Este fascículo é parte integrante do Nononoo onoo ooononoo - Fundação Demócrito Rocha I Universidade Aberta do Nordeste I ISBN 978-85-7529-625-7
ENEM.COM UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (Uane)
Fascículo
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REGINA RIBEIRO
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ocê deve ter acompanhado os jogos da Copa do Mundo realizados neste ano de 2014, em várias cidades brasileiras, inclusive em Fortaleza, capital do Ceará. Independentemente do resultado da Seleção Brasileira no campeonato mundial, ainda é possível lembrar-se de como o Brasil aparecia nas publicidades da TV e da internet, nos
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comentários dos jovens estrangeiros sobre os brasileiros, quando estes eram entrevistados para as reportagens das mídias. O Brasil sempre aparecia como um país de gente diversa. “Colorida”, como eles diziam. Entre nós, os brasileiros, não há um padrão único da cor da pele, do formato dos olhos, da cor ou do tipo de cabelos, da estatura. Podemos muito bem ser loiros, brancos, mulatos, negros, índios. Ou ainda descendentes de japoneses, alemães, italianos. Isso ocorre porque o povo brasileiro foi formado pela mistura de povos: os indígenas, que já habitavam o país onde os portugueses chegaram; os europeus brancos, que aportaram aqui para explorar novas terras; e os negros africanos escravizados durante o tempo da colonização e do império. Sem contar que os estrangeiros sempre visitaram o país e deixaram suas marcas: franceses e holandeses invadiram o território brasileiro durante a colonização. Em Fortaleza, temos um forte construído pelos holandeses, chefiados pelo capitão Matias Beck. O forte mudou de nome. Era Schoonenborch, mas virou Forte de Nossa Senhora da Assunção, quando os portugueses expulsaram os holandeses. Nesse caso, não deu tempo de eles se fixarem na cidade. Mas é bom lembrar que durante o século XX, principalmente devido as duas Grandes Guerras, a de 1914-1918 e a de 1939-1945, muitos estrangeiros chegaram ao Brasil fugindo dos conflitos. Navios cheios de japoneses, italianos, poloneses e alemães procuraram a paz
de um país em expansão e ficaram por aqui formando colônias e bairros inteiros em várias capitais brasileiras, influenciando o jeito de ser do povo brasileiro e contribuindo para a formação da nossa cultura. Uma das mais importantes escritoras brasileiras, Clarice Lispector, nasceu na Ucrânia, veio para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, naturalizou-se brasileira. O mesmo aconteceu com o contista e tradutor Paulo Rónai, que nasceu na Hungria. A família dele chegou ao país durante a Segunda Guerra Mundial. A jovem escritora Carola Saavedra nasceu no Chile, mas também naturalizou-se brasileira. Ela deixou o Chile com os pais quando tinha três anos, devido a um golpe militar naquele país, que causou a morte do presidente Salvador Allende, em 1973. Além da diversidade física, o Brasil era apresentado, durante a Copa do Mundo, como um país de gente alegre, receptiva com os estrangeiros, louca por futebol e por festa. Não raro os comentaristas de TV falavam na “cultura do povo brasileiro”, como sendo esta salada que une o que há de mais diverso. Ao longo desse texto, vamos descobrir como analisar essa ideia de povo brasileiro tão propagado durante a Copa do Mundo.
Explorando os termos Tenho certeza de que você já percebeu que o termo diversidade cultural é como um guarda-chuva gigante que abriga muita gente. É possível, sim, conversarmos sobre ele, separando as duas palavras que o compõem: “diversidade” (também denominada pluralidade) e “cultural”. Em seguida, uniremos novamente estas palavras e você verá a importância da diversidade cultural para compreensão de seu próprio comportamento e o das pessoas a sua volta, dos seus colegas na escola, dos vizinhos no seu bairro, dos habitantes na sua cidade e do seu país.
Junta, mistura e forma UM Para começo de conversa, vamos discutir o termo diversidade/pluralidade. O significado da palavra é muito simples e atribui uma característica ao que é “múltiplo”, composto por “vários” itens. A formação do povo brasileiro já oferece a você um ótimo exemplo. Mas podemos citar o Ceará também e notar o quanto ele é diverso. O estado é o resultado dessa diversidade: da arte popular do Cariri; da culinária do Icó, com sua famosa peixada; de Viçosa, com seus doces; do Jaguaribe, com seus queijos e doces; das festas populares dos municípios em torno da Ibiapaba; das lendas de alguns municípios do litoral, como o vento do Aracati; dentre muitos outros. Agora já é possível chegar à escola onde você estuda. Se você reunir vários selfies dos grupos da escola ou mesmo observá-los pelo facebook, perceberá como são diversos. Existem aqueles que curtem funk, outros que amam bandas de pop rock, outros que adoram HQ´s; tem a turma do j-pop, ligada nos quadrinhos, filmes e músicas que vêm do Japão; se moram no litoral, haverá grupos que preferem o surf; sem esquecer a turma do skate; e, claro, os loucos por uma pelada; os que gostam de dança de rua; aqueles que apostam no rap; os que escolhem a capoeira; a arte urbana; a poesia; e por aí vai... Verá também que existem meninos negros e brancos; os que são do Interior; os que vieram de outras cidades e os que nasceram na capital; meninos e meninas que fazem parte de grupos católicos, os que integram igrejas protestantes e outros que vêm de famílias que praticam religiões afro-brasileiras; há ainda os que namoram com pessoas do mesmo sexo e os que se relacionam com pessoas de gêneros distintos. Existirão grupos que se autodenominam nerds, geeks, emos, e toda hora surge uma galera nova com um nome divertido. Repare que alguns adolescentes fazem parte de mais de um
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ENEM.COM grupo ao mesmo tempo, enquanto outros escolhem algo e se dedicam a ele. Como você se posiciona diante de tanta diversidade?? É muito importante notar que a diversidade é algo real em nossas vidas e é também fonte de muitos conflitos. É na convivência e compreensão dessa realidade que podemos tomar uma atitude diante dos preconceitos, intolerância, discriminação e violência muitas vezes endereçados a um grupo ou outro. Nós vamos retomar esse assunto mais adiante, porque, neste momento, a cultura entrará em cena.
Olhando mais de perto Não tivemos nenhum problema em compreender o sentido da palavra diversidade, não é? Com os sentidos que envolvem a palavra cultura, não há grande dificuldade, mas ela tem uma história e o seu sentido já mudou muito ao longo do tempo (veja quadro Linha do Tempo da Cultura Cultura).Embora seja dispensável p e rc o r re r m o s uma longa estrada para saber tudo o que passou com a palavra cultura, o importante é que você saiba que durante um bom tempo era comum definir-se cultura como “um conjunto de costumes, práticas, crenças e modos de vida de um povo”.
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Embora, como veremos em seguida, a cultura inclua todos esses itens de costumes e crenças, o seu conceito foi, aos poucos, ampliando-se, porque, segundo alguns estudiosos, a cultura vista com um “conjunto de práticas” parece estática, fixa, algo que pode ser observada por longo período de tempo num determinado espaço. E isso é tudo o que a cultura não é. Ela não é fixa, imóvel, parada no tempo nem fincada num só lugar. Além do mais, não se pode falar numa cultura no singular ao examinarmos com cuidado qualquer grupo de pessoas. E sim, “culturas”, no plural. Acredito, portanto, que a proposta do pesquisador Sérgio Carrara para definir cultura poderá nos ajudar a compreender melhor os sentidos do termo no mundo contemporâneo. Observe o que ele diz: “Cultura é um fenômeno unicamente humano, a cultura se refere à capacidade que os seres humanos têm de dar significado às suas ações e ao mundo que os rodeia. A cultura é compartilhada pelos indivíduos de um determinado grupo, não se referindo a um fenômeno individual.” Você deve ter reparado que a cultura é exercida pela ação humana, e isso é um elemento essencial, porque estamos sempre em movimento,
mudando a forma de pensar e de agir. Nos últimos anos, com as mudanças radicais causadas pelas tecnologias, a sensação comum é a de que o tempo não corre, voa, e com ele voam as formas culturais resultadas dessa ação humana. Tudo ao nosso redor se modifica rapidamente. Então, a cultura está sempre em movimento, ela não é única nem imóvel. Mesmo a forma como se pratica as diversas religiões está em constante mudança, assim como o jeito de lidar com os alimentos e os tipos de comida também se alteram com o tempo. Quando minha mãe era criança, não havia hambúrguer, nem carrinhos de cachorro-quente. Não fazia parte dos hábitos da família, reunir os amigos para comer pizza, como fazemos hoje, não existiam shoppings nem celular nem SMS. Ferramentas como o whastApp não existiam nem nos filmes de ficção científica. Mesmo o personagem de cinema mais avançado em tecnologia, o agente OO7, usou coisas do tipo Instagram ou facebook. As festas juninas, por exemplo, eram comemoradas com fogueira, aluá, pé de moleque e com uma quadrilha que reunia as meninas da vizinhança vestidas de chita e os meninos com roupa remendada, imitando matutos. Hoje, as quadrilhas participam de festivais para ganhar prêmios, gastam milhares de reais com roupas, e pé de moleque é um bolo comprado o ano inteiro em padarias e supermercados. Nessa mesma época, era de bom tom os rapazes pedirem a permissão dos pais para namorar uma menina. Hoje, ninguém fala nada, “fica” um dia ou dois e descobre se o namoro engata ou não. Os pais nem ficam sabendo. Outro detalhe muito importante nessa definição de cultura é que esse fenômeno humano ganha vida quando os significados dessas ações são partilhados com outras pessoas. En-
tão, você já deve ter observado em si mesmo e entre seus colegas de escola que vocês se juntam e se agrupam com outros meninos e meninas a partir do que vocês têm em comum. Se você curte skate, é natural procurar amigos na turma de skatistas, e vocês vão trocar informações sobre a prática do esporte, usarão roupas próprias para o skate, existe até um vocabulário particular falado pela turma. Vocês podem descobrir novas formas para a prática do esporte, podem mobilizar o bairro para conquistar um local para o grupo brincar em segurança, podem criar palavras novas para skate, descobrir grupos em redes sociais, interagir com esportistas em todo o mundo. O escritor e pesquisador Marcelo Coelho concorda com essa definição de cultura como algo que está sempre em movimento, inacabado, em “fer-
O enfoque dado ao
tema da pluralidade cultural é marcado pela necessidade
de se combater, no
interior da educação (e da escola
primordialmente) o preconceito em
relação ao diferente.
Tânia Mara T. Silva
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ENEM.COM mentação”. Ele fala que deve se pensar na cultura como um “processo”, não como algo fixo, pronto e acabado, “não como um objeto, mas como uma atividade, esta é a ideia-chave”. Agora, dê asas à sua imaginação. Você já sabe que tanto a escola quanto a sua cidade ou país são formados por diversos grupos que agem de forma distinta, dando significados às suas ações, ou seja, manifestam-se por meio de várias culturas. Lembre-se de que, como já falamos antes, não existe cultura no singular, ela está sempre no plural. Então, podemos dizer que a diversidade cultural faz parte da nossa vida em sociedade. Ampliando ainda mais a discussão, podemos afirmar também que a escola, a cidade e o país são como uma espécie de arena, onde todos esses grupos disputam espaços e querem ser vistos, reconhecidos e respeitados, porque todos nós, seres humanos, queremos ser respeitados com as nossas semelhanças e diferenças.
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No reino do plural, o singular Vamos voltar à Copa do Mundo. Na festa de abertura do Mundial, houve uma apresentação que mostrava as riquezas naturais no Brasil e também sua riqueza cultural, representada pelas raças que formam o povo brasileiro. Muita gente criticou a pobreza da apresentação e a coreografia, mas o que nos interessa aqui são os detalhes. Os índios foram apresentados na festa da Copa como um único povo. No entanto, no Brasil existem, hoje, 200 povos indígenas que falam 180 línguas diferentes. Você deve estar bem surpreso e perguntar: “mas eles não são brasileiros? Não falam português?”. Eles são brasileiros, sim, mas pertencem a nações indígenas que vivem de formas diferentes e que se comunicam com uma língua própria. Muitos desses povos indígenas até falam português para se comunicarem, mas preservam suas línguas. Muitas escolas indígenas em atividade
É da sua Conta! Fique atento ao Estatuto da Juventude! Em agosto de 2013 entrou em vigor o Estatuto da Juventude. O documento é importante porque legisla sobre os direitos dos jovens e estabelece diretrizes para políticas públicas que tenham como alvo o desenvolvimento social e educacional dos jovens brasileiros. Um dos princípios da nova lei é justamente o “respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude”. Também assegura aos jovens “a promoção da vida segura, da cultura de paz, da solidariedade e da não discriminação”. No capítulo que trata dos “Direitos dos Jovens” é bom perceber que o novo Estatuto garante “o envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do país”. Propõe e incentiva a participação do jovens em atividades que visem a “defesa dos direitos da juventude ou de temas afeitos aos jovens”.
Valorização da Diversidade Na seção que trata dos Direitos à Educação, é possível perceber o quanto o Estatuto valoriza a diversidade brasileira. Para começar, embora a educação básica seja ministrada em língua portuguesa, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais está assegurada a “utilização de suas línguas maternas e de processos próprios de aprendizagem”. Ele também considera como obrigatoriedade garantir aos jovens surdos o uso e o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) em “todas as etapas e modalidades educacionais”. Aos jovens que moram no campo, o documento estabelece que é dever da Política Nacional de Educação no Campo contemplar e ampliar a quantidade de escolas em todos os níveis e modalidades educacionais”. Aos jovens negros, indígenas e àqueles que estudam em escolas públicas, o acesso em universidades
públicas se dará por meio de políticas afirmativas, nos termos da lei.
Lei de cotas Desde 2012 foi sancionada a lei que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos de educação, ciência e tecnologia a estudantes do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. É importante também conhecer como é feita a distribuição de vagas pelas cotas. De acordo com o Ministério da Educação: “As vagas reservadas às cotas (50% do total de vagas da instituição) serão subdivididas: metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo e meio por pessoa e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, será levado em conta o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado”, onde o estudante reside.
Cotas para concursos Está em vigor desde 10 de junho deste ano de 2014 a lei que reserva 20% das vagas nos concursos públicos da União para candidatos negros. A nova lei vale para concursos feitos em empresas administradas pelo governo federal, tais como Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Para ter direito a disputar uma vaga por esta lei, o candidato deverá se declarar de cor preta ou parda. É muito bom ter cuidado com o que vai dizer, porque uma declaração falsa pode excluir o candidato do concurso, e se já tiver sido nomeado, perderá emprego.
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ENEM.COM estão, inclusive, fortalecendo as línguas faladas pelos povos indígenas. No Ceará, onde encontramos os anacés, pitaguaris, tremembés, tapebas, potiguaras, dentre outros, há também escolas indígenas de referência no estado, como a de Poranga, na região dos Inhamuns, que integra a lista das 150 melhores escolas do Ceará, de acordo com os dados do Spaece Alfa divulgados em maio de 2013. Pode-se perceber, portanto, que não existe uma só nação indígena. Eles não são “iguais”, como pode-se entender quando falamos apenas em “indígenas brasileiros”. Da mesma forma, é importante que você saiba que no país existem 2.200 comunidades remanescentes de quilombos, que se localizam em diferentes regiões
geográficas e se organizam social e produtivamente de formas diversas. Sem contar que os negros que vieram para o Brasil também faziam parte de povos africanos distintos, que falavam línguas distintas e viviam em culturas diferentes. Podemos concluir, portanto, que estamos completamente imersos numa diversidade cultural – plural – o que nos define como um povo – singular. Isso quer dizer que a nossa “unidade de brasileiros” só existe devido à “diversidade cultural” que nos compõe. Essa lógica vai nos alcançar em todos os grupos dos quais fazemos parte, incluindo a nossa família, na qual há um grupo de pessoas bem diferentes, ligados por parentesco de pai, mãe, filhos, sobrinhos, primos etc.
Todas as formas de preconceito são as que mais devem incomodar uma sociedade e todos têm responsabilidade de lutar para pôr fim ao preconceito. No Brasil, embora haja leis que proíbam os preconceitos raciais, ainda é possível ver tais manifestações.
Davina Castelli já é freguesa da Justiça de São Paulo. Contra ela há seis denúncias de racismo tramitando no Tribunal de Justiça daquela cidade. No YouTube tem até um vídeo em que ela é personagem: “A racista da paulista”, na qual uma idosa com um andador aparece xingando negros.
Péssimo exemplo
Ótimo exemplo
A aposentada paulista Davina Apparecida Castelli foi condenada, em 2013, à prisão em São Paulo, por ter chamado de “macacos” três negros num shopping paulista. Davina foi condenada a quatro anos de prisão e a pagar uma multa de R$ 28.960 de indenização por danos morais a cada um dos ofendidos. Quem fez a denúncia foi a corretora Karina Chiaretti, um das pessoas a quem Davina chama de “macaca”, além de ter dito que os “negros são imundos”. A corretora entrou na Justiça e disse que tinha sido a primeira vez que havia sido vítima de preconceito racial. À época, ela contou à imprensa que estava no shopping comprando esmaltes para a filha quando a mulher começou a xingá-la: “Do nada, ela olhou para mim e disse que negros não deveriam entrar no shopping, que eu era ‘macaca’”, afirmou ela.
No Ceará, Luma Nogueira de Andrade foi a primeira travesti do Brasil a obter o título de doutorado numa universidade pública, em 2012. No ano passado, ela conquistou, por meio de concurso público, uma vaga de professora no Instituto de Humanidades e Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Filha de agricultores de Morada Nova, Luma conta que teve de vencer muito preconceito para conseguir seus objetivos. O caminho que Luma escolheu foi formação profissional. “Busquei na educação formas de superar as dificuldades financeiras, sociais e, principalmente o preconceito por ser travesti. Assim como os negros são discriminados, nós também sofremos discriminação social”, afirmou ela no discurso que fez no dia da posse como professora na Unilab.
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O nome certo para cada coisa Como vocês já leram anteriormente, a escola e as cidades podem ser tomadas como exemplos de territórios que reúnem grupos, os mais variados, e muitas vezes se tornam palco de conflitos entre esses diversos agrupamentos. São vários os motivos que causam tensão entre grupos sociais dispostos num mesmo espaço. Um dos que se destaca é querer impor uma única forma de pensar e procedimentos fixos a todos, indistintamente. Forçar uma homogeneidade sem diálogo ou flexibilidade, ou seja, querer que todos sejam iguais, geralmente, dá origem a várias formas de resistência e conflito, pois sabemos que é na diversidade que vivemos. Imagine se na escola onde você estuda só seja permitido fazer parte de roda de capoeira e o que você gosta é de dança de rua ou funk. E que essa imposição tenha como fundamento desqualificar quem fizer parte de outros grupos ou considerar negativas as demais práticas. A reação dos grupos ligados a essas manifestações culturais poderá causar tensão entre os jovens que vão exercitar o direito de serem respeitados em suas escolhas. Por outro lado, pense na possibilidade, na cidade onde você mora, de grupos sociais que dominam os espaços de entretenimento, por meio do poder econômico, impuserem suas formas de vestir, de se comportar ou de consumo de determinados bens. O que pode acontecer? Na verdade, isso já aconteceu recentemente na cidade de São Paulo, em janeiro de 2014, quando o movimento “rolezinho”, que reunia jovens da periferia da zona norte paulista, decidiu marcar encontros – pelo facebook – nos shoppings da zona sul – classe média alta. A forma como eles se organizavam, as roupas que usavam e o fato de não terem dinheiro para consumir, criou uma mobilização dos administradores dos shoppings para impedir que os jovens entrassem naqueles centros comerciais.
À época, houve uma discussão sobre o direito de impedir o livre trânsito dos jovens num local público, no caso, os shoppings. No entanto, os advogados de defesa dos estabelecimentos alegavam que os shoppings eram um “empreendimento privado e que havia o risco dos jovens organizados para o ‘rolezinho’ causarem transtorno aos demais frequentadores”. Reparem que tal discurso revela a existência de dois grupos que, aparentemente, não deveriam estar juntos num mesmo local, porque um deles causava estranhamento aos usuais frequentadores. Os jovens da periferia deveriam frequentar os locais para os jovens da periferia e os de classe média, a mesma coisa. Nos dois casos podemos observar posturas que levam ao etnocentrismo, ao preconceito e à formação de estereótipos. O etnocentrismo acontece quando impomos nossa forma de ver o mundo a todos os que estão em nosso redor. Ou seja, o que eu penso e acredito é verdade para mim e tem que ser verdade para os outros também. Neste caso, um grupo decide o que é “bom” e o que é “mau”, o que é “bonito” e o que é “feio”, culturalmente falando. Foi com base nesse pensamento que os europeus chegaram ao Brasil e tentaram escravizar e exterminar os povos indígenas que habitavam a nova terra, por considerá-los selvagens e bárbaros em relação à cultura europeia. Essa ideia também levou muitos países europeus a escravizarem os negros por taxá-los de seres inferiores, não dotados de inteligência. Com esse jeito de pensar, as mulheres já foram julgadas incapazes de votar, estudar ou ocupar cargos de destaque social ou político. Se você notar bem, esses pensamentos não ocupam mais a cena integralmente, mas resquícios deles ainda escapam em alguns grupos. Embora o Brasil venha avançando nos índices de inclusão social, boa parte da população negra do Brasil ainda ocupa os lugares mais baixos da
Aprenda com eles ● No Ceará, o
jangadeiro Francisco José do Nascimento, conhecido como Chico da Matilde, recebeu o epíteto de “Dragão do Mar” por ter, junto com seus companheiros de pesca, impedido o tráfico de negros no Ceará, em 1893. Naquele tempo, para que os negros fossem vendidos, embarcavam pelas nossas praias. É famosa a frase: “No Ceará não se embarcam mais negros”. A luta de Chico da Matilde foi associada a de outras pessoas que já lutavam contra a escravatura no Ceará e se intensificou ao ponto de Fortaleza libertar todos os escravos que viviam na cidade. ● Nos Estados Unidos
a pequena Ruby Bridges tem uma história notável. Em 1960, no século XX, ela foi a primeira menina negra a ser aluna de
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ENEM.COM escola em Nova Orleans, no sul dos Estados Unidos. Os pais de Ruby a tornaram voluntária num programa da Associação Nacional do Progresso de Pessoas de Cor, que lutava contra o preconceito racial nos Estados Unidos. A presença da menina Ruby na escola fez com os pais dos meninos brancos os retirassem da sala de aula e os professores se negassem a ministrar aulas. Apenas uma professora, Barbara Henry, aceitou dar aulas para Ruby e o fez durante um ano. Nesse período, devido aos constantes protestos contra sua presença na escola, a menina Ruby precisou ser retirada da escola várias vezes. Não desistiu. Passou toda a sua vida lutando contra o preconceito racial. Criou e trabalha até hoje na Fundação Ruby Bridges, que desenvolve atividades pela inclusão social em seu país. Orleans é o estado americano onde nasceu o blues e o jazz, que eram os sons produzidos pelos negros em suas festas. Explodiu como ritmo em todo o mundo e fez história com os músicos Louis Armstrong, Ella Fitzgerald.
escala social do país: tem menos tempo na escola, é maioria em empregos informais ou subempregos, e mora na periferia das grandes cidades. Integrantes dessa população são também os que mais aparecem na mídia, acusados de envolvimento em crimes de violência urbana. Tudo isso cria em torno da população negra o que chamamos de estereótipo. O estereótipo acontece quando generalizamos os indivíduos que pertencem a um determinado grupo e lhes atribuímos valores negativos. É pensar, por exemplo, que todos os negros estão predispostos a cometerem um crime ou a serem violentos. E que os moradores da periferia são todos delinquentes e, por isso, não têm o direito de frequentar determinados lugares na cidade. Ou ainda, que um jovem que mora na periferia de uma grande cidade só pode cantar funk ou brincar em rodas de capoeira. Não deve, por exemplo, estudar violino e gostar e tocar clássicos de músicos como Bach, Beethoven, Alberto Nepomuceno e Heitor Villa-Lobos. Ou que todos os homossexuais são pessoas moralmente desqualificadas e todas as músicas de funk têm letras que propagam a violência e a desvalorização da mulher. Somente a partir de 1990 os personagens negros passaram a ter destaque na TV brasileira e a ganhar papéis nos quais não representavam serviçais e capatazes. A atriz negra Thaís Araújo foi a primeira protagonista de uma novela brasileira. Desde 2002, houve uma mudança considerável nos padrões de consumo do país com a ascensão social e econômica de milhões de brasileiros. Surgiu uma nova Classe C, mais consumista. A pu-
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blicidade, então, voltou-se para os negros que estavam surgindo nesse novo mercado de consumo e passou a adotar personagens negros em diversas campanhas publicitárias, principalmente no setor de alimentos e eletroeletrônicos. O que não acontece ainda quando os anúncios querem vender carros caros. Junto com o estereótipo está o preconceito, que é a ideia preconcebida que temos de algo que não conhecemos. Na verdade, a ignorância e a falta de conhecimento são a origem do etnocentrismo, do estereótipo e do preconceito. Além disso, o preconceito é talvez a prática mais urgente nas relações sociais, mesmo num país onde se propaga a união das raças e onde se nega veementemente a sua existência. Vale relembrar, no entanto, que a cultura está em constante movimento e depende das ações humanas dos significados que os grupos dão a essas ações. No início do século XX, o samba foi proibido no Brasil e era considerado caso de polícia. Os sambistas eram confundidos com malandros, vagabundos e estavam entre os acusados de causar transtornos à ordem pública. As mulheres de “boa família” não podiam ser atrizes, cantoras ou artistas de qualquer natureza, porque eram consideradas mulheres de má fama. E negros já foram proibidos de jogar futebol, esporte que quando surgiu no país era praticado apenas por pessoas brancas e de famílias ricas. Embora atualmente não exista nenhuma restrição, esportes como hipismo e automobilismo são praticados apenas por jovens de famílias ricas, por serem
Mundo Insano Guerras Se existir algo que revela o quanto pode haver de insensatez no mundo é na guerra. Desde o início de julho de 2014, o mundo está revendo a guerra entre israelenses e palestinos que já mataram até o momento mais de 300 pessoas, entre eles, muitos jovens e crianças. Essa guerra é bem antiga, já dura séculos e os homens não encontram uma forma de chegar num acordo que acomodem os dois povos, judeus e palestinos, no território de 153 quilômetros de extensão. É bem pequeno, mas se houvesse acordo, caberiam ambos. Também neste ano de 2014, Rússia e a Ucrânia, embora não tenham declarado uma guerra com todas as letras, iniciaram um conflito que já dizimou milhares de jovens e adultos e dividiu aquele país do leste europeu. Por causa desse conflito, um avião com 283 passageiros foi derrubado na região da Ucrânia por mísseis russos, que até o momento ninguém conseguiu provar quem disparou, mas tudo leva a crer que os ucranianos apoiados pela Rússia cometeram o insano atentado contra um avião civil da companhia Air Malásia. Neste ano de 2014, rememora-se os 100 anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). No conflito que envolveu muitos países do ocidente, morreram 10 milhões de militares, sem contar os moradores de países em guerra. É mais ou menos como se duas vezes a população do Ceará se extinguisse em quatro anos. Durante as guerras, desenvolve-se numa proporção quase inimaginável a intolerância entre os povos, e essa intolerância abre caminho para todo tipo de atrocidades e violência. Basta lembrar que na Segunda Guerra Mundial o ódio de Hitler, füher da Alemanha, contra os judeus causou a morte de 6 milhões de pessoas pertencentes a este povo. Milhares de soldados também morreram. Cidades europeias inteiras foram bombardeadas
pela Alemanha que, guiada por Hitler, queria expandir o poderio alemão pela Europa.
Ideias As ideias também podem ser fontes de conflitos e de batalhas que prejudicam um clima de paz e de valorização da diversidade cultural e de respeitos entre os povos. No início do século XX havia no mundo uma ideia que defendia raças puras, a chamada eugenia, que tinha origem na biologia iniciada com as pesquisas realizadas pelo cientista Charles Darwin, ainda no final do século XIX. No Brasil, chegou a haver uma campanha pelo branqueamento da população brasileira, com o incentivo do País em receber imigrantes europeus. A ideia é completamente absurda, mas naquele tempo era plenamente defendida até por alguns jornais. Imagine vocês que essa ideia de ressuscitar as ideias em torno das raças está retornando, depois que o inglês Nocholas Wade publicou o livro Uma herança incômoda. Wade acredita que as pessoas do mundo são divididas em raça. Uma ideia muito doida, porque dá lugar a se criar uma raça superior a outra e lá vai a confusão. Já existem cientistas de plantão que garantem que Wade não vai conseguir revirar a “lata de lixo” com essa ideia de raças, que tanto mal já causou à humanidade.
Religião A intolerância religiosa ainda hoje ocupa lugar de destaque entre os mais graves conflitos entre os países e internamente em alguns locais. Você ainda não havia nascido quando houve o ataque às torres do World Trade Center, nos Estados Unidos, as chamadas Torres Gêmeas. O episódio que matou 5 mil pessoas foi chamado de Guerra Santa pelos mulçumanos liderados por Osama Bin Laden. Pelo discurso deles, os Estados Unidos são considerados infiéis perante Deus. Nos Estados Unidos existem máxima liberdade de culto. Ou seja, todo mundo pode professar a fé que bem quiser. No Brasil também. Mas não é assim em todos os lugares. No Sudão, quem mudar de religião pode ser condenado à morte. Foi o que aconteceu em maio de 2014, com Mariam Yahya Ibrahim, muçulmana, que se converteu ao cristianismo e foi condenada à morte. A sentença causou uma comoção social e a mulher, mãe de três filhos, conseguiu sair do Sudão para Roma e de lá para os Estados Unidos, onde vai morar com o marido. A mobilização pela liberdade de Mariam Yahya chegou a vários países por meio das mídias sociais.
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ENEM.COM Linha do tempo da cultura Cultura vem do latim colere, e tem vários significados: habitar, cultivar, honrar com veneração. ● No
século XVII, a palavra Cultura começou a se expandir, sendo utilizada no sentido de cuidar de algo, e fazia parte do vocabulário dos agricultores. Não é por acaso que até hoje se fala “cultura do feijão, do arroz e do milho”, e se diz dos criadores de abelha “apicultores”. ● No
século XVI começou-se a falar em desenvolvimento humano e de que era necessário “cultivar” as mentes como se fazia com a agricultura. E surgiu a expressão “cultura para as mentes”. ● No séc. XVII, a palavra Cultura ampliou ainda mais seus sentidos e passou a estar ligada ao novo movimento social e intelectual.
esportes muito caros. Porém, a ginástica olímpica, tradicionalmente um esporte de países ricos, no Brasil, ganhou destaque através de uma moça negra: Daiane dos Santos. Você pode estar se perguntando: “O que eu tenho a ver com tudo isso?”. Posso dizer que você e sua escola têm muito a ver com tudo isso, e que vocês podem ser agentes da valorização da diversidade cultural. Uma das formas mais eficientes para isso é reconhecer que precisa respeitar os grupos sociais que não conhece, assim como valorizar suas práticas culturais. Cito aqui a orientação dada pelo pesquisador Sergio Carrara: “A convivência com a diversidade implica o respeito, o reconhecimento e a valorização do/a outro/a e não ter medo daquilo que se apresenta inicialmente como diferente. Esses são passos essenciais para a promoção da igualdade de direitos.” A arte é uma ótima porta para que você entre, reflita e compreenda a cultura em toda a sua pluralidade. E é sobre o papel da arte na dinâmica da diversidade cultural que nós vamos conversar a seguir.
Sua galera igual as outras Em alguns momentos, cultura e arte se confundiam. Se você reparar na Linha do Tempo da Cultura, houve uma época em que a palavra “cultura” significava música, literatura, pintura, teatro e cinema. Dizia-se, então, que a cultura era um privilégio de pessoas refinadas, que cultivavam práticas chamadas de “civilizadas”. Os que “tinham cultura” estudavam nas melhores escolas, frequentavam museus e teatros, falavam as línguas de outros países, viajavam para conhecer outras civilizações. Havia até uma divisão das culturas, esta – a civilizada – era conhecida como “alta cultura”. A que vinha das classes pobres, periféricas e negras eram taxadas de “cultura popular”, considerada inferior em relação à alta cultura, havendo, inclusive, disputa entre elas.
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Atualmente, embora ainda haja algumas pessoas presas às formas mais antigas de pensar a cultura, já vimos que não é nada disso. Referimos-nos ao conceito mais de uma vez, mas só para que você fique bem afinado com a ideia, lembre-se de que todos os grupos têm o direito de ser respeitados nas significações que oferecem às suas ações. O poeta cearense Patativa do Assaré é chamado de “poeta popular”. Ele era um gênio ao escrever versos que retratavam o homem sertanejo, as tensões da vida no campo entre o sol ardente e a esperança da chuva. A poesia de Patativa não é menor do que a poesia de Capistrano de Abreu, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles ou Adélia Prado. Um deles, pelo menos, João Cabral de Melo Neto, também cantou um sertão que mostrava as intensas desigualdades entre o sertanejo pobre e os donos das terras, no belo poema “Morte e Vida Severina”. Patativa, no entanto, maneja as palavras de forma diferente para fazer nascer a linguagem da sua poesia. João Cabral era um diplomata; Patativa era um agricultor. Ambos eram poetas excelentes, embora escrevessem de forma diferente. Um não era superior ou inferior ao outro. O poeta cearense é estudado por pesquisadores da França, Estados Unidos e Alemanha, e todos consideram Patativa um grande poeta. Note que tanto a arte poética de Patativa, quanto à de João Cabral – no caso do poema “Vida e morte Severina” – falam de um grupo social, o homem sertanejo, e expressam uma cultura do sertão ou do campo. Podemos dizer que uma das diferenças entre arte e cultura é que enquanto a cultura será sempre o resultado coletivo, a arte é um trabalho individual, embora expresse o desejo, as aspirações, o sofrimento ou as paixões de um grupo. As duas dialogam sempre, mas têm jeitos distintos de serem produzidas.
Citamos a poesia de Patativa do Assaré, mas podemos conversar um pouco sobre outra prática artística muito polêmica, que tem dividido estudiosos, pesquisadores da música e pessoas que trabalham com a cultura: as letras das músicas do funk. O funk, aliás, sempre esteve envolto em polêmica. Os bailes funk chegaram a ser proibidos no Rio de Janeiro, acusados de incitarem a violência. Letras das músicas funk também já foram parar nos tribunais por serem consideradas desrespeitosas e vulgares com as mulheres e até por propagarem a violência doméstica. Uma dessas músicas chamavam as meninas de “cachorras”, enquanto outra dizia que “um tapinha não dói”. As letras falam ainda de sexo de forma bem direta, denunciam a violência policial nas favelas e nos morros, alertam contra o preconceito sofrido pelos negros e pobres no país, principalmente os jovens. Recentemente, o funk ganhou novamente grande audiência na mídia, devido a um professor de Brasília que elevou a cantora funk Waleska Popozuda à categoria de “grande pensadora”. Muita gente ficou brava com a referência. O fato é que depois de anos de peleja, o funk começa a ser olhado de forma diferente. E mais uma vez, observe, a cultura está em constante
movimento, pois as ações humanas não são estáticas, estão em constante “fermentação”. Atualmente, há vozes que interpretam o funk como uma forma de pensar de um grupo social e chegam a defender que toda a rejeição sofrida pelo funk tem a ver com a origem da manifestação: os morros cariocas. Vamos lembrar também de que essa mudança de discurso se encaixa muito bem com a invasão do funk nos bailes da classe média alta em várias cidades brasileiras e na transformação de cantores funk em celebridades na mídia. O exemplo da funk também pode nos ajudar a pensar na mudança de discursos em torno da periferia das grandes cidades e de como a arte da periferia passou a chamar a atenção da mídia. Embora a discussão do termo “periferia” exija bastante cuidado, podemos usar aqui a palavra com o sentido do espaço que fica à margem. Pode ser, então, do interior para a capital, das capitais para as metrópoles, o Brasil em relação aos países do chamado Primeiro Mundo etc. Quando se fala que a “periferia está na moda”, isso implica que o que se produz como grupo social no espaço denominado periferia está em plena ressignificação pelos demais grupos sociais. O grafite é outro exemplo de manifestação artística ligada diretamente a grupos jovens da periferia que, aos poucos, saltou da prateleira dos crimes urbanos e ganhou galerias de arte, museus e encontros internacionais. A arte urbana como um todo, incluindo instalações, performance e grafite está gerando um novo debate no Brasil sobre as artes e incentivando o diálogo entre jovens artistas da periferia ou não e a realização de pesquisas sobre essa produção artística. O mesmo acontece com o movimento Literatura da Periferia, que hoje reúne muitos jovens
● Foi nos séculos
XVIII e XIX que o termo Cultura ganhou cada vez mais complexidade, onde ter cultura começou a ser sinônimo de pessoa culta, civilizada, estudada. Fazia-se, inclusive, distinções entre a alta cultura – a que transitava pelos salões – e a cultura popular, que tinha origem entre as populações pobres. ● Nos séculos XX e XXI, no entanto, os sentidos de Cultura se ampliaram ainda mais, como já vimos. Ela compreende uma boa quantidade de variáveis da produção humana. A cultura de um país não é singular e sim plural, porque abarca diversos grupos e diversas formas de manifestações. Também é importante lembrar que a Cultura está em constante movimento, criando e recriando novas formas. Principalmente no século XXI, com a explosão das mídias digitais, as culturas do planejamento estão mais integradas e a velocidade com a qual as informações trafegam, produz mudanças nas culturas ainda mais rapidamente.
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ENEM.COM Referências BRUNO, Artur e FARIAS, Airton. Uma breve história de Fortaleza. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2012. PP. 25-150 COELHO, Teixeira. A cultura e seu contrário. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. Pgs 17-66. ____. O que é ação cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. PP. 7-92. CANCLINI. Néstor Garcia. Imaginários culturais da cidade. In: COELHO, Teixeira. A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. PP. 15-32. CARRARA, Sergio. Educação, Diferença, Diversidade e Desigualdade. In: Gênero e diversidade na escola. Formação de professoras(es) em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações etno-raciais. Brasília: Ministério da Educação, 2009. http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/ materiais/0000015510.pdf (Acessado em 8 de junho de 2014).
brasileiros em torno da arte literária. O escritor paulista Ferrez é um dos principais escritores dessa galera e dos incentivadores de novos autores que surgem em todas as periferias do Brasil. Na sua cidade, você pode encontrar um grupo que faz literatura e vocês poderão se reunir para trocar textos, criar blogs para divulgar o trabalho e trocar informações com outros grupos pelos Brasil. Não pense, entretanto, que apenas a periferia está sendo ressignificada. Os movimentos gays, de negros e mulheres merecem, da mesma forma, destaque como grupos sociais que têm se mobilizado no país, na conquista de seus direitos e que têm implementado lutas contra toda as formas de preconceito, empenhando-se em derrubar os muros dos estereótipos que, como vimos, historicamente, impõem-se ao seu redor. As passeatas gays têm chamado a atenção para a valorização da pessoa humana independentemente da sua orientação sexual. Festivais de cinema e seminários abordando a temática de gêneros vêm conquistando cada vez mais espaço em escolas e universidades, proporcionando
HALL. Stuart. Da Diáspora. Identidades e Mediações Culturais. Org. Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. PP. 123-187. FERNANDES. José Ricardo de Oriá. Ensino de História e diversidade cultural: Desafios e possibilidades. Cad. Cades. Campinas. Vol.25, no 67. PP. 378-388. Set/Dez 2005. Disponíel em http://www.cedes.unicamp. br (Acessado em 5 de junho de 2014).
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debates e despertando uma consciência crítica em favor de uma cultura da diversidade na qual o respeito mútuo construa uma sociedade mais justa e menos violenta. As mulheres já têm um século de lutas e as conquistas têm se ampliado cada vez mais. No entanto, seguem-se ainda motivos para as manifestações contra a violência que têm as mulheres como alvo, sejam os conflitos domésticos, sejam as que envolvem o corpo feminino e até aquela violência sutil, que se dá quando se paga salários mais baixos para mulheres com formação escolar superior à dos homens. Podemos concluir afirmando que a diversidade cultural abre, a cada momento, novos espaços para manifestações individuais da arte, que podem expressar o pensamento coletivo de um grupo ou comunidade. Convém lembrar que as tensões para ocupação desses espaços e a construção dos significados dos discursos em torno das ações humanas está em constante mobilidade. É um processo sempre inacabado, nunca estará completamente pronto. A nossa vida pode ser, portanto, um chamamento para contribuir-
Começando por mim
MARCENA. Adriano. Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana. 2ª Edição. Recife: Cel Editora, 2011. SALES. Iracema. Desafios e caminhos possíveis: destaque das ações municipais, a rede Cuca aposta na cultura como agende transformador. In: Caderno 3. Diário do Nordeste, edição 8 de junho de 2014. PP. 1-5.
Você pode estar se perguntando o que pode fazer para melhorar o lugar onde você vive e trabalha. Pois saiba que você pode fazer muito. Comece por você: 1. Em primeiro lugar, estude muito, leia livros legais, veja bons filmes, ouça música, procure na programação cultural da sua cidade o que mais lhe interessa. Uma boa educação é um dos primeiros passos para compreender melhor a realidade onde você vive. E saiba que sua escola, sua cidade, seu estado e seu país foram construções humanas, ou seja, se transformam constantemente. O que você faz, tem impacto, sim, nas mudanças que acontecerem ao seu redor. 2. Descubra seu talento. Observe o que você gosta de fazer: ler, escrever poesias ou contos, pintar, fazer teatro, capoeira, skate, surf, quadrinhos, música, coral, instrumentos musicais, grafite etc. Lembre-se de que as manifestações da arte tornam o mundo mais criativo e com foco nas pessoas independente da cor da sua pele. 3. Lembre-se de que para haver paz no lugar onde você mora e estuda é importante não reproduzir ações e ideias que incentivam e perpetuam preconceitos e estereótipos que agravam conflitos e tensões entre as pessoas. 4. Evite usar suas mídias sociais para provocar colegas, amigos, vizinhos usando apelidos preconceituosos ou fortalecendo aspectos negativos deles. 5. Espelhe-se em jovens, homens e mulheres que lutam ou lutaram contra preconceitos sociais, religiosos, raciais e econômicos e pela liberdade. O mundo pode, sim, ser melhor, depende de você.
mos por meio das nossas ações e da nossa arte na feitura de um mundo mais equilibrado socialmente, com mais desejo de conhecer o outro, e lidando de forma respeitosa com as diferenças. Você e sua escola fazem parte desta história que estamos construindo. Ah, e para fechar de vez: repare como o trecho abaixo resume bem tudo o que discutimos sobre diversidade cultural: “Somos feijão e arroz. Somos quilombola. Somos uai, ochê, tchê. Somos sucuri, arara-azul, onça-pintada, tamanduá-bandeira. Somos verde, amarelo, azul e branco. Somos sertão, caatinga e pampa. (...) Somos 27 recortes do mapa. Somos América do Sul; por isso, somos um tanto Europa, outro tanto Ásia e muito, mas muito África. (...) Somos um jeitinho, uma malandragem, uma ginga. Somos a multiplicação da diversidade. A esperança da miscigenação. Somos um povo que só se reconhece na diferença. Somos a diferença que nos reconhece. Somos o que somos, diferentes. 200 milhões de indagações. In: Junior Bellé. Revista Livraria Cultura, Edição 83, junho de 2014.
VALLE. Carlos Guilherme Octaviano do. Terras, Índios e caboclos em foco: o destino dos aldeamentos indígenas no Ceará (século XIX). In: OLIVEIRA. João Pacheco de. (Org) A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes da memória. Rio de Janeiro: Contracapa, 2011. WAGNER. Roy. A invenção da cultura. Tradução: Marcela Coelha Souza e Alexandre Morales. São Paulo: Cosac Naify, 2010. PP. 27-74. WILLIAMS, Richard J. Espaço público e cultura pública: teoria, prática e problemas. In COELHO, Teixeira. A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. PP. 33-47. Organização Liv Sovik. Tradução: Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. WILLIAMS, Raymond. Palavras-chaves: um dicionário de cultura e sociedade. Tradução: Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
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Bullying | Violência | Drogas | Pluralidade Cultural | Meio Ambiente | Ética REGINA RIBEIRO | é jornalista, graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e mestre em Literatura Comparada também pela UFC. Como jornalista, atuou como editora das áreas de Cotidiano, Política, Economia e Cultura do jornal O POVO. Atualmente, é editora executiva das Edições Demócrito Rocha (EDR), braço editorial da Fundação Demócrito Rocha, e desempenha a função de curadoria do Espaço O POVO de Cultura & Arte.
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Silva, Regina Helena Ribeiro da Pluralidade Cultural / Regina Helena Ribeiro da Silva. - Fortaleza: Edições Demócrito Rocha /Universidade Aberta do Nordeste, 2014. 16p.: il. Color (Coleção Enem.com Cidadania) ISBN 978-85-7529-620 -2 ISBN 978-85-7529-625-7 1. Pluralidade Cultural. I. Título CDU 364.14
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