2ª edição Fortaleza CE 2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Q3e
Queiroz, Rachel de. Existe outra saída, sim / Rachel de Queiroz. – 2 ed. – Fortaleza : Edições Demócrito Rocha, 2010. 128p. : il. color. ISBN 978-85-7529-459-8 1. Crônicas brasileiras. I. Título.
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Apresentação
O gosto de ler não é um dom. O gosto de ler se pega, se ganha e fica para toda a vida. O livro, o jornal, a revista, o folheto, o quadrinho são os amigos de todas as horas. É o cachorro enca dernado, que vem com você, sempre solícito, mesmo nos piores momentos. Quando tudo vai mal, o livro nos puxa lá do fundo. Nas boas horas, traz as idéias que nos fazem voar. No pouco tempo vago que tenho e nas quase duas horas diárias de transpor te, no ônibus, no táxi, no metrô, a mochila carrega a companhia que torna o trajeto na cidade engarrafada uma viagem mais amena. Esse mundo de possibilidades eu ganhei de minha avó. Sentado ao pé de sua rede, eu era o escutador privilegiado de his tórias medievais dos reinos de França e da Inglaterra, de traições, vilanias e atos heroicos. E também das lendas e histórias do sertão, que ela escutava dos caboclos e recontava, não só para mim, mas também para todos os seus leitores, pois que era esse reconto o charme de sua prosa. A contadora de histórias, com a paciência e o amor de vó, repetia e repetia, a pedido do neto, as mesmas his tórias e as melhores passagens, pois a repetição é a alma do apren dizado. E o neto percebia que havia, aqui e ali, uma mudança, que às vezes o aborrecia, mas que lhe dava a percepção da falibilidade da verdade histórica. Deixando de lado a avó, o que falar das crônicas de Rachel? Sobre ela, muito já se disse, sobretudo o fato de ser ela sertaneja. Mas o que é ser sertanejo? Quais os predicados que embasam a generalização? Rachel com certeza é sertaneja, na medida em que sua prosa é seca como a caatinga. A linguagem é simples e direta,
as idéias são de fácil entendimento, mas o conteúdo chega a ser agressivo, pela falta de contemporização com as fraquezas huma nas. Nestes tempos de proliferação de manuais de autoajuda, car regados de lições morais para o bem viver, Rachel desponta como referência oposta, pela ausência de moralismo em suas mensa gens, pela inexistência de receitas do que é bom e do que é mau. Às vezes, chega a transparecer, nas entrelinhas, sua certeza de que os maus sentimentos são a norma entre os seres humanos e que as boas coisas construídas pelo homem visam à neutralização dessa decadência moral. O outro lado do sertanejo é a sua herança rural. Mesmo que vivendo há décadas na cidade, ele guarda o sertão como sua morada espiritual. O espaço urbano não é mais do que um lugar de sobrevivência do modus vivendi do sertanejo. (Lembro aqui um porteiro do prédio de minha mãe, que teimava em sangrar um porco em uma garagem de um prédio de apartamentos na zona sul do Rio de Janeiro). O olhar rural e agudo de Rachel sobre o mundo modeno e urbano do Rio, de onde escreve para seus con terrâneos, perpassa todas as suas crônicas, fazendo o contato entre os dois mundos. Aparecem metáforas com animais, para explicar o mundo dos humanos, e referências ao tempo de espera do sertanejo, que aguarda a chuva como uma redenção bíblica, fazendo da espera um exercício de aprofundamento do cotidiano. Vocês poderão ver nas crônicas como é cotidiana a base da refle xão, como nada de grandioso é preciso acontecer para que se anime o pensamento. O centro de sua preocupação é o mundo moderno: a sua descrença na tecnologia e o seu desconforto com a velocidade contemporânea são ambíguos, pois, por vezes, surge um deslum bramento com alguma máquina ou com alguma facilidade da vida moderna, como é o caso do helicóptero, que lhe traz fascina ção por se assemelhar a um passarinho, que plana e evolui duran
te o voo. Para depois surgir o automóvel, como máquina que destruiu o modo de viver tradicional. Essa mescla de descrença e fascínio dá ao seu conservadorismo um tom especial, de alguém que, saudoso do passado, contempla a inevitabilidade do futuro. E, por fim, as memórias. Poucas mulheres no Brasil viveram o século XX com a intensidade de Rachel. Em meio às reflexões sobre temas diários, surge um fato inusitado, uma prisão em uma unidade de um corpo de bombeiros durante o Estado Novo, uma viagem de ITA do Norte de Belém ao Rio, uma dançarina do caba ré da Lapa dos anos 30. Poucas pessoas dispõem de tão vasta memória sobre o Brasil do século passado. A memória de Rachel é carregada de um encantamento do mundo, de momentos subli mes, como a ida a cavalo à serra de Guaramiranga, nos idos de 1919. Esse encantamento ela passava ao neto que a escutava e aparece no fundo das crônicas, como um contraponto ao mundo desencantado que a tecnologia produziu e que a sertaneja estra nha. O mundo de Rachel é o mundo medieval, das grandes nave gações, do Infante D. Henrique, do imaginário fantástico do serta nejo, povoado de Mapinguaris, onde a cronista urbana é uma exilada, que faz de sua crítica o seu protesto ecológico e liberta dor.
Flávio de Queiroz Salek
Sumário
A cobra que morde o rabo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Crônica dos dias grandes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Além das praias e caatingas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 O que nem a morte separa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Todo dia é da mãe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Pequena história do dia a dia de meninos de rua . . . . . . . . . . . . 25 O eterno feminino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 O fim das famílias numerosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Os pássaros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Ai, que saudade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Quem prende o guarda? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 A força da gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 A fábula do homem e seu garrafão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Quem com ferro fere... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 O imaginário mágico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Saudades de Guaramiranga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Esta minha eterna litania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Nosso velho problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Eu e o meu bisneto Pedro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 40 graus à sombra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 O carnaval, a língua e o correr do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 A “incendiária” e os bombeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Não se cantam pesares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Prego de biela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Velhos carros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Amor & poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Uma história de Natal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Você tem medo da morte? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Existe outra saída, sim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Falem também na música, nas flores e nos amores . . . . . . . . . . . 99 Enxertando a vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 Prazeres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Esse estranho animal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 Muito além do rock . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 A imagem do homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 O voo do helicóptero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 O mistério da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 O saber e o falar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124