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CRIANÇA ARTE DE

CRIANÇA ARTE DE

A Bienal do Mercosul ocupa centros culturais e espaços icônicos, ativando o interesse pela paisagem urbana e as construções da capital de 250 anos

ELEONE PRESTES

© FOTO JEFFERSON BERNARDES/DIVULGAÇÃO

O volume da Fundação Iberê Camargo confunde-se com a orla do Guaíba, visto de longe

Mapa

Olho o mapa da cidade Como quem examinasse

A anatomia de um corpo… (É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita

Das ruas de Porto Alegre

Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita, Tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua encantada

Que nem em sonhos sonhei…) Quando eu for, um dia desses, Poeira ou folha levada

No vento da madrugada, Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar

Pareça mais um olhar, Suave mistério amoroso, Cidade de meu andar (Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

Se o espírito do tempo (zeitgeist, em alemão) pudesse ser mapeado em Porto Alegre, conteria em seu DNA manifestações culturais de diversas áreas da produção criativa, reforçadas a cada dois anos por uma superexposição que ocupa a cidade.

Nesse sequenciamento, a Bienal do Mercosul impera com um mérito que transcende a função primeira de expor obras de arte. A produção de 100 artistas de 23 países nesta 13ª edição – sobre Trauma, Sonho e Fuga, com a curadoria geral de Marcello Dantas – atrai também o olhar para a interação dessas criações com a arquitetura eclética e contemporânea de 11 espaços culturais e urbanos, até 20 de novembro. Quase todos estão implantados na orla do Guaíba ou a dois quarteirões do lago – chamado de rio pelos gaúchos.

Quando o assunto é arquitetura e arte em Porto Alegre, o museu projetado por um dos arquitetos mais importantes do mundo, o português Álvaro Siza, ganhador do prêmio máximo na área, o Pritzker, impõe-se como referência. Em plena Era do Metaverso, com sua proposta de um universo desmaterializado, a volumetria da FIC mereceu um Leão de Ouro de Veneza antes mesmo de ganhar materialidade no espaço real. A sua chegada em terreno que era, nas palavras de Siza, “uma ferida na paisagem” (porque tratava-se de uma pedreira), valorizou a orla do Guaíba. Como diz o arquiteto, um museu pode revelar uma cidade ao mundo.

Experiência irresistível é mirar a paisagem do Centro Histórico emoldurada pelas janelas de formatos orgânicos que acompanham as rampas voltadas para a fachada da FIC. O espaço, detalhadamente projetado por Siza, autor até do design do mobiliário e das luminárias, contém os mesmos materiais de seus projetos pelo mundo

Instituto Ling, projeto de Isay Weinfeld, é o centro cultural mais recente construído em Porto Alegre

Concorrendo com o teto deslumbrante de vitrais no grande hall, o Farol Santander oferece nessa Bienal a obra fulgurante de Rafael Lozano-Hemmer, Pulse Topology

A instalação de faixas de telas – daquelas usadas para isolar construções em obras – do artista Túlio Pinto, ancoradas nos edifícios da Avenida Borges de Medeiros, elege uma amostragem das vertentes da arquitetura na época da verticalização da capital, incluindo o icônico Viaduto Otávio Rocha

No Centro Histórico, território do ecletismo – arquitetura que surgiu após o neoclássico, principalmente com a vinda de arquitetos estrangeiros para Porto Alegre –, a arte urbana impõe delicadamente, durante a Bienal, um ritmo mais lento para a contemplação do espaço vertical. O percurso da Bienal passa pelo Mercado Público e o Paço Municipal, e se estende até o Cais do Porto, hoje cheio de vida no setor em que foi criado o Cais Embarcadero – espécie de Puerto Madero de Buenos Aires em Porto Alegre –, com operações de gastronomia voltadas para o Guaíba, oferecendo o pôr do sol que é um dos cartões-postais da cidade

Projeto do arquiteto e cineasta paulista Isay Weinfeld, o Instituto Ling foi inaugurado seis anos mais tarde que a FIC, em uma esquina do bairro Três Figueiras. Contornado por um jardim, fica distante do Guaíba. Sua marca, tanto para quem o admira da rua quanto para quem entra no prédio, após subir uma rampa externa, é a fachada principal de vidro e brises verticais. Essas estruturas filtram a luminosidade e formam desenhos de luz e sombra no interior, em uma cadência constante, como fotogramas de um filme cinematográfico.

Estruturado em contêineres, o restaurante 20barra9 tem um pouco da identidade portuária mesclada ao calor de um churrasco em família à beira do Guaíba

O arquiteto alemão Theodor Wiederspahn, conhecido como Theo, projetou a maior parte do conjunto arquitetônico eclético ligado à Praça da Alfândega, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, onde em novembro ocorre a Feira do Livro

Perto dali, está o Mercado Público, com seu restaurante mais longevo, o Gambrinus, de 1889, um dos mais antigos do Brasil. À frente do Paço Municipal e não muito distante do Palácio Piratini, frequentado por artistas, intelectuais e autoridades, devem ter sido tomadas decisões políticas à frente de uma salada de bacalhau com batatas.

Traçando uma linha reta entre as operações culturais do perímetro em prédios históricos, o Farol Santander oferece atrativos efêmeros, como espetáculos de cinema, música, arte e dança, e também exposições permanentes, a exemplo da história da cidade e do edifício. Na vizinhança, o importante Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e a Casa de Cultura Mario Quintana – onde o poeta viveu –impõem presença como arquitetura e também como centros culturais integrantes da Bienal do Mercosul. Ambas as construções têm projeto arquitetônico assinado pelo alemão Theodor Wiederspahn, cuja obra determinante, principalmente para o Centro, está em exposição na Pinacoteca Aldo Locatelli até 20 de janeiro de 2023. Entre as operações na sequência dos armazéns do Cais do Porto, o restaurante 20barra9 (20 de setembro, Revolução Farroupilha) corresponde à tradição da gastronomia gaúcha, mas com ingredientes contemporâneos. A receita começou a partir da vontade de dois irmãos fazerem algo relacionado à paixão por carne e fogo, e foi concretizada pelo projeto arquitetônico de Francisco Pinto.

©FOTO THIELE ELISSA/DIVULGAÇÃO

Obra de Vivian Cacuri, entre o grande número de trabalhos importantes da Bienal do Mercosul no MARGS

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