Francisco: O Papa dos confins da terra

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“Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” — Mateus 16: 17–19



Impresso no Brasil, Julho de 2013 Copyright © 2013 by Thomas J. Craughwell Publicado por meio de acordo com a TAN Books/Saint Benedict Press. Título original: Pope Francis: The Pope From The End of The Earth O prefácio do Cardeal Seán O’Malley foi adaptado de seu blog, Cardinal Seán’s Blog (www.cardinalseansblog.org). Usado com permissão. Homilias papais © Libreria Editrice. Todos os direitos reservados. Usado com permissão. Os direitos desta edição pertencem a Edições Cristo Rei (Luíza Monteiro de Castro Silva Dutra CNPJ: 17.400.216/0001– 47) Rua Costa Rica, 90, Apto. 202, Bairro Sion CEP: 30320–030, Belo Horizonte, Minas Gerais e-mail: contato@edicoescristorei.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Craughwell, Thomas J., 1956– Francisco: O papa dos confins da terra / Thomas J. Craughwell; prefácio Cardeal Seán O’Malley; tradução Guilherme Ferreira Araújo e Pedro Cava – Belo Horizonte: Edições Cristo Rei, 2013. 176 pp. isbn: 978-85-66764-02-4 1. Igreja Católica 2. Biografia 3. Eclesiologia I. Título II. Thomas J. Craughwell cdd – 282

Tradução Guilherme Ferreira Araújo e Pedro Cava Revisão Alessandra Lass Capa e design interior Chris Pelicano Diagramação desta edição João Toniolo Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.


FRANCISCO O papa dos confins da terra



FRANCISCO O papa dos confins da terra Thomas J. Craughwell

Prefácio Cardeal Seán O’Malley Tradução Guilherme Ferreira Araújo Pedro Cava


sumário Linha do tempo

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Prefácio do Cardeal Seán O’Malley

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Habemus Papam!

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Bento XVI Renuncia

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O Conclave

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Nascido nos Confins da Terra

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Desatadora dos Nós

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Um Coração para os Pobres

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O Construtor de Pontes

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Sair às Periferias

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Primeira Homilia: Missa pro Ecclesia

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Homilia: Missa de Entronização

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Bibliografia

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Sobre o Autor

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Jorge Mario Bergoglio Linha do Tempo Biográfica do papa Francisco

1936 No dia 17 de dezembro de 1936, Jorge Mario Bergoglio nasce em Buenos Aires, Argentina, filho do casal Mario e Regina Sivori Bergoglio, imigrantes italianos. 1957 Médicos encontram cistos nos pulmões de Bergoglio. Para salvar sua vida, cirurgiões removem uma parte do pulmão afetado. 1958 Entra para o noviciado dos jesuítas. 1960 Faz os votos na Companhia de Jesus. 1960–1963 Estuda filosofia e humanidades como parte de sua preparação no seminário. 1964–1966 Ensina literatura e psicologia a estudantes do ensino médio em Santa Fe e Buenos Aires. 1967–1970 Estuda teologia no Colegio de San Jose em San Miguel. 1969 É ordenado sacerdote na Companhia de Jesus. 1970–1971 Termina a terceira provação, seu treinamento final como jesuíta, em Alcala de Henares, Espanha. 1973 Faz votos perpétuos como jesuíta. 1973 É eleito provincial (ou superior) dos jesuítas na Argentina.

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1976 Durante a Guerra Suja, na Argentina, dois sacerdotes jesuítas, os padres Franz Jalics e Orlando Yorio, são perseguidos pelos militares. Trabalhando nos bastidores, padre Bergoglio consegue alcançar sua libertação. 1980–1986 Trabalha como reitor no Colegio de San Jose. 1986 Viaja para a Alemanha a fim de concluir sua tese de doutorado. 1992 Recebe sua ordenação episcopal como bispo auxiliar de Buenos Aires e bispo titular de Auca. 1997 É nomeado bispo coadjutor com o direito de sucessão. 1998 É consagrado arcebispo de Buenos Aires. 2000 Visita o ex-bispo Jerónimo Podestá em seus derradeiros momentos de vida e ajuda a esposa de Podestá, Clelia Luro. 2001 Criado cardeal pelo papa João Paulo II. 2005–2011 Trabalha como presidente da Conferência dos Bispos da Argentina, após rejeitar a nomeação em 2002. 2005 Participou do conclave que elegeu o papa Bento XVI. Acredita-se amplamente que ele ficou em segundo lugar na votação. 2010 Opõe-se à política governamental de legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A lei é aprovada, apesar dos esforços do cardeal. 2013 É eleito papa; toma o nome de “Francisco”, em honra a São Francisco de Assis.

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Prefácio O Santo Padre é para os católicos – e particularmente para os católicos das Américas – uma grande bênção. O papa Francisco é o primeiro papa do hemisfério americano e, sendo hispânico, é de uma parte do mundo em que habitam quase metade dos católicos. Ele é um homem que tem se dedicado muito aos pobres e ao anúncio do Evangelho em situações difíceis. Sabemos que ele será uma grande bênção para a Igreja. Dois anos atrás, tive o privilégio de visitá-lo. Eu o havia encontrado em diferentes reuniões ao longo dos anos, e quando fiz uma viagem à América do Sul, pela Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, para visitar, no Paraguai, projetos que são financiados pela coleta para a América Latina, parei na Argentina no caminho, onde fui seu hóspede e tive uma excelente estadia. Naquela ocasião, ele me deu uma bela gravação da Missa Criolla, a Missa Argentina. Eu não o encontrei novamente até a nossa reunião de cardeais em Roma para eleger o novo papa.

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Pouco antes do início do conclave, fomos para a Casa Santa Marta, onde ficamos isolados durante o conclave. Naquela tarde, fomos até a Capela Paulina, onde rezamos e então fomos em procissão até a Capela Sistina, cantando a Ladainha de Todos os Santos. Quando chegamos na Capela Sistina, houve mais orações. Houve uma segunda meditação, dada pelo cardeal maltês Prospero Grech. Então, tivemos o primeiro scrutinium, ou escrutínio, como é chamada a votação. O primeiro escrutínio foi inconclusivo, então as cédulas foram queimadas e a fumaça negra foi vista naquela noite de terça-feira. Na quarta-feira, fomos novamente da Casa Santa Marta para a Capela Sistina, onde rezamos e realizamos dois escrutínios pela manhã. Cada cardeal levantou-se por ordem de idade, começando pelos mais velhos. Antes de colocar sua cédula no receptáculo no altar, cada cardeal fez um voto – de pé diante da cena do Juízo Final, de Michelangelo –, invocando Cristo para testemunhar que nós só votaríamos na pessoa que pensávamos ser a que Deus realmente desejava para ofício de Santo Padre. É uma experiência muito tocante. Nenhum daqueles escrutínios foi conclusivo. Entre as reuniões da manhã e da tarde, voltamos para a Casa Santa Marta. O cardeal Bergoglio e eu almoçamos juntos. Percebi que, naquele momento, ele estava sob muita pressão e não comeu muito. À tarde, retornamos para a Capela Sistina para mais orações. Nós tivemos mais dois escrutínios, e na segunda votação o Santo Padre foi eleito. O momento em que o cardeal Bergoglio aceitou sua eleição e anunciou que seu nome seria Francisco, em honra a São Francisco de Assis, foi muito emocionante e comovente. Ele disse de modo explícito que estava tomando o nome por causa de São Francisco de Assis. Como jesuíta, seria compreensível se tivesse escolhido o nome em honra a São Francisco Xavier, que é um dos maiores missionários da

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história da Igreja, mas ele especificou que estava tomando o nome em homenagem a São Francisco de Assis. Sem ter conversado a respeito disso com o Santo Padre, creio que há alguns temas da vida de São Francisco os quais ele esteja tentando comunicar por meio da escolha de seu nome. Um dos temas da vida de São Francisco é o chamado para reconstruir a Igreja, que é um chamado para a reforma e para aprofundar nossa conversão ao Senhor. Outro tema seria a irmandade universal de Francisco; a construção de um mundo em que somos irmãos uns dos outros. São Francisco, é claro, via-se como irmão de toda a criação. São Francisco também nutriu um amor especial pelos pobres, que são um sacramento do Cristo crucificado. O Santo Padre, em seu ministério como arcebispo, dedicou-se bastante aos mais pobres dentre os pobres. Creio que veremos uma continuação disso em seu pontificado. Depois que o papa Francisco anunciou seu nome, cada um dos cardeais se levantou, beijou seu anel e o saudou. Em seguida, rezamos o Te Deum, a tradicional oração católica de ação de graças, e o Santo Padre, vestido em seu traje branco, foi levado para rezar privadamente na capela. Foi então que as cédulas foram queimadas, e a fumaça branca e os sinos anunciaram à cidade de Roma e ao mundo que o novo Santo Padre fora eleito. Nós então nos dirigimos à sacada e contemplamos do alto a Praça de São Pedro, que acompanhava o Santo Padre. Foi impressionante observar, da sacada, a Praça de São Pedro, com milhares de pessoas aplaudindo, agitando bandeiras e tirando fotos. Foi incrível a energia da multidão quando viram o Santo Padre pela primeira vez. Ele deu uma saudação calorosa e simples às pessoas, pediu orações pelo papa Bento XVI e então solicitou um momento de silêncio e

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pediu que as pessoas rogassem a Deus para abençoá-lo. Ele conduziu o povo durante o Pai-nosso, a Ave-Maria e o Glória ao Pai. Para mim, esse foi um momento muito comovente porque me veio à mente que essas orações muito simples são as que todo católico conhece, quer se trate de um analfabeto ou de um gênio, de crianças ou de idosos. Essas são as orações que nos unem como católicos em nossas vidas de fé e adoração a Deus. Nos dias que se seguiram à eleição do nosso novo Santo Padre, permaneci em Roma à espera da festa de São José e da Missa Inaugural, e pude acompanhar de perto o trabalho do papa pelo povo de Deus. Ficou claro que a simplicidade do Santo Padre, seu amor pelos pobres e sua acessibilidade serão distintivos de seu papado. Até o modo como ele celebra a Missa é muito mais parecido com as Missas de paróquia que nosso povo católico está acostumado a assistir em suas igrejas locais. Em Santana, onde celebrou a Missa no domingo para a paróquia local da Cidade do Vaticano, ele saudou as pessoas na porta, tal como os pastores têm feito nos Estados Unidos desde que eu era um jovem sacerdote. Certamente vemos que a intenção do Santo Padre é ficar perto das pessoas. Isso ficou ainda mais claro quando o papa Francisco anunciou que celebraria a Missa da Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa, em uma prisão romana e lavaria os pés de alguns dos jovens detentos, como uma oportunidade para sublinhar o comprometimento e o amor preferencial da Igreja pelos pobres. A Quinta-feira Santa é um momento muito adequado para isso, e nós temos uma longa história a esse respeito na Igreja. Eu me lembro de que na Inglaterra, durante a Idade Média, o rei lavava os pés de mendigos e dava a cada um deles uma moeda de ouro na Quinta-feira Santa. Houve um ano em que fizemos algo similar na catedral de Bos-

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ton, trazendo pessoas do Pine Street Inn para terem seus pés lavados na liturgia da Quinta-feira Santa. Na Igreja, freqüentemente tem-se considerado o mandamento de Cristo de que amemos uns aos outros como se estivesse direcionado de um modo especial aos doentes e aos pobres. Isso foi ritualizado nas cerimônias da Quinta-feira Santa, e me tocou o fato de o Santo Padre ter desejado enfatizar isso novamente. Finalmente, os cardeais e os católicos em Roma e em todo mundo reuniram-se novamente em uma oração comum quando o papa Francisco celebrou sua Missa inaugural na festa de São José. O tempo estava excelente durante a Missa, que foi celebrada em frente à basílica de São Pedro. Foi um momento miraculosamente perfeito que nos foi dado por São José, porque choveu tanto antes como depois da Missa. São José sempre foi uma parte muito importante de minha vida; então, durante a Missa me lembrei do mosaico de São José com os dois pombinhos que eu tinha visto no Irish College no dia anterior. Não é uma representação de São José vista com freqüência, mas gosto muito dela. Na Apresentação, nossa Mãe Santíssima estava carregando Jesus e por isso José estava encarregado dos pombos. A lei judaica determinava que os primogênitos fossem dedicados a Deus, uma lembrança dos primogênitos poupados pela Páscoa do Anjo. Quando apresentavam seus primogênitos no templo, as famílias judaicas tinham de oferecer um cordeiro. Mas a lei dizia que quem fosse pobre poderia sacrificar dois pombos no lugar. Maria e José eram pobres e por isso sacrificaram os pombinhos. Eu acho que a homilia foi dita de modo tão belo, com o Santo Padre nos exortando a ser, como José, guardiões e a cuidar da criação, uns dos outros e particularmente dos pobres. Ele falou sobre como os

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pais cuidam dos filhos e então, mais tarde, os filhos cuidam dos pais. Foi um belo tema pró-vida. Nós somos o povo da vida: cuidamos da criança no útero, cuidamos do bebê recém-nascido, e então cuidados dos idosos e daqueles que morreram. Para nós, como católicos, a escolha do papa é muito importante. A decisão do papa Bento XVI de renunciar foi, em certo sentido, uma crise e por isso a eleição do novo Santo Padre é uma grande consolação para o povo católico, com seu senso de continuidade na Igreja. Nos últimos 150 anos, fomos muito abençoados com muitos homens santos e excepcionais, os quais nos conduziram na Igreja Católica, embora cada um deles tenha sido muito diferente de seu predecessor. Creio que é isso o que vemos agora. Alguém me disse que os italianos têm uma expressão – “Depois de um papa gordo, um papa magro” – que mostra que cada um é diferente e cada um tem talentos diferentes que leva para seu ministério na Igreja. Tenho certeza de que o papa Francisco, assim como o papa Bento XVI, partilhará conosco maravilhosos dons e talentos que Deus lhe deu para serem postos a serviço de Seu povo. Esse livro serve como um vislumbre desses talentos e dons que nosso novo papa possui. É um belo encontro – em imagens e palavras – com o papa Francisco, desde sua juventude até os dias ansiosos em que a Igreja esperava um novo papa, para a alegria de sua eleição e dos dias que se lhe seguiram. Viva il papa!

— Cardeal Seán O’Malley, OFM Cap. Arcebispo de Boston

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Habemus Papam! Às 19:05, horário de Roma, um grande sopro de fumaça saiu da chaminé temporária do telhado da Capela Sistina. A fumaça era cinza escuro. Inicialmente, alguns observadores na multidão presente na Praça de São Pedro pensaram que era novamente negra, um sinal de que no quinto escrutínio os cardeais ainda não haviam eleito um papa. Mas à medida que mais fumaça saía da chaminé, ficou claro que desta vez a cor era branca. À medida que a exaltação se espalhou pela multidão, os sinos da Basílica de São Pedro começaram a tocar. O repique dos sinos se espelhou de igreja em igreja, até que Roma inteira estava ressoando com o afortunado som. A multidão começou a entoar os cantos: “Viva il papa!” (Viva o papa!) e “Habemus papam!” (Temos um papa!). Romanos e visitantes foram à Praça de São Pedro. Uma multidão de dezenas de milhares encheu a praça e o excesso de pessoas se espalhou pela Via dela Conciliazione, o largo bulevar que leva até a Praça de São Pedro. O dia havia sido frio, úmido e chuvoso, e o tempo não havia melhorado no início da noite. Apesar disso, a vasta multidão permaneceu agitada e ansiosa enquanto esperava para descobrir quem substituiria

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Bento XVI como Sucessor de Pedro e chefe da Igreja Católica Romana e de seus 1.2 bilhão de membros. Depois de quase uma hora, o cardeal Jean-Louis Pierre Tauran, o cardeal-diácono mais velho, apareceu na sacada acima da principal entrada da Basílica de São Pedro. “Annuntio vobis gaudium Magnum. Habemus papam!”, ele disse. “Eu vos anuncio uma grande alegria. Nós temos um papa! Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor Cardeal Jorge Bergoglio, que escolheu para si o nome Francisco.” O popular blogueiro norte-americano, padre John Zuhlsdorf, também conhecido como padre Z, postou mais tarde que, por um momento, a multidão ficou em silêncio. Nos dias que antecederam esse momento, a multidão e o mundo vinham debatendo avidamente quais eram os papabili – os cardeais considerados mais aptos a ser eleitos ao papado. Mas não reconheceram o nome de Bergoglio. Ele não havia aparecido em seus debates, e inicialmente apenas um pequeno número de peregrinos argentinos gritou de alegria. Bergoglio havia sido um forte concorrente no conclave anterior, e acreditava-se amplamente que ele teria ficado atrás de Bento XVI. Mas dessa vez ele havia sido consideravelmente ignorado. Com setenta e seis anos, muitos descartaram-no por terem-no considerado muito velho. Talvez o homem mais feliz e surpreso na praça foi Sergio Rubin, um repórter do Clarin, um jornal católico da Argentina. Rubin foi o autor da biografia do cardeal Bergoglio El Jesuíta (O Jesuíta). Falando ao vivo pela televisão, da Praça de São Pedro, um Rubin agitado disse aos espectadores: “Um papa argentino – é uma enorme surpresa para todos nós!” Rubin continuou: Ele foi candidato da última vez, mas não esperávamos que o fosse desta vez por causa de sua idade. Mas ele é o novo papa – um argentino! Cardeal Jorge Bergoglio, agora papa Fran-

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