceu e alterou de modo drástico sua mineralogia. Alguns detalhes dessa história são objeto de intensos debates e certamente mudarão com futuras descobertas; contudo, como ciência, a evolução mineral – e o seu modelo geral – está bem estabelecida. Eu e meus colegas não estamos introduzindo novos dados controversos, tampouco apresentando teorias radicais recentes sobre o que

aconteceu em cada fase da história da Terra. Em vez disso, estamos reformulando uma história ainda mais abrangente que essa, tendo como conceitoguia a evolução mineral. No entanto, quero enfatizar um aspecto intrigante: a maioria desses milhares de minerais encontrados na Terra deve sua existência ao surgimento da vida no planeta. Se você pensa que todos os planetas estéreis são um palco em que a vida interpreta seu drama evo-

lucionário, pense de novo. Os atores reformaram seu teatro ao longo da peça. Essa observação também traz implicações para a busca por sinais de vida em outros mundos. Ao contrário dos frágeis fragmentos orgânicos, os minerais duros podem fornecer pistas biológicas mais fortes e duradouras. Os planetas se formam em nebulosas estelares espargidas por matérias provenientes de supernovas. Grande parte da massa da nebulosa se retrai rapidamente, SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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Retratos da origem mineral

N

os 4,6 bilhões de anos desde a formação do Sistema Solar, os tipos de minerais presentes saltaram de uma modesta quantidade inicial – cerca de uma dúzia na nebulosa pré-solar – para os mais de 4,4 mil encontrados atualmente na Terra. O planeta passou por uma série de fases, representadas à direita desta e das páginas seguintes por cinco imagens que retratam vários processos de formação mineral. Alguns desses processos deram origem a minerais completamente novos, ao passo que outros modificaram a face da Terra ao transformar antigas raridades em materiais abundantes.

formação da terra

há 4,6 bilhões de anos: milhões de planetesimais se formaram no anel de poeira e gás que permaneceu ao redor do Sol recém-inflamado (ao fundo) e colidiram, constituindo a Terra (planeta reluzente). Mais de 200 minerais, incluindo olivina e zircão, desenvolveram-se nos planetesimais, graças ao derretimento de seus compostos, choques decorrentes de colisões e reações com água. Muitos desses minerais são encontrados em antigos meteoritos condríticos.  Cristais de olivina em palasito (meteorito)

produzindo a estrela central; entretanto, ses minerais na forma de “côndrulos”: o material remanescente forma um ex- gotículas resfriadas de rocha outrora tenso anel rotativo ao redor desse corpo derretida (esses antigos meteoritos conestelar. Progressivamente, esses fragmen- dríticos também são fontes de evidência tos se agrupam em aglomerados cada de minerais cerâmicos que precederam os vez maiores: esferas de areia, cascalho e côndrulos; os mineralogistas encontram argueiro, do tamanho de uma mão, con- esses minerais na forma de grânulos nano tendo poeira primitiva e abrigando um e microscópicos nos meteoritos). Na primitiva nebulosa sorepertório limitado de cerca PlanetesIMaIs lar, os côndrulos rapidamente de uma dúzia de minerais São pequenos corcerâmicos, junto com vários pos resultantes da se agruparam em planetesimais, aglutinação de poei- alguns dos quais atingiram mais outros átomos e moléculas. ras constituídas por de 160 km de diâmetro – granModificações drásticas diferentes minerais. des o suficiente para derreter ocorrem quando a estrela parcialmente e se redistribuir nascente se inflama e banha as concentrações próximas de poeira e em camadas parecidas com as cebolas, gás com um fogo depurador. Em nosso que contêm diferentes minerais, incluinSistema Solar, a ignição estelar ocorreu do um núcleo denso e rico em metal. Cohá aproximadamente 4,6 bilhões de lisões frequentes na entulhada periferia anos. Ondas de calor provenientes do re- solar deram origem a choques intensos cém-nascido Sol derreteram e mesclaram e a mais calor, modificando ainda mais elementos, produzindo cristais repre- os minerais nos planetesimais maiores. sentativos de grupos de novos minerais. A água também desempenhou seu papel: Entre as novidades cristalinas dessa fase está presente desde os primórdios, na mais ancestral da evolução mineral, estão forma de partículas de gelo na nebuloas primeiras ligas de ferro-níquel, sulfe- sa pré-solar, as quais, nos planetesimais, tos, fosfetos e uma grande quantidade de derreteram e se incorporaram às fendas e óxidos e silicatos. Nos meteoritos mais fissuras. As reações químicas com a água primitivos, encontra-se a maioria des- resultante geraram novos minerais. 42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

 Zircão

u Condrito (meteorito)

Talvez cerca de 250 espécies diferentes de minerais tenham surgido como consequência desses dinâmicos processos de formação planetária. Esses 250 minerais são os materiais primitivos dos quais todos os planetas devem se constituir, e todos ainda são encontrados nos diversos tipos de meteoritos que atingem a Terra. terra neGra Em seus primórdios, a Terra crescia cada vez mais. Grandes planetesimais engoliam os menores aos milhares, isso até que sobraram somente os dois maiores rivais no nosso sistema orbital: a proto-Terra e um corpo de dimensões bem menores que as de Marte, conhecido como Teia, em homenagem à mãe da deusa-lua grega. Em um paroxismo derradeiro de violência inimaginável, Teia colidiu lateralmente com a proto-Terra, pulverizando suas camadas exteriores e liberando no espaço 100 milhões de trilhões de toneladas de vapores de rocha incandescente, o que formou a Lua. Esse cenário explica o elevado momento angular do sistema Terra-Lua, bem como muitas características incomuns


terra negra

há 4,4 bilhões de anos: a superfície da estéril Terra hadeana é amplamente composta por basalto negro, rocha formada a partir de magma derretido e lava. Os 2 bilhões de anos seguintes presenciariam o desenvolvimento de cerca de 1,5 mil minerais. O derretimento parcial e sucessivo de rochas aglutinou elementos escassos e dispersos, como o lítio (encontrado na lepidolita), berílio (no berilo) e boro (na turmalina). Também colaboraram com esse processo as reações químicas e a erosão das rochas provocadas pelos oceanos primitivos e pela atmosfera anóxica. Minerais formados sob alta pressão, como a jadeíta, foram trazidos para a superfície pelas placas tectônicas.

Matt collins (desenhos); kostya noVoseloV University of manchester (micrografia), coRtesia de andRe k. GeiM (Geim); coRtesia de PhiliP kiM (Kim).

 Turmalina

desta última, incluindo os motivos de a composição de seu corpo ser igual à do manto terrestre (a camada com cerca de 3.200 km de espessura que se estende do núcleo de ferro-níquel à crosta da Terra, cuja espessura varia de 5 km a 50 km). Em seguida a essa colisão que deu origem à Lua há cerca de 4,5 bilhões de anos, a Terra derretida começou seu processo de resfriamento, que dura até hoje. Apesar de a superfície primitiva terrestre ter hospedado dúzias de elementos raros – urânio, berílio, ouro, arsênio, chumbo e muitos outros – capazes de formar vários tipos de minerais, o impacto com Teia o convenientemente denohaDeanO funcionou como uma “recomposição” éOn minado éon hadeano (há Período que se cósmica. Essa colisão deixou as cama- iniciou com a for- mais de 4 bilhões de anos), das externas terrestres completamente mação da Terra. principalmente em razão da termo hadeano misturadas, e esses elementos menos O repetida solidificação e dervem do grego abundantes ficaram muito espalhados (hades) que sig- retimento da crosta rochopara formar cristais separados. Nosso nifica inferno. sa, bem como das reações planeta era um mundo hostil, desolaerosivas desencadeadas pela do, bombardeado sem parar por sedimen- atmosfera e oceanos primitivos. Durantos nebulares e amplamente coberto por te ciclos incontáveis, esse derretimento e uma manta de basalto negro, um tipo de ressolidificação parciais dos volumes rorocha formado até mesmo nos tempos chosos, assim como as interações entre modernos, quando a lava se solidifica. rocha e água (por exemplo, dissolução de A diversidade mineralógica da Terra determinados compostos), gradualmente aumentou de forma gradativa durante concentrou elementos incomuns, de for-

p Lepidolita u berilo

ma suficiente para formar novas gerações de minerais exóticos. Nem todos os planetas têm tamanho potencial para a formação de minerais. Mercúrio, pequeno e desidratado, e a Lua terrestre, igualmente árida, congelaram antes mesmo que muita coisa pudesse derreter. Como consequência, calculamos que nesses mundos não haja mais de 350 espécies diferentes de minerais. Com uma modesta provisão de água, Marte talvez tenha se saído um pouco melhor, em virtude das espécies aquosas, como argila e minerais evaporíticos formados quando os oceanos secaram. Estimamos que as sondas da Nasa devam, no futuro, identificar quase 500 minerais diferentes no Planeta Vermelho. A Terra é maior, mais quente e úmida; portanto, seu processo de formação mineral apresenta uma complexidade maior. Todos os planetas rochosos passaram por uma fase de vulcanismo que derramou basalto por toda a sua superfície, mas o nosso planeta (e talvez Vênus, praticamente do mesmo tamanho) tinha calor interno suficiente para derreter novamente uma parte desse basalto, formando tipos de rocha magmática chamados granitoides, que incluem os graSCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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terra vermelha há 2 bilhões de anos: Organismos vivos fotossintéticos presentearam a atmosfera terrestre com um pequeno percentual de oxigênio, alterando de forma drástica sua ação química. Minerais de ferro ferroso (Fe2+), abundantes no basalto negro, oxidaram em compostos férricos (Fe3+) vermelho-ferrugem. Esse “Grande Evento de Oxidação” abriu caminho para o surgimento de mais de 2,5 mil novos minerais, incluindo rodonita (encontrada em minas de manganês) e turquesa. Os microrganismos (verdes) depositaram camadas de um material denominado estromatólito, composto de minerais como carbonato de cálcio.

 Corte transversal de um

fóssil de estromatólito

u Turquesa

nitos bege e cinza comuns, usados nas guias e tampos de balcão. Granitos são compostos por uma mistura de minerais de grãos grosseiros, compreendendo o quartzo (os grãos mais presentes na areia da praia), o feldspato (o mais comum de todos os minerais da costa terrestre) e a mica (que forma finas e reluzentes camadas minerais). Nos grandes planetesimais, já se produziam todos esses minerais em quantidades muito pequenas, mas eles somente aparecem em abundância nos registros geológicos terrestres graças aos processos de formação de granito que ocorrem em nosso planeta. Na Terra, o derretimento parcial 44 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

sucessivo de granitos fez com que se aglomerassem elementos raros “incompatíveis”, que, de outra maneira, seriam incapazes de encontrar um possível “lar” cristalográfico nos minerais ordinários. As rochas resultantes contabilizaram mais de 500 minerais diferentes, incluindo cristais gigantes de espécies ricas em lítio, berílio, boro, césio, tântalo, urânio e uma dúzia de outros elementos raros. Levou tempo – alguns cientistas estimam em mais de 1 bilhão de anos – para esses elementos alcançarem concentrações passíveis de formação mineral. É possível que Vênus, o gêmeo planetário da Terra, tenha ficado ativo por tempo suficiente para atingir esse estágio; entretanto, nem Marte nem Mercúrio apresentaram, por enquanto, indícios significativos de granitização em sua superfície. A Terra aumentou ainda mais sua diversidade mineral durante o processo, em escala mundial, de formação de placas tectônicas, o que gerou uma nova crosta ao longo das cadeias vulcânicas, ao mesmo tempo que a crosta antiga era engolida nas zonas de subducção, em que uma placa desliza para debaixo da outra e retorna ao manto.

Quantidades enormes de rochas úmidas e quimicamente distintas, tragadas a partir da crosta, derretiam parcialmente, provocando uma concentração adicional de elementos escassos. Produziram-se centenas de novos minerais em depósitos maciços de sulfetos, os quais, atualmente, abrigam as maiores e mais abundantes jazidas de metais do planeta. Outras centenas de espécies minerais apareceram pela primeira vez na superfície terrestre quando as forças tectônicas sublevaram e expuseram uma vasta área de rochas profundas, juntamente com suas reservas de diferentes minerais formados sob alta pressão, como a jadeíta (um dos dois minerais mais conhecidos como jade). Dito tudo isso, é possível que talvez 1,5 mil minerais distintos encontrados na superfície terrestre, ou próximos a ela, tenham se formado a partir dos processos cíclicos crosta/manto, ocorridos durante os primeiros 2 bilhões de anos do nosso planeta. Mas os mineralogistas catalogaram mais de 4,4 mil espécies minerais variadas. O que aconteceu para triplicar a diversidade mineralógica da Terra?

coRtesia de teachinG coMPany (Hazen); Ron MilleR (ilustrações); MUseU de histÓRia natURal de londRes (palasito); scientiFica Getty images (zircão); MassiMo bReGa Photo Researches, inc. (condrito)

 Rodonita


terra branca

bioPhoto associates Photo Researches, inc. (lepidolita); scientiFica Getty images (berilo); Jacana Photo Researches, inc. (turmalina)

há 700 milhões de anos: A mudança climática cobriu a superfície inteira do planeta com um mineral – o gelo – por milhões de anos. Por fim, o dióxido de carbono liberado pelos vulcões desencadeou um aquecimento global descontrolado e os ciclos planetários de estufa/bola de neve. Nas fases de estufa, a erosão das rochas acrescentou à paisagem uma grande quantidade de minerais argilosos de granulação fina, como o caulim. Diferentes camadas de “carbonato de capa” depositadas nos rasos e quentes oceanos incluíam cristais de 2 m de altura.

terra VerMelha Resposta: a vida. A biosfera distingue a Terra de todos os outros planetas e luas conhecidos e, indiscutivelmente, transformou o ambiente próximo à superfície – de forma mais notável, os oceanos e a atmosfera, mas também as rochas e os minerais. As formas mais ancestrais de vida – organismos unicelulares primitivos que se “alimentavam” da energia química das rochas – não exerceram muito efeip Carbonato de capa to sobre a diversidade mineralógica da Terra. Para se certificarem disso, os geóEssa situação mudou em um instanlogos encontraram formações rochosas biologicamente mediadas, datando de te geológico, com o rápido aumento do nível de oxigênio 3,5 bilhões de anos, incluindo recifes fOrMações compostos de carbonato de cálcio e ferrÍferas banDaDas na atmosfera, graas chamadas formações ferríferas São rochas sedimentares ças ao advento da e de precipitação fotossíntese – que bandadas (em que óxidos de ferro antigas química formada por finos aparentemente aprisionaram o pri- leitos de óxido de ferro alter- tem esse elemenmeiro oxigênio produzido pela vida). nado com outros carbonata- to como produto – pelos novos tiEntretanto, o solo continuava estéril, dos ou silicatados. pos de algas. Essa ainda não havia oxigênio na atmosfera como um todo, o desgaste da superfí- transição, denominada Grande Evento cie era lento e as formas mais ancestrais de Oxidação, ainda suscita um debate de vida quase nada contribuíram para acalorado, especialmente no que se refealterar a quantidade de minerais presen- re a quando e à frequência com que começou, pontos ainda não determinados tes ou sua distribuição.

p Caulim

u Gelo

com precisão pelos cientistas. Mas, há cerca de 2,2 bilhões de anos, o oxigênio atmosférico subiu para um patamar mais de 1% superior ao dos níveis modernos – uma pequena porcentagem, suficiente, porém, para modificar para sempre a mineralogia da superfície terrestre. O modelo químico seguido por mim e meus colegas sugere que o Grande Evento de Oxidação abriu caminho para mais de 2,5 mil minerais diferentes, muitos dos quais resultaram da oxidação e hidratação de outros minerais desgastados. É improvável que essas espécies cristalinas fossem produzidas em um ambiente anóxico; dessa forma, os processos bioquímicos da Terra parecem ser responsáveis, direta ou indiretamente, pela maioria das 4,4 mil espécies minerais conhecidas em nosso planeta. terra branCa Por 1 bilhão de anos ou mais após o Grande Evento de Oxidação, pouco aconteceu de interessante no reino mineral. Esse intervalo, denominado Oceano Intermediário ou, mais sagazmente, Bilhão Tedioso, parece ter sido um período marcado por uma relativa SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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terra verde

estagnação biológica e mineralógica. O “intermediário” do nome refere se aos níveis de oxigênio: as águas oceânicas próximas à superfície eram oxigenadas, ao passo que as profundas permaneceram anóxicas. A interface entre esses dois domínios aumentou de maneira gradual, mas basicamente não houve o surgimento de nenhuma forma nova de vida, tampouco de alguma espécie mineral. Contrastando de forma marcante com o Bilhão Tedioso, os 100 milhões de anos seguintes presenciaram mudanças notáveis na superfície terrestre. Há cerca de 800 milhões de anos, grande parte dos continentes do planeta localizava-se em um único grande conglomerado perto do equador, chamado Rodínia. Então, as forças tectônicas separaram essa vultosa porção de terra, o que resultou em uma faixa litorânea mais extensa, um maior índice pluviométrico e uma erosão rochosa mais acelerada – processos que retiraram dióxido de carbono (retentor de calor) da atmosfera. Como o efeito estufa teve sua força reduzida e o clima esfriou, o gelo polar aumentou. A expansão crescente de gelo e neve refletiu mais luz solar para o espaço, 46 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

p hazenita

reduzindo o efeito aquecedor do Sol. Quanto mais o gelo se espalhava, mais frias as coisas ficavam. Por 10 milhões de anos ou mais, a Terra era uma gigante bola de neve, e somente alguns vulcões se destacavam sobre a cobertura branca. Segundo algumas estimativas, a temperatura global média caiu repentinamente para -50°C. Contudo, nosso planeta não poderia ficar encalacrado no gelo para sempre. Os vulcões continuaram a expelir dióxido de carbono; como a chuva era nula e havia pouca erosão rochosa para remover esse gás do efeito estufa, seus níveis subiram – sempre de forma lenta – centenas de vezes mais que as con-

p Aragonita u Fóssil de trilobito

centrações atuais, desencadeando, finalmente, um ciclo de aquecimento via efeito estufa. Como o gelo equatorial derreteu, esse episódio de aquecimento descontrolado talvez tenha levado apenas algumas centenas de anos para transformar a Terra de uma caixa de gelo em uma estufa. Pelos 200 milhões de anos seguintes, nosso planeta passou por um ciclo desses extremos, talvez de duas a quatro vezes. Embora aparentemente poucas, se não nenhuma, espécies minerais surgiram durante esse período agitado, a distribuição de minerais pela superfície mudou drasticamente com cada novo ciclo glacial. Durante as fases de estufa, aumentou rapidamente a produção de minerais argilosos de granulação fina e outros produtos da erosão das rochas, na paisagem estéril, erodida e rochosa. Nas partes mais rasas dos oceanos aquecidos, minerais carbonataaluVIões dos precipitaram em imenDepósitos de sas aluviões cristalinas. sedimentos. Os ciclos bola de neve/ estufa acarretaram consequências profundas para a vida. As eras do gelo interromperam quase todos os ecossistemas, ao passo que os períodos de aque-

Ron MilleR (ilustração); e. R. deGGinGeR Photo Researches, inc. (aragonita); coRtesia de chiP claRk, sMithsonian institUte, MUseU nacional de histÓRia natURal (trilóbito); coRtesia de heXionG yanG (hazenita)

há 400 milhões de anos: Surgiram organismos pluricelulares, e as plantas colonizaram a terra, seguidas pelos animais. A decomposição química por plantas e fungos aumentou em grandes proporções a erosão das rochas e a produção de argila (miscelânea de minerais hidratados). Pela primeira vez a superfície do planeta adquiriu sua aparência moderna – e sua atual distribuição de minerais. A vida produziu diretamente minerais como aragonita e calcita (encontrados em tudo, desde trilobitos até esqueletos humanos), bem como raridades extremas, por exemplo, a hazenita, depositada pelos micróbios.


cimento trouxeram aumentos abruptos na produtividade biológica. Dentre eles, destaca-se a elevação drástica do nível de oxigênio atmosférico ao fim da última grande glaciação – de um porcentual ínfimo para cerca de 15% –, devido, em parte, a um florescimento vigoroso e generalizado de algas na costa litorânea. Muitos biólogos sugerem que essas altas concentrações de oxigênio eram um prelúdio essencial da origem e evolução de grandes animais, com suas demandas metabólicas aumentadas. De fato, os mais antigos organismos pluricelulares conhecidos surgiram nos registros fósseis apenas 5 milhões de anos após a última grande glaciação global. A geosfera e a biosfera continuaram a evoluir em conjunto, especialmente conforme diversos micróbios e animais aprenderam a desenvolver suas próprias conchas minerais protetoras. O advento dos esqueletos carbonatados levou à precipitação de rochedos maciços de calcário, pontilhando as paisagens terrestres com incontáveis desfiladeiros e cânions. Esses minerais não eram novos, mas seu predomínio, sim. terra VerDe Por quase toda a história do nosso planeta, a terra era inabitável. A radiação ultravioleta solar destruía biomoléculas essenciais e matava a maioria das células. Com os níveis mais altos de oxigênio atmosférico, formou-se uma camada de ozônio estratosférica protetora, escudando a terra subjacente dos raios ultravioleta, o que possibilitou o desenvolvimento de uma biosfera terrestre. Levou tempo para que a vida na terra prosperasse. É possível que tapetes de alga tivessem colonizado terrenos pantanosos após a fase bola de neve de nosso planeta, porém a mais significativa transformação terrestre teve de esperar o surgimento dos liquens – as primeiras plantas terrestres verdadeiras –, há cerca de 460 milhões de anos. A colonização generalizada da Terra levou outros 10 milhões de anos, com o desenvolvimento de plantas vasculares, cujas raízes penetravam o solo rochoso e serviam de sustentáculos e coletores de água.

Plantas e fungos trouxeram métodos rápidos de decomposição bioquímica da rocha, aumentando em muito os níveis de erosão das rochas presentes na superfície terrestre, como basalto, granito e calcário. A abundância de minerais argilosos e a taxa de formação de terrenos férteis aumentaram amplamente, fornecendo um hábitat sempre em expansão para fungos e plantas maiores e mais diversificados. Há provavelmente 400 milhões de anos, no período devoniano, a superfície da Terra evoluiu, pela primeira vez, para uma aparência espantosamente moderna – prosperaram florestas verdes, habitadas por uma variedade cada vez maior de insetos, tetrápodes e outras criaturas. E, graças à profunda influência da vida, a mineralogia dos terrenos próximos à superfície terrestre também atingiu seu estado moderno de diversidade e distribuição. A interpretação da mineralogia da Terra como um processo dinâmico e em mutação abre espaço para algumas oportunidades interessantes de pesquisa. Por exemplo, planetas diferentes atingem distintos estágios de evolução mineral. Mundos secos e pequenos, como Mercúrio e a Lua, têm superfície simples com pouca diversidade mineral. Marte, pequeno, porém úmido, saiu-se um pouco melhor. Planetas maiores, como a Terra e Vênus, com suas vastas reservas de substâncias voláteis e calor interno, puderam ir ainda mais longe, formando granitoides. O que tornou a Terra única, porém, foram o advento da vida e a resultante evolução conjunta de seres vivos e minerais. Como ressaltei anteriormente, minerais podem ser tão úteis quanto os resquícios orgânicos para o reconhecimento de vestígios de vida em outros planetas. É provável, por exemplo, que só os astros onde exista vida sejam generalizadamente oxidados. Corpos celestes com compostos diferentes podem também ser submetidos a distintas evoluções minerais. A lua jupiteriana Io, rica em enxofre, e Titã, a gélida lua de Saturno repleta de hidrocarbonetos, apresentarão repertórios bem singulares de minerais. O mes-

mo provavelmente vale para Europa e Encélado (luas de Júpiter e Saturno, respectivamente); acredita-se que, por debaixo de suas superfícies congeladas, ambas hospedem oceanos líquidos de água e, assim, sejam locais com grande potencial para vida extraterrestre. Considerar os minerais em um contexto evolucionário também elucida um tema mais geral: os sistemas em evolução por todo o Cosmos. Estados simples passam a ser cada vez mais complexos em muitos contextos: evolução de elementos químicos nas estrelas, evolução mineral nos planetas, evolução molecular levando à origem da vida e a conhecida evolução biológica, por meio da seleção natural darwiniana. Portanto, vivemos em um Universo que tende à complexidade: átomos de hidrogênio formam estrelas, estrelas dão origem aos elementos da tabela periódica, esses elementos constituem planetas, que, por sua vez, formam minerais em abundância. Os minerais catalisam a formação de biomoléculas, que levaram à vida na Terra. Nesse contexto geral, os minerais representam um passo inevitável para a evolução de um Cosmos que está começando a se autoconhecer. n O AUTOR robert M. hazen é cientista sênior do Laboratório de Geofísica do Instituto Carnegie e professor de ciências da terra da cátedra Clarence Robinson, da George Mason University. Em 1975, recebeu Ph.D. em ciências da Terra pela Harvard University. Escreveu 350 artigos científicos e 20 livros, incluindo Genesis: the scientific quest for life’s origin; frequentemente explica a ciência a não cientistas por meio de rádio, TV, palestras públicas e videoaulas. A recente pesquisa de Hazen está focada no papel dos minerais na origem da vida. Em sua homenagem, nomeou-se o mineral hazenita, depositado por micróbios no lago Mono (Califórnia), altamente alcalino. PARA CONHECER MAIS Mineral evolution. Robert M. Hazen et al., em American Mineralogist, vol. 93, págs. 1693-1720, 2008. Chemical evolution across time and space: from big bang to prebiotic chemistry. Organizado por Lori Zaikowski e Jon M. Friedrich. American Chemical Society, 2007. the emergence of everything: how the world became complex. Harold J. Morowitz. Oxford University Press, 2003. Planetary materials. Organizado por J. J. Papike. Mineralogical Society of America, 1998.

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GEOGRAFIA – MEIO AMBIENTE

Vítimas da

mudança climática Alterações nos padrões de precipitação e mudanças nas linhas costeiras contribuirão para migrações em massa em escala inédita POr aleX De sherbInIn, KOKO Warner e Charles ehrhart

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toM stoddaRt Getty images

D

MIGraçãO

esde o início dos registros históricos, migrações forçadas pelo clima afetaram Segundo a ONU é toda mobilidade de pessoas que ocorre no espaço a civilização. Há 4 mil anos, uma prolongada estiagem e a fome que veio em geográfico, entre distintos lugares. seguida a Canaã levaram Jacó e seus filhos a migrar para o Egito, preparando o palco para o famoso Êxodo comandado por Moisés. Três milênios depois, um longo período de seca e a falta de pastagem expulsaram os exércitos DUST BOWL mongóis da Ásia Central rumo ao oeste, até a Europa, onde muitos Esse fenômeno climático de tempesse estabeleceram e casaram entre si. E, no século 20, o fenômeno tade de areia que ocorreu nos Estados conhecido como “American Dust Bowl”, catástrofe ecológica de Unidos na década de 30 e durou quase dez anos. Foi um desastre econôtempestades de areia precipitada por seca e associada a políticas mico ambiental que afetou severadesfavoráveis de manejo de terras, desalojou 3,5 milhões de pessoas mente boa parte do país. do Meio-Oeste dos Estados Unidos. Hoje, essa história tem um novo enfoque. Estamos entrando em uma era marcada por rápidas mudanças climáefeItO estufa ClIMatOlOGIa ticas decorrentes de emissões de gases de efeito estu- É a retenção da maior parte da radiação solar Ciência que descreve os pela atmosfera fazendo com que a superfície climas, que os explica e fa produzidos pelo homem. As alterações previstas incluem variabilidade mais acentuada nas precipi- terrestre seja aquecida. Esse fenômeno ocorre os classifica por zonas. por causa dos gases presentes na atmosfera, tações, maior frequência de fenômenos extremos como dióxido de carbono, metano, clorofluorcar(como estiagens e enchentes), elevação do bono, óxido nitroso, óxido de azoto e ozônio. aCIDIfICaçãO OCeÂnICa nível dos mares, acidificação oceânica e muProcesso pelo qual as águas danças de longo prazo nas temperaturas. Qualquer absorvem dióxido de carbono da atmosfera, provocando um desses eventos pode perturbar profundamente os alterações no nível de pH da ecossistemas que suprem nossas necessidades básicas. água, deixando-a mais ácida. Em nosso mundo mais densamente povoado, as pes-


MIGrantes: família vaga pelas ruas de Chokwe, Moçambique. enchentes cada vez mais frequentes obrigaram muitas pessoas a se mudar permanentemente. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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soas podem ser forçadas a abandonar te, essa inundação costeira está longe de sua casa em números jamais vistos. ser o único desafio ligado ao clima no Grande parte da atenção tem se con- sul da Ásia. Modelos desenvolvidos por centrado no dilema de nações Arthur M. Greene e Andrew Roinsulares baixas, ameaçadas MOnções bertson, da Columbia University, pelo aumento do nível dos ma- Ventos que sugerem um aumento do volume sopram ora do res. Em determinados cenários, oceano para a total das chuvas de monções, muitos dos 38 pequenos Esta- superfície, ora mas uma redução na frequência dos insulares do mundo pode- em sentido con- das precipitações. Isso implica trário, devido às riam desaparecer até o fim do diferenças de chuvas mais intensas em menos século. Entretanto, o problema pressão e tem- dias. Alterações na sazonalidade enfrentado por seus habitantes peratura no dos fluxos fluviais (à medida que sudeste asiátié apenas a ponta do iceberg. Só co, e costumam o manto de neve invernal diminui na Índia, 40 milhões de pessoas provocar e as geleiras encolhem) afetariam seriam desalojadas se o nível do enchentes a subsistência agrícola de centee secas. mar subisse 1 metro. Infelizmennas de milhões de camponeses e

Moçambique flagelado áfrICa

Em Moçambique, o clima está cada vez mais inclemente. Periodicamente, enchentes afetam fazendas e cidades perto dos rios Limpopo e Zambeze.

Paralelamente, as secas têm se tornado mais comuns. As mudanças climáticas deverão agravar essas tendências, submetendo a população local à pressão de migrar.

Moçambique

Inundações

200 km

2001 2007 ambos

Condições de estiagem (% do ciclo sazonal de crescimento afetado por secas de 1988 a 2007)

Densidade Populacional (habitantes por km2) 1–4 áreas urbanas

a Maldição das águas

10%–20%

250–999

30%–40%

20%–30%

25–249 1.000+

Durante a década passada, a população rural de Moçambique lutou contra fenômenos de enchentes cada vez mais frequentes; algumas regiões foram afetadas por múltiplos episódios. 50 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

até 10%

5–24

Castigo da seca

40%–60%

Enquanto isso, estiagens também prejudicaram a produção de alimentos.

Fontes: centRo PaRa a Rede de inFoRMação inteRnacional eM ciÊncias da teRRa (ciesin), colUMbia UniVeRsity; PesQUisa inteRnacional eM PolÍticas aliMentaRes (iFPRi); banco MUndial; centRo inteRnacional de aGRicUltURa tRoPical (ciat); PRoJeto Global de MaPeaMento RURal-URbano 2009 (GRUMP), beta VeRsion: GRades de densidade PoPUlacional, centRo de dados socioeconÔMicos e aPlicaçÕes (sedac), colUMbia UniVeRsity, httP://sedac.ciesin.colUMbia.edU/GPW (densidade populacional) ; obseRVatÓRio de enchentes de daRtMoUth; eXtensão das enchentes de MoçaMbiQUe (enchentes) ; bRadField lyon iRi/ institUto da teRRa, colUMbia UniVeRsity; dados de PReciPitação do centRo cliMatolÓGico Global de PReciPitação (GPcc) e biblioteca de dados do iRi (seca) ; MaPas PoR Jen chRistiansen

POçO De esPerança: uma mulher recorre à coleta de toda a água restante que consegue tirar de um poço quase seco em Milange, uma área assolada pela seca em Moçambique.

os suprimentos alimentares de um número igual de habitantes urbanos asiáticos. Embora possa levar décadas para que se entendam plenamente os impactos do degelo de geleiras e da elevação dos níveis marítimos, a intensificação das catástrofes relacionadas ao clima já é um fato. A frequência de desastres naturais aumentou 42% desde os anos 80, e a porcentagem de calamidades vinculadas ao clima saltou de 50% para 82%. O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários e o Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC, na sigla em inglês) estimam que, em 2008, catástrofes climáticas levaram 20 milhões de pessoas a abandonar sua casa – mais de quatro vezes o número de desalojados por conflitos violentos. Portanto, migrações forçadas e deslocamentos provocados por alterações climáticas estão destinados a se tornar os desafios humanitários definidores – e potencialmente esmagadores – para a comunidade internacional nas próximas décadas. Neste artigo, procuramos dar uma impressão do que o futuro nos reserva ao ana-


Fontes: ciesin; iFPRi; banco MUndial; ciat; 2009 GRUMP, beta VeRsion: GRades de densidade PoPUlacional; sedac (densidade populacional) ; 2007 adeQUação coMbinada de teRRas atUalMente disPonÍVeis PaRa Pastos e laVoURas dePendentes de chUVas (baiXo nÍVel de insUMo) do banco de dados Global sobRe inseGURança aliMentaR, PobReZa e Meio aMbiente da Fao (FGGd, eM inGlÊs) (áreas agrícolas dependentes de chuvas) ; “iMPact oF cliMate chanGe on RiVeR RUnoFF”, PoR daisUke nohaRa et al ., eM JoURnal oF hydRoMeteoRoloGy, Vol. 7, n o 5; oUtUbRo de 2006; dados obtidos dos aUtoRes atRaVÉs de coMUnicação Pessoal (mudança de escoamento superficial de chuvas) ; bRadField lyon iRi/instituto da terra, columbia University ; dados de PReciPitação do centRo cliMatolÓGico de PReciPitação Global (GPcc) e biblioteca de dados do institUto de PesQUisa inteRnacional (iRi) (estiagem)

lisarmos os fatores que já começaram a instigar esses movimentos humanos em três regiões do mundo. Primeiro, consideramos Moçambique, onde uma combinação de enchentes catastróficas e secas periódicas colocou a população rural diante de um dilema. Em seguida, examinamos o delta Delta do rio Mekong, onde as Zona de inundações fazem parte acumulação de terras de do ritmo de vida local forma trianhá muito tempo, mas gular na nos últimos anos suas embocadura dos rios. proporções suplantaram todos os precedentes históricos, e o Vietnã está diante de calamitosas perdas de terras produtivas em vista do projetado aumento do nível teMPestaDes trOPICaIs do mar. EncerraCaracterizam-se mos com o México por fortes tormene a América Centas e rajadas de vento que podem tral, onde tempesultrapassar os 100 tades tropicais e km/h. São bastanfuracões têm desate comuns em regiões oceânicas do lojado milhares de planeta. Recebem pessoas, e a seca se o nome de ciclone mostra um perigo no hemisfério sul e no atlântico equaconstante. torial norte, e as Gostaríamos de que ocorrem nos agradecer a Susaoceanos Pacífico e índico são chamana Adamo e Tricia das de tufão. Chai-Onn, do Ciesin, e aos autores dos estudos de casos do Each-FOR Mark Stal, Olivia Dun e Stefan Alscher. MOçaMbIque: O GOlPe DuPlO Moçambique localiza-se na costa leste da África, entre a Tanzânia, ao norte, e a África do Sul, ao sul. O país tem um histórico de migrações e reassentamentos patrocinados pelo governo, que remontam ao seu passado socialista e a uma guerra civil de 16 anos, encerrada em 1992. Durante esse período, 5 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas. Nos quatro anos seguintes ao fim do conflito, mais de 1,7 milhão de moçambicanos retornaram do Malauí, de Zimbábue, da Suazilândia, de Zâmbia, da África do Sul e da Tanzânia. Embora a guerra civil tenha acabado, uma nova crise aflige o país. Em

Previsão de secas para o México No México e na América Central, milhões de lavradores dependem de chuvas regulares. Nas últimas décadas, porém, secas cada vez mais frequentes ameaçam os meios de vida e levam as pessoas a migrar para as cidades e para os Estados Unidos, na norte. 500 km

Densidade populacional (moradores por km2) 1–4 5–24 25–249 250–999 1.000+

Vida rural Grande parte da população mexicana está espalhada pela região centro-sul do país, onde se localiza o cinturão agrícola da nação.

região Central do México Terras irrigadas são escassas e grande parte das áreas agrícolas do México e da América Central dependem exclusivamente de chuvas. Adequação de terras para lavouras dependentes de chuvas baixa satisfatória boa excelente sem dados

Menos Precipitações Em anos recentes, grande parte da região sofreu estiagens rigorosas. Condições de seca (% do ciclo sazonal de crescimento afetado por secas de 1988 a 2007) até 10% 10%–20% 20%–30% 30%–40% 40%–60% sem dados

O futuro seco Modelos de projeções climáticas antecipam que, até 2080, grande parte do México sofrerá uma significativa redução nas precipitações devido aos efeitos das mudanças climáticas. Em algumas áreas, o índice pluviométrico poderia ser reduzido à metade.

Previsão de mudanças no escoamento superficial 5%–24% mais 5%–24% menos 25%–50% menos sem dados México américa Central

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2000, 2001 e 2007, enchentes desastrosas na bacia dos rios Zambeze e Limpopo desalojaram centenas de milhares de pessoas. Só as inundações de 2007 deslocaram mais de 100 mil, metade das quais foram transferidas para “centros de acomodação” temporárias. No mesmo ano, depois que as águas de cheias anteriores recuaram, o ciclone Favio fez o rio Zambeze transbordar novamente. Durante esse episódio, milhares de pessoas perderam suas casas e lavouras de subsistência, além do acesso a instalações médicas, saneamento básico e água potável segura. Golpes duplos e triplos desse gênero prejudicam imensamente a capacidade de recuperação das comunidades, uma vez que os limitados bens de muitas pessoas foram literalmente levados pelas águas. Nos anos seguintes às enchentes de 2001, o governo encorajou os morado-

res a se reassentar permanentemente longe das perigosas planícies aluviais e lhes forneceu incentivos, como infraestrutura, em um programa do tipo “trabalho por assistência”. Em troca da fabricação de tijolos, o governo prometeu pagar por outros materiais de construção e fornecer ajuda técnica de construção. Em entrevistas conduzidas por Mark Stal, do Each-FOR, pessoas desalojadas, instaladas em centros de reassentamento, indicaram que antes da última década as comunidades abandonavam periodicamente as planícies aluviais para evitar as enchentes, mas não haviam considerado a ideia de mudar definitivamente. A triste ironia em Moçambique é que o país pode ser atingido simultaneamente por secas e inundações – como ocorreu em 2007, quando a região sul sofreu uma estiagem enquanto o Zambeze, mais ao

O Delta DO MeKOnG: Maré CresCente A porção vietnamita do delta do rio Mekong é ocupada por 18 milhões de pessoas, ou 22% da população do Vietnã. Ela corresponde a 40% da superfície de

Inundações ameaçadoras Densidade populacional (habitantes por km2)

taIlÂnDIa CaMbOJa

Rio Mekong VIetnã

25–249 250–999 1.000+

Cidade de Ho Chi Minh

Delta do Mekong

50 km

A região do delta do Mekong produz um volume significativo do suprimento de alimentos do Vietnã. Há séculos, os rizicultores têm aproveitado as enchentes periódicas para manter seus arrozais irrigados. Mas, nas últimas décadas, inundações extremas têm ameaçado crescentemente as áreas de cultivo. Além disso, a região do Mekong é suscetível à elevação do nível oceânico. Um aumento de 1 metro deslocaria mais de 7 milhões de pessoas de suas casas.

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rio da Vida

A densidade populacional é maior ao longo das margens do rio Mekong, justamente a área mais propensa a inundações em razão do excesso de chuvas.

fotografiaa ) , Jenny MattheWs alamy ( foto ); Fontes: ciesin; hoanG dinh naM Getty images ( fotografi iFPRi; banco MUndial; ciat; 2009 GRUMP, beta VeRsion: GRades de densidade PoPUlacional; sedac ( densidade populacional) \

áGuas eleVaDas: esta casa, como outras 400 mil, foi assolada pelas piores enchentes do rio Mekong em quatro décadas.

norte, transbordava. Modelos climáticos sugerem que os índices de precipitação podem aumentar no norte, mas diminuir no sul. Um elemento fundamental de influência na extensão do problema será o espaçamento e a intensidade das precipitações; uma intensificação adicional apenas resultará na continuidade das enchentes catastróficas recorrentes no decorrer desta década. Infelizmente, climatólogos projetam uma variabilidade ainda mais acentuada neste século, com uma oscilação entre extremos de secas e inundações, o que deixará países como Moçambique à mercê de padrões climáticos cada vez mais imprevisíveis. As pessoas que se reassentaram permanecem fortemente dependentes de ajuda governamental e internacional. A norma ainda é o frequente fracasso das colheitas. Peritos e entrevistados sugerem que sem uma assistência humanitária externa as pessoas poderão ser obrigadas a migrar distâncias maiores ou cruzar fronteiras.


bRent stiRton Getty images (fotografi a) ; Fontes: naVin RaMankUtty et al ; 2010, Global aGRicUltURal lands: cRoPlands, 2000; sedac, httP://sedac.ciesin.colUMbia.edU/es/aGlands.htMl (área cultivada) ; andReW JaRVis et al. ; 2008, hole-Filled sRtM FoR the GloVe VeRsion 4, cGiaR-csi sRtM 90M database, httP://sRtM.csi.cGiaR.oRG (área projetada de inundação)

terras cultiváveis do país e a mais de 25% do PIB nacional. Seus habitantes cultivam mais de 50% do arroz, fornecem 60% do estoque de peixes e camarões e colhem 80% das safras de frutas do Vietnã. Tudo isso está ameaçado. De acordo com o mapeamento realizado pelo Centro para a Rede de Informação Internacional em Ciências da Terra, da Columbia University, uma elevação de 1 m no nível do mar poderia resultar no deslocamento de mais de 7 milhões de moradores da região; um aumento de 2 m duplicaria esse número para 14 milhões – ou 77% dos habitantes do delta. Nesse nível, até algumas partes da cidade de Ho Chi Minh ficariam submersas. (Devemos notar que, embora uma elevação de 2 metros neste século esteja além do que é considerado provável em geral, uma mudança climática abrupta poderia criar “pontos de ruptura”, ou desequilíbrio; por exemplo, se as geleiras da Groenlândia ou da Antártida derretessem muito mais rápido que o estimado atualmente. Nesse caso, uma elevação marítima de 2 metros poderia ocorrer até 2100.) Há tempos as inundações desempenham um papel importante na economia e cultura da área. Em toda a região do delta do Mekong, estendendo-se até o interior do Camboja, as pessoas con-

GOta: açude de água salobra no últIMa GOta: vale de tehuacán. Outrora utilizadas por animais, agora são os aldeões que dependem dessas fontes d’água.

vivem e dependem de seus ciclos, mas dentro de certos limites. Por exemplo, cheias de meio metro até 3 metros são consideradas parte do ciclo normal de águas, do qual os lavradores dependem. Para os vietnamitas que vivem ali, essas são as chamadas “enchentes boas, ou agradáveis”. Volumes maiores desafiam sua capacidade de lidar com o fenômeno e muitas vezes têm efeitos terríveis nos meios de subsistência locais. Nas últimas décadas, tanto a frequência como a magnitude de inundações superiores à marca dos 4 metros têm aumentado. Olivia Dun, do Each-FOR, entrevistou migrantes do delta em Phnom Penh, no Camboja. Um deles comentou: “Às vezes, as enchentes ameaçavam nossa vida. Por isso viemos para cá, a fim de encontrar outro meio de vida”. Outro declarou: “Minha família tinha planta-

Área cultivada até 25% 25%–50% 50%–75% 75%–100% sem dados

economia em expansão

O Vietnã é o segundo maior exportador de arroz do mundo (atrás da Tailândia) e o Mekong é responsável por mais de 80% dessa produção.

ções, mas nos últimos anos as inundações ocorreram com muita frequência e a safra não era estável”. Portanto, as mudanças climáticas combinadas aos perigos naturais e ao estresse exercido sobre o meio ambiente pela rápida industrialização no Vietnã e nos países rio acima colocaram seus recursos naturais e aqueles que dependem deles em situação precária. As pessoas que vivem no delta do Mekong se adaptam de diversas maneiras aos estressores ambientais. Os que os enfrentaram ao migrar geralmente preferem mudar-se para as cidades. O governo do Vietnã, por sua vez, tem um programa conhecido como “vivendo com as enchentes”, que inclui agências que encorajam os rizicultores a mudar para a aquicultura – a criação de frutos do mar como camarões e pequenos peixes em vi-

Área projetada de inundação pela elevação do nível do mar 1 metro de elevação 2 metros de elevação

Perto do litoral

Grande parte do Mekong situa­se em áreas baixas, a apenas um ou dois metros acima do nível do mar. Se o derretimento de geleiras contribuir para a elevação dos mares, milhões de pessoas serão forçadas a migrar.

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O que é possível fazer?

M

igrações forçadas por mudanças climáticas podem tornar-se o maior desafio humano do século 21. Quando pessoas são compelidas a se mudar, a comunidade internacional tem de implantar meios de proteção para garantir que os movimentos migratórios sejam ordenados e pacíficos; que os direitos humanos sejam respeitados; e que os afetados tenham uma voz ativa no futuro. Exortamos a comunidade internacional a colocar em prática as seguintes sugestões: • Reduzir as emissões de gases de efeito estufa a níveis seguros.

• Investir no gerenciamento de risco de desastres, o que já provou reduzir a probabilidade de migrações em grande escala. • Reconhecer que algumas migrações serão inevitáveis e desenvolver estratégias de adaptação nacionais e internacionais. • Estabelecer compromissos obrigatórios para garantir que os fundos de adaptação cheguem às pessoas mais necessitadas. • Fortalecer instituições internacionais para proteger os direitos das pessoas deslocadas por mudanças climáticas. – A. S., K. W. e C. E.

seus meios de subsistência são precários demais e rumaram para o norte; a maioria dos migrantes que vão para os Estados Unidos vem de áreas rurais pobres do México e da América Central. O esgotamento do solo, o desmatamento e o desemprego estão entre os fatores que impulsionam migrações – juntamente com a atração de salários mais altos em “El Norte” –, mas elementos climáticos também se acrescentam aos infortúnios. Em MéXICO e aMérICa Central: Chu- Tlaxcala, na região central do México, Stefan Alscher, do Each-FOR, constatou Vas MOrtaIs, seCas terrÍVeIs México e América Central abrigam qua- que a liberalização do mercado nos anos se 10 milhões de lavradores, e muitos 90 e o declínio do índice de precipitações deles mal conseguem atender resultaram em lucros agrícolas mais baienCOstas xos, levando alguns lavradores a abanSuperfície incli- às suas necessidades básicas nada que deli- com o cultivo de alimentos donar o campo. Em entrevista, um deles mita as áreas tradicionais (milho, feijão e descreveu a migração como último recurelevadas do so: “Meu avô, meu pai e eu trabalhamos abóboras) em íngremes encosrelevo conhecidas como ver- tas de colinas. Como em qualnessas terras. Mas os tempos mudaram... tentes. quer outro lugar, dependem de A chuva está chegando mais tarde agora, chuvas moderadas. Se forem de modo que produzimos menos. A úniinsuficientes, as plantas murcham e mor- ca solução é ir embora [para os Estados rem; se forem excessivas e caírem de uma Unidos], pelo menos por algum tempo”. As projeções de mudanças climátisó vez, as enxurradas levam o solo arrastando consigo as plantas e colocando em cas antecipam uma redução entre 10% e 20% do escoamento superficial em risco o sustento dos camponeses. Às vezes, secas e tempestades ocorrem decorrência de chuvas em Tlaxcala. Em no mesmo ano. Em julho de 2001, por comparação com o restante da região, exemplo, Honduras sofreu uma estiagem isso poderá até ser suportável. A maior parte da irrigação regional ocorre nas que afetou 250 mil planícies costeiras, como as de Jalisco pessoas. Alguns meses PIb aGrÍCOla Inclui o extrativismo depois, uma tempesta- vegetal e a pesca, que e Sinaloa – importantes estados agríde tropical inundou o conseguem atingir colas que produzem, coletivamente, somente 7% da riqueza quase 18% do PIB agrícola do país. interior do país. mundial. Esse pequeno Muitos lavrado- índice é explicado pelo Mas de acordo com dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças res já concluíram que baixo valor agregado. veiros cercados. Ao longo do leito principal do Mekong, na província de An Giang, esse programa prevê a remoção das pessoas que vivem às margens do rio. Quase 20 mil sem-terra e famílias pobres da província devem ser reassentados até 2020. Em geral, as pessoas destinadas a uma recolocação não dispõem de terras, não têm para onde ir se as casas desabarem por causa de enchentes ou deslizamentos.

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Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), esses estados poderão experimentar um declínio de 25% a 50% na disponibilidade de água até 2080 – uma alteração que poderia arruinar a produtividade da região. A estiagem não é a única preocupação da região. Climatólogos antecipam que a América Central e o México sofrerão com maior frequência intensas tempestades tropicais no furaCãO MItCh século que vem. ExperiUm dos mais destruidores ciclones ências passadas fornecem tropicais no oceano uma ideia do que esperar. Atlântico já visto, Em 1998, o furacão Micom ventos de mais de 290 km/h, tch, a tempestade mais considerado catemortífera do Atlântico goria 5 pela Escala em 200 anos, matou cerde Furacões de Saffir­Simpson. ca de 11 mil pessoas em Devastou a Honduras e na NicaráAmérica Central gua e provocou prejuízos entre 22 de outubro e 5 de novembro de bilhões de dólares. Em de 1998. Foi o mais 2007, a tempestade tropiarrasador furacão cal Noel inundou até 80% dos últimos 200 anos e o segundo do estado de Tabasco, deimaior em número xando cerca de 500 mil de mortes. pessoas desabrigadas. No passado, o deslocamento populacional provocado por desastres naturais geralmente era localizado e de curto prazo; porém fenômenos extremos mais frequentes podem levar as pessoas a desistir e a mudar definitivamente. n O AUTOR alex de sherbinin é pesquisador sênior do Instituto da Terra, da Columbia University, e vice-diretor do Centro de Dados Socioeconômicos e Aplicações da Nasa (Sedac, na sigla em inglês). Koko Warner pesquisa mudanças climáticas, adaptações e migrações induzidas pelo clima no Instituto do Meio Ambiente e Segurança Humana da United Nations University (UNU). Charles ehrhart coordena respostas globais a mudanças climáticas na Care International, organização sem fins lucrativos dedicada a aliviar a pobreza mundial. PARA CONHECER MAIS In search of shelter: mapping the effects of climate change on human migration and displacement. Koko Warner et al. Disponível no site www.ciesin.columbia.edu/documents/ClimMigr-rpt-june09.pdf environmental change and forced migration scenarios project. Estudos de casos e relatório final disponíveis no site www.each-for.eu Care International Climate Change Information Center: www.careclimatechange.org low elevation coastal zone data and maps: http:// sedac.ciesin.columbia.edu/gpw/lecz.jsp


PROFESS R

PARA O Matemática Física Biologia Química Geografia

ROTEIROS ELABORADOS POR PROFESSORES ESPECIALISTAS COM SUGESTõES DE ATIVIDADES PARA SALA DE AULA

SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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PARA O PROFESSOR MATEMÁTICA

eixos cognitivos PrOPOstas PeDaGÓGICas

O

texto sugerido pode ser explorado de duas perspectivas. A primeira é a sua utilização como motivação ao estudo dos números complexos. Apesar de serem menos aprimorados que os quatérnions, os complexos possuem importantes propriedades, não observadas no campo dos números reais. A segunda diz respeito a uma possibilidade extremamente rica do ponto de vista didático-metodológico que, muitas vezes, não é explorada adequadamente: trata-se de mostrar ao aluno toda a

COMPetÊnCIas e habIlIDaDes seGunDO a MatrIz De referÊnCIa DO eneM n II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico­geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. COMPetÊnCIas Matemática e suas tecnologias n Competência de área 1 – Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais e reais. n h1 – Reconhecer, no contexto social, diferentes significados e representações dos números e operações – naturais, inteiros, racionais ou reais. Ciências naturais e suas tecnologias n Competência de área 1 – Compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas como construções humanas, percebendo seus papéis nos processos de produção e no desenvolvimento econômico e social da humanidade. n h3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. Ciências humanas e suas tecnologias n Competência de área 4 – Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social. n h16 – Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.

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“inércia” associada à evolução de uma ideia matemática. Para tanto, devemos levar o aluno a refletir sobre o “considerável” intervalo de tempo compreendido desde a referência, realizada por Cardano, ao que hoje chamamos de números complexos (A grande arte – 1545), até a representação geométrica desses números, proposta por Argand e consolidada por Gauss (Teoria dos resíduos quadráticos – 1831). É possível que o aluno levante diversas questões sobre as dificuldades enfrentadas por esses matemáticos na criação de uma nova ideia. Esse processo de criação ratifica o fato de que a ciência é fruto de uma construção coletiva associada muito mais ao trabalho árduo do que à inspiração dos pesquisadores. Além disso, é importante que o professor leve o aluno a compreender a importância estratégica do desenvolvimento das pesquisas de base e, consequentemente, da capacidade de inovação e produção tecnológica em nosso país. Outra questão relevante diz respeito ao fato de que os números complexos não são referenciados, de forma explícita, na nova Matriz de Referência do Enem. Essa omissão conduz à pergunta ouvida certamente inúmeras vezes pela maioria dos professores que atuam na educação básica: “Onde irei utilizar isso?”. Não sei qual a melhor resposta, mas, como consolo, serve o fato de que os estudantes da Escola Politécnica de Paris já realizaram violentas manifestações, exigindo a reforma curricular dos cursos de engenharia, assim como o expurgo de conteúdos que não seriam aplicáveis às suas futuras práticas profissionais. Entre os conteúdos rechaçados, estavam os números complexos. E isso aconteceu em 1850.

PrOPOstas De atIVIDaDes

1

É interessante que, ao iniciarmos o estudo dos números complexos, façamos um resgate das características dos conjuntos numéricos vistos no Ensino Fundamental. Entretanto, é necessário que o professor enfatize o porquê da criação “sucessiva” de novos conjuntos numéricos. É interessante explorar as limitações aritméticas (e algébricas) associadas


a um determinado conjunto. Assim, (re) lembre ao aluno que as operações de adição e de multiplicação estão perfeitamente definidas nos naturais (diz­se que são operações fechadas nos naturais), mas há a necessidade da criação de um novo conjunto, os inteiros, para que a subtração esteja definida. De forma análoga, os racionais fecharão a divisão entre inteiros; os irracionais, as medidas geométricas expressas por dízimas não periódicas. É importante que os alunos compreendam como esses conjuntos se relacionam.

que discutir! Cardano, na verdade, estava preocupado com a resolução de sistemas na forma, do sistema 4, em que p e q são inteiros positivos. Esse problema deu origem às famosas cúbicas, resolvidas com a utilização de uma fórmula descoberta por Scipio dal Ferro, resgatada por Tartaglia e publicada por Cardano. Explore o fato de que essas duas curvas (a cúbica e a reta) sempre vão intersectar-se (uma ou três vezes)..

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A partir da definição dos núme­ ros reais, o professor deve passar à construção do conceito da reta real, estabelecendo as relações existentes: a correspondência biunívoca entre os pontos da reta e todos os números reais, bem como as ideias da orientação e da densidade dessa reta. Devido ao texto utilizado, deve-se enfatizar o caráter unidimensional de .

A equação x3 = 15x + 4, cuja solução é x = 4, resolvida pela fórmula de Tartaglia-Cardano, leva à seguinte proposição: “É possível que 3 3 4 = 2 + - 121 + 2 - -121 ?”. Ao motivar o aluno para a busca da resposta, apresente a “ideia louca” proposta por Bombelli: -1 . -1 = -1. Utilizando produtos notáveis e aritmética, o aluno pode verificar a validade da pro­ posição. Além disso, é interessante propor outras operações aritméticas envolvendo a utilização da -1.

3

6

2

Com a intenção de resgatar o processo histórico associado à “invenção” dos números complexos, é possível explorar aspectos importantes da geometria analítica. No plano cartesiano, o sistema de equações 1 (ver quadro) é caracterizado por duas retas que concorrem no ponto (3,2) que é a solução do sistema. De forma análoga, o sistema 2 não possui solução, uma vez que as retas são paralelas. Deixando de lado o caráter linear dos sistemas anteriores, sugira que os alunos resolvam o sistema 3. Ao aplicar o método da substituição, eles devem chegar à equação quadrática 2x2 - 4x + 3 = 0, que não tem solução, pois -8 não é definida nos números reais, o que demonstra a limitação aritmética desse conjunto.

4

Esse é o aspecto fundamental que distingue os trabalhos de Cardano e de Bombelli. Da perspectiva de Cardano, esse sistema não tem solução e o fato pode ser visualizado geometricamente, pois a reta e a circunferência não têm ponto em comum. Não há mais o

A troca da -1 pelo literal i (unidade imaginária) e a consolidação da forma algébrica a + bi facilitarão os cálculos anteriormente propostos. Em especial, a divisão entre números complexos pode ser explorada por meio da conhecida racionalização de denominadores e a potenciação, pela utilização do binômio de Newton.

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Por fim, o estabelecimento da in­ terpretação geométrica do número complexo, utilizando o plano de Argand­Gauss, levará às definições de módulo (r) e argumento (θ), bem como ao estabelecimento da forma trigonométrica (a + b.i <=> p . (cos θ + i . sen θ) e suas operações

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O professor deve mostrar ao aluno que: 1 = 1 . (cos0 + i . sen0), i = 1. ( cos π/2 + i . sen π/2), -1 = 1 . (cosπ + i . senπ) Isso pode facilitar a explicação sobre as rotações descritas no texto, bem como a “lógica” das rotações observadas nas potências de i com expoente natural.

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E se, inevitavelmente, os alunos perguntarem sobre onde utilizarão os números complexos, cuidado com respostas como: “No cálculo das impedâncias associadas a um circuito elétrico de corrente alternada”. Outras manifestações de desagravo poderão ocorrer. Sugiro que o professor reforce a discussão sobre a importância da criação de novos paradigmas que, muitas vezes, serão vinculados à produção tecnológica (concreta) muito tempo após a sua proposição. A internet, teorizada na década de 1960, é um exemplo precioso. Será que, num futuro próximo, a Teoria de Supercordas, que viabilizará um universo multidimensional, de fato, poderá reconfigurar o “tecido da natureza”? tabela De sIsteMa De equações sistema 1

sistema 2

x+y=5 x-y=1

x-y=3 x-y=2

sistema 3

sistema 4

x2+y2=1 x+y=2

y=x3 y=px+q

suGestões De leItura RIPOLL, J. b.; RIPOLL, C. C.; SILVEIRA, J. F. P. números racionais, reais e complexos. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2006. (Sugerida aos professores.) CARMO, M. P.; MORGADO, A. C.; WAGNER, E. trigonometria e números complexos. Rio de Janeiro, SbM, 2001. (Sugerida aos professores.) DOxIADIS, A. tio Petrus e a conjectura de Golbach. São Paulo, Editora 34, 2001. (Sugerida aos alunos.) sItes: www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/renascenca/index.htm www.mat.ufrgs.br/~portosil/compla.html www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/complexos.html www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/euler/numeroscomplexos.htm

Roteiro elaborado por Marcos Milan, professor de matemática do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e do Curso Anglo - Porto Alegre. É licenciado em matemática pela UNIFRA, bacharel em ciência da computação pela UFSM e mestre em ensino de matemática pela UFRGS. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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PARA O PROFESSOR FíSICA

Óptica com índice de refração negativo PrOPOstas PeDaGÓGICas

A

óptica geométrica faz parte de quase todos os cursos introdutórios de física. Há boas razões para isso. Uma delas é que os princípios da óptica permitem compreender uma grande variedade de fenômenos cotidianos: a formação de sombras, as imagens em um espelho, o arco-íris e até nosso sentido da visão são exemplos disso. Com os mesmos princípios podemos também entender o funcionamento de instrumentos de enorme importância prática, como óculos, microscópios, lunetas e muitos outros. A óptica geométrica é, ainda, uma das áreas da física em que os estudantes mais facilmente podem perceber como modelos matemáticos abstratos são aplicados à des-

crição de sistemas reais. A matemática é relativamente simples (um pouco de geometria), os conceitos e princípios básicos (raios, leis da reflexão e refração) são de fácil compreensão, e as aplicações são incontáveis. Apesar da importância do ensino da óptica geométrica, muitos professores e alunos têm a impressão (equivocada, como veremos) de que esta é uma área de conhecimento “finalizada”, na qual nada de novo e interessante acontece há muito tempo. Um ótimo exemplo de que essa percepção não é correta é dado pelos metamateriais com índice de refração negativo. Esses materiais artificiais são

COMPetÊnCIas e habIlIDaDes seGunDO a MatrIz De referÊnCIa DO eneM eixos cognitivos (comuns a todas as áreas de conhecimento) n Compreender fenômenos (Cf): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. n Competência de área 1 – Compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas como construções humanas, percebendo seus papéis nos processos de produção e no desenvolvimento econômico e social da humanidade. n h1 – Reconhecer características ou propriedades de fenômenos ondulatórios ou oscilatórios, relacionando-os a seus usos em diferentes contextos.

58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

n Competência de área 6 – Apropriar-se de conhecimentos da física para, em situações-problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções científico­tecnológicas. n h20 – Caracterizar causas ou efeitos dos movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes. n h21 – Utilizar leis físicas e(ou) químicas para interpretar processos naturais ou tecnológicos inseridos no contexto da termodinâmica e(ou) do eletromagnetismo.

h22 – Compreender fenômenos decorrentes da interação entre a radiação e a matéria em suas manifestações em processos naturais ou tecnológicos, ou em suas implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais.

objeto de intensa pesquisa atual, com aplicações que podem revolucionar diversas áreas tecnológicas. A óptica dos metamateriais é muito simples (ou, pelo menos, tão simples quanto as dos materiais tradicionais) e pode ser facilmente integrada aos cursos introdutórios de física, com a vantagem de levar um tema novo e surpreendente para dentro das salas de aula. Metamateriais com índice de refração negativo têm propriedades ópticas muito estranhas. Por exemplo, ao entrar em um desses metamateriais, a luz (usaremos esse termo em vez de radiação eletromagnética, mesmo fora do espectro visível) é refratada para o lado “errado” da linha normal à superfície, como está ilustrado na figura 1. Em vez de cruzar essa linha, como ocorre num material comum com índice de refração positivo, no

n

p figura 1. Desvio da luz ao penetrar num meio com índice de refração (n) negativo.


metamaterial de refração negativa o raio luminoso permanece sempre do mesmo lado da normal. Os alunos podem compreender esse comportamento usando a mesma lei que descreve a refração usual, a lei de Snell. Segundo essa lei, se um dos índices de refração for negativo, o ângulo correspondente também o será, e tanto o raio incidente quanto o refratado ficarão do mesmo lado da normal. A aplicação da lei de Snell torna-se particularmente simples quando o metamaterial tem n = −1 e está em contato com o ar (n = 1, em boa aproximação). Nesse caso a relação entre os ângulos de incidência e refração é simplesmente θi = − θr. Essa relação fácil de aplicar é suficiente para explicar muitos dos efeitos surpreendentes da refração negativa.

iMaGens cedidas Pelos PRoFessoRes (figuras 1, 2 e 3)

Nas discussões propostas a seguir, são exploradas algumas das curiosas propriedades ópticas dos metamateriais de índice de refração negativo, em duas situações características. A primeira envolve a imagem de um objeto imerso num meio de índice de refração negativo (uma piscina com “meta-água” de refração negativa, por exemplo). Depois, examina-se a superlente de Veselago para discutir algumas de suas propriedades.

suGestões De leItura Walter S. Santos, Antonio C. F. Santos e Carlos E.Aguiar, refração negativa.Texto com figuras interativas, disponível em http://www.if.ufrj.br/~pef/producao_academica/material_didatico/2011/refracao_negativa/refracao_negativa.html Felipe A. Pinheiro, Manto da invisibilidade: mais próximo da realidade. Ciência hoje, v. 44, n. 260, p. 10-11, 2009.

PrOPOstas De atIVIDaDes

R

elembre os estudantes de que, se observarmos um objeto no fundo de uma piscina, veremos sua imagem formada a uma “profundidade aparente” menor que a distância real em que ele se encontra. Essa situação pode ser verificada na simulação proposta no site indicado no fim deste roteiro. A situação muda drasticamente se um dos meios tiver índice de refração negativo. A figura 2 mostra o que ocorre quando o índice de refração do meio inferior, onde está imerso o objeto, é n = −1. O valor negativo de n altera completamente o comportamento dos raios refratados, que agora tendem a convergir no meio superior. Isso significa que a imagem do objeto luminoso é formada acima da superfície, ao contrário do que acontece na refração usual. Em outras palavras, uma moeda no fundo de uma piscina com “água” de índice de refração negativo pareceria estar acima da superfície – a profundidade aparente seria substituída por uma altura aparente. a lente plana Se o material com índice de refração negativo tiver a forma de uma placa plana (como um vidro de janela), surgem novos efeitos interessantes. No site mencionado, os alunos podem ver o que acontece com a luz que passa por uma placa de material tradicional, com índice de refração positivo. Basicamente, uma imagem virtual é formada nas proximidades do objeto. Em outra simulação apresentada no site, a classe poderá perceber que algo bem diferente acontece se a placa tiver índice de refração negativo. Essa situação está ilustrada na figura 3. Vemos que duas imagens reais são formadas, uma dentro da placa e outra do lado oposto àquele em que se encontra o objeto. Ou seja, se a janela de uma sala tivesse o “vidro” feito com material de índice de refra-

p figura 2. Desvio dos raios de luz quando o meio onde está o objeto tem índice de refração negativo. a imagem é formada acima da superfície.

p figura 3. refração da luz por uma placa com n = −1.

ção negativo, objetos do lado de fora da sala pareceriam estar do lado de dentro. As imagens produzidas pela placa com n = −1 têm uma característica notável: elas não sofrem o efeito de aberrações e estão perfeitamente em foco. Também pode ser demonstrado que tal placa não reflete a luz incidente. Essas duas propriedades fazem da placa de refração negativa uma lente de excelente qualidade, frequentemente chamada de lente de Veselago. Mais ainda, a resolução das imagens obtidas não é limitada por efeitos difrativos, como ocorre com as lentes normais. Com a lente de Veselago é possível focalizar a luz em uma área de dimensões bem menores que o comprimento de onda. Por essas razões, a lente de Veselago também é chamada de superlente, ou lente perfeita.

Roteiro elaborado pelos professores Walter S. Santos, do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Antonio Carlos F. Santos e Carlos Eduardo Aguiar, do Instituto de Física, UFRJ. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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PARA O PROFESSOR BIOLOGIA

Ciências da natureza e suas tecnologias PrOPOstas PeDaGÓGICas

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nalise o artigo com seus alunos e reveja as sugestões sobre o que provoca a obesidade. Deixe claro que se trata de um grupo heterogêneo de condições com múltiplas causas que calham no fenótipo da obesidade. Descreva cada um dos fatores envolvidos no processo – hormonal, metabólico, genético e ambiental. Avalie com a turma o motivo pelo qual a maioria dos trabalhos descritos no artigo aponta para as questões ambientais no combate à obesidade. Discuta com eles quais são os fatores ambientais relevantes na determinação de um distúrbio alimentar. Elabore um trabalho em que os alunos devem organizar um perfil individual de suas medidas

corporais e necessidades calóricas. Monte com eles um banco de dados contendo os gastos energéticos em três dias da semana e a ingestão de alimentos nesse período. A análise desses dados permitirá ter uma ideia sobre a tendência de cada um para ganhar peso ou não. Proponha também o levantamento de condutas individuais que podem servir para uma discussão sobre o papel do comportamento nas variações de ingestão calórica. Para não ferir suscetibilidades, o trabalho poderá ser feito em grupo, assim nem todos os membros ficam obrigados a fornecer seus dados.

COMPetÊnCIas e habIlIDaDes seGunDO a MatrIz De referÊnCIa DO eneM n Entender métodos e procedimentos próprios das ciências naturais e aplicá-los em diferentes contextos. n Apropriar-se de conhecimentos da biologia para, em situações-problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções científico­tecnológicas.

habIlIDaDes enVOlVIDas n Relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas, relações matemáticas ou linguagem simbólica. n Avaliar propostas de alcance individual ou coletivo, identificando aquelas que visam a preservação e a implementação da saúde individual, coletiva ou do ambiente.

COnteúDOs n

Fisiologia humana, metabolismo, sistema digestório, nutrição

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PrOPOstas De atIVIDaDes

C

onhecendo seu corpo e suas necessidades calóricas. Os alunos deverão tomar uma série de medidas de parâmetros biométricos – idade, peso, altura –, com os quais deverão calcular o índice de massa corporal (IMC) – relação entre peso (em quilogramas) e o quadrado da altura (em metros) –, que oferece um valor aproximado do grau de obesidade de um adulto. Para os cálculos, eles podem recorrer à internet (ver indicação de site no final deste roteiro). O trabalho poderá ser aprofundado com um cálculo das necessidades de cada um dos nutrientes principais (carboidratos, lipídios e proteínas). Cálculo do gasto calórico. Organize um protocolo para que cada um possa determinar a quantidade de calorias que despende diariamente. Para tanto, durante 24 horas, os estudantes devem anotar o tipo de atividade física que estão fazendo, incluindo os períodos de descanso e sono. Peça que eles coletem dados de três dias. Para calcular o gasto calórico, oriente-os a montar uma tabela enumerando as atividades e o tempo despendido em cada uma. Posteriormente, com o auxílio de um dos vários calculadores específicos

disponíveis na internet (ver indicação no final), eles poderão concluir essa fase da atividade. Levantamento dos dados de ingestão calórica diária. Os alunos devem colher dados de todos os alimentos ingeridos ao longo de 24 horas em 3 dias. É desejável que essa coleta seja realizada nos mesmos dias que a dos gastos calóricos. Nessa tarefa, é importante que registrem a quantidade de alimento ingerida, mesmo que seja em termos de “colheres” ou “copos” ou em unidades bem especificadas – por exemplo, três batatas médias. Assinale a necessidade de considerar o tipo de cozimento (se o alimento é frito, cozido ou assado). Nos alimentos industrializados, muitos dados podem ser obtidos na embalagem. O cálculo das calorias ingeridas pode ser feito com auxílio de calculador disponível na internet. Se o alimento não for encontrado, o aluno poderá consultar a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos TACO (os dois sites estão indicados no final do roteiro). Outro conjunto de dados, estes de natureza mais subjetiva, pode ser acrescentado ao levantamento a fim de estabelecer relações hipotéticas. A proposta é observar e re-

gistrar comportamentos individuais, nos intervalos anteriores, posteriores e durante a alimentação. Sugira que anotem se as refeições ocorreram de forma concentrada ou distribuídas ao longo do período de 24 horas e indiquem se houve algum acontecimento marcante durante o período de obtenção de dados, incluindo o estado emocional ao longo das 24 horas da tomada de dados. O protocolo dessa atividade deve ser discutido previamente com os alunos na tentativa de tornar os dados um pouco mais objetivos. Para finalizar, recomende que cada um produza um relatório contendo a autoavaliação de sua saúde nutricional geral em termos de tendência de ganho, manutenção ou perda de peso. A adequação da alimentação, pelo menos no que se refere à quantidade relativa de proteínas, lipídios e carboidratos poderá também ser aferida. Além disso, convém examinar e discutir as hipóteses sobre a relação entre algum comportamento ou tendência não desejável em termos de peso corporal. O cruzamento com os dados dos outros colegas permitirá à turma tirar algumas conclusões em relação ao grupo, como tendências e comportamentos alimentares relativos à faixa etária da classe.

suGestões De sIte 1. Para o cálculo do IMC www.nutriweb.org.br/index.html Site da NutriWeb, revista eletrônica sobre nutrição, publicado pelo Núcleo de Informática biomédica (NIb). 2. Para o cálculo do gasto calórico www.cdof.com.br/nutri1.htm www.nutriweb.org.br/index.html 3. Para o cálculo da quantidade de calorias ingeridas www.saudeemmovimento.com.br/saude/calorias/janta.htm Página do site Saúde em movimento 4. Tabela brasileira de Composição de Alimentos – Taco, disponível em www.unicamp.br/nepa/taco/contar/taco_versao2.pdf Roteiro sugerido por Ricardo Paiva, professor de Biologia do Colégio Santa Cruz, São Paulo.

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PARA O PROFESSOR QUíMICA

Como evoluíram os minerais PrOPOstas De atIVIDaDes

E

m nossas salas de aula, normalmente o tema evolução está relacionado aos seres vivos e é tratado na área de biologia. Pouca ou nenhuma atenção é dada para a evolução mineral e para a relação existente entre esta e a evolução da vida no planeta. Em seu artigo, o cientista Robert M. Hazen apresenta um interessante aspecto: a maioria dos milhares de minerais encontrados na Terra deve sua existência ao surgimento da vida no planeta. Explorar esse assunto oferece aos alunos a possibilidade de ter uma clara visão do que é um trabalho interdisciplinar e de como ele pode se realizar. Para que compreendam todas as partes importantes do artigo, é necessário que tenham acesso aos conceitos abordados pelo autor em suas

explicações. Levando isso em consideração, forme grupos de três alunos e peça que cada um pesquise sobre os seguintes temas: n Big Bang e a formação do Universo n Eras geológicas n Fotossíntese e evolução da vida n Minérios e minerais A classe pode ter uma boa ideia sobre esses assuntos assistindo aos vídeos indicados no final deste roteiro. Depois, oriente-os a produzir vídeos ou, se acharem interessante, podem escolher qualquer outro tipo de apresentação dos temas. Por ser um artigo longo que requer muita atenção, foram propostas atividades que se referem a partes espe-

cíficas do texto. A leitura integral pelos alunos deve ocorrer somente após as apresentações, eventuais discussões e a realização das atividades, de modo que eles percebam como os assuntos se encadeiam e compreendam a importância do conhecimento de diversas áreas. Pela característica bastante interdisciplinar do tema, pode ser produtivo convidar professores das diversas áreas a participar e auxiliar. tecnologias auxiliares É muito comum a apresentação de trabalhos em PowerPoint; no entanto, há outras ferramentas acessíveis que permitem bons efeitos e cujo acesso está indicado no quadro Sugestões de sites e vídeos. Da cartolina ao blog. A criação de cartazes em cartolina é uma atividade

COMPetÊnCIas e habIlIDaDes seGunDO a MatrIz De referÊnCIa DO eneM O principal eixo cognitivo relativo ao artigo é: n Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão dos fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. habIlIDaDes n Competência de área 3 – Associar intervenções que resultam em degradação ou conservação ambiental a processos produtivos e sociais e a instrumentos ou ações científico­tecnológicos. n h8 – Identificar etapas em processos de obtenção, transforma62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ção, utilização ou reciclagem de recursos naturais, energéticos ou de matérias-primas, considerando processos biológicos, químicos ou físicos neles envolvidos. n Competência de área 4 – Compreender interações entre organismos e ambiente, em particular aquelas relacionadas à saúde humana, relacionando conhecimentos científicos, aspectos culturais e características individuais. n h18 – Relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. n Competência de área 7 - Apro-

priar-se de conhecimentos da química para, em situações-problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções científico­tecnológicas. n h24 – Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas. n h25 – Caracterizar materiais ou substâncias, identificando etapas, rendimentos ou implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais de sua obtenção ou produção. COnteúDOs n evolução da vida: eras geológicas; minérios e minerais; fatores que afetam a velocidade das reações químicas.


fases da atividade n Conhecer o tema Divida a turma em grupos de até três participantes. Peça que leiam o artigo e marquem as palavras cujo significado desconhecem. Após essa leitura, oriente-os a montar um glossário com os termos aprendidos.

corriqueira na escola. O mesmo se pode dizer atualmente a respeito da criação de blogs. O blog é uma ferramenta que mistura as duas ações pedagógicas anteriores com a possibilidade de acrescentarmos imagens, vídeos e músicas em nossas montagens. apresentações mais vivas – O Prezi é uma ferramenta interessante que, além da criação de efeitos de zoom, permite introduzir rotações, o que pode conferir uma dinâmica sensacional ao trabalho. linhas do tempo – O TimeRime é mais um recurso para a elaboração de linhas do tempo, que podem ser compartilhadas e inseridas em blogs, sites e wikis. Basta criar uma nova linha do tempo e inserir os eventos com as datas, pequenas descrições e figuras para ilustrá­los. Cada evento pode ter uma explicação mais detalhada que é elaborada em editor de textos. Permite inserir links, figuras e vídeos do Youtube.

n apropriação dos conhecimentos prévios Tendo em conta os grupos formados para a leitura, faça a divisão dos conteúdos prévios necessários para que todos tenham boa compreensão do texto e proponha que os apresentem na aula seguinte. Sugira que utilizem ferramentas diferentes daquelas mais tradicionais. Outra opção é apresentar os vídeos introdutórios já citados ou conversar com os professores das outras áreas para que façam essa apresentação.

máximo 30 linhas) sobre o trecho. No final todos os trechos poderão ser reunidos em um único texto. apresentação dos trabalhos Combine previamente com os alunos a duração da apresentação. O recomendável é que não ultrapassem duas aulas. sugestões de questões para os alunos Como parte final do trabalho, levante algumas questões para que eles respondam individualmente, tais como: n O autor afirma no artigo que “a maioria desses milhares de minerais encontrados na Terra deve sua existência ao surgimento da vida no planeta”. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.

n Pesquisa do tema Depois da apresentação dos conteúdos prévios, recomende nova leitura do texto, e discuta, posteriormente, se houve maior facilidade na compreensão do artigo e a importância da preparação para esse melhor entendimento. De acordo com o número de grupos existentes na sala, faça uma divisão do artigo e peça que preparem uma apresentação do trecho correspondente. Tal procedimento permitirá que os alunos adquiram mais conhecimento e percebam melhor as relações sugeridas por Robert Hazen. Também é importante solicitar a apresentação de um texto (com no

n Como os minerais podem ser utilizados para avaliar vestígios de vida em outros planetas?

4. Minerais http://www.youtube.com/watch?v=r4b6-ivvisU&NR=1 5. Glog, posters multimídia www.glogster.com/ 6. Prezi http://prezi.com/ www.passeionaweb.com.br/blog/2010/ 01/12/revolucionando-apresentacoes-prezi-pptplex/

7. TimeRime http://timerime.com/ 8. Palestra do autor do artigo no Encontro de Lindau, 2011: http://www.youtube.com/ watch?v=s53js6deg0s (em inglês) sites Ensaio sobre evaporitos http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0102-261x2000000300011

n A água e o oxigênio são substâncias fundamentais para a formação do grande número de minerais existentes. Explique como cada uma dessas substâncias colaborou para isso. n Por que o autor utilizou os termos terra negra, terra vermelha, terra branca e terra verde? n Por que a separação ocorrida com Rodínia possibilitou maior surgimento de minerais?

suGestões De VÍDeOs e sItes Vídeos 1. Eras geológicas: www.youtube.com/watch?v=eq5-LREtRk8 2. Formação do Universo http://discovery.aticascipione.com.br/SitePages/detalheVideo.aspx?Video=294&use rId=N9e9TVsJa7c= 3. Evolução da vida www.youtube.com/watch?v=mWgi_ oDWiUq

Sugestão de aula elaborada por Fábio Aviles, professor de química e coordenador geral do Colégio Guilherme de Almeida, em Guarulhos, São Paulo. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

63


PARA O PROFESSOR GEOGRAFIA

“Vítimas da mudança climática” ObJetIVOs Da aula

COnteXtualIzaçãO

Levar o aluno a: n Compreender as variações em uma zona climática de acordo com a presença de fatores modificadores. n Entender a dinâmica climática brasileira e sua relação com o ambiente. n Conhecer as alterações climáticas locais e globais decorrentes das interferências humanas, levando em consideração as questões ambientais já estudadas. n Relacionar os movimentos das massas de ar e o clima das diversas regiões do planeta. n Classificar as questões ambientais relacionando-as às ações antrópicas. n Analisar a importância da água para a vida no planeta, tomando posição sobre a preponderância do aspecto econômico na preservação desse recurso.

A

s evidências de que ocorrerão mudanças climáticas globais, em razão do aumento da concentração de gases de efeito estufa como o gás carbônico (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), além do próprio vapor d’água (H2O), mostram-se cada vez mais consistentes e vêm ganhando aceitação pela comunidade científica internacional. Alguns autores assinalam que mudanças climáticas globais bruscas já ocorreram no passado e podem voltar a acontecer, antecipando os cenários previstos para um futuro mais distante. Outros apontam sinais de que essas mudanças já estão provocando impactos nos dias atuais, como a redução da espessura do gelo na região ártica, o desmoronamento de geleiras na Antártica e a redução daquelas acumuladas no topo de montanhas como as do Himalaia, entre outros. Embora aparentemente distantes,

as mudanças climáticas também ocorreram no Brasil e, talvez, com efeitos mais danosos pela vulnerabilidade histórica que o país apresenta a desastres naturais, como secas, enchentes e deslizamentos de encostas. Os modelos de previsão de mudanças climáticas do Centro de Distribuição de Dados do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) apresentam resultados bastante variáveis quanto ao comportamento da América do Sul. Contudo, todos preveem aumento de temperatura para o continente inteiro. Quanto à precipitação, as projeções indicam aumento em algumas regiões e diminuição em outras, com possibilidade de ocorrer inversão em função da época do ano. Entretanto, os modelos para 2091-2100 ainda são divergentes em muitos pontos do Brasil, não permitindo estabelecer cenários confiáveis para alterações no ciclo hidrológico. Há também a previsão de

COMPetÊnCIas e habIlIDaDes seGunDO a MatrIz De referÊnCIa DO eneM CIÊnCIas huManas e suas teCnOlOGIas n Competência de área 2 – Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder. n h 6 – Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos. n Competência de área 3 – Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais. 64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

n h 15 – Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história. n Competência de área 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos. n h 26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. n h 27 – Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos (ou) geográficos.

n h 28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos sócio-ambientais em diferentes contextos histórico­geográficos. n h 29 – Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas. n h 30 – Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. COnteúDOs Meio ambiente; climatologia; migração; hidrografia; geopolítica ambiental.


maior frequência de fenômenos extremos que podem ser especialmente danosos para o meio ambiente. A partir dessa análise e considerando o texto do artigo, comece a aula perguntando:

PrOPOstas De atIVIDaDes

1

Promova a leitura do artigo em sala de aula, valendo-se, se necessário, de infográficos e mapas que destaquem as áreas ali citadas. Inclua também mapas de áreas atuais, do Brasil e do mundo, onde as alterações climáticas já foram analisadas. Após a discussão sobre o tema, todas as informações podem servir à produção de trabalhos coletivos.

2

Resenha do artigo. Resenha do filme sugerido no final deste roteiro. Seminário em PowerPoint. Apresentação teatral. Cordel. Através de apresentações, as equipes poderão abordar a importância da dinâmica climática no desenvolvimento das atividades humanas, bem como reforçar a consciência ecológica e a pers-

n O aquecimento global está realmente acontecendo ou sempre aconteceu? n O que o monitoramento global pode nos dizer a esse respeito? n O efeito estufa é vilão ou mocinho do aquecimento global? n É a natureza ou o homem responsável pelas alterações climáticas? n Na sua cidade evidenciam-se alterações provocadas pelo efeito estufa? Para explicar como ocorre o efeito estufa, o professor pode utilizar o material disponibilizado no site do IBGE (www.ibge.com.br). Aproximar o artigo lido pelo aluno com vivências reais dele deve despertar interesse e questionamentos. Mas convém mencionar também o período

da Revolução Industrial, que promoveu a produção em massa e a substituição das fontes de energia renováveis e limpas pelo carvão e, posteriormente, pelo petróleo, até a consolidação do processo de produção industrial que intensificou o consumo de matérias-primas, retiradas do solo, do subsolo, dos mares, dos rios e das florestas. Discutir e levantar questionamentos nas aulas provoca no aluno uma necessidade de participação e o leva a buscar diversas fontes de pesquisas, motivando-o para o exercício da cidadania, para alcançar por fim um dos propósitos da ciência geográfica, que é o de incentivar a criticidade e a participação, considerando o homem como agente transformador do espaço que habita.

pectiva do desenvolvimento sustentável, ampliando o significado das discussões.

que a preocupação do homem a respeito da relação sociedade-natureza não é nova, ao contrário, esteve presente ao longo da nossa história. Sugestão: n Conferência de Estocolmo n Relatório Brundtland n Rio – 92 e Agenda 21 n Rio + 10 e o Protocolo de Kyoto n Cop 15

3

Procure reforçar nos alunos o interesse pela pesquisa científica. Para tanto, solicite uma análise do estado da biodiversidade global por meio do índice Planeta Vivo, que reflete a saúde dos ecossistemas. É muito interessante vê-los discutir sua participação como cidadãos ativos e testemunhas da degradação ambiental.

4

Pode-se também solicitar um levantamento das conferências sobre o meio ambiente, das quais surgiram instituições e movimentos ecológicos com fins variados, mas tendo em comum a defesa ambiental e a inclusão da ecologia nos meios educacionais. Isso levará o aluno a entender

suGestões De fIlMes 1. Uma verdade inconveniente, documentário de Davis Guggenheim, 2006, EUA, 100 min. 2. Mudanças climáticas – Uma realidade, documentário do

5

Prepare antecipadamente uma avaliação para verificar, ao término dessas atividades, a compreensão dos alunos sobre as relações entre a climatologia e a sociedade. É um momento oportuno para avaliar não apenas os conteúdos, mas também procedimentos de leitura de imagens, gráficos, tabelas, climogramas, mapas temáticos.

Greenpeace (www.greenpeace.org.br/clima/filme/home/). 3. O dia depois de amanhã, ficção, Roland Emmerich, 2004, EUA, 124 min.

Roteiro de aula sugerido pela professora Silvana Muniz, professora de geografia dos colégios Damas e Lubienska/Recanto, em Recife-PE. SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

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ENSAIO

Confie em mim, sou um cientista U

m amigo meu está convencido há tempos de que uma vacina infantil tomada por seu filho provocou seu autismo. Ele insiste nessa convicção embora uma série de estudos científicos prove que não existe relação entre autismo e vacinas. Quando a dissertação original sobre um vínculo desse gênero foi recentemente desabonada como fraude, meu amigo reagiu dizendo que agora será mais difícil persuadir as pessoas sobre os perigos da vacinação. Ele não está sozinho: quase 50% dos americanos creem na correlação vacina-autismo ou sentem-se inseguros a seu respeito. O paradoxo vai mais além. Meu amigo garante confiar em cientistas – e nesse aspecto ele é como a maioria de seus conterrâneos. Em uma pesquisa realizada pela Fundação Nacional da Ciência dos Estados Unidos (NSF, na sigla em inglês) em 2008, um número maior de entrevistados expressou ter “mais confiança” em autoridades científicas que em líderes de qualquer outra instituição, exceto o exército. Em questões de políticas públicas, os americanos julgam a liderança científica mais bem informada e imparcial que as chefias de outros setores da sociedade, como o empresariado ou o governo. Por que os pacientes afirmam confiar em cientistas de modo geral, mas se distanciam deles em questões específicas? Muitos culpam a má qualidade da educação científica nos Estados Unidos. O pensamento corrente é: se as crianças aprendessem mais ciências na escola saberiam valorizar a opinião científica sobre vacinas, clima, evolução e outros assuntos de cunho político. Mas esse conceito é equivocado. Pacientes dotados de maior conhecimento científico têm apenas uma propensão ligeiramente maior para confiar nos cientistas. A ciência subjacente a muitas questões políticas é altamente especializada e sua avaliação exige profundo conhecimento – um entendimento muito maior do que os alunos acumularão em aulas de

66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL aula aberta

ciências no ensino fundamental e médio. Uma abordagem mais direta seria esclarecer o porquê de eles tenderem a aceitar crenças imprecisas em primeiro lugar. Os seres humanos parecem valorizar a precisão acima de tudo. Queremos que nossas convicções sejam corretas – em conformidade com o que é realmente verdadeiro a respeito do mundo – e sabemos que a ciência é um guia confiável para isso. Entretanto, esse desejo de exatidão se choca com outros motivos; alguns deles inconscientes. Por exemplo, as pessoas têm convicções para proteger valores importantes. Quem considera a Natureza “sagrada” pode entender a modificação genética como algo moralmente errado, independentemente de sua segurança ou utilidade. Além disso, elas se atêm a crenças enraizadas em suas emoções. Ao conciliarmos nossos motivos racionais e irracionais para acreditar, tornamonos mestres em nos autoenganar. Como pretendemos ser seres racionais, encontramos razões para insistir em que nossas convicções são de fato verdadeiras. Uma ou duas opiniões divergentes bastam para nos convencer de que a ciência é “controversa” ou “instável”. Se as pessoas soubessem que outros motivos podem comprometer a exatidão de suas certezas, a maioria provavelmente tentaria manter-se vigilante.

Exigir que professores de ciências transmitam informações suficientes para a compreensão de todas essas questões talvez não seja uma atitude realista, mas eles poderiam ajudar a sensibilizar a sociedade para o conhecimento científico. Através do estudo da história da ciência, os alunos poderiam aprimorar a compreensão de suas próprias motivações para acreditar na ciência e vê-la como um método de conhecimento. Se um estudante entender como a visão de mundo medieval pode ter feito com que a teoria de um Sistema Solar geocêntrico parecesse correta, faltará pouco para que ele detecte influências similares em si mesmo. A história da ciência também pode ajudar os alunos a compreender por que o conhecimento científico se torna cada vez mais preciso. É fácil para um leigo descartar uma conclusão desagradável como controversa com base no argumento de que os cientistas mudam constantemente de opinião: “Primeiro eles afirmam que o chocolate faz mal, depois dizem que é benéfico... eles não conseguem decidir nada”. Mas, ao estudarem como novas observações levaram à revisão de teorias importantes, os estudantes aprendem que a ciência não trata de leis imutáveis, mas de explicações temporárias, que são revisadas assim que surge outra melhor. Eles também compreendem que a prontidão dos cientistas para mudar suas convicções de acordo com os dados é uma fonte de grande força, não de fraqueza; e por que a quase unanimidade de opiniões sobre questões como o aquecimento global ou a segurança das vacinas é tão impressionante. A ciência pode não ser a única maneira de organizarmos e compreendermos nossas experiências; mas em termos de precisão ela é muito melhor que a religião, a política e a arte. Essa é a lição. Por Daniel t. Willingham, professor de psicologia da University of Virginia e autor de Why don’t students like school? (Jossey-Bass, 2009).

ILUSTRAçãO DE JEFFREY DECOSTER

Por que tantas pessoas preferem não acreditar no que dizem os cientistas




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