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SALVE A INUTILIDADE DA ARTE
Para Gilberto Salvador, a falta de compromisso com a utilidade dá liberdade para criar obras guiadas pela sua emoção e espaço para rupturas
Quando tinha uns 45 anos, o artista plástico Gilberto Salvador foi jantar na casa de um colecionador que havia comprado uma obra sua e a pendurou entre Portinaris, Di Cavalcantis e outros artistas renomados da sua coleção. Lá pelas tantas, o anfitrião, muito divertido, comentou sobre o preço do quadro de Salvador e perguntou quanto tempo o artista havia levado para pintá-lo. Salvador respondeu: “45 anos”.
Gilberto começou na arte desde sempre. Quando morava no bairro paulistano da Mooca, ele pintava sobre retalhos de madeira que ganhava de um marceneiro local. Em 1965, aos 18 anos, realizou a primeira individual na galeria do Teatro de Arena, a convite do ator e diretor Gianfrancesco Guarnieri, com texto assinado por Jorge Mautner. “Minha formação artística foi fundamentalmente autodidata. Fui fazer arquitetura bem depois de ter iniciado minha carreira, com bienal e exposições individuais já realizadas”, conta. “Mas, assim como meu interesse pela ecologia e outras áreas de conhecimento, a arquitetura e o urbanismo foram naturalmente incluídos no meu modo de pensar a vida e a minha arte. Acredito que o desenvolvimento artístico é necessariamente interdisciplinar e tem a ver com diferentes momentos da vida”.
Isso é evidente quando se observa as obras do artista ao longo dos anos. No início dos anos 1960, ele manifesta suas preocupações sociais e agrega elementos da pop art em seus trabalhos. Em 1969, já quando entra no curso de arquitetura e urbanismo, o formalismo das obras pode ser visto no uso de chapas de aço inoxidável e computadores para criar imagens. A partir de 1976, animais em movimento e paisagens são temas recorrentes. Em seguida, a iconografia indígena. Até que Salvador se torna um dos artistas brasileiros pioneiros na reflexão de questões ambientais.
“O que me inspira é a vida. Tudo o que vivi e vivo entra no meu trabalho de alguma maneira”, explica o artista. Em sua mais recente mostra, Abraço da Água — Swimming Pool, ele apresentou quatro gravuras dedicadas ao tema água e nove pinturas de uma série que evoca os ladrilhos das piscinas em que nadou – quando pequeno, Salvador teve poliomielite e desde sempre pratica natação.
Artista metódico, todo dia ele entra no ateliê para trabalhar, mas seu processo de criação é livre. “Nunca tenho um objetivo direto, raramente planejo o que vou criar. Acredito que a arte não tem compromisso com a utilidade. Então, me guio pelos sentimentos do momento. Deixo que o processo evolua. Depois, faço a seleção do que achei melhor e vejo se faz sentido reunir em uma série de trabalhos”, conta.
Atualmente, o artista está trabalhando em uma que mistura formas geométricas e orgânicas bidimensionais, e agrega colagem e outros elementos. “Estou com pensamento sobre materialidade e finitude do tempo. Não sei onde vai dar. Mas meu processo é assim mesmo: deixo fluir. Alguns param e depois retomo. Outros, consigo concluir. A arte é assim: por ter uma inutilidade intrínseca, tem a liberdade como seu melhor paradigma e, portanto, tem o compromisso com a ruptura sem ser funcional”.