O Circo Ínfimo ou as repetições contínuas - Márcio Barreto

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Márcio Barreto

O CIRCO ÍNFIMO Ou as repetições contínuas

Edições Caiçaras São Vicente /SP

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Novembro de 2013 © Márcio Barreto

Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração: Márcio Barreto

Barreto, Márcio O circo ínfimo ou as repetições contínuas / Márcio Barreto – São Vicente: Edições Caiçaras, 2013. 73p. 1. Dramaturgia brasileira I. Título 2013 Edições Caiçaras Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – Centro São Vicente - SP - 11320-070 www.edicoescaicaras.blogspot.com mb-4@ig.com.br 13-34674387 / 13-91746212

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O Último Tango

A presente obra é uma releitura de textos que abordam o absurdo, tema propício às reflexões que pretende inspirar. A dramaturgia foi criada a partir das obras “Um Artista da Fome”, “Josefina, a cantora ou O Povo dos Ratos” e “A Primeira Dor” de Franz Kafka, assim como “Esperando Godot” (Samuel Becket) e “Fando e Lis” (Fernando Arrabal). O Circo Ínfimo é um anti-circo onde os artistas não tem qualquer habilidade que os diferencie, onde estão irremediavelmente

fadados

à

mediocridade

e

à

repetição - celebradas pelo público como ápice artístico. Um circo onde nada acontece e tudo se repete, onde a espera angustia e sufoca. Um circo fantasma perplexo diante à dúvida que, como no Teatrofantasma de

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Marcelo Ariel tenta enxergar além do território fugidio e absurdo que permeia as ficções sociais. Parte da história foi inspirada na tragédia do “Gran Circus Norte-Americano” que aconteceu em Niterói, em 1961, cujo incêndio deixou mais de 500 mortos, a maioria crianças. Curiosamente, dias após presenciar a tragédia, José Datrino teve um sonho que revelaria o seu futuro: abandonar família e posses, se dedicar a consolar a alma humana e tornar-se o Profeta Gentileza.

Márcio Barreto

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PERSONAGENS O APRESENTADOR O ARTISTA DA FOME FANDO LIS ESTRAGON VLADIMIR NAMUR MITARO TOSO O ARTISTA LOCAL O DOMADOR O CINEGRAFISTA

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CENA I Acende-se a luz sobre o Apresentador.

O APRESENTADOR: Senhoras e senhores! Respeitável público! Temos a honra e o prazer de convida-los para o maior e melhor espetáculo de todos os tempos. Diretamente das entranhas da terra, das nuvens de tempestade, dos mares revoltos, uma salva de palmas para os artistas da fome! (Música circense) Charlatões desesperados,

burocratas

autoproclamados, suicidas,

desajustados

programadores,

agenciadores,

ensandecidos,

bêbados,

de

toda

prostitutas, produtores,

gênios espécie, viciados,

enganadores,

poetas, cadáveres, virtuoses e mendigos! Abram os olhos e a alma porque o sonho vai começar! Um viva aos egos

inflamados

pela

falsa

modéstia,

aos

grandiloquentes sonhos de sucesso, fama e riqueza. Eis que diante de seus olhos incrédulos e famintos o 9


estandarte da loucura passa despercebido pela miopia repetitiva de pensamentos acostumados ao extremo bom gosto de vidas cotidianas comandadas por elites corrompidas. Atentem para a obesidade lisérgica da poesia saturada de desejos mal disfarçados pela carne reverberada em quimeras e ilusões de ótica. A arte pela arte! O domínio da técnica e o virtuosismo. Vislumbrem a dor disfarçada de um corpo sustentado pela ponta dos pés, o virtuosismo cáustico do pianista e sua velha música

nova

enrijecida

horas

a

fio

pelo

experimentalismo esfarelante das velhas vanguardas. Percebam todo o eruditismo que escorre de suas bocas verborrágicas

entupidas

por

citações

retiradas

diretamente da altíssima cultura europeia e norteamericana. Respeitável público!

Deliciem-se com os

conchavos misteriosos, as conversas secretas, os sarcasmos que escorrem lentamente, os venenos e os perfumes misturados com a inveja e o rancor. Senhoras e senhores, temos a honra de apresentar a farsa dos

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editais, dos prêmios, concursos, festivais, bienais e demais encenações e vicissitudes públicas.

Sai de cena.

CENA II Em uma jaula o Artista da Fome lê um livro.

O ARTISTA DA FOME: Ah! Os tempos que não voltam mais. Antes sim era uma festa, uma verdadeira celebração. As pessoas boquiabertas passavam ao menos uma vez pela minha jaula todos os dias. Inflamadas pelo meu jejum elas se aglomeravam diante minhas costelas salientes e a cor cinza de minha pele. Seus olhos brilhavam impressionados. Cada dia de jejum era comemorado com festas e comendas. Eu acenava

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com a cabeça e estendia meu braço para que as crianças sentissem sua magreza e fragilidade. Era uma festa. Para acalmar o clamor das massas, três vigilantes, geralmente açougueiros escolhidos pela comunidade, se revezavam dia e noite na tarefa de impedir que eu, de alguma maneira fortuita, burlasse o jejum. Entretanto, esse procedimento

era

apenas

uma

formalidade

do

espetáculo, pois todos sabiam e acreditavam piamente que eu nunca quebraria o jejum, mesmo que coagido, a honra da minha arte me impediria. Assim começou minha insatisfação, não com o público e seus delírios de apreciação, mas uma insatisfação que remetia ao cerne da questão, pois somente eu sabia o quão fácil era jejuar. Por mais que eu falasse, eles não acreditavam, no máximo julgavam-me modesto. Eu também sabia que, através

da

experiência,

era

possível

passar

tranquilamente dos quarenta dias de jejum. Entretanto, meu empresário compreendia que este tempo era o necessário para que o interesse do público continuasse

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vivo através da propaganda maciça. Tempo suficiente para reiniciar a turnê em outras cidades. Essa fase durou muitos anos. Mas com o tempo - esse insaciável devorador de enganos, minha insatisfação foi crescendo, principalmente

em

virtude

das

fotos

que

meu

empresário tirava compulsivamente em meus momentos de fúria, instantes em que eu sacodia meus ossos através das grades da jaula tentando inutilmente fazer tudo desaparecer. Ao público estupefato eram vendidas as fotos. Era inevitável que eu o despedisse e viesse de encontro a este circo, como se tudo já estivesse previsto. Colocaram minha jaula no estábulo, perto das jaulas dos animais. No começo, entre os intervalos do espetáculo, o público vinha ver os animais e passava pela minha jaula, ficava por alguns instantes, talvez seduzido pelas cores dos cartazes que anunciavam minha arte, talvez pela curiosidade nata de todos nós. Mas a curiosidade foi sendo trocada por um indisfarçável mal-estar. Com o tempo os cartazes foram perdendo as cores e não foram

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substituídos. Não resta o que fazer além de morrer lentamente e carregar a única certeza da minha vida: a arte de jejuar é a incapacidade que tenho em descobrir o alimento que me agrada, se o tivesse encontrado estaria como os outros – engordando em frente à tevê e pensando em como ganhar mais dinheiro.

CENA III Luz sobre o Apresentador.

O APRESENTADOR: Estimado público! É com imensa alegria que lhes apresento Fando e Lis, os amantes invejados a procura de Tar. Vejam como o amor assume as mais variadas formas e requintes, os olhares, as palavras doces, as flores, promessas e carinhos sem fim no entusiasmo enlouquecedor da paixão. Respeitável público! Aconselho a não tentarem repetir este número 14


no aconchego de seus lares, podendo, desta forma, incorrer no mais imprevisível dos sentimentos.

Apaga-se a luz sobre o Apresentador. Fando puxa um carrinho de criança onde Lis está sentada enquanto joga pétalas de flores pelo palco.

LIS - Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim. FANDO - (Docemente) Sim, Lis. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro. (Longa pausa. Emocionado Fando olha Lis) E no seu enterro cantarei baixinho o refrão "como é bonito um enterro, como é bonito um enterro", cuja música é muito engraçada. (Ele a olha silenciosamente e continua com ar satisfeito) Eu o farei por você. LIS - Você me ama muito.

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FANDO - Mas prefiro que você não morra. (Pausa) Vou ficar muito triste no dia que você morrer. LIS - Ficar triste? Por quê? FANDO - (Desolado) Não sei. LIS - Você me diz isso, só porque ouviu dizer. Isso é sinal de que você não ficará triste. Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim. FANDO - (Docemente) Sim, Lis. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro. (Longa pausa. Emocionado Fando olha Lis.) E no seu enterro cantarei baixinho o refrão "como é bonito um enterro, como é bonito um enterro", cuja música é muito engraçada. (Ele a olha silenciosamente e continua com ar satisfeito) Eu o farei por você. LIS - Você me ama muito. FANDO - Mas prefiro que você não morra. (Pausa) Vou ficar muito triste no dia que você morrer. LIS - Ficar triste? Por quê? FANDO - (Desolado) Não sei.

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LIS - Você me diz isso, só porque ouviu dizer. Isso é sinal de que você não ficará triste. Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim. FANDO - (Docemente) Sim, Lis. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro. (Longa pausa. Emocionado Fando olha Lis) E no seu enterro cantarei baixinho o refrão "como é bonito um enterro, como é bonito um enterro", cuja música é muito engraçada. (Ele a olha silenciosamente e continua com ar satisfeito) Eu o farei por você. LIS - Você me ama muito. FANDO - Mas prefiro que você não morra. (Pausa) Vou ficar muito triste no dia que você morrer. LIS - Ficar triste? Por quê? FANDO - (Desolado) Não sei. LIS - Você me diz isso, só porque ouviu dizer. Isso é sinal de que você não ficará triste, nem ao menos sentirá

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minha falta. Eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim. FANDO - (Docemente) Sim, Lis. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério ao menos uma vez todos os dias com uma flor e um cachorro. (Longa pausa. Fando olha Lis. Emocionado) E no seu enterro cantarei baixinho o refrão "como é bonito um enterro, como é bonito um enterro", cuja música é muito engraçada. (Ele a olha silenciosamente e continua com ar satisfeito) Eu o farei por você. LIS - Você me ama muito. FANDO - Mas prefiro que você não morra. (Pausa) Vou ficar muito triste no dia que você morrer. LIS - Ficar triste? Por quê? FANDO - (Desolado) Não sei. LIS - Você me diz isso, só porque ouviu dizer. Isso é sinal de que você não ficará triste. Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim, não serei mais nada,

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apenas a tentativa de não ser esquecida. Mas por que eu não quero ser esquecida?

CENA IV Acende-se a luz sobre o Apresentador.

O APRESENTADOR: COM VOCÊS A NOSSA CANTORA JOSEFINA. Quem não a ouviu não conhece o poder do canto, mesmo que tenha escutado as mais complexas melodias e as mais inebriantes harmonias humanas.

Acende-se a luz sobre os músicos e Josefina que canta guturalmente para o público. Projeção de vídeo com cenas do público em delírio.

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JOSEFINA (agradece os aplausos e acende um cigarro): Pode parecer estranho o meu canto e, principalmente, o fato de que esse canto seja produzido por uma ratazana. De qualquer modo, percebo que vocês não entendem verdadeiramente minha música, como se ela estivesse muito além de suas expectativas industrializadas de vida. Mas se por um lado não dispõem do entendimento necessário para aprecia-la profundamente, por outro, mesmo sem compreender, sinto que vocês são arrebatados pela força do meu canto. Ou será que não somos mais capazes, mesmo

quando tentamos nos livrar das preocupações do dia-adia, de nos elevar a algo tão distante de nossa rotina visual quanto à música? Mas não nos lamentamos muito, nem mesmo nos queixamos. Não é verdade? Eu sou a exceção; amo a música e sei como transmiti-la; eu sou a única; com minha morte, também a música — quem sabe por quanto tempo — desaparecerá de suas vidas. Já me perguntei muitas vezes o que realmente significa a minha música para vocês. Porque se vocês são

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totalmente

não

musicais,

como

podem

então

compreender meu canto, ou pelo menos, pensar que compreendem? A resposta mais simples seria que a beleza de meu canto é tão grande que nem mesmo os mais insensíveis podem ignorá-la, mas essa resposta é insuficiente. Se realmente assim fosse, meu canto deveria proporcionar a quem o ouve uma imediata e duradoura sensação de algo extraordinário, a sensação de que de minha garganta ressoa algo que nunca ouviram antes e nem mesmo têm a capacidade de ouvir, algo que somente eu, e ninguém mais, faço com que sejam capazes de ouvir. Na verdade, minha opinião é outra, não é isso o que vocês sentiram agora e nunca percebi que outros o sentissem. Entre amigos, provavelmente vocês admitem claramente que, como canto, o meu canto nada tem de extraordinário. Mas se isso é verdade, o que encanta vocês? Por um acaso vocês ficariam extasiados frente a um cinema invisível? Ou estarrecidos frente a um urinol reverenciado como

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obra-prima da genialidade? Ou maravilhados escutando a música silenciosa de um piano intocado? A verdade é que suas capacidades intelectuais estão muito aquém do poder de meu canto, a sensibilidade falta por completo esmagada por suas preocupações cotidianas e assim fingem que estão maravilhados compactuando com minha arte inextrincável, pois, por alguns momentos, sentem que podem ser mais do que realmente são.

Josefina apaga o cigarro e sai de cena. Os músicos a acompanham.

CENA V Vladimir e Estragon atravessam o palco. Estragon para e, sentado, tira os sapatos com ambas as mãos.

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ESTRAGON: Eu não estou entendendo nada. VLADIMIR: Como não está entendendo nada? ESTRAGON: Creio que deveríamos tentar. VLADIMIR: Nós já tentamos. Tentamos diversas e arriscadas vezes. ESTRAGON: Mas não foi o suficiente, se fosse eu estaria entendendo. VLADIMIR: Entendendo o quê? Há alguma coisa para entender? ESTRAGON: Você diz isso porque espera. VLADIMIR: Mas eu não espero nada! ESTRAGON:

Você

espera

entender

o

acontecendo, assim como eu. VLADIMIR: Então é preciso fazer alguma coisa. ESTRAGON: Nós estamos fazendo. 23

que

está


VLADIMIR: Fazendo o quê? ESTRAGON: Estamos esperando entender. VLADIMIR: Não é possível! É melhor recomeçarmos de onde paramos.

Estragon calça os sapatos, levanta-se e caminha pelo palco. Vladimir o acompanha. Após alguns passos Estragon para e, sentado, tira os sapatos com ambas as mãos.

VLADIMIR: Eu não estou entendendo nada. ESTRAGON: E algum dia entendemos alguma coisa? (Pausa. Estragon olha para o horizonte dirige-se ao proscênio) Veja! O Rei! (com crescente alegria) O Rei está chegando! Viva D. João! Ah! As suas vestimentas. O

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tecido brilha invisível frente às bajulações e suas dobras farfalham com os elogios. VLADIMIR: Como é bonito! E o manto! Arrastando-se pelo mármore frio do chão. ESTRAGON: Vladimir! Ele vem em nossa direção! VLADIMIR: Não! É o mensageiro real! Eu mal posso acreditar, Estragon! Ele não carrega nas mãos um papel? ESTRAGON:

Será

uma

convocatória?

Fomos

selecionados? Oh! Vladimir, quanta felicidade. VLADIMIR: Nosso dia chegou, Estragon. Estamos salvos!

Vladimir e Estragon pulam e gritam de felicidade.

ESTRAGON: Por que demora tanto? Não temos a eternidade.

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VLADIMIR: Eu não estou entendendo nada. ESTRAGON: Como não está entendendo nada? VLADIMIR: Creio que deveríamos esperar. VLADIMIR:

Nós

tentamos.

Tentamos

diversas

e

arriscadas vezes. ESTRAGON: Mas não foi o suficiente, se fosse eu estaria entendendo. VLADIMIR: Entendendo o quê? Há alguma coisa para entender? ESTRAGON: Você diz isso porque espera. VLADIMIR: Mas eu não espero nada! ESTRAGON:

Você

espera

entender

o

acontecendo, assim como eu. VLADIMIR: Então é preciso fazer alguma coisa. ESTRAGON: Nós estamos fazendo. 26

que

está


VLADIMIR: Fazendo o quê? ESTRAGON: Estamos esperando. VLADIMIR: Não é possível! É melhor recomeçarmos de onde paramos. ESTRAGON: Mas onde paramos?

CENA VI Luz sobre o Artista da Fome que se debate grita entre as grades da jaula.

O ARTISTA DA FOME: (Após acalmar-se) Peço desculpas, mas às vezes a falta de atenção me entristece profundamente. Saber que minha arte não desperta o reconhecimento do público e da crítica é o mesmo que tirar o chão sob meus pés (pausa) – o que, aliás, para um

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trapezista é uma ótima opção. Conheci, certa vez, um trapezista que por algum tempo trabalhou conosco. Não descia do trapézio por nada. Todas suas necessidades, que não eram muitas, eram supridas pelos ajudantes de palco através de cordas e andaimes. Vivia isolado no alto do seu trapézio. Seu contato com a humanidade era praticamente nulo, às vezes um colega de profissão subia para que conversassem um pouco, ou algum operário que fazia reparos na lona notava sua presença e perguntava sobre sua vida (pausa). Lembro-me quando seu empresário o viu chorar. Eles viajariam para uma cidade próxima – nestes momentos, era contratado um carro de corrida que, em plena madrugada, cortava as estradas em alta velocidade para que ele rapidamente pudesse voltar ao trapézio. Antes da viagem, deitado em uma rede – paliativo para seu habitat natural, ele puxa o empresário para perto e pede para que ele providencie outro trapézio. O empresário concorda imediatamente, mas o trapezista lhe diz que nunca mais se apresentará

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em

apenas

um

trapézio,

nunca.

O

empresário

novamente lhe diz que esta é uma ideia acertada e que ligará à cidade providenciando o segundo trapézio. O trapezista volta para o fundo da rede e começa a chorar. O empresário o acalma e lhe faz um carinho. O trapezista o puxa para mais perto e lhe diz: “Como eu posso viver com apenas uma barra em minhas mãos?”.

Fando e Lis atravessam o palco.

FANDO: Farei um esforço, mas não sei se vou conseguir. Não sei se vou conseguir! Não sei se vou conseguir! Você acha que isso é uma resposta? Acredite em mim, Lis. LIS: Farei um esforço, mas não sei se vou conseguir. Não sei se vou conseguir! Não sei se vou conseguir! Você acha que isso é uma resposta? Acredite em mim, Lis.

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Mas acreditar em que? FANDO: (Refletindo) Não sei bem. Diga apenas que acredita em mim. LIS: (Como um autômato) Eu acredito em você. FANDO: Mas nesse tom, não vale. LIS: (Alegre) Eu acredito em você. FANDO: Assim também não vale, Lis. (Humildemente) Fale direito, pois quando você quer, você sabe dizer muito bem as coisas.

Nesse momento, Fando e Lis repetem simultaneamente a fala um do outro.

LIS: (Num outro tom, também pouco sincero) Eu acredito em você. FANDO: (Abatido) Não, Lis, não. Não é assim. Tente outra vez.

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LIS: (Faz um esforço, mas não são sinceras suas palavras) Eu acredito em você.

Acende-se a luz sobre o Artista da Fome, Fando e Lis param.

O ARTISTA DA FOME: Eu acredito em você. Farei um esforço, mas não sei se vou conseguir. Não sei se vou conseguir! Não sei se vou conseguir! Você acha que isso é uma resposta? Acredite em mim, Lis. Mas acreditar em que? (Repetindo o texto até o fim do diálogo entre Fando e Lis).

Fando e Lis repetem a fala um do outro em tempos diferentes – como em um canto canônico.

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FANDO:- (Muito triste) Não, não, Lis. Como você é, como se comporta mal comigo. Tente, mas direito. LIS: (Sem ainda conseguir) Eu acredito em você. FANDO: (Violento) Não, não, não é isso. LIS: (Faz um esforço desesperado) Eu acredito em você. FANDO: (Violentíssimo) Assim também não. LIS: (Muito sincera) Eu acredito em você. FANDO: (Comovido) Você acredita em mim, Lis! Você acredita em mim! LIS: (Também comovida) Eu acredito em você. FANDO E LIS: Como eu sou feliz!

Lis come flores e Fando a observa. Namur, Mitaro e Toso, formando um só bloco embaixo de um guardachuva, entram em cena.

NAMUR: Está ficando tarde.

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MITARO: Tarde para o quê? TOSO: Tarde para entendermos tudo isso. NAMUR: É porque passamos a vida como se ela fosse o resultado imperceptível de nossas ficções, como se o olhar - míope pelo cotidiano, conseguisse apenas enxergar o que lhe é mostrado. MITARO: Estamos perdidos. TOSO: Perdidos para o quê? MITARO: E se, enfim, nos encontrássemos em um caminho seguro, certos de que não sonhamos acordados? TOSO: Paremos, então, de mentir que acreditamos. NAMUR: Mas nós chegaremos a Tar mesmo que não exista um caminho aceitável, mesmo que nossas forças acabem, mesmo que não acreditemos, que duvidemos até a raiz da alma.

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TOSO: Mas o que há para temer? Estaríamos cegos em um mundo em que todos são mudos, em que todos escutam apenas o que querem ouvir? NAMUR: Ou imobilizados pela velocidade da razão, procuramos desesperadamente nos debater frente à permanência duvidosa das conquistas? MITARO: Está ficando tarde.

Dirigem-se para a jaula do Artista da Fome.

MITARO: Estamos perto de Tar? O ARTISTA DA FOME: Sim, muito perto, todavia não chegarão. NAMUR, MITARO E TOSO: Como não chegaremos?

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O ARTISTA DA FOME: Não chegarão porque entre vocês e Tar há uma distancia que poderá ser divida em infinitas partes. Ao percorrê-la faltará sempre um trecho, um novo espaço divido por sua metade, cada vez menor, mais ínfimo. Como vocês não sabem onde é Tar, a cidade pode estar em qualquer lugar e estando em qualquer lugar passa a estar em todos os lugares e em nenhum. E isso se dá porque passamos a vida como se ela fosse o resultado imperceptível de nossas ficções, como se o olhar - míope pelo cotidiano, conseguisse apenas enxergar o que lhe é mostrado repetidamente.

CENA VII Sons de teremim, planetas, estrelas e baleias.

O APRESENTADOR: Respeitável público! Peço a atenção de todos para este número perigosíssimo. Diretamente 35


dos confins do medo e da loucura. Prendam a respiração, porque neste momento qualquer desvio da atenção será fatal. Respeitável público, um duelo jamais presenciado em suas vidas, uma batalha que deixaria muitos homens corajosos em pânico. A guerra eterna entre famintos e desesperados. Com vocês a luta do século! O Dragão do Artesanato contra a Santa Tecnologia!

Ruflam os tambores. Entram em cena o Domador (um domador de animais vestido com calção e luvas de boxe) e o Artista Local (com um figurino meio palhaço, meio pugilista) que segura desajeitadamente um calhamaço de papéis e documentos. Sons do público de lutas de boxe.

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O APRESENTADOR: De um lado o Domador. Pesando 92 kg, com um 1,90 de altura um lutador contumaz sem alma nem piedade, preso a correntes invisíveis que alteram seu poder de crítica, responsável pela domesticação

das

mais

temidas

feras

da

arte

contemporânea. Senhoras e senhores, sua carreira de lutas e vitórias é incomensurável! Do outro lado, pesando 42 kg e medindo 1,50m o espetacular Artista Local – um homem que inebriado pela luz do picadeiro, em sua pequena cidade incrustada nas praias do litoral paulista, deixa-se consumir pelas chamas da arte milenar do circo. Senhoras e senhores, esta é mais uma incrível história de um homem levado pela torrente avassaladora da criatividade, acostumado a matar mais de dez leões por dia.

Ruflam os tambores. Sons de chicote e leões. Soa o gongo. Os dois se enfrentam.

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O DOMADOR: O projeto a ser inscrito deve ser entregue pessoalmente ou encaminhado Via Postal com Aviso de Recebimento (A.R) ou SEDEX com A.R para o Núcleo de Protocolo e Expedição da Secretaria de Estado da Cultura. O projeto deve ser entregue ou enviado dentro de uma EMBALAGEM ÚNICA (envelope, pacote ou caixa) com a identificação EDITAL ProARTE Nº 0455W 777X 6899 O34p4 p432 21-z”, contendo em seu interior os ENVELOPES nº 1, nº 2, nº 3, nº 4 e nº 5. O ARTISTA LOCAL: Todo nascimento implica uma morte. Viver é muito mais do que imaginar. O caminho é irreversível: transformar o homem em um ser capaz de enxergar além de seus olhos, uma arte que expanda o horizonte, capaz de transformar conhecimento em afeto. O DOMADOR: Cada envelope deve conter em seu interior cinco sub envelopes devidamente assinados e com firma reconhecida em cartório. Os envelopes de nº

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1, 3 e 5 devem ser predominantemente pardos, enquanto os envelopes de º 2 e 4 devem ser obrigatoriamente brancos. O projeto técnico deve conter Ficha de Inscrição (Anexo I); Currículo do proponente - com detalhamento dos projetos realizados nos vinte últimos anos (mínimo de 52 laudas); será permitido anexar

matérias

de

jornais

e

revistas,

cartazes,

folders, etc., relativos às atividades desenvolvidas pelo proponente;

Objetivo

e

justificativa

do

projeto,

apresentados detalhadamente, incluindo público alvo (mínimo 100 laudas); Sinopse do espetáculo;

O ARTISTA LOCAL: Ora direis ouvir estrelas, tresloucado amigo, mas para ouvi-las é preciso ter os bolsos vazios e a mente cheia de idéias. Soa o gongo e os dois se sentam no canto do ringue. O Artista Local faz anotações nos papéis que carrega enquanto o Domador lustra suas botas. Soa o gongo e reinicia-se a luta.

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O DOMADOR: Registro audiovisual completo do espetáculo, sem edição, em formato digital (DVD); Ficha técnica do espetáculo relacionando as funções a serem exercidas e os nomes dos técnicos e artistas já definidos

ou

previstos

até

a

data

da

inscrição;

Currículo dos integrantes da equipe de criação e do elenco;

Termo

de

Compromisso

de

participação

devidamente assinado pelos integrantes (equipe de criação e elenco indicado) já confirmados até a data da inscrição,

se

houver;

Proposta

detalhada

da

contrapartida conforme item III; No caso em que o projeto

proposto

contemplar

qualquer

forma

de

publicação de trabalho de terceiros, o proponente deverá comprovar a respectiva opção de cessão dos direitos

autorais;

Cronograma

de

trabalho

contemplando as principais etapas da realização do projeto

e

indicando

seus

respectivos

prazos

de

execução, conforme o prazo máximo previsto neste Edital;

Orçamento

detalhado

discriminando

as

despesas necessárias para a realização do projeto. O projeto que apresentar orçamento maior do que o valor do prêmio previsto neste Edital deverá indicar fontes complementares de recursos.

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O ARTISTA LOCAL: Por que esse olhar sempre tão distante nega quem somos? Vejam esse circo, por exemplo! Falamos de Samuel Becket, Fernando Arrabal, Franz

Kafka,

e

assim

continuamos

comentando,

estarrecidos, a cultura estrangeira. É como se o quintal de nossa casa fosse um lugar que devêssemos desviar o olhar, que devêssemos evitar ao custo de nos envergonhar de quem somos, como se "a grama do vizinho fosse sempre mais verdejante"... Acredito que toda forma de cultura seja importante, inclusive a nossa... Mas quando falamos que um artista é local, é como se o sentenciássemos à mediocridade, como se o artista só pudesse ser genial se tivesse em si o mundo, o mundo distante de seu quintal... Parece-me que esqueceram que temos o mundo dentro de nós... Que o artista não se constrói apenas a partir do alheio ou do comumente consagrado... Onde estamos, afinal? No não-lugar e na ignorância sobre a própria história?

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Sinceramente acho vergonhosa a atitude constante em negar quem somos, em negar com ironias, piadas, deboches, silêncios... Falamos do mar e esquecemos a praia onde as coisas realmente acontecem - porque o mar, por mais que suas ondas banhem nossos pés, é distante, oceânico... E assim continuamos a repetir velhas fórmulas como se fossem novas, mentiras aceitas com o gosto da verdade estampado no sorriso forçado das altas inteligências, das altíssimas culturas e inalcançáveis perfeições.

O Domador golpeia fortemente o Artista Local que cai desacordado. O Domador joga-se em cima do Artista Local e continua golpeando-o.

O APRESENTADOR: Uma salva de palmas, por favor! Vejam como a força de seus golpes e a astúcia de sua

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luta seguem o esquema da acumulação e da intensificação onde a proliferação atinge o paroxismo, o inaceitável e o inenarrável no seio das tensões psicológicas, dos estados alterados da consciência e das denominações insensatas, burlescas e neoliberais, tornando mais ou menos os gestos densos, profundos e emaranhados, atingindo assim o insuportável. Nesse momento resta ao oponente a liberação capaz de trazer a sensação de serenidade. E é o riso que faz o papel dessa liberação. A vida como simulacro da farsa intrinsicamente ligada ao delírio das ficções sociais.

CENAVII Fando e Lis entram em cena.

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LIS: Eu não aguento mais, Fando. Se você me ama como é possível que ainda não avistamos Tar? FANDO: Espere Lis. Espere. LIS: Esperar o quê? FANDO: Tenha fé! É só o que peço. Acredite! LIS: Mas como posso acreditar no que não vejo? FANDO: Abrindo os olhos, Lis, os olhos! (Pausa) Por exemplo: certa vez eu presenciei um fato marcante em minha

vida,

na

verdade,

um

acontecimento

extraordinário. LIS: Extraordinário? Conte! FANDO:

Estou

contando,

Lis.

Bem,

eu

estava

caminhando apressadamente pela calçada em frente a uma loja perto de minha casa, pois tinha alguns compromissos inadiáveis... LIS: Quais compromissos? 44


FANDO (com raiva): Isto não importa! Eu estava caminhando quando de repente vi um homem andando ao meu lado. LIS: Um homem andando ao seu lado! Que homem? FANDO (com mais raiva): Não me interrompa, Lis! LIS: Por favor, conte sua história, eu não interromperei mais. FANDO (docemente): Sim, a história. Eu estava caminhando apressadamente pela calçada perto de casa, pois tinha alguns compromissos inadiáveis, quando repentinamente vi um homem caminhando ao meu lado. LIS: Não! Eu não acredito! Ao seu lado?! FANDO: Acredite, Lis. Esse homem olhou para mim no mesmo instante que olhei para ele e, amedrontado com o súbito olhar, parei. E no mesmo instante o homem também parou. Ficamos ambos estáticos, a respiração

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suspensa. Eu não sabia o que fazer. O pânico tomava conta do meu corpo e não deixava que sequer um músculo se movimentasse. Com muito esforço consegui desviar o olhar. LIS: Como é possível? Eu teria corrido desesperadamente se pudesse. FANDO: Fiquei muito tempo assim, sem saber se o homem continuava ao meu lado e qual seria sua reação ao me ver novamente encarando-o. Tentei disfarçar e comecei a mexer em uns papéis que estavam no bolso. O suor escorria pela testa e pingava na gola da minha camisa. LIS: O suor! Meu Deus! O suor escorria pela testa! É inacreditável! Como você conseguiu suportar tamanha fatalidade? FANDO: Eu me lembrei de tudo o que havia passado em minha vida, cada minuto, detalhe, cada conversa, filme,

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livro, música, cada encontro. Aquele homem era, para mim, o medo das massas, da sociedade de consumo, era o desejo insano de pertencer a grupos e ceder à uniformização da linguagem e dos costumes. Temi pela minha vida, como se naquele momento toda minha rebeldia contra a vulgaridade imposta pelo desejo das elites em controlar cada um de nossos passos fosse colocada em xeque e eu acabasse por ser pisoteado por uma massa descontrolada de bailarinos de tango e consumidores famintos. Eu continuava estático, atônito, silenciosamente desesperado. LIS: Mas por que você não falou? FANDO (muito nervoso): Fique quieta. Você me interrompeu de novo. Assim não chegarei ao fim da história. Será outra história sem fim! É isso que você deseja, Lis? Uma história sem fim?

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Vladimir e Estragon atravessam o palco. Estragon para e, sentado, tira os sapatos com ambas as mãos. ESTRAGON: Eu não estou entendendo nada. VLADIMIR: Como não está entendendo nada? ESTRAGON: Creio que deveríamos tentar. VLADIMIR: Nós já tentamos. Tentamos diversas e arriscadas vezes. ESTRAGON: Mas não foi o suficiente, se fosse eu estaria entendendo. VLADIMIR: Entendendo o quê? Há alguma coisa para entender? ESTRAGON: Você diz isso porque espera. VLADIMIR: Mas eu não espero nada! ESTRAGON:

Você

espera

acontecendo, assim como eu.

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entender

o

que

está


VLADIMIR: Então é preciso fazer alguma coisa. ESTRAGON: Nós estamos fazendo. VLADIMIR: Fazendo o quê? ESTRAGON: Estamos esperando entender. VLADIMIR: Não é possível! É melhor recomeçarmos de onde paramos.

Estragon calça os sapatos, levanta-se e caminha pelo palco. Vladimir o acompanha. Após alguns passos Estragon para e, sentado, tira os sapatos com ambas as mãos. VLADIMIR: Eu não estou entendendo nada.

Pausa.

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ESTRAGON: Veja! O Rei! Ah! As suas vestimentas reais. O tecido brilha frente às bajulações enquanto suas dobras farfalham com os elogios. Tudo é sorriso e fascinação. VLADIMIR: Como é bonito! E o manto! Arrastando-se pelo mármore frio do chão. ESTRAGON: Vladimir! O Mensageiro Real! Ele vem em nossa direção! VLADIMIR: Sim! É o mensageiro real! Eu mal posso acreditar, Estragon! Ele não carrega nas mãos um papel? ESTRAGON:

Será

uma

convocatória?

Fomos

selecionados? Oh! Vladimir, quanta felicidade. VLADIMIR: Nosso dia chegou, Estragon. Estamos salvos!

Vladimir e Estragon pulam e gritam de felicidade. Música de anunciação. Namur, Mitaro e Toso - formando um só bloco embaixo de um guarda-chuva, entram em cena e

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encaminham-se em direção aos dois. Mitaro segura um papel nas mãos e o entrega a Vladimir.

VLADIMIR E ESTRAGON: Mas está em branco! MITARO: Com está em branco? Deixe-me ver (pega abruptamente a convocatória das mãos de Vladimir). Isso é um absurdo! Como é possível?! Vocês são loucos? TOSO: Mas o que há para ver? Estaríamos cegos em um mundo em que todos são mudos, em que todos escutam apenas o que querem ouvir? NAMUR: Ou imobilizados pela velocidade da razão, procuramos desesperadamente nos debater frente a conquistas duvidosas? MITARO: Está ficando tarde. O Rei partirá em breve. Vamos embora (amassa a convocatória e a joga em direção à jaula do Artista da Fome).

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ESTRAGON: Não. Esperem. Vocês não podem nos deixar assim! TOSO (alegremente): Sim! NAMUR: Sim! MITARO: Sim, sim, assim! TOSO, NAMUR E MITARO: Sim, sim, assim!

Saem cantarolando. Vladimir e Estragon vão embora. Acende-se a luz sobre o Artista da Fome que pega a convocatória do chão.

O ARTISTA DA FOME: Mas está escrito! Eles foram convocados! (Lê o a convocatória) “Informamos que seu projeto “Sobre o Tango”, narrando a obra “Tango” onde Mrozek aborda a personagem Artur que se rebela contra a vulgaridade dos pais e acaba morto, tendo seu corpo 52


pisoteado pelo próprio pai e o tio no tango final que dá nome à peça. Sendo assim, solicitamos sua imediata presença com todos os 542 documentos e certidões constantes do capítulo IV, inciso 742, subitem cinco. Esta convocatória expirará no prazo de duas horas a partir do recebimento.” (Relê em voz baixa, pausa) Mas mesmo que eles pudessem ler não teriam tempo para conseguir todos os documentos exigidos e mesmo se o conseguissem não teriam tempo de chegar ao destino ou mesmo se chegassem não teriam como comprovar cada um dos gastos, incluindo os parafusos e clipes e canetas esferográficas necessárias ao bom andamento do projeto.

CENA VIII O Artista Local está sentado em uma cadeira com as mãos amarradas nas costas – há uma luz forte contra seu rosto machucado, a sua frente um cinegrafista filma53


o e as imagens são projetadas em uma imensa tela. O Domador acende um cigarro e solta a fumaça em sua direção. O Apresentador assiste a cena de costas para o público, sentado em uma cadeira de diretor de cinema.

O DOMADOR: (Lentamente) Cada envelope deve conter a cor correspondente ao assunto previsto na alínea C do parágrafo IX. O ARTISTA LOCAL: (Rapidamente) No fim de uma vida solitária Carvalho deixou uma intrigante obra acerca da suposta

morte

de

Deus.

Tendo

repensado

completamente sua peça “O Bailado do Deus Morto”, reescreve-a enquanto pinta o retrato da morte de sua mãe e o alumínio cresce em suas unhas ao mesmo tempo em que recobre cada um dos traços de seu rosto pensativo. A origem animal deificada converte-se imediatamente em uma série dodecafônica de átomos e palavras

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minerais.

O

retrato

de

sua

mãe


tridimensionalisa-se e, ao fundo, uma procissão aparece com suas cores e formas unidas pelo movimento das ladainhas e rezas sem fim em frente à Igreja do Bom Jesus de Iguape. Ao seu lado, um homem negro carrega uma pedra nos ombros e Camus estarrece frente à diversidade das raças. O bonde passa e ele corre em sua direção. Flávio de Carvalho está surfando em cima do bonde - totalmente nu e pintado de azul como Alfred Jarry que passa com sua bicicleta e o cumprimenta apressadamente porque precisa chegar a tempo para acompanhar a partida do trem. O DOMADOR: Você é um cretino! Um idiota de merda! Não passa de um vagabundo cheio do raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral (desferelhe um soco no queixo) – Euclides da Cunha! O ARTISTA LOCAL: (Gargalhando) Darcy Ribeiro quando explica a formação do povo brasileiro para cada uma de suas matizes aponta os mestiços do litoral como origem.

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Os mestiços do litoral! Mas não são os mestiços neurastênicos do litoral os caiçaras? Não são eles a própria origem do povo brasileiro? O DOMADOR: Você é um cretino! Um idiota de merda! Não passa de um vagabundo cheio do raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral (desferelhe um soco no queixo) – Euclides da Cunha! O APRESENTADOR: Corta! (Dirigindo-se ao cinegrafista) Eu não estou gostando do contraste na imagem. Poderíamos mudar? O

CINEGRAFISTA:

Caso

mudássemos

a

imagem

automaticamente teríamos que adaptar a recepção em cada um dos aparelhos espalhados pelo mundo. Como estamos transmitindo ao vivo isso seria humanamente impossível. O APRESENTADOR: Perfeito! Mate-o, então!

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Uma luz se acende sobre o Artista da Fome em sua jaula. Música de suspense, terror.

O ARTISTA DA FOME: Não! Vocês não podem matar o Artista Local! Vocês estão loucos! Isso é uma infâmia! Vão ceder ao desejo de sangue insistentemente perpetuado por essa mídia ostensivamente violenta? Vocês só podem estar loucos! Isto não é um circo! Isto não é uma obra de arte! Isto não é uma música! Isto não é cinema e muito menos uma dança! (Dirigindo-se ao público) Viva a hipocrisia insana das mentes atordoadas pelo fascínio do luxo e da riqueza transformadas em máquinas de devorar identidades. Vamos às ruas! Disparem torpedos, inflem os céus com mensagens instantâneas de insatisfação. Vamos à guerra! À Resistência! À Coluna Prestes! Ao Cangaço! Preparem suas ibirapemas e muçuramas! Aju ne xé peê remiurama!

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O Apresentador faz um sinal ao Cinegrafista que saca uma arma e mata o Artista da Fome. Logo em seguida, dirige-se ao Artista Local e o executa com um tiro na nuca. O Domador ri e continua espancando o corpo do Artista Local.

O DOMADOR: Você é um cretino! Um idiota de merda! Não passa de um vagabundo cheio do raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral (desferelhe um soco no queixo) – Euclides da Cunha!

As luzes se apagam. Josefina canta. Entram Fando e Lis. LIS: Mas por que você não falou? FANDO (muito nervoso): Fique quieta. Você me interrompeu de novo. Assim não chegarei ao fim da

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história. Será outra história sem fim! É isso que você deseja, Lis? Uma história sem fim? LIS: Uma história sem fim? FANDO: Sim, Lis, uma história sem fim, assim, assim, assim. LIS: Não, por favor, conte a história. FANDO: Sim, a história. (Pausa) Quando finalmente reuni forças para virar o olhar, pude perceber que seu rosto era estranhamente familiar. Digo estranhamente familiar porque não o conhecia e mesmo assim ele me parecia familiar. Era alguém que eu já tinha visto no circo. Aquele homem era definitivamente um antigo ajudante do circo. Mas pelo que me lembrava ele havia sido assassinado depois de fugir da prisão e estranhamente estava ali repetindo meus gestos. Cheguei mais perto e percebi que aquele homem era minha imagem refletida

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na vidraça da loja. Olhei atentamente e a minha imagem sumiu. LIS: Você está dizendo que estamos mortos, Fando? FANDO: O que nos assegura que estamos vivos? Você não sente um cheiro de carne queimada? Um eco de gritos? LIS: (Desesperada) Não Fando, nós estamos vivos! Vivos! FANDO: Não seja idiota, Lis! É preciso que acredite em mim! LIS: Farei um esforço, mas não sei se vou conseguir. FANDO: Não sei se vou conseguir! Não sei se vou conseguir! Você acha que isso é uma resposta? Acredite em mim, Lis. LIS: Mas acreditar em que? FANDO: (Refletindo) Não sei bem. Diga apenas que acredita em mim.

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LIS: (Como um autômato) Eu acredito em você. FANDO: Mas nesse tom, não vale. LIS: (Alegre) Eu acredito em você. FANDO: Assim também não vale, Lis. (Humildemente) Fale direito, pois quando você quer você sabe dizer muito bem as coisas. LIS: Está bem, eu acredito em você. Conte-me a história. FANDO: Sim, a história. Não sabia o que fazer, estava ainda atordoado e sai correndo em direção ao circo. Quando cheguei vi um homem que anunciava: “Foi a vontade de Deus, foi a vontade de Deus, este circo pegou fogo porque Deus assim quis”. Mas para mim o circo estava intacto, não havia o menor sinal de incêndio. Escutei um casal comentando que aquele homem chamava-se José Datrino, nome que provavelmente significa “nascido da trindade”. (Pausa) Fui em direção ao homem e perguntei o que estava acontecendo, qual o motivo para dizer que o circo pegara fogo. Será que

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estavam todos loucos? Ele não me respondeu e, como todos, nem sequer notou minha presença (pausa). LIS: Ele não notou sua presença? Como pôde? Ele era cego? Surdo? Não conhecia seu trabalho? FANDO: Não me interrompa, Lis. (Pausa) Foi o que pensei: ele era surdo e cego, ou louco. E sendo surdo, cego e louco ele não me responderia. Virei-me e fui embora. Ele me chamou e disse para que eu abrisse os olhos e parasse de enxergar apenas o que eu queria ver. Calmamente ele me contou a história: “O Gran Circus Mundial estreou em Niterói no dia 15 de dezembro de 1961. Era o maior e mais completo circo da América Latina – tinha cerca de cem artistas, quarenta empregados e duzentos animais. O dono do circo, Jean Stekonovich, havia comprado uma novíssima lona reluzente, que pesava mais de seis toneladas e seria da mais pura seda. A montagem demandava tempo e muita mão-de-obra. O dono contratou perto de cinquenta trabalhadores para a montagem. Um deles, o Dequinha,

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tinha antecedentes por furto e apresentava problemas mentais. Ele trabalhou dois dias e foi demitido. Inconformado passou a rondar as imediações do circo. No dia da estreia o circo estava tão cheio que Jean Stekonovich mandou suspender a venda de ingressos, para frustração de muitos que esperavam ansiosamente na fila. Nessa noite, Dequinha tentou entrar no circo sem pagar, mas foi visto e impedido pelo tratador de elefantes. No dia seguinte Dequinha continuava a perambular pelo circo e começou a provocar um funcionário que era constantemente acusado de ser o culpado de sua demissão. Seguiu-se uma discussão e ele o agrediu, Dequinha jurou vingança. Na tarde seguinte, Dequinha se reuniu com seus comparsas, Pardal e Bigode, com o plano de colocar fogo no circo. Eles se encontraram no Ponto de Cem Réis, na divisa do bairro Fonseca com o centro, e decidiram botar em prática o plano de vingança. Dequinha estava irredutível: queria vingança e dizia que Stekonovich tinha uma grande

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dívida com ele. Com 3000 pessoas na plateia, faltavam vinte minutos para o espetáculo acabar, quando o trapezista percebeu o incêndio. Em pouco mais de cinco minutos, o circo foi completamente devorado pelas chamas. 372 pessoas morreram na hora e, aos poucos, vários feridos morriam, chegando a mais de 500 o número de mortes, das quais 70% eram crianças. A lona, que chegou a ser anunciada como sendo de seda, era, na verdade, feita de tecido de algodão revestido de parafina, um material altamente inflamável”. Essa foi a história que ele me contou, acrescentando que a tragédia acontecera há mais de um mês. LIS: Eu não acredito em você! Isso é mentira! Esse homem é um louco! Falar uma coisa dessas! E por acaso não estamos nos apresentando? Isso não é um circo? FANDO: Foi o que pensei. Esse homem além de cego e surdo era também louco. Fiquei sabendo que anos depois ele foi visto pintando estranhas mensagens sobre

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o amor e a gentileza nos pilares de um viaduto no Rio de Janeiro. Acende-se a luz sobre a jaula do Artista da Fome que lentamente se levanta. Música de suspense, terror.

O ARTISTA DA FOME: Não! Vocês não podem matar o Artista Local! Vocês estão loucos! Isso é uma infâmia! Vão ceder ao desejo de sangue insistentemente perpetuado por essa mídia ostensivamente violenta? Vocês só podem estar loucos! Isto não é um circo! Isto não é uma obra de arte! Isto não é uma música! Isto não é cinema e muito menos uma dança!

Josefina Canta. Vladimir e Estragon atravessam o palco. Mitaro, Toso e Namur andam em círculo. O Artista Local e o Domador lutam. Soa o gongo. As luzes se apagam.

LIS: Eu acredito em você, Fando. Eu acredito!

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CENA IX Acende-se a luz sobre o Apresentador com pernas de pau.

O APRESENTADOR: Senhoras e senhores! Respeitável público! Temos a honra e o prazer de convida-los para o maior e melhor espetáculo de todos os tempos. Diretamente das entranhas da terra, das nuvens de tempestade, dos mares revoltos, uma salva de palmas para os artistas da fome! Charlatões desesperados, burocratas ensandecidos, desajustados de toda espécie, gênios

autoproclamados,

suicidas,

programadores,

prostitutas, viciados, agenciadores, bêbados, produtores, enganadores, poetas, cadáveres, virtuoses e mendigos! Abram os olhos e a alma porque o sonho vai começar! Um viva aos egos inflamados pela falsa modéstia, aos grandiloquentes sonhos de sucesso, fama e riqueza. Eis que diante de seus olhos incrédulos e famintos o 66


estandarte da loucura passa despercebido pela miopia repetitiva de pensamentos acostumados ao supremo bom gosto neoliberal de vidas cotidianas comandadas por elites corrompidas. Atentem para a obesidade lisérgica da poesia saturada de desejos mal disfarçados, a carne reverberada em quimeras e ilusões de ótica. A arte pela arte! O domínio da técnica e o virtuosismo. Vislumbrem a dor disfarçada de um corpo sustentado pela ponta dos pés, o virtuosismo cáustico do pianista e sua velha música nova enrijecida horas a fio pelo experimentalismo esfarelante das velhas vanguardas. Percebam todo o eruditismo que escorre de suas bocas verborrágicas

entupidas

por

citações

retiradas

diretamente da altíssima cultura europeia e norteamericana. Respeitável público!

Deliciem-se com os

conchavos misteriosos, as conversas secretas, os sarcasmos que escorrem lentamente, os venenos e os perfumes misturados com a inveja e o rancor. Senhoras e senhores, temos a honra de apresentar a farsa dos

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editais, dos prêmios, concursos, festivais, bienais e demais encenações e vicissitudes públicas.

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Márcio Barreto nasceu em 10 de maio de 1970, em Santos /SP. Escritor, músico, dramaturgo e compositor, pesquisa mundos paralelos no movimento imanente dos corpos e suas relações com Pindorama. Atualmente empenha-se na criação de uma nova língua geral brasílica. EDIÇÕES CAIÇARAS São Vicente Brasil

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A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Ca(n)tadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a autogestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, interessa-nos, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos um diálogo profundo com a Internet. Márcio Barreto CATÁLOGO POESIA O Novo em Folha - Márcio Barreto Nietzsche ou do que é feito o arco dos violinos - Márcio Barreto Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea - Marcelo Ariel (Org.) Perdas & Danos - Madô Martins Peixe-palavra (poesias caiçaras) – Domingos Santos Mar por perto – Flávio Viegas Amoreira Excídio – Jorge Melícias (Portugal)

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Anga-Ibiisi – Luis Serguilha (Portugal) Outras Marés –Madô Martins

DRAMATURGIA Atro Coração - Márcio Barreto Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes – Márcio Barreto

ENSAIO Obras Cadáveres - Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das Coisas Inúteis - Ademir Demarchi Desaforismos - Flávio Viegas Amoreira Meu Namoro com o Cinema – André Azenha Impressões Transmodernas – Antonio Eduardo

ROMANCE Teatrofantasma: O Doutor Imponderável contra o onirismo groove – Marcelo Ariel

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www.edicoescaicaras.blogspot.com www.youtube.com/projetocanoa www.percutindomundos.blogspot.com www.soundcloud/percutindomundos

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