Jesus Cristo: Rei do Universo
RAFAEL VITOLA BRODBECK
Jesus Cristo: Rei do Universo – Rafael Vitola Brodbeck 1ª edição – Janeiro de 2016 – Edições Cristo Rei Os direitos desta edição pertencem a EDIÇÕES CRISTO REI Rua Costa Rica, 90/Apto 202, Bairro Sion CEP: 30320-030, Belo Horizonte, Minas Gerais E-mail: contato@edicoescristorei.com.br Editor Guilherme Ferreira Araújo Primeira revisão Gustavo Nogy Segunda revisão Luíza Monteiro de Castro Silva Dutra Projeto gráfico, capa e diagramação Laura Barreto www.edicoescristorei.com.br Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
AGRADECIMENTOS
A publicação deste livro só foi possível graças à generosa colaboração de 182 pessoas, que contribuiram através de campanha de financiamento coletivo veiculada pelo website da Kickante (http://www.kickante.com.br). Abaixo listamos os colaboradores que optaram por ter seus nomes divulgados nesta obra: Adriel Hepp
Jorge Geraldo de Quadros Junior
Alfredo Votta
Jorge Santos
Allan Victor de Almeida Marandola
José Caetano
Anderson Juliano Braga da Silva
Julio Cesar Silva
André Abdelnor Sampaio
Kelmer Casotti
Dom Antonio Carlos Rossi Keller
Laerte Lucas Zanetti
Antonio Luiz Minéo
Leandro Pereira de Souza
Augusto Carlos Pola Júnior
Leonardo de Oliveira Manzini
Caio de Souza
Lucas Cavalcante
Carlos Alexander de Souza Castro
Maicon Ronald
Cassia Queiroz
Maysa de Sousa Heinen
Chirlei Matos
Nara Aline Dutra Costa
Cleverson Fernando Lino Batista
Pe. Alessandro Carvalho de Faria
Eduardo Moura
Rafael José Braga Fortes
Eric Cari Primon
Raul Caye Alves Jr.
Fabio de Santana Lauton
Renato Santos
Fernando Henrique Pereira Menezes
Ruy Abreu de Souza
Fernando Silva Von Ah dos Santos
Suziley dos Santos da Silva Canto
Gabriel Bom Kury
Thales Penna de Carvalho
Guilherme Batista Afonso Ferreira
Tharsis Madeira
Helder Monteiro Bito
Thiago Amorim Carvalho
Henrique Alam de Mello de Souza e Silva
Thiara Laranjeira
Ishidale Soares dos Santos
Valter Luís Cervo
Ivan Carlos Rezende
Victor Hugo Barboza
João Guilherme Ponzoni Marcondes
Victor Mauricio Fiorito Pereira
Jonathan de Alcântara Fraires Nascimento
Vladimir Gonçalves dos Santos
Jonathan Pinheiro
Wilson de Paula Ramiro
RECOMENDAÇÃO EPISCOPAL
Gostaria de recomendar a todos a leitura atenta, ou melhor, o estudo aprofundado deste sério e precioso livro Jesus Cristo: Rei do Universo, coletânea de vários artigos, ensaios e reflexões do nosso amigo, Dr. Rafael Vitola Brodbeck, sobre o Reinado Social de Nosso Senhor. Obra baseada no Compêndio de Doutrina Social da Igreja, toma como luz e guia o Magistério da Igreja, critério de verdade para todo católico. O tema é atualíssimo, pois sabemos que um dos principais erros do nosso tempo é exatamente o destronamento de Jesus Cristo na sociedade, fruto da secularização, do relativismo da verdade, do Liberalismo, do Iluminismo, do Materialismo, enfim, da revolta contra Deus e do grito de “não servirei”, copiado do pai da mentira. É a revolta contra o Reinado de Jesus Cristo: “Não queremos que Ele reine sobre nós”. São Pio X, seguindo São Paulo (2 Ts 2, 3-4), diz que tal revolta é “o caráter próprio do anticristo: o homem, com uma temeridade sem nome, usurpou o lugar do Criador, elevando-se acima de tudo o que leva o nome de Deus. E a tal ponto que, não podendo apagar completamente em si a noção de Deus, ele, entretanto, sacode o jugo de sua majestade e se dedica a si mesmo o mundo visível como sendo o seu templo, onde ele pretende receber as adorações dos seus semelhantes. Ele se assenta no templo de Deus, querendo apresentar-se como se fosse ele mesmo Deus”. Por isso, contra tal revolta, ergamos o nosso grito: “Sim, queremos que Ele reine sobre nós!” “Viva Cristo Rei do Universo!”. Deus abençoe o Dr. Rafael Vitola Brodbeck e seu valoroso livro em defesa da Realeza social de Nosso Senhor. + DOM FERNANDO ARÊAS RIFAN Bispo Administrador Apostólico Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney Campos, RJ, 1º de março de 2009
RECOMENDAÇÃO EPISCOPAL
Gostaria de recomendar a todos esta obra do Dr. Rafael Vitola Brodbeck. Neste seu escrito, o autor enfrenta corajosamente a questão crucial que hoje afeta boa parte da humanidade: a rebelião contra Deus, marca do mundo atual. Destronando a Deus de seu legítimo lugar de Criador e Senhor, o mysterium iniquitatis campeia pelo mundo, espalhando trevas e desorientação. O objetivo último desta obra, marcada por corajosa lucidez, é apresentar Cristo como única possibilidade de renovar uma sociedade já apodrecida, que caminha a passos rápidos para sua própria autodemolição. Já é sobejamente conhecida, por aqueles que privam da amizade do autor, sua absoluta fidelidade à Igreja de Cristo, fidelidade esta que tem significado muitas vezes incompreensões e até mesmo perseguições. A resposta do autor, do amigo Dr. Rafael, é sempre a resposta de um fiel cristão consciente da importância de espalhar o bem ao seu redor. Seu empenho, nos mais diversos meios atuais de comunicação, é exemplar. Recomendo, pois, a presente obra do Dr. Rafael, na certeza de que muito bem fará àqueles que a lerem. E assim, com fiéis cristãos empenhados neste fundamental processo de renovação da sociedade, espargindo o bem da sã doutrina, o Espírito de Deus renovará a face da terra. + DOM ANTONIO CARLOS ROSSI KELLER Bispo Diocesano Frederico Westphalen, RS, 02 de março de 2009.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 PREÂMBULO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 ENSAIO I: O REINADO DE CRISTO . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 27 ENSAIO II: O SENTIDO DA FESTA LITÚRGICA DE CRISTO REI . . . . 37
Histórico e necessidade da festa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 A liturgia da festa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Fundamentos teológicos do Reinado de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 O conteúdo da Quas Primas de Pio XI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 O Reinado social na esfera espiritual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 O Reinado de Cristo na esfera temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Como Cristo reina sobre a esfera temporal? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 O combate pela restauração do Reinado de Cristo na esfera temporal . . . 61 ENSAIO III: O CRISTÃO NASCEU PARA A LUTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Espiritualidade militante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 Apostolado militante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Os inimigos de hoje e como vencê-los . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 O que fazer? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 ENSAIO IV: DAS RELAÇÕES ENTRE IGREJA E ESTADO SEGUNDO A DOUTRINA CATÓLICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Origem e necessidade da Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Origem e necessidade do Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 O governo do gênero humano conforme a Immortale Dei . . . . . . . . . . . . . . 115 Direitos da Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 Refutação dos erros opostos quanto às relações entre Igreja e Estado . . . . 122 Confusão entre Igreja e Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122 Supremacia do Estado sobre a Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 Supremacia direta da Igreja sobre o Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 Separação entre Igreja e Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 Mútuo auxílio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 O poder temporal dos Papa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 Igreja, liberalismo e totalitarismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Liberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Totalitarismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 Resumo sobre o liberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Noções sobre liberdade e tolerância no Estado Moderno . . . . . . . . . . . . . . 176 Acordo da Igreja com o Estado comunista? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206 O católico diante do Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Obediência à autoridade legítima e direito de revolta . . . . . . . . . . . . . . . . . 226 Cooperação no bem comum mesmo em Estados opressores . . . . . . . . . . . . 232 Ação contrarrevolucionária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 O erro do “catolicismo liberal” e algumas atitudes apostólicas para o católico no campo da reforma das estruturas temporais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
ENSAIO V: A UNIÃO EUROPEIA À LUZ DA CIVILIZAÇÃO CATÓLICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
Os planos atuais de unificação europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242 Nascimento e consolidação da Cristandade medieval . . . . . . . . . . . . . . . . . 242 A unidade da Europa sob Carlos Magno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245 A unidade da Europa sob o Sacro Império Alemão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254 Erros na constituição política da União Europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257 O desafio ante as opções presentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268 Declaração de Joaquín Navarro-Valls sobre a adoção da Constituição da União Europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271 ENSAIO VI: A VOCAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
APRESENTAÇÃO
É com satisfação que apresento ao nosso público a obra do Dr. Rafael Vitola Brodbeck, Cristo, Rei do Universo. Ele é jurista e um dos autores do Veritatis Splendor – www.veritatis.com.br –, site dedicado à defesa da fé católica frente aos seus adversários. Também é articulista com textos publicados em diversos jornais do Brasil. No seu livro, Dr. Rafael mostra com clareza que o pior pecado do mundo atual é desprezar a Lei Sagrada de Deus, como se o homem pudesse fazer leis melhores que as do Criador. Com este modo de agir e de viver, o homem moderno mergulha no abismo do ateísmo, que faz com que suas instituições percam o referencial do verdadeiro humanismo. Nesta busca insana por uma liberdade mal compreendida, que no fundo significa libertinagem e escravidão, o homem moderno, ou pós-moderno, pretende romper com tudo o que leva o nome de Deus ou do sagrado. Assim, vai-se criando um “tempo novo”, mas que na verdade já nasce velho e embrutecido. Dr. Rafael, em seu livro, consegue mostrar com lucidez que o Estado e a Igreja devem ser guiados por Jesus Cristo, Rei do Universo, Filho de Deus encarnado. Mesmo no Estado dito laico, o povo é religioso; e o Estado não pode impor à nação o ateísmo ou um espírito antirreligioso, e muito menos dar combate à religião mediante um laicismo brutal que desrespeita a pessoa humana. O equilíbrio da sociedade depende da vivência de uma moral objetiva que provém do Direito Natural, que está presente no coração de cada homem e no seio de cada povo.
O chamado Iluminismo dos séculos XVIII e XIX, inimigo da Igreja, pretendeu eliminar a religião católica e tudo o que ela gerou de bom para o mundo, realização que salvou a Civilização Ocidental do caos gerado pelas invasões dos bárbaros. Pretendendo ser a luz verdadeira do mundo, o Iluminismo agnóstico apresentou-se como o oposto “das trevas da Idade Média”. No entanto, o que conseguiu de fato foi gerar um humanismo doentio, que produziu os eventos mais trágicos que a humanidade já conheceu: as revoluções liberais e totalitárias do século XIX, que se perpetuaram na Espanha e no México pelos anos 20 e 30 do século seguinte; o comunismo ateu que matou cerca de cem milhões de pessoas, segundo o Livro Negro do Comunismo,1 e os horrores do nazismo e do anarquismo. Como desdobramento desta filosofia perversa, que teve início com a Reforma protestante, foi dito um não à Igreja, depois um não a Cristo, em seguida um não a Deus, e por fim um não ao homem. Pretende-se eliminar o Reino de Cristo e seu Senhorio, fazer calar a voz da Igreja; e assim o mundo pós-moderno mergulha hoje no mais baixo nível moral, acolhendo como se fossem valores aquilo que é a mais baixa depravação: aprovação legal e jurídica do aborto, da eutanásia, do casamento de homossexuais, manipulações de embriões humanos, etc. Com sabedoria e lucidez, o Dr. Rafael Vitola Brodbeck nos leva a meditar com profundidade sobre essa realidade angustiante de nossos dias, centrada numa aversão doentia a tudo o que é sagrado e que São Paulo chamava de ações do “homem da iniquidade”.2 PROF. FELIPE AQUINO Lorena, SP, 26 de julho de w2007 Memória de São Joaquim e Sant’Ana, Pais de Nossa Senhora
1 Stéphane Courtois, O Livro Negro do Comunismo. São Paulo, Bertrand Brasil, 2001. 2 2Ts 2,3.
PREFÁCIO
O livro de Rafael Vitola Brodbeck sobre Jesus Cristo, Rei do Universo, constituído de artigos e ensaios sobre o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo na esfera temporal, é obra para ser lida e meditada. O autor enfrenta os temas polêmicos que a modernidade consumista tem trazido à baila, com adesão daqueles que pretendem ver na vida um caminho de autorrealização, mesmo à custa dos outros. A rigor, o laicismo, que muitos – imbuídos de mais preconceitos que conhecimentos – confundem com ateísmo ou com a negação do direito daqueles que acreditam em Deus de se manifestarem sobre assuntos temporais, abre vasta senda para o egoísmo. Nesta perspectiva, todos pretendem ter mais direitos que deveres, confundindo o conceito de “dignidade humana” com a liberdade de tudo fazer, sem fronteiras e sem limites. O personagem de Dostoievski em Os Irmãos Karamazov, ao afirmar que “se Deus não existe, tudo é permitido”, conforma bem esta fase turbulenta que passamos. Portanto, a perda de valores no mundo atual é amplificada pela mídia, nem sempre disposta a aprofundar-se nas verdades do universo e da eternidade, da origem do mundo e da criação. Não percebem, na história humana, a incrível coincidência entre o Big-Bang (Fiat-Lux) e a evolução do universo com a cronologia da criação do espaço sideral e da terra, no Gênesis, em cuja linguagem metafórica os bilhões de anos são transformados em seis dias, sem alterar, todavia, a sequência da expansão e conformação da imensidão galáctica. Eis porque o tema da verdadeira dignidade humana é permanentemente desfigurado e mal tangenciado.
O livro de Rafael Brodbeck enfrenta tais problemas a partir do retorno aos verdadeiros enfoques: a criação do homem como obra de Deus e a vinda à terra de seu Filho Unigênito. O cristianismo é a única religião em que o próprio Deus se fez homem, sem necessidade de intermediários, sendo a Igreja Católica, Apostólica, Romana a única criada pelo próprio Jesus Cristo, ao outorgar a Pedro e seus sucessores sua edificação, a ponto de dar-lhes o poder de atar e desatar o certo e o errado no mundo, para a conquista do céu. O livro do Dr. Rafael é uma útil contribuição a esta reflexão, de resto aplaudida por todos aqueles que, nesta edição, em boa hora trazida a lume pelas Edições Cristo Rei, também sobre ele se manifestaram. No velho estilo coimbrão, em que as boas obras eram saudadas, com duas palavras de louvor e admiração também encerro este breve prefácio ao bom livro de Rafael Brodbeck, dizendo: “Bem haja!” IVES GANDRA DA SILVA MARTINS São Paulo, SP, 19 de dezembro de 2012 Novena do Natal do Senhor
PREÂMBULO
“O erro dominante, o crime capital deste século é a pretensão de subtrair a sociedade ao governo e à lei de Deus... O princípio posto à base de todo o moderno edifício social é o ateísmo da lei e das instituições. Que ele se disfarce sob os nomes de abstenção de neutralidade, de incompetência ou mesmo de igual proteção, que se vá até contradizê-lo por algumas disposições legislativas de detalhe ou por atos acidentais e secundários: o princípio de emancipação da sociedade humana em relação à ordem religiosa permanece no fundo das coisas; é a essência daquilo a que se dá o nome de tempos novos.” Cardeal Pie, Oeuvres, t. 7 Jesus Cristo é o Rei do Universo. Ainda que Estado e Igreja, cada qual autoridade máxima das sociedades civil e religiosa, respectivamente, sejam soberanos e independentes entre si nas suas esferas próprias de atuação, sobre ambos Nosso Senhor deve reinar. É bem verdade que os homens de nosso tempo pretendem remover Cristo Rei do trono, que é Seu de direito, sobre a sociedade temporal, sobretudo a partir do espírito laicista que tem se difundido e dilatado desde o Iluminismo3, o falso humanismo agnóstico e as revolu3 “Ao afirmarmos que a evangelização deu uma contribuição fundamental para a formação da Europa, não pretendemos subestimar a influência do mundo clássico. Foi a própria Igreja que, na sua ação evangelizadora, assumiu e modelou segundo novas formas o patrimônio cultural que a precedeu; primeiro, a herança de Atenas e de Roma, mas, depois, também a dos povos que ela ia encontrando na sua expansão pelo conti-
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ções liberais e totalitárias dos últimos três séculos. Daí, os horrores do nazismo e do comunismo. Daí, as ilusões igualitárias, o culto idolátrico ao Estado, e seu antagônico – mas não menos perigoso – desprezo por ele, produto de ideias anárquicas. Daí, as legislações contra legem Dei – que permitem a barbárie do aborto e da eutanásia, e o antinatural “casamento” gay. Daí, a perseguição a tudo o que simbolize a submissão da autoridade política a Deus – como no México de Plutarco Elias Calles e seu ódio aos cristeros; como no Leste Europeu socialista; como na Alemanha neopagã e gnóstica de Hitler; como na França atual e sua proibição de uso de sinais religiosos nas escolas públicas; como na Espanha de Zapatero, com suas políticas anticatólicas; como em certos lugares dos Estados Unidos, onde o nome de Deus não pode ser invocado sem um ato de repúdio por parte dos politicamente corretos. Daí, o terrorismo islâmico e a banalização da violência desordenada. Daí, uma Europa sem referência explícita ao cristianismo que a gerou. Daí, a perda da identidade do Ocidente, que insiste em renegar seus valores tradicionais, ancorados na philosophia perennis, e as raízes fundamentais de sua cultura. Daí, o mito vermelho, teimoso em metamorfosear-se, o mito verde dos ecologistas radicais, o mito cor-de-rosa do feminismo andrógino. Daí, igualmente, as depressões, os suicídios, as guerras injustas, o uso e o tráfico de entorpecentes. Tudo resultado dos súditos que não reconhecem seu Soberano, Jesus Cristo, nem na vida privada (que inclui a oração e os atos religiosos), muito menos na pública (na qual se insere a atuação política). Eis a palavra oficial do Magistério da Igreja: O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem individual e socialmente. Esta é a ‘doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das sociedades em relação à verdadeira religião e à única Igreja de Cristo’. Evangelizando sem cessar os homens, a Igreja trabalha para que estes possam ‘penetrar de espírito cristão as mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem’. O dever social dos cristãos é respeitar e despertar nente.” (São João Paulo II, Memória e Identidade. Colóquios na Transição do Milênio, Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 107) Vemos aí que a noção de separação radical entre a Igreja e o Estado, a negação da moral objetiva e o combate à religião têm suas raízes no Iluminismo. Muitos de seus defensores criam em Deus, mas não aceitavam que Ele tivesse Se revelado, muito menos através de Cristo. Assim se desenvolvia o “Deus sim, Cristo não”, naturalmente herdeiro do protestante “Cristo sim, Igreja não.”
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em cada homem o amor da verdade e do bem. Exige que levem a conhecer o culto da única religião verdadeira, que subsiste na Igreja católica e apostólica. Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. Assim, a Igreja manifesta a realeza de Cristo sobre toda a criação e particularmente sobre as sociedades humanas.4 Tal é a meta de nossa obra. Reunindo estudos elaborados em momentos distintos, podendo ser lidos de modo independente, o livro é uma coletânea de temas que, cada um à sua maneira, com assuntos específicos, pretendem fazer a humanidade chegar, pelo Reino de Cristo, à glória de Deus. Escrevi o livro em 2007, fiz algumas mudanças em 2009, apresentei aos Bispos que o recomendam e ao Prof. Felipe Aquino, recebi suas palavras de aprovação, e o guardei na “geladeira”, com pequenos acréscimos em 2012 e 2013. Agora, penso ser o tempo oportuno de apresentá-lo ao público, mesmo passados tantos anos. RAFAEL VITOLA BRODBECK Pelotas, RS, 2 de maio de 2013 Memória de Santo Atanásio de Alexandria, Bispo e Doutor da Igreja
4 Catecismo da Igreja Católica, 2105.
Ensaio I O Reinado de Cristo5
Cristo Jesus, Nosso Rei e Senhor, é exaltado tanto por Sua divindade quanto por Sua santíssima humanidade. Como Deus, é Rei por natureza, dada Sua consubstancialidade com o Pai e o Espírito Santo, formando a única e indivisível Trindade, um só Deus em Três Pessoas distintas. Como homem, conquista o direito de Seu reinado, por ter Se oferecido ao Pai na Cruz e pela Sua gloriosa Ressurreição, “porque é necessário que ele reine, até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés” (1Cor 15,25). Afinal, “sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fp 2,8-11). Por Jesus ser nosso Deus, e por Sua humanidade revelar-se como supremo modelo para todos os fiéis enxertados em Seu Corpo Místico, a Igreja Católica, comemoramos a solenidade de Cristo Rei com especial devoção. É uma data para rendermos culto a Nosso Senhor, cuja realeza celebramos e a qual temos de considerar característica fundamental em nossa espiritualidade cotidiana, especialmente nos dias de hoje. Somos chamados a colaborar com Deus pelo apostolado eficaz, generoso e organizado, pelo cumprimento fiel de nossos deveres de es5 Meditação por ocasião da Solenidade de Cristo Rei, veiculada na coluna Et Verbum Caro factum est! – br.groups.yahoo.com/group/verbum_caro – republicada no site do Veritatis Splendor, apostolado de apologética e catequese – www.veritatis.com.br.
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tado, e pelo cultivo de uma vida interior regrada, fecunda e tendente a um relacionamento pessoal com Cristo e com a Santíssima Virgem, em completa submissão de amor ao Romano Pontífice, Sua Santidade, o Papa. O Reino de Cristo no céu deve resplandecer na terra, e essa é a nossa missão, quando trabalhamos para conquistar outros que possam transformar a sociedade à luz do Evangelho. Não se trata simplesmente de alcançar o homem na sociedade como destinatário do anúncio evangélico, mas de fecundar e fermentar com o Evangelho a mesma sociedade. Cuidar do homem significa, para a Igreja, envolver também a sociedade na sua solicitude missionária e salvífica. A convivência social, com efeito, não raro determina a qualidade da vida e, por conseguinte, as condições em que cada homem e cada mulher se compreendem a si próprios e decidem de si mesmos e da própria vocação. Por esta razão, a Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive; numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora, da vida social. A sociedade e, com ela, a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e mundano e, portanto, marginal e alheio à mensagem e à economia da salvação. Efetivamente, a sociedade com tudo o que nela se realiza diz respeito ao homem.6 Sobre a festa de Cristo Rei, um grande pensador católico do século passado, Plínio Corrêa de Oliveira, registrou em artigo de sua autoria: Rei celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo já se exerce nesse mundo. É Rei quem possui de direito a autoridade suprema e plena. O Rei legisla, dirige e julga. A sua realeza torna-se efetiva quando os súditos reconhecem os seus direitos, e obedecem às suas leis. Ora, Jesus Cristo possui sobre nós todos os direitos: promulgou leis, dirige o mundo e julgará os homens. Cabe-nos tornar efetivo o reino de Jesus Cristo, obedecendo às suas leis. Este reinado é um fato individual, quando considerado na obediência que cada alma fiel presta a Nosso Senhor Jesus Cristo. Com efeito, o reinado de Cristo exerce-se sobre as almas e, pois, a alma de cada um de nós é uma parcela do campo de jurisdição de Cristo-Rei. O reinado de Cristo será um fato social se as sociedades humanas Lhe prestarem obediência. 6 Pontifício Conselho Justiça e Paz, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 62.
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Pode-se dizer, pois, que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, em sentido individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma e nas suas ações, como nas sociedades, nas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.7 Nisso, entendemos que a realeza de Cristo no mundo se dá nas sociedades que O aceitam como Rei. É preciso que as civilizações também se curvem a Jesus, Rei do Universo; que as cidades se conformem à Cidade de Deus; eis que a “compenetração da cidade terrena com a cidade celestial, só pela fé pode ser percebida; porém, é um permanente mistério da história humana”.8 Nós, cristãos, somos uma legítima família através da graça que de Cristo, pela Igreja, recebemos. E como vivemos em sociedade e não isoladamente – salvo vocações específicas –, é ela que devemos transformar. Não temos que abandonar e satanizar a cultura, mas evangelizá-la, dialogar com ela para que seja meio de propagação da verdade, da beleza e da unidade. O Papa Paulo VI já ensinava que evangelizar significa precisamente “levar a Boa Nova a todos os ambientes da humanidade”.9 Nosso dever é primar por uma autêntica civilização, e, no ensino do Papa São Pio X, “a civilização do mundo é a Civilização Cristã, tanto mais verdadeira, mais duradoura, mais fecunda em frutos preciosos, quanto é mais autenticamente cristã”.10 É obrigação dos crentes, sobretudo dos leigos católicos, “penetrar de espírito cristão as mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem”.11 E qual é o conceito de civilização, sobre o qual falávamos, senão a reunião da cultura própria de um povo, das mentalidades, dos costumes, das leis e das demais estruturas? São estes os ambientes que devemos cristianizar – ou melhor, recristianizar –, uma vez que, como veremos, antes do advento desse pensamento moderno, a cultura católica imperou em determinado momento da História – ainda que com seus defeitos e abusos, naturais no percurso da peregrinação terrestre pela qual o homem passa. Lembre7 Plínio Corrêa de Oliveira, A Cruzada do Século XX, in “Catolicismo”, nº 1, janeiro de 1951. 8 Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 1965, nº 40. 9 Papa Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, nº 18. 10 Papa São Pio X, Encíclica Il Fermo Proposito, de 11 de junho de 1905, in “ASS”, vol. 37, p. 745. 11 Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto Apostolicam Actuositatem, de 18 de novembro de 1965, nº 13.
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mos que o Reino temporal deve ser reflexo do Reino celestial, porém só este último é perfeito e livre de todo pecado! Os homens precisam de Cristo, inclusive para a reforma da sociedade. O campo temporal não escapa à influência do Espírito Santo, de Deus que se manifesta ordinariamente pela Sua Igreja. Somos cidadãos do céu, mas vivemos na terra, e nela devemos nos santificar e construir estruturas que auxiliem os outros a fazerem o mesmo. É inegável, insistimos, que os bens presentes e seculares, profanos, também podem e devem nos convidar a Deus, mediante a contemplação da ordem, da natureza, da beleza, da verdade, da unidade, do bem. Vivendo numa sociedade sacralizada torna-se mais fácil atrair os homens a Cristo e, mais, realizar aquilo que é a própria vontade de Deus: atrair tudo a Si, “desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Ef 1,10). Auxilia-nos o compêndio da doutrina católica: O dever social dos cristãos é respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Exige que levem a conhecer o culto da única religião verdadeira, que subsiste na Igreja católica e apostólica. Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. Assim, a Igreja manifesta a realeza de Cristo sobre toda a criação e particularmente sobre as sociedades humanas.12
Que civilização é essa que devemos construir? Não se deve inventar a Civilização, nem se deve construir nas nuvens a nova sociedade. Ela existiu e existe: é a Civilização Cristã, é a sociedade católica. Não se trata senão de a instaurar e restaurar incessantemente nas suas bases naturais e divinas, contra os ataques sempre remanescentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade: instaurar todas as coisas em Cristo.13 O Reino de Deus é nos céus. Achar que é na terra seria cair na utopia e injustiça comunistas, ou no milenarismo gnóstico – raiz cultural daquelas, e inspirador de movimentos comunais semelhantes, como a revolta dos anabatistas alemães, dos cátaros albigenses, dos espirituais que deturparam a regra de São Francisco de Assis, dos montanistas que desdenhavam da autoridade episcopal, dos iluministas favorecedores 12 Catecismo da Igreja Católica, 2105. 13 Papa São Pio X, Carta Notre Charge Apostolique, de 25 de agosto de 1910.
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de uma burguesia ateia, etc. Todavia, na terra, os homens refletem seu Deus, e as sociedades devem refletir o Reino. Das civilizações, deve-se procurar instaurar uma que seja cristã, católica, governada pelo espírito do Evangelho. E ela já teve uma expressão histórica concreta, mesmo com seus defeitos: foi o período medieval. Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda a parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda a expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.14 O Papa São João Paulo II reitera esse ensino tradicional da Santa Igreja de Cristo: “Nós somos ainda os herdeiros de longos séculos nos quais se formou na Europa uma Civilização inspirada pelo cristianismo. (...) Na Idade Média, com certa coesão do continente inteiro, a Europa constrói uma Civilização luminosa da qual permanecem muitos testemunhos.”15 A Europa, como vemos, é uma realização temporal do primado cristão sobre a matéria social. Digamos mais, é a Europa medieval a verdadeira guardiã da divina religião, pois foi dela que partiram, intrépidos, os valorosos conquistadores da América, território dado pela Providência justamente no momento em que os ventos terríveis da Reforma Protestante varriam cantões outrora católicos – princípio de uma nova onda gnóstica que inauguraria, junto com o pagão Renascimento e com o humanismo sem Deus, o pensamento moderno, que explodiria, mais tarde, com o absolutismo, com a Revolução Francesa, com o marxismo e todas as formas de social-comunismo, com os nazismos e fascismos dos anos 30 e 40, e com os fundamentalismos e liberalismos de matriz revolucionária que caracterizariam os anos 70 e a década de 80. De uma 14 Papa Leão XIII, Encíclica Immortale Dei, de 1 de novembro de 1885, in “AAS”, vol. XVIII, p. 169. 15 Papa São João Paulo II, Discurso à CEE, em Bruxelas, 21 de maio de 1985, in “L´Osservatore Romano”, 22 de maio de 1985.
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Espanha banhada de glória pelos séculos da Reconquista cristã contra os mouros islâmicos, emerge a expedição de Colombo. Se olharmos, aliás, para o mapa, veremos que as fronteiras que delimitam a Europa com a Ásia são, geograficamente, de um artificialismo bastante visível. O território é contínuo. Não está separada a Europa da Ásia como está, por exemplo, da Oceania ou da América. Europa e Ásia formam uma só unidade no plano geográfico natural: a Eurásia. Não são os Urais, na Rússia, que separam os europeus dos asiáticos, porém a cultura que com os primeiros se formou. A Europa é o resultado de anos de experiência de um unificado Império Romano, com as valiosas contribuições gregas, recebendo, outrossim, os costumes germânicos dos bárbaros que, unidos aos povos celtas já submetidos às legiões de César, souberam construir um mundo todo próprio. Pela influência da religião cristã e da Igreja Católica dela depositária, todos esses elementos se mesclaram e formaram a Europa medieval – prova inequívoca da capacidade católica de abstrair, dentre as culturas, os elementos bons e maus, e valorizar os primeiros mesmo quando não diretamente cristãos. Convertidos os bárbaros invasores, os reinos germânicos foram tomando o lugar das antigas nações celtas e províncias romanas, e aqueles, por sua vez, pela fragmentação hereditária, favoreceram o aparecimento de um modelo de harmônica e justa desigualdade, o regime feudal. Tudo isso é básico para entendermos a vocação da Europa, tão esquecida pelos dirigentes da hodierna Comunidade Europeia. A conversão dos povos ocidentais não foi um fenômeno de superfície. O gérmen da vida sobrenatural penetrou no próprio âmago da sua alma, e foi paulatinamente configurando à semelhança de Nosso Senhor Jesus Cristo o espírito outrora rude, lascivo e supersticioso das tribos bárbaras. A sociedade sobrenatural – a Igreja – estendeu assim sobre toda a Europa a sua contextura hierárquica, e desde as brumas da Escócia às encostas do Vesúvio foram nascendo as dioceses, os mosteiros, as igrejas catedrais, conventuais ou paroquiais, e, em torno delas, os rebanhos de Cristo. Nasceram por essas energias humanas vitalizadas pela graça, os reinos e as estirpes fidalgas, os costumes corteses e as leis justas, as corporações e a cavalaria, a escolástica e as universidades, o estilo gótico e o canto dos menestréis.16 16 Plínio Corrêa de Oliveira, A grande experiência de 10 anos de luta, in “O Legionário”, nº 666, 13 de maio de 1945.
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Pois essa ordem sacral que refletia a realidade celeste e, guardadas as devidas proporções, manifestava na terra o Reinado de Cristo, foi-se deteriorando pela introdução do orgulho, da vaidade humana, da tentação de Satanás que se traduziu numa nova visão do homem sem Deus – o pseudo-humanismo italiano, aspectos renascentistas, etc. Quando decaiu a Alta Idade Média, as universidades católicas iniciaram a cultuar o pensamento clássico sem o tempero sapientíssimo das lições de Santo Tomás de Aquino; junto com as artes gregas e romanas do período áureo, introduziram-se, até mesmo no Vaticano, costumes que as acompanhavam – bebedeiras, orgias, assassinatos por interesse. Desse declínio, acompanhado da releitura social de que o homem pode e deve se libertar de tudo – até de Deus! –, vai-se repetindo o lema “Cristo sim, Igreja não” (Reforma Protestante), mais tarde mudado em “Deus sim, Cristo não” (Revolução Francesa), que finalmente culminará em “Nem Cristo, nem Deus” (Revolução Russa). O pensamento moderno é o caos pela tentativa, radical em Nietzsche, de matar Deus e de celebrar o homem – no positivismo de Augusto Comte, “a religião da humanidade”, percebemos quão ridícula foi tal tentativa. Toda a desordem moral, liberalismo de costumes, ecumenismos desviados, ódio ao catolicismo, críticas infundadas à Idade Média, preguiça mental e modo de pensar notadamente protestante, romanticamente doentio e filosoficamente cripto-socialista, provêm dessa estrutura que resolveu expulsar Deus e Sua Igreja da influência que exercia, sadiamente, sobre o Estado e as sociedades. A Europa, com a filosofia defendida por seus atuais líderes políticos, ameaça romper com seu passado e fazer triunfar esse modernismo social e cultural. “Nos nossos dias, percebe-se uma crise cultural de proporções insuspeitáveis. Certamente o substrato cultural de hoje apresenta bom número de valores positivos, muitos dos quais fruto da evangelização; mas ao mesmo tempo, eliminou valores religiosos fundamentais e introduziu concepções enganosas, que não são aceitáveis do ponto de vista cristão.”17 Não se quer, com isso, pregar que a sociedade medieval foi perfeita. Abusos houve –mesmo que tenhamos a defesa do brocardo jurídico abusum non tollit usum. Se essa sociedade terminou, somos chamados a estar 17 Papa São João Paulo II, Discurso Nueva Evangelización, Promoción Humana, Cultura Cristiana. Jesucristo ayer, hoy y siempre, em Santo Domingo, a 12 de outubro de 1992, in “suppl. a L´Osservarore Romano”, nº 238, de 14 de outubro de 1992, IV, pp. 21-22.
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atentos agora, quando o mundo moderno e o conceito de Estados-Nação estão desaparecendo. Dialogando com a modernidade, queremos sua conversão. E, mais do que isso, vigiemos e denunciemos as explosões típicas do término de um determinado período histórico – e é exatamente o que estamos vivendo. Precisamos construir uma nova sociedade, uma nova cultura, aproveitando tudo de bom que na atual existe, mas filtrando-a com o bom senso católico. Ao passado não se volta, tradição não é isso: é passar adiante o que há de bom. Da Idade Média, ainda guardamos aquilo que nem mesmo é exclusivo dela, a Fé católica e apostólica e aspectos de sua influência nas comunidades humanas. O Reino não terminou com sua máxima expressão terrena! Aliás, foi máxima até agora, pois nossa vocação é construir uma nova, em que o amor volte a reinar! Cristo, Rei do Universo, não quis só reinar na terra na Idade Média, e sim hoje o quer. E quer se nos utilizar, Seus membros, Seus instrumentos, através do apostolado, de nosso desempenho dos deveres de estado, do cultivo da oração, em suma, da gana por fazer a Solenidade de Cristo Rei perpetuar-se no campo secular. Se bem que a Idade Média tenha sido uma época de Cristandade, e o foi por excelência, é preciso deixar bem claro que a Cristandade não se identifica com a Idade Média. A Cristandade é uma vocação permanente da Igreja e dos políticos cristãos. Nem sempre se poderá realizar hic et nunc, por exemplo nos países comunistas, ou inclusive nos países liberais, enquanto sigam sendo tais. Todavia, nem por isso a Igreja e os cristãos que atuam na ordem temporal renunciarão definitivamente a dito ideal. (...) Também hoje, a Igreja, se bem que viva em um regime não-cristão ou, como queria Péguy, pós-cristão, não pode renunciar para sempre ao ideal da Cristandade, que não é outra coisa que a impregnação social dos princípios do Evangelho. E se, porventura, aparecesse uma nova Cristandade, seria substancialmente igual à da Idade Média, ainda que acidentalmente diferente, atendendo à diversidade de condições que caracteriza a época atual em comparação com aquela, tanto no campo econômico como no social. Todo o resgatável deverá ser salvo. Porém, o ideal segue de pé.18
A Europa é um sinal de onde estamos. Cristã na sua origem, como demonstramos, está contaminada de paganismo e gnose – ecologismo 18 Pe. Alfredo Sáenz, SJ, La Cristiandad. Una realidad histórica. Pamplona: Gratis Date, 2005, p. 16
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radical, feminismo e todos os tipos de igualitarismos religiosos, sociais e políticos, todos violadores do culto à justiça, à vida (vide o aborto e a eutanásia na legislação da União Europeia). É o aviso de um Cardeal da Santa Igreja: “Deus está a ser obstinadamente afastado da nova constituição da Europa. Assim se quereria que, do fundamento jurídico da nova Europa unida, Deus estivesse ausente, o que a reconduziria ao abismo do qual a Europa sem Deus se libertou em 1989 e 1990. Com certeza, isto não vai passar de um bumerangue, que não trará qualquer progresso para o caminho de uma Europa unida.”19 Como responder aos apelos que o Santo Padre nos faz de instaurar o Reino de Cristo, nessa sociedade que está prestes a dar mais passos rumo ao futuro sem Deus? Se de nós não depende diretamente o salto da Europa para uma comunidade cristã a exemplo do Medievo, depende, isto sim, o esforço pela Nova Evangelização e recristianização social. Usemos da política, do Direito, das artes, da cultura, para impregnar tudo com a semente de Cristo. Ele, que é Rei, abençoará Seus súditos que se empenharem em restaurar Seu reinado temporal, reflexo do céu ao qual somos convidados, pela graça, a conquistar. Christus vincit! Christus regnat! Christus imperat!
19 D. Joaquim Cardeal Meisner, arcebispo de Colônia, Alemanha, Homilia na Santa Missa, Santuário de Nossa Senhora de Fátima, Portugal, em 13 de maio de 2002.