Mundocorpo - Márcio Barreto

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MUNDOCORPO

As aerografias e outros desvios do tempo

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A presente edição é inspirada nos trabalhos desenvolvidos na América Latina através de Sereia Ca(n)tadora (São Vicente, Santos – Brasil), Dulcinéia Catadora (São Paulo – Brasil), Eloisa Cartonera (Argentina), Sarita Cartonera (Peru), YiYi-Jambo (Paraguai), Yerba Mala (Bolívia), Animita (Chile) e La Cartonera (México). Edições Caiçaras é uma realização do Instituto Ocanoa, Projeto Canoa, Imaginário Coletivo de Arte e Percutindo Mundos. Capa feita a mão com material reciclado. Contato: Márcio Barreto mb-4@ig.com.br 13-91746212 13-34674387

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Márcio Barreto

MUNDOCORPO

As aerografias e outros desvios do tempo

Edições Caiçaras São Vicente /SP Novembro de 2012

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© Márcio Barreto

Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração: Márcio Barreto

Barreto, Márcio Mundocorpo: As aerografias e outros desvios do tempo / Márcio Barreto – São Vicente: Edições Caiçaras, 2012.

99p. 1. Poesia brasileira I. Título Impresso no Brasil

2012 Edições Caiçaras Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – Centro São Vicente - SP - 11320-070 www.edicoescaicaras.blogspot.com mb-4@ig.com.br 13-34674387 / 13-91746212

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A dança dos átomos

Em 2011 participei de uma residência em dança contemporânea com a companhia belga Les Ballets C de la B, atualmente considerada como a melhor companhia da Europa. Organizada pela Bienal SESC de Dança, a residência tinha como objetivo a montagem de um espetáculo pelos coreógrafos Quan Bui Ngoc e Juliana Pires Neves, ambos da companhia belga. Após uma audição, passamos por uma rotina de ensaios diários que começava ás 9 da manhã e terminava às 5 horas da tarde. O corpo cotidianamente exaurido por uma dança sem identidade, um corpo cartesianamente separado do espírito. Quan Bui Ngoc nasceu no Vietnã e estudou balé desde cedo até ser descoberto por um coreógrafo europeu. Vive hoje na Bélgica, onde trabalha com a referida companhia. Em sua dança plena de uma qualidade de movimento dificilmente alcançada, percebi uma Europa sendo lentamente transformada em kitsch americano pasteurizado; a arte tratada como forma, tendência, moda, virtuosismo ou o que é pior: o claro indício de identidades culturais trocadas pela padronização econômica, o euro. O problema da perda da identidade foi discutido recentemente pelo escritor angolano Valter Ugo Mãe em “A máquina de fazer espanhóis”. Assim, como, de outra forma, J. L. Borges sentenciava que não era um escritor latino-americano, mas sim europeu, porque possuía em sua família o sangue inglês, espanhol, português e talvez judeu. Ironicamente, no início de nossa colonização portuguesa, definíamo-nos como nãoreinóis (não nascidos no Reino): não éramos brasileiros, não éramos mestiços, não éramos caiçaras, éramos o que não éramos. Cito esses fatos porque os poemas expressos na primeira parte do livro (Mundocorpo) seguem a reação que tive a eles: são as vivências e reflexões sobre o corpo e suas relações com o tempo, espaço, identidade, alteridade e memória - a escrita como

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espaço criativo e simbiótico de permanências instantâneas e habitações momentâneas. A palavra como dinâmica para o movimento, o nãolugar, a reinvenção da realidade a partir do contato da pele. A mente e o corpo unidos por partículas que ora se apresentam como matéria, ora como onda, letra e número de um universo fragmentado pelo cotidiano, onde a identidade é trocada por máscaras de ideais autosuficientes e a afetividade substituída pela liquidez das convenções.

Desta forma, situa-se a criação dentro de uma esfera conceitual onde a ancestralidade e a contemporaneidade, assim como o local e o universal são vistos como zonas proximais de ressignificação metalinguística. O processo criativo, como imagética genesíaca, desdobra-se em releituras identitárias que situam o invisível dentro da ficção do espaço conduzido pelo discurso poético corporal: a reinterpretação do passado como noção transformadora do presente através do consciente coletivo, suas memórias, tradições, nomadismos e hibridismos. O corpo visto como palavra, lugar, literatura, memória, música e afetividade. Em sua segunda parte (As aerografias e outros desvios do tempo) ocupo-me com as questões mais pertinentes à alteridade - o eu, o outro e o universo amalgamados em ficção poética. A escrita instaura composições a partir do eixo espaçotempo onde escritores, artistas, filósofos, músicos e bailarinos, transubstanciados em personagens e entrelaçados por zonas dramatúrgicas, movem-se através de horizontes de eventos criados pelo poema - substância metalingüística de uma realidade sinestésica, onde o ritmo contínuo das imagens (romance em forma de poesia), a partir de versos que continuam em grandes orações, procuram criar realidades cíclicas onde os eventos são labirintos de recombinações sígnicas. Alguns poemas são criados a partir de anagramas de outros poemas que escrevi, mesclando-os a uma teia de citações que formam um recorte contemporâneo e ainda antropofágico de um pensamento pretensamente caiçara. As

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citações, reais ou fictícias, assim como os anagramas, são o suporte para releituras do consciente coletivo caiçara através da criação de realidades paralelas dentro de uma imagética constantemente modificada pela ancestralidade e pelo eco de futuros possíveis, onde os sonhos são tessituras invisíveis de pequenos gestos e mundos que se repetem em um filme retrofuturista alimentado pelo princípio da incerteza. Outros poemas foram reescritos a partir de “Totem” (livro-sem-fim). Márcio Barreto

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MUNDOCORPO

“A noite de um mar revolto quebrando-se nas amuradas - o mundo era uma cidade pictórica com homens de chapéu e esquinas para o oceano. Quem teria se perguntado sobre o acaso?”

Urbano Montemurro Cidades, Constelações e outras Cronopopéias - Cáli, Ed. Viáfora, 1970 p. 94 – trad. Albano Cortez.

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Mundocorpo

Meu corpo é minha pele São minhas roupas É minha casa É o mundo que me rodeia Meu corpo é silêncio É a pele de outro corpo As roupas de outro corpo A casa de outro corpo O mundo de outro corpo Meu corpo é eternidade É o universo nascendo a cada instante Meu corpo é uma palavra que escrevo no espaço-tempo do seu pensamento

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O t贸rax e a imprevisibilidade

Para abrir o t贸rax da imprevisibilidade e comer as costelas da alteridade 茅 preciso ouvir estrelas ora direis

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Perspectivas

O sol a pino: cosmos entrevistos, silhuetas de verdades absurdas

O mundo por baixo da pele

O mundo com suas voltas, entonando c창nticos esquecidos, entornando aos goles a voracidade da vida

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AbrangĂŞncias

cravei os dentes nas costas inacessĂ­veis da imprevisibilidade

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Transubstanciação

esqueletos fósseis, somas e multiplicações Corporeidade em garrafas de refrigerante tumultos vespertinos e anônimos amores

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As pernas

os olhos da coruja sorriem com a boca escancaradamente humana como um pescoço sapato alto de vermelho mulher quando dou de ombros a engrenagem do tronco de Marte retorce os ponteiros do relógio de bolso sobre o abdômen adormecido pela televisão anunciando o homem pisando pela primeira vez na Lua e a Terra escondendo-se no umbigo do mundo

violinos navegam barcos em cordas de crina de cavalo

os braços!

movimentam-se ao mesmo tempo que o busto nu de uma mulher sem cabeça cruza as pernas sob a mão que segura o bumerangue

As pernas! Peri deitou seu corpo de lado e fechou os olhos

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Fuga em sol

O mundo desce ao diafragma e se aloja no plexo solar, o mundo, tudo que não entendemos, tudo o que não podemos sequer imaginar e no entanto vem em nossa direção e nos atropela enquanto o respiramos. O mundo. O peso suspenso no ar O corpo do vento dos continentes antigos A copa das árvores Os números e fatos de um mundo ao longe Estrelas do mar na areia da praia Sereias nas nuvens homéricas do pensamento Fisicalidade Contemplação ativa Fatorial Cândido está no melhor e possível dos mundos e Deus atravessa as ruas espantado com jingles artificiais violetas e latas de lixo

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Manhãs de maio

A morte de cem milhões de estrelas caindo sobre o imprevisível deslumbramento do eriçar dos pelos

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Clara?

O holofote no olho da cara cl찾 metade Clara cala a boca da noite e vai dormir enquanto tubar천es voadores rondam sua cama de repolho

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A semiologia da noite

Conjunto semiótico de verdades inesperadas síntese de inícios A língua da noite vai dormir seu sonho O verbo O ato ininterrupto

A noite com suas asas e furacões o corpo, o corpo suspenso, vagando no espaço impreciso do oceano, onda

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Eutonias amorosas

Abraçar os espaços vagos da casa aberta - beijar atÊ desfalecer a realidade e o mundo abrir-se num quadro impressionista

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O pêndulo

Sorriso estelar, a Ponte Pênsil. Inusitada pelos anos, afora. A ponte, pênsil entre os mundos de outrora, imaginações, potencialidades. O pêndulo.

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Repetição e transformação

Eu estou tentando. Mas é apenas a enseada de São Vicente fitando o espaço entre mim e você enquanto colho ventos marítimos e sinto o fluxo do sangue correndo pelas veias e artérias de meu corpo...

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O sexo, Kafka e a Idade Média

Cadeiras kafkianas olham verdes futuros na Idade Média. Roupas sujas por lavar. Exposições concretas. Reproduções de fatos dispersos. Ou para ser exato. Mil quinhentos e cinqüenta e quatro. A corte. Reis e rainhas com suas igrejas e sentimentos burlescos. Dádivas e dúvidas divinas. O sexo. Castelos de pedra. O tempo. Difuso.

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LimĂ­trofe

Eu queria ver o limite atĂŠ o ponto de apagar. O branco, enfim.

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O dorso

Universos abraçam-me a pele da palavra tenra como gesto tênue sobre o dorso do esquecimento

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Músicas aleatórias

- o mais é reticência.

O silêncio dos meus ossos são átomos Vontades Istmos Íons Folhas Tendões Pedras Raízes Quasares

Dúvidas em mesas postas para o fim do dia

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Pelas frestas do infinito

Meu pensamento-chuva inunda a pele dos sentidos enquanto danço com o silêncio colado em meus låbios pelas frestas do infinito tardio das alvoradas

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Inventário acerca de uma solução imaginária

Quando Voltaire foi pura risada Fevereiro inteiro correu adiante Se em março choveu a cântaros o silêncio abrupto rompeu em gargalhadas: Os corpos espalharam-se pelo chão rubro de luz

Abril Exclamava-se em sol

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Micrômegas

no Micro Macro Cosmos da insensatez humana

algo que faça reinventar a verdade

- ou o que teríamos nas mãos além dos céus

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Oceânicos

Riscar dos mapas de nossos corpos todos os vestígios da memória até deixarem de ser só e completamente o impossível Anular-se, enfim, para que o imponderável brinque com os temporais

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Na curva do tempo

O espaço se entorpece na distância que foge pela velocidade do corpo

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O big bang

o espaço Encontrado: Fragmentos de estrelas anãs entre os dentes Teria sido o princípio?

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Imprecisão

Morder a orelha do livro e passar as mãos na perna da mesa da eternidade procurando por evidências que nos façam acreditar que o tempo continua passando

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O mundo imerso em nossas cabeças

corpo solidão fio do que sou solto no vento suscetível da pele em contato com os olhos do mundo míopes pela fumaça que incansavelmente sai de nossas cabeças aturdidas pelo movimento incessante das órbitas interplanetárias e itinerários imaginários

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A carne de Macunaíma

carne da tua perna carne

carne da tua boca, carne palavra e pensamento para Macunaíma voltar e abruptamente devorar a fogueira de nossas dúvidas

Curumins em volta da noite densa dançam com abaporus e curupiras inebriados com a sabedoria dos tupinambás

lusíadas fomes de literatura versos, estratagemas e labirintos

carne da tua carne pernapalavravolta - poça

dos fatos: na poça de água a carne da tua perna me chama através do herói distraído pelo milagre da multiplicação de desenhos geométricos: árvores que brotam na carne do meu pensamento

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Do alheamento das matas

Fazer do corpo o incontido das unhas o universo dos pĂŠs o vĂ´o

Saber do corpo a intransigente metafĂ­sica

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Jorge Luis e o labirinto

os sentidos da palavra corroíam-se engessados na visão de espaços ainda abertos...

o pensamento em disparada deslocado no corpo pela palavra recém-inventada por Borges perdendo-se entre caminhos, bifurcações, cruzamentos, labirintos, letras e possibilidades

repentinamente viu-se nuvem enquanto os sentidos da palavra corroíam-se e o pensamento em disparada encontrava-o cego pelo brilho do silêncio aberto por um quark distraído

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Súbito

Súbito o céu Como cem palavras mudas

O céu Difuso como se o fosse O universo

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A cabala do corpo

Setenta e sete lugares em que poder铆amos estar Cento e duas possibilidades distintas de cinquenta e cinco partes alojadas na raiz quadrada de datas, mem贸rias e esquecimentos 贸sseos

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Poros!

O mundo. Coeficiente quadrado. Ocluso como gaivotas que Sustentam O cĂŠu na pele

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Prótons poéticos

Estrutura Protopoética propensa à estupefação e à impreteribilidade dos fatos: ponto de fusão, violetas africanas, hidrantes londrinos, incensos hindus e gigantes vermelhas

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A poça e o vazio

para que seja possível o impossível um que qualquer que faça reinventar outra alegria

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Semi贸tica

enquanto signo reinventado o mundo sigo

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VisĂľes calcĂĄrias

na cordilheira do Himalaia antigos peixes e conchas esperam o momento de voltar ao mar

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Os ossos da unha

Cadeiras de madeira trabalhada, ipê. Máscaras de ferro. bombas fumaças, gazes, estilhaços e pedaços de construção.

Argamassa. O cal, o caos.

Saiu do cinema e perguntou se acaso a realidade não era aquela. Olhou assustado à sua volta. Os carros que passavam, os fios dos postes, os telefones públicos, bares, bancas de jornal, lojas, a calçada sob seus pés. À sua frente, seres semafóricos executavam encenações duvidosas, crianças dormiam dentro de caixas eletrônicos e a fina garoa caía obliquamente sobre seus ombros e pensamentos. Unhas. Ossos de milhões de unhas. Pele sintética, dentes de platina. Sobrecapas de chuva, chapéus. Chuva ácida. Segredos e sementes de guaraná. Conversas celulares. Diálogos e cápsulas espaciais, projetos de arquitetura futurista. A fé.

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A luz não escapa à gravidade

Estrelas afoitas ardem em cem bilhões de graus até que as almas se completem em hidrogênios, hélios e deutérios

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Ora direis ouvir estrelas

Quebra de simetria sub nuclear

Quarks Prótons Nêutrons

Do hidrogênio viemos e ao hidrogênio voltaremos

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Um som que se propaga

O corpo ĂŠ a morte brincando de ser eterna

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Sabedoria símia

Se o verbo é cego a palavra é surda e a imaginação muda

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Teoria das perturbações

um corpo negro estendido no éter dos olhos são como estrelas azuis - nenhuma luz o atravessa Nele nítido como uma curva o invisível é o contorno da incerteza constante das ondas - luz ultravioleta que atravessa a transparente membrana do silêncio: eco de dúvidas línguas mortas e aproximações

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Antes

Sinta o futuro agora antes que se torne ontem

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Sumário

70 bilhões de trilhões de estrelas no universo observável 365 dias no ano 4 principais heterônimos em Pessoa 21 camadas de realidade 7 bilhões de pessoas no mundo:

120 mil fios de cabelo por pessoa centenas de ossos, quilômetros de veias trilhões de células E para cada célula 10 microorganismos diferentes

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O pequeno almoço

Em cima da mesa. Na mesa. A mesa.

A mesma mesa pó estrela prato assombro abismo queda vôo

O mesmo outro eu você ninguém Todos Em cima da mesa posta:

Universos multicoloridos devorados a trilhões de metros por segundo

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Pequenas anotações sobre canções imaginárias

teríamos certeza de que tudo não passara de um desvio na reinterpretação de signos lugares e silêncios

o sonho:

estrelas gigantes vermelhas consumindo-se em hidrogênio o vento das galáxias antigas pedaços do incabível por entre o espaço dos átomos dedos pensamentos

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O sonho – labirinto invisível Marcelo Ariel e Márcio Barreto

abro a porta e o espaço é uma sala branca infinita feito olho osso que se abre a outras salas brancas infinitas como esse gesto

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AS AEROGRAFIAS E OUTROS DESVIOS DO TEMPO

Consubstanciação. Teria bastado observar as vidas ao redor, as tramas que seguem seus caminhos diversos, os nomes e as datas. Ou simplesmente, teria sido necessário um conjunto absurdo de lugares e histórias, o maior número de exemplos para explicar o mesmo fato e suas peculiaridades.

Martin Lang. Cartografia do Invisível, Ed. Sueño, Córdoba, 1942 p. 223

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O jardim

O Mundo imprevisibilidade de perspectivas e abrangências um som que se propaga pelos poros de prótons poéticos transubstanciados em pernas, estrelas e fugas de manhãs de maio

O corpo e o lugar visto O tórax, a poça e o vazio dos ossos da unha O big bang na curva do tempo A carne de Macunaíma entre os dentes do infinito

- A luz não escapa à gravidade, ora direis Mas para ouvir estrelas é preciso ter o mundo inteiramente imerso em nossas cabeças repletas de oceânicos universos

Átomos dançam sobre o dorso do esquecimento ao som de músicas aleatórias repetindo-se em Visões e semiologias

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de labirintos por onde Kafka e Borges reinventam soluções imaginárias: Corpo e cabala o sexo Súbito e claro como o alheamento limítrofe dos amores pêndulos nebulosas

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Os anagramas

72 nomes para o nome de deus vezes 92 elementos químicos entre o céu e a terra de 10 algarismos

o ar

as caixas de fósforos os rádios portáteis os liquidificadores autolimpantes os imensuráveis caminhos da muralha da China as intermináveis citações fictícias de Borges o invisível estrondo do universo rompendo o silêncio o ozônio as bigornas utilizadas na Idade Média o véu das cascatas a insigne luz dos pirilampos os sacis os curupiras as engenhosas esculturas pré-colombianas o acesso ao metrô da Avenida Paulista os dias de chuva o pulso causado pelo piscar dos olhos

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a mudança do clima pelo movimentar dos dedos o barulho dos carros na avenida o inconsubstanciável o indivisível o imponderável as fivelas do cinto as curvas do morro o samba dos terreiros as rodas de capoeira os navios negreiros os cristais da Turquia as especiarias índias os aparelhos de DVD os grãos de areia os cacos de vidro dos caleidoscópios os quadros secando no cavalete os raios do sol o rápido dobrar dos dias a poeira sacudida do tapete no varal o universo em movimento a dança contínua dos átomos os degraus da escada o trem a vapor as lembranças

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os futuros a lucidez de Elvira a cosmografia de Urbano Montemurro os desaforismos flavescos a morte demarchiana as submetralhadoras e anjos afogados de Marcelo Ariel os portos de Atanes o céu azul de Gilberto Mendes as consubstanciações de Martin Lang os talheres na mesa a fome dos tupinambás as wisnikianas visões da ilha de São Vicente o abrupto momento dos ventos noroestes os ácidos trópicos as esferas dos equilibristas a água entrando pelas narinas os números pitagóricos o sal o medo e a vontade de voar

o número zero o mar

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A literatura cosmográfica

Labirinto número um: Interferências - letras mais do que números

Cândido debruça-se sobre a vasta planície de sua biblioteca com vista para o extinto Mar de Macondo Entre os livros Severina carrega o peso de cinquenta anjos nus - seus olhos são cacos de vidro espalhados pelo chão de sorrisos acostumados a tudo o braço de um dos corpos se desloca e atinge seu lábio superior - ela fecha os olhos a tinta escorre pelo canto da boca e seu rastro instantaneamente desenha cosmografias em preto e branco Céus, Estrelas, Planetas e Luas distantes que se chocam a um palmo de seu pensamento geometricamente móbil na lombada dos livros Cândido sorri! seus olhos fixos embriagam-se: Em 1889 o metrô de Turim abre suas portas para a avidez dos beijaflores, Nietszche enlouquece ouvindo no rádio que o arco dos violinos é feito da crina dos cavalos e Kafka, sem saber que somos feitos de pequenas lembranças E esquecimentos imensos, depara-se com os muros do castelo por onde Borges escreve seus labirintos invisíveis Repentinamente A celulose encobre sua cabeça e Cândido

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como um aleatório dragão chinês entre nuvens de dúvidas e anjos que caem enfim rascunha a cartografia de um novo mundo de ruminações - ao seu lado se perdendo em grãos, coincidências, sonhos, imprevisibilidades e improváveis combinações sobre os desertos e mares de Pessoa, Severina dança nas voltas do papel enquanto Martin Lang desenha, por baixo de sua pele, infindáveis mapas de cidades imaginárias por onde Urbano Montemurro procura obstinadamente a primeira edição da “Caligrafia das Galáxias Distantes” de Liang Yu

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Significações e imprevisibilidades

Prevendo o passado-futuro e não acostumados a uma interpretação cotidiana, linear e automatizada do tempo, Martin Lang, Sidarta, Mahatma Gandhi, Karl Marx, Nietszche, Peri e Kant

obstinadamente tentam recolher os destroços do big-bang ainda perpassando suas pupilas dilatadas e mundos sub-atômicos

Súbito Peri alheia-se na mata do esquecimento repetindo-se em fragmentos de folhas secas e citações fictícias enquanto transforma o sol em visões de ossos, prótons e poros - luz que se propaga no espaço fimbrio das manhãs de maio

dúvidas oswaldianas o consomem: entre as pernas do infinito dispersa cacos de palavras desconhecidas Sartre segura suas mãos e pula: Sob seus pés milhões de estrelas fogem apavoradas

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O conjunto dos números binários

Alheio a sua volta Atanes segura um livro nas mãos enquanto seu chapéu voa pelas ruas de Buenos Ayres e Urbano Montemurro caminha por antigas calçadas em frente à praça onde Peri segue rastros de sombras e vórtices de tempo-espaço causados por imensas massas de pensamento ordenado por cálculos e probabilidades sub atômicas, Demarchi conversa com a morte das estrelas e no rio Ganges Marcelo Ariel conecta-se, ao mesmo tempo, com Hilda Hilst, Samuel Becket, Emily Dickinson, Plínio Marcos, Patrícia Galvão, Gilberto Mendes, Óscar Limache e milhões de usuários da rede mundial de computadores ávidos pela velocidade da informação desenfreada. No epicentro de suas idéias o cais de Atanes é uma lembrança de páginas e citações sem fim - no mais o mundo é o que não vemos.

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O vôo

Na biblioteca submergida - por entre seus labirintos hexagonais de tempo Amoreira transcodifica eternos retornos de referências fragmentadas filmes mestres o samba Coltrane livros músicas – tudo gira através do suor que escorre de sua testa e repentinamente encontra a haste dos óculos (sim, a biblioteca é seca como o Atacama)

Zarah Leander canta uma música alemã de 1930 e Gilberto Mendes é uma criança de oito anos que segura as suas mãos enquanto dança com os dias que virão. Quando se ouvem os últimos acordes Flávio Viegas Amoreira voa com as gaivotas de Tchékhov e encontra Elvira, a louca, afogando anjos em nuvens de tempestade – os anjos não morrem

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A ante-sala

Com os olhos sujos de barro José Geraldo Neres tira de suas costelas Duas imensas estrelas anãs:

Seus átomos subvertidos em poesia Encontram os iorubas sentados sobre o tempo:

Sim, na África os chapéus são crianças que nascem de baús

Dança o rei Nagô!

- Dóris assiste a tudo surpresa com a profundidade do abismo e os desvarios do verbo

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O elevador quântico

Na densa mata do “onirismo groove” entre pedras e folhagens o “Doutor Imponderável” luta contra uma intrincada rede de possibilidades dispersas no horizonte de eventos por onde Marcelo Ariel conversa com Flávio Viegas Amoreira sobre a permissividade do vácuo enquanto o elevador desloca-se a trezentos milhões de metros por segundo no paraíso de alteridades intertextualidades e aleatoriedades a luz curva-se frente ao paradoxo:

Atanes Mudo como o mar que invade a memória de Peri Converte-se subitamente no Condensado de Bose-Einstein Enquanto Ariel se distrai com os tigres de Borges E Amoreira brinca de reinventar palavras

A 100 metros de distância Envolto pelo princípio da incerteza Demarchi recolhe cadáveres na praia onde os tupinambás devoravam a carne dos inimigos

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Átomos náufragos tingem de azul a espuma das ondas no exato momento em que o Bacharel Cosme Fernandes toca seu ombro e aponta para José de Anchieta escrevendo uma carta na areia para Macunaíma

Demarchi para e lembra dos dias em que o pai de Regina Alonso olhava demoradamente as catraias no Mercado Municipal e a Ponta da Praia era uma colônia japonesa por onde Gilberto Mendes remava com James Joyce enquanto conversavam sobre Dorothy Lamour e a possibilidade de Ulysses viajar no tempo ou ser seduzido por sereias demarchianas

De volta ao seu estado natural Atanes pergunta a Peri se acaso não teriam discutido sobre a velocidade da luz os filósofos gregos Empédocles, Aristóteles e Heron ou se teriam chegado a alguma conclusão os árabes Avicena e Alhazen

Amoreira abre a porta e cumprimenta o porteiro. Ariel volta para pegar sua AR-15 esquecida na sala de Atanes.

Na rua milhares de abaporus movimentam-se pelo éter luminífero dos celulares parindo elevadores quânticos. Dentro dos olhos de Peri Célia Faustino dança com suas pupilas – leve como o tempo do seu corpo costurando e descosturando os livros de Madô Martins e seu amor sem fim Um fusca em alta velocidade cruza a avenida com Stamato e Zéllus Machado rindo – o mundo é a areia da praia encobrindo os sonhos de César Sanches

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O corpo revisitado

Em plena Avenida Paulista Chiu Yi Chih carrega bambus amarrados por cordas invisíveis que vibram com sua magreza lisérgica em contato com o silêncio metacorporificado da Casa das Rosas escorregando por entre suas ranhuras, dobraduras e costelas a mostra. Em seu jardim bifurcado por intermináveis provocações, estrelas e lembranças convertem-se em escadarias por onde Cláudio Willer calmamente devora fronteiras, pórticos escadarias feras e apocalipses Chiu – obcecado por sincronicidades volta seus olhos para o céu e Seus olhos espantados são um imenso mar de anotações e posteridades alteradas por sucessivas Ondas oceânicas causadas pelo dragão chinês que naufraga em sonhos e é resgatado por Ulysses

Willer comovido com o surgimento do novo abraça Cândido escondido entre nuvens de alter-egos e passados recentes Nuvens de calças revestem seus pensamentos maicowiskinianos - estrelas redesenham a vidraça da janela aberta pela chuva repentina (intensamente molhado Chiu a fecha e deixa cair duas constelações que esparramam-se pelo chão de sua pele procurando por calor)

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Aturdido com um sem número de micromacrointertextos por minuto Ariel atira a esmo na multidão que sai da Casa das Rosas: suas balas sementes se enraízam pelo corpo atingido, alcançam os pensamentos e, enfim, o silêncio guardado por anos a fio eclode em gilbertianos motetos em ré menor

Willer despede-se de Cândido e o mundo ainda é uma imensa página em branco que Chiu tenta preencher com a pressa da idade

Na sala de seu apartamento Peri ouve os carros atravessando a avenida e o mar Incansável Quebrando-se nas amuradas da calçada enquanto reabre a janela e a noite subitamente invade suas retinas desacostumadas com a língua geral paulista

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Sonho contínuo

as doze horas e dez minutos Gilberto Mendes acorda de um sonho inesperado e levanta-se de sua cadeira:

uma galáxia desavisada choca-se com outra Mario de Andrade imagina tupis tocando alaúdes Célia Faustino rega suas plantas com o silêncio de Nietszche Montemurro encontra a orelha de Van Gogh um cão indeciso retarda o passo da dona Oswald de Andrade consome-se em dúvidas Villa-Lobos acende seu segundo charuto em frente ao piano De Antonio Eduardo que passeia na Bélgica enquanto Cientistas descobrem a partícula de Deus

- ao fundo no céu azul milhões de estrelas escondem-se na luz estonteante do meio-dia enquanto Jack Fortner acorda na Concha Acústica sonhando com Gilberto Mendes levantando-se de sua cadeira as doze horas e dez minutos

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enlevos e significaçþes de um mundo ao longe

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As desconexões – labirinto dos monólogos

Marcelo Ariel está acorrentado entre os guindastes do cais

- De costas para o mar Suas asas inutilmente tentam libertá-lo da continuação plausível de Cruz e Souza

Enquanto vocifera toda sua obra multiplicada simultaneamente em duas mil e doze línguas antigas réplicas, reinterpretações, transformações e dilacerações se estendem pela pele de suas alteridades mudas e absortas como o deserto de Atacama

Tristão o observa minuciosamente através das moléculas de seus sonhos, localismos e cosmopolitismos

pensamentos mariodeandradeanos criam a sua volta um pequeno horizonte de eventos que se materializa em ventos noroestes, desertos, labirintos, tigres, espelhos e citações sobre as possíveis subversões do silêncio Próximo a eles

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um imenso buraco negro devora a luz de seus monólogos desconexos

Atanes, estarrecido com o céu azul de suas lembranças rapidamente Corta o cais - seus olhos míopes como os de Nietzsche tropeçam em anjos, arcos de violinos e bibliotecas submergidas

ao ver Ariel subjugado pelo oceano e pelo Brasil de Abel Bonnard perdido entre os anos de 1927 e 1929 subitamente lembra-se do tempo em que vendia jornais e anunciava as notícias pelo megafone enquanto o mundo passava pelas rodas de sua bicicleta e a cidade, invisível como um mapa de Martin Lang Celebrava o antropofagismo

Ariel se cala e adormece no mesmo instante em que milhões de usuários da rede se perdem em nuvens de calças e números binários

Atanes se aproxima, fecha os olhos e Pergunta-lhe sobre a matéria de seus sonhos E se ela, por acaso, poderia reconstruir a história da

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galáxia através da recombinação de desertos e labirintos ou se estaria correto afirmar que o mundo é estritamente o que observamos

- O vento abre a janela e Ariel acorda na sala de Cruz e Souza enquanto se prepara para ir ao porto encontrar Tristão de Athayde com Flávio Viegas Amoreira e Patrícia Galvão

Impaciente e com as mãos suando Atanes abre a porta e esquece suas dúvidas Ariel repentinamente lembra-se do sonho e responde-lhe que o mundo é muito menos

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Labirinto número 3: Tabacarias, sereias e pontes

A Ponte Pênsil aquieta-se frente ao mar - Demarchi sonha acordado: amarrado ao mastro da máquina ugovalteriana de fazer espanhóis e sem qualquer outra possibilidade de fuga, abruptamente transforma-se em uma profusão insandecida de Silvas disfarçados em barbeiros, polacos, astrônomos, poetas, trabalhadores braçais, donos de tabacarias e homens do campo que lentamente devoram seus átomos enquanto reconstroem o universo de suas memórias no exato momento em que a Ponte Pênsil - atravessada novamente pelos carros, bicicletas e pessoas alheias ao mar, desperta-o entre o caos e o silêncio: a sua volta morrem tabuletas, versos, ruas, línguas, planetas e sistemas

Refeito do sonho-corpo Demarchi levanta-se caminha em direção à praia e senta na grama do paraíso (o chão brilha como espelho) : São Vicente, 1994 – Mr. Conrad lhe assegura que O mar existe

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para além dos mortos que habitam a biblioteca de babel

Demarchi olha-o através dos óculos e lembra-se que na sala de jantar (banhada pelo sereno de seis mil livros) seus sete leitores esperam a chegada dos 7% de analfabetos absolutos enquanto tentam explicar para os restantes 68% as 15 principais receitas de pirão de sereia

- sim, novamente as sereias com seu canto mudo, olhos vítreos e asas molhadas

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Recodificações

no objeto arte, na ilha de Madagascar Lucrécio, Copérnico, os antigos atomistas gregos e Giordano Bruno sentam-se em volta de um baobá - Peri banha-se nas águas do mesmo universo multifacetado onde Merleau-Ponty é surpreendido por chuvas fenomenológicas que lhe alteram a percepção dos infinitos universos que se desdobram em outros infinitos universos dentro dos infinitos mundos de Deus

saturado de pensamentos anímicos Giordano Bruno levanta-se silenciosamente e cobre o horizonte com um breve olhar que continua em infindáveis argumentos e diálogos acerca da relatividade de todas as coisas: três minúsculas estrelas caem aos seus pés e o impacto balança suas roupas

em sua mente A matéria escura é um éter luminífero de possibilidades, o conjunto de todas sub-partículas atômicas no preciso instante de não existirem em Recife no centro do universo transformado em movimento o baobá enterra a cabeça E Exupéry passeia pela Praça da República imaginando pequenos planetas de órbitas estranhas

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O retrato

Na praia do Itararé transportada para a Albânia de 1932 As traves do gol sobre a areia dura são travessões de diálogos imaginários entre fotografias em preto-e-branco: Wisnik caminha pelas ruas da Ilha de São Vicente transfigurado pela poesia sórdida de Plínio Marcos: no centro de Santos milhares de macunaímas comem atordoados o resto de seus pensamentos enquanto torcedores fanáticos lotam os estádios de futebol para lembrar Ademir da Guia Entregue à música de Gilberto Mendes – arquitetada na quietude ínfima dos séculos, rende-se enfim ao impactante silêncio-estardalhaço de suas pupilas abertas: abaporus, prédios, estivadores, malandros, ruas, literatos, historiadores, editores, hidrantes, putas, compositores, bêbados, caixas eletrônicos, igrejas, gênios, bares,

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especialistas, carros boêmios, críticos de arte, bailarinas e motoristas de ônibus transformando-se na evanescente lembrança do engano: no mar Báltico um homem embarca para o Brasil pensando ir para Nova York

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Paris, 1994

rememorações de fotos antigas - Adilson Félix fecha e abre rapidamente os olhos: entre colunas de aço transcodificadas em poderosas lentes panorâmicas absorvendo cores, países, simetrias e mundos-branas em preto e branco Roy Schatt, James Dean e sua Rolleiflex despreocupadamente sentem o breve passar da eternidade por Nova York, 1954. São Vicente...

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O silêncio de Duprat

Livio Tragtenberg está preso em uma jaula de memórias dúvidas e futuros absolutos - a arte caminha à sua volta Incômoda como a marcenaria de Rogerio Duprat em Itapecirica da Serra, SP - no final dos anos de 1970, uma massa difusa de ex-presidiários, pesquisadores, atores, clowns e músicos curiosos aproxima-se de suas grades: alimentam-no! E ao faze-lo imediatamente transformam-se na projeção alquímica de quasares distantes pulsos ecos e silêncios Através das grades com os nervos expostos ao temporal Tragtenberg procura desesperadamente entender o significado remoto do “Alfabeto para os Peixes” em sua memória São Paulo é um punhado de timbres invisíveis que Haroldo e Augusto de Campos teimam em reinventar com a vivacidade dos seus 15 anos - tudo passa por seus ouvidos Irremediavelmente contaminados por um invisível processo intersemiótico iniciado em 1929 por Lustig e Kemeny que Abruptamente mergulham no silêncio de Duprat:

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A sombra do corpo

reinventada a palavra-coisa-caos para além da iminente transubstanciação do acaso em universo: Serguilha levanta as golas do casaco cinza e o verde de seus pensamentos é o azul transfigurado em nuvens de citações que se tocam invisivelmente pelas rupturas do absurdo mar português - as ondas batem em seus pés e os destroços de antigos naufrágios são como o sal de lágrimas que escorrem pelo canto de sorrisos semânticos, polissêmicos como um milhão de possibilidades dispersas pelo horizonte a sua volta: Enquanto os tupinambás erguem a ibirapema e esticam a muçurama na cintura de makunaima a palavra-fragmento-onda-cavalo- loba-turbilhão é uma lava que escorre poetas sonâmbulos surfando sonhos dentro de estranhamentos absolutamente alheios aos significados e seus temporais: no centro do universo codificado pela mistura improvável de silêncios e oceanos Serguilha regurgita LAHAR-fissuras de tempo-corpo-espaçoausência Ao mesmo tempo em que os tupiniquins repentinamente lembram que não existem mais -oco-passo- --------------------

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O insubstanciável

Corinne encosta a cabeça no ombro de Gilberto Mendes e canta: O mundo é um sonho tênue – suave como o gesto de suas mãos que encantam os olhos do compositor absorto nos labirintos de suas lembranças-teias que teimam em capturar o fulgor de seu lento naufrágio rumo ao esquecimento Ao seu lado Messiaen nada entre ondas martenot e reza pelo fim dos tempos Máquinas schafferianas escorrem óleo sobre os ouvidos atentos de Stockhausen que escuta tudo como se fosse a primeira vez Corinne levanta-se e olha a janela enquanto Mendes desliga a tv Todos somem, tudo é silêncio

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As pupilas do compositor

Gilberto Mendes olha para Flávio Viegas Amoreira e diz que tudo o que seria já se formara antes dos seus 16 anos de idade. Ele ri e lembra-se de tudo o que viveu cada filme música encontro viagem diálogo como se cada segundo de sua vida pudesse ser relembrado em detalhes Amoreira, com seus pequenos olhos negros de fazer doer, converte-se em uma miraculosa máquina de chuva que instantaneamente o leva para Nova York em 1929 Em Santos, as folhas dos chapéus de sol caem agitadas pelo vento repentino O mar agita-se e os transatlânticos aguardam o momento para aportar Em breve, o porto será uma lembrança Mendes bebe um pouco mais de seu chá Ulisses olha pela janela, enquanto o anjo Ariel esquiva-se de balas perdidas Tudo é um sonho nas pupilas dilatadas do compositor,

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um sonho nítido e móvel de cem bilhões de pixels criando nuvens de tupinambás que se cercam de paus, canoas e ocas ao som de músicas concretas Mendes fecha os olhos e as ruas de Darmstadt estão sob seus passos misturados com o chão frio da agência bancária onde conta o dinheiro que escorre e muda de mãos dia a dia Amoreira arruma a gola do casaco cinza e lembra do que não viveu

O mar chama Mendes não toca mais o piano, sua música é uma criação intelectual vinda de um sem número de referências cruzadas, um imenso quebra-cabeça móvel. Ulisses continua ao seu lado, fiel ao sonho de surfar a onda perfeita. Dorothy Lamour lamenta-se sentada nas areias escaldantes de Copacabana Tudo já foi dito O mundo gira Sem saber como Marcelo Ariel despenca sobre a mesa onde os tupinambás saboreiam seu delicioso mingau Silencioso como o número exato de todas suas palavras escritas no branco frio do papel, levanta-se e livra-se das sobras

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Flávio conversa com o coelho da cartola de Gilberto Mendes que, distraído com a música de Jack Fortner, não percebe o fim do mundo Tudo gira nas voltas da porta bandeira que atravessa o solo árido da Casa das Rosas enquanto os abaporus sorvem seus cafés expressos e fragmentam-se em diálogos desconexos

Viegas conversa com Deleuze perdido em labirintos construídos aleatoriamente pela não-vontade, o não-objeto, o vão desejo da eternidade Aos poucos, a tinta descola-se das paredes da Casa das Rosas, o gesso cai, as flores murcham, as janelas se abrem e os paralelepípedos da Avenida Paulista, um a um, flutuam desenhando novas ruas para o assombro dos motoristas em seus Motoblocs

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As lentes e as pontes

Atrás dos óculos de José Gerado Neres o mundo é uma sombra refletida na folha de papel sob seus dedos

Em Santo André da Borda do Campo João Ramalho escapa de uma flecha envenenada pelo padre Manoel da Nóbrega que em poucas palavras acusa-o de viver como um animal, escravizando indígenas, matando-os e servindo-se deles para seus prazeres e ganâncias sem fim Neres encontra-se no epicentro do mar silencioso de suas palavras Que gradativamente inunda o espaço da sala repleta de desenhos, sonhos e lembranças A imagem reina: o mundo através dos olhos, o barro, a macumbaria poética de suas ancestralidades

- os tupinambás dançam e bebem cauim, logo a ibirapema balançará no ar atingindo a nuca do inimigo, todos celebrarão e a carne do inimigo será repartida .

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O trinômio

Livio Tragtenberg está com dor de cabeça, sente quando ela está chegando, sorrateiramente espraiando-se pelo seu lado direito. Não irá beber, mas bebe. Frederico Barbosa o espera desde as cinco da tarde. O mundo é a poesia descontruída de Haroldo de Campos celebrada no decorrer do ano. Estudada, pressentida, analisada, esmiuçada como a dor de Livio. A arte navega entre ondas de favoritismos, despotismos, editais, camas. Mesas e banhos. Aos catorze anos Tragtenberg escuta que não tem o menor jeito para a música, seu professor o encontrará anos mais tarde dirigindo um projeto onde ele é percussionista. Tragtenberg, depois do ensaio, pergunta-lhe se lembra dele, o professor-percussionista-da-orquestra-sinfônica-de-são-paulo lhe responde que não. Livio o agradece, não ter jeito para música lhe ensinou a música.

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Márcio Barreto nasceu em 10 de maio de 1970, em Santos /SP. Escritor, músico, dramaturgo e compositor, pesquisa mundos paralelos no movimento dos corpos e suas relações com Pindorama. Atualmente empenha-se na criação de uma nova língua geral brasílica.

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Os mundos de Márcio Barreto

Uma percepção da arte como uma experiência inventiva, fundadora e identitária, parece ser o vetor do trabalho do músico e escritor Márcio Barreto, algo que ele mesmo denomina arte contemporânea caiçara, arte no sentido do fazer e da manufatura vistos como expressões da vida interior. A escrita, fragmento essencial do registro da imaterialidade da música, a partitura , a letra e o poema, são vistos por ele como partes de um mesmo todo sígnico, seus poemas aqui impressos, como não poderia deixar de ser, estão profundamente ligados ao processo de pensamento que em sua filosofia da composição ele tenta unir ao modo de improvisação criado pela necessidade de expressão vital e pela perplexidade diante do mar ou seja pelo chamado ‘pensamento caiçara’, sim, é um pensamento filosófico que o Sr. Márcio Barreto procura desenvolver ao unir conceitualmente música e literatura dentro de uma ideologia genesíaca e antropofágica. Desde “O novo em folha” até esse “Mundocorpo” passando pelo inclassificável e gigantesco “‘Totem”, Márcio Barreto atualizando o “Do it yourself” do movimento punk e agregando a esse “faça você mesmo” uma sensibilidade cada vez mais voltada para o coletivo e suas irradiações nômades prossegue em sua obra-vida o que vejo como uma provocação contínua. Márcio nos poemas e textos deste “mundocorpo” elabora uma tentativa de reflexão sobre a dança e sobre o papel do corpo. Existe um didatismo maiakovskiano acompanhado de uma profunda musicalidade em seus poemas, Oswald de Andrade se vivo estivesse veria no Sr. Márcio Barreto, um de seus continuadores.

(Marcelo Ariel) - escritor e dramaturgo

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EDIÇÕES CAIÇARAS São Vicente Brasil

A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Ca(n)tadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, interessa-nos, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos um diálogo profundo com a Internet.

Márcio Barreto

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CATÁLOGO

POESIA O Novo em Folha - Márcio Barreto Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos - Márcio Barreto Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea Marcelo Ariel (Org.) Perdas & Danos - Madô Martins Peixe-palavra (poesias caiçaras) – Domingos Santos Mar por perto – Flávio Viegas Amoreira Excídio – Jorge Melícias (Portugal) Anga-Ibiisi – Luis Serguilha (Portugal)

DRAMATURGIA Atro Coração - Márcio Barreto Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes – Márcio Barreto

ENSAIO Obras Cadáveres - Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das Coisas Inúteis - Ademir Demarchi Desaforismos - Flávio Viegas Amoreira Meu Namoro com o Cinema – André Azenha Impressões Transmodernas – Antonio Eduardo

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ROMANCE Teatrofantasma: O Doutor Imponderåvel contra o onirismo groove – Marcelo Ariel

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www.edicoescaicaras.blogspot.com www.youtube.com/projetocanoa www.percutindomundos.blogspot.com www.soundcloud/percutindomundos

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Mundocorpo: As aerografias e outros desvios do tempo foi impresso sobre papel reciclado 75g/m² (miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas de papel.

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