Fortaleza Belle Époque

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Sebastião Rogério Ponte

4ª edição Fortaleza - CE 2009


Copyright© 1999 by Sebastião Ponte

Fundação Demócrito Rocha Presidente Luciana Dummar Diretor de Conteúdo Paulo Linhares Diretor de Projetos Fábio Campos

Edições Demócrito Rocha)

(Marca registrada da Fundação Demócrito Rocha.) Editora Regina Ribeiro Coordenação de Design Gráfico Deglaucy Jorge Teixeira Coordenação de Produção Sérgio Sampaio Capa e Projeto Gráfico Suzana Paz e Deglaucy Jorge Editoração eletrônica Suzana Paz Fotos Arquivo Nirez Revisão ortográfica Vessillo Monte e Edísio Fernandes Catalogação na fonte Adelly Maciel Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P813f

Ponte, Sebastião Rogério Fortaleza Belle Époque: reforma urbana e controle social 1860 - 1930. / Sebastião Rogério Ponte. 4. ed. – Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2009. 220 p. ISBN 978-85-7529-424-6

I. História - Ceará II. Título CDU 94(813.1)

Edições Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282 - Joaquim Távora - Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6270 - 3255.6036 - 3255.6256 - Fax (85) 3255.6276 edicoesdemocritorocha.com.br edr@fdr.com.br I livrariaedr@fdr.com.br


Para os filhos Yasmim e Rafael, que desde que nasceram (2004 e 2008) têm enchido meu coração de felicidade

soneto 30

Em sessões de silente pensamento Chamo a mim lembranças do passado, E porque há faltas ao meu chamamento, Em mal antigo, ao novo acrescentado, Deixo que os olhos, raro umedecidos, Chorem amigos que a noite levou, As mágoas de um amor revivescido, E o pranto gastem no que já passou; Depois lamento as perdas já perdidas Somando mágoa a mágoa até contar A triste conta do sofrer sofrido, Que já foi paga, mas que torno a pagar. Mas se a lembrança te relembra ainda, A perda se restaura e a mágoa finda.

William Shakespeare (Tradução de Jorge Wanderley)



agradecimentos

O presente livro é uma versão revista e atualizada de minha dissertação de Mestrado, intitulada Ruas limpas, novos corpos: remodelação urbana e disciplinarização social em Fortaleza na Primeira República, e defendida a 26 de maio de 1992, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Este trabalho não teria se realizado sem a colaboração e o estímulo de muitas pessoas. Divido com elas as possíveis qualidades que ele contenha; seus equívocos, porém, só a mim pertencem. Meus sinceros agradecimentos, portanto, à Dra. Estefânia Knotz Canguçu Fraga, que me orientou na dissertação de Mestrado. Aos amigos Hermetes Reis de Araújo, Denize Bernuzzi Sant’Anna e Henrique Luiz Pereira de Oliveira, colegas da PUC-SP e companheiros de pesquisas afins. Aos amigos Ruy Abitbol de Menezes Filho e Elúsia ‘‘Flor Punk’’ Fontenele, meus pesquisadores à época. À amiga, Profª Ms. Simone de Souza e demais colegas professores do Departamento de História da UFC. À mestre em Letras, Maria Mailma de Sousa, pela revisão gramatical deste trabalho. Ao confrade Luiz Edgard Cartaxo de Arruda Júnior, infatigável estudioso da história fortalezense. Aos funcionários da Biblioteca Pública Menezes Pimentel e do Instituto Histórico do Ceará. A Nirez, pelo fornecimento da maioria das fotografias presentes neste livro. À historiadora, médica e Mestre em Letras, Caterina de Saboya Oliveira e sua avó, D. Maria José Alcides Campos, que gentilmente me cederam algumas das formidáveis fotografias do seu álbum de família, datado de 1926. Às Dras. Déa Ribeiro Fenelon (PUC-SP) e Maria Inês Borges Pinto (USP), que participaram


da banca que avaliou a minha defesa de dissertação. Ao professor, Dr. Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, pela generosidade de revisar os originais do livro e escrever a Apresentação do mesmo; por fim, aos meus alunos da disciplina de História do Ceará II.


apresentação

A Fortaleza da Belle Époque No prefácio de sua Introdução à Epistemologia Genética, Piaget lembra que Pierre Janet costumava afirmar que os cursos são feitos para dizermos as coisas de que ainda não estamos seguros. Sou tentado a completar essa regra, asseverando que os livros são próprios para afirmarmos aquilo de que estamos mais certos pela pesquisa e pela reflexão. Esta obra Fortaleza Belle Époque de Sebastião Rogério de Barros da Ponte, que comentarei sumariamente, nasceu de sua dissertação para obter o título de Mestre em História, em 1992, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e presta homenagem a esse bom princípio que deveria nortear a produção acadêmica, em particular se pensarmos no volume de publicações apressadas e imaturas que vem surgindo ultimamente entre nós, fruto de um açodamento que não favorece o trabalho crítico e sedimentado. Isso, aliás, me traz à memória uma recordação pessoal. Nos inícios de 1980, eu me encontrava em Paris, quando conheci, durante uma reunião de “brasilianistas” franceses e brasileiros na Maison des Sciences de l’Homme, o historiador Guy Martinière que, na ocasião, convidou-me a visitar o Grupo de Pesquisas Econômicas e Sociais sobre a América Latina (G.R.E.S.A.L.), dirigido por ele na Universidade de Grenoble, sudeste da França. Fui até lá e, numa das reuniões de trabalho, falei sobre a produção recente das Ciências Sociais no Brasil. Recordo que ousei exprimir a minha apreciação pessoal sobre essa produção:


no meu entender, disse então, o melhor de nossas Ciências Sociais nos últimos quinze anos encontra-se nos trabalhos da jovem historiografia brasileira que tem buscado reconstituir e iluminar aspectos antes desprezados de nossa história social. Hoje, decorridos mais de dez anos, não creio que tenha razões para modificar essa avaliação. Ao contrário, só tende mais a inclinar-se a balança para esse lado. E isso me parece fecundo e estimulante. O texto que Sebastião Rogério dá à luz neste momento inscreve-se de plano nessa historiografia renovada e enriquecida de novos aspectos e novos objetos de estudo. Conforme explicita o seu subtítulo, este livro de boa história social pretende dar conta do processo de remodelação urbana e de disciplinarização sociopolítica por que passou Fortaleza no final do regime imperial e durante a Primeira República. Tendo como pano de fundo o percurso histórico das transformações econômicas, sociais e culturais do período, a obra se distribui em três partes que contemplam, nos seus respectivos capítulos, desde os diferentes projetos de remodelação da paisagem urbana da capital cearense, assim como do seu “aformoseamento” segundo as ideologias então vigentes e inspiradas em modelos europeus, com ênfase predominante no fascínio que exercia Paris sobre as elites da época, mas também em consequência do surgimento de novos equipamentos como o bonde, o automóvel, etc.; passando pela forte inclinação a medicalizar esses procedimentos pela obsedante preocupação com a higiene e a saúde da população, em parte proveniente da real existência de graves problemas dessa natureza (pequeno número de hospitais, baixo nível sanitário e hábitos indesejáveis de toda ordem, surtos epidêmicos frequentes, ausência de sistema público de água potável e de esgotos, etc.), e em parte decorrente de significativa presença de médicos entre os representantes do saber dominante; até chegar às considerações acerca de aspectos sociourbanos mais mundanos, a saber, a moda em suas várias dimensões, os novos padrões de comportamento, de lazer, de elegância, de consumo — inclusive o cultural, cujo ponto mais alto exprime-se na criação de academias, na inauguração do Theatro José de Alencar (1910), etc., — e ainda também na correlata inquietação que leva ao sistemático recolhimento em asilos de mendigos e doentes mentais, e à modernização do aparelho policial com o intuito de vigiar e disciplinar as amplas camadas pobres, porque estas, em sua profunda intuição ou “saber de experiência feito”


(Camões), percebiam que tais investimentos implicavam normalmente sua excludência e discriminação, e reagiam, como de hábito, às inovações das elites com uma espécie de estética do grotesco, persistentemente expressa pela sátira e a irreverência, em particular na conduta extravagante de seus inúmeros tipos populares.

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Obviamente, uma sumária apresentação como a que procedo aqui não fornece nem de longe uma autêntica visão do alcance e da riqueza de aspectos e pormenores que são examinados e descritos no livro. É o caso, por exemplo, da pregnante tendência medicalizadora que acompanhou boa parte da implementação das políticas públicas no período analisado, conforme ressalta sobejamente dos capítulos que compõem a sua segunda parte: “Saneamento urbano e higienização social”. Não obstante, se levarmos em conta o reduzido efetivo demográfico das elites da época, bem como a intensidade de suas alianças políticas e de classe, não há como não considerar elogiável a conduta de governos que, conforme assinala o próprio autor, procediam a inspeções em estabelecimentos como restaurantes, hotéis, padarias e até em fábricas — inclusive a de cigarros de Caminha e Irmãos, a de sabão de Proença e Irmãos, ou a de Philomeno Gomes — com vistas a assegurar melhores condições de higiene urbana e saúde pública. Nesse sentido, portanto, merecem sublinhadas a lucidez e a dedicação da classe médica da época, que, face à grave situação sanitária de Fortaleza, empenhava-se em intensas campanhas de saúde pública ao invés de refestelar-se na confortável posição que lhe asseguraria por certo o exercício de uma medicina curativa, privada e individualizada. Como quer que seja, pode-se dizer que este é um trabalho inovador e ousado. O seu aproche consegue, habilmente, sem desconhecê-las, não atribuir prioridade às grandes estruturas econômicas e políticas, que costumam explicar o mesmo pelo mesmo; ele dedica, antes, particular consideração a outros aspectos histórico-culturais num jogo múltiplo de interpretação da problemática estudada, no período examinado. Com efeito, o livro não cultiva essa espécie de redundante psitacismo teórico tão abundante em nossos trabalhos, que pretendem desvendar a complexidade do navio por sua âncora.


E para contornar certo fetichismo da historiografia tradicional acerca do documento escrito e dos arquivos oficiais, ele ousa ir adiante na ampliação das fontes válidas para a realização da tarefa que se propôs: além de compulsar segura bibliografia sobre a história nacional e local, além de vasta consulta à documentação pública, aos jornais, anuários estatísticos, almanaques, relatórios, etc., alarga os horizontes das práticas discursivas incluindo obras de ficção, crônicas, memórias, revistas mundanas, literárias e científicas, e dando extenso relevo ao material iconográfico (sobretudo fotografias) de publicações, álbuns e coleções particulares. É de se ressaltar as belas páginas com que, já no final do trabalho, o autor trata da irreverência do “zé-povinho” de então e sobremaneira dos tipos populares que ornavam o quotidiano daquela Fortaleza provinciana que se modernizava pelos acertos e erros de suas elites. Eis por que, entre as considerações com que encerra o livro, ele inclui aberta e emocionada confissão do encantamento e do prazer que fruiu na realização dessa viagem através dos documentos históricos, dos testemunhos e das imagens que nos legaram aqueles que remodelaram a formosa cidade das primeiras décadas do século XX: banhada de sol e de mar, emoldurada num harmonioso conjunto urbano de ruas, avenidas, praças e jardins, com a arquitetura de seus sobrados e fachadas, “toda limpa, perfumada e vestida com elegantes adereços, é bem possível que mesmo seus habitantes mais humildes também a considerassem bonita”. É que Sebastião Rogério aprendeu em seu ofício que a decifração dos processos históricos implica hermenêutica arguta e vária, que não dispensa, inclusive, a sensibilidade poética, pois, como dizia Goethe em sua imensa sabedoria:

“Cinza, meu amigo, é toda teoria, mas a árvore da vida é sempre verde.”

Eduardo Diatahy B. de Menezes


SUMÁRIO

Introdução . .................................................................................................................. 13 I) A Remodelação de Fortaleza................................................................................. 23 1. Disciplinar a expansão urbana e aformosear a cidade. ..................................... 23 2. ‘‘Fortaleza em Paris’’: as reformas urbanas na Primeira República . ............... 32 2.1. ‘‘Nada respeitaram os bárbaros’’: a revolta urbana de 1912.......................... 45 2.2. A modernidade turbulenta dos anos 20 . .......................................................... 55 Notas ............................................................................................................................. 63 II) Saneamento Urbano e Higienização Social..................................................... 69 1. Medicina, epidemias e loucura ............................................................................. 69 1.1. Medicalizando céu e terra . ................................................................................. 77 1.2. O dia dos mil mortos............................................................................................ 84 1.3. Um asilo para os loucos ...................................................................................... 89 2. Corpos sadios em ruas limpas .............................................................................. 96 2.1. Saúde em domicílio ........................................................................................... 107 2.2. Purgatório urbano .............................................................................................. 115 Notas ......................................................................................................................... 123


III) Mundanismo Chique x Irreverência Chocante ......................................... 131 1. A febre das novidades ........................................................................................ 131 1.1. Prazeres feéricos: clube e carnavais................................................................ 135 1.2. O culto do afrancesamento ............................................................................. 144 1.3. Moda: sedução e higiene . ............................................................................... 149 2. A disciplinarização da pobreza ......................................................................... 160 2.1. Vigiar e regenerar ............................................................................................. 163 3. A irreverência popular . ...................................................................................... 175 3.1. Estranhos no paraíso: os ‘‘tipos populares’’ ................................................. 176 Notas ......................................................................................................................... 189 Considerações finais .............................................................................................. 193 Fontes e Bibliografia .............................................................................................. 199


Introdução

O período que compreende o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, assinala um conjunto de relevantes transformações na formação histórica do Brasil. Acontecimentos como a abolição da escravatura, a implantação do trabalho assalariado e a instauração do regime republicano, em grande parte desencadeados pela emergência de novas forças e valores sociais e das injunções demandadas pelo capitalismo que então se mundializava, foram alguns dos marcos decisivos ao processo de construção de uma nova ordem política, social e econômica no País. Na esteira desse quadro de mudanças, as principais cidades brasileiras atravessaram uma série de intensas reformas urbanas e sociais. Efeitos práticos dos anseios dominantes de modernização da sociedade, tais reformas visavam alinhar os centros urbanos locais aos padrões de civilização e progresso disseminados pelas metrópoles europeias. Em Fortaleza, capital do Ceará, assistiu-se também, a partir mesmo da segunda metade do século XIX e com maior intensidade durante a Primeira República (1889-1930), a semelhantes tentativas de regeneração urbana. Problematizando a existência, na cidade, de faltas, desvios e perigos naturais e sociais que comprometiam uma apregoada necessidade de torná-la um centro desenvolvido e civilizado, um movimento considerável de discursos e práticas emergiu e procurou — sobretudo através de estratégicas medidas embelezadoras, saneadoras e higienistas — ordenar seu espaço e disciplinar sua população. Assim como em outros grandes centros urbanos do País, os principais agentes desse investimento remodelador da capital alencarina foram os grupos sociais ligados ao setor comercial, fortalecidos pelo então crescimento dos negócios de importação e exportação; e 15


o contingente de profissionais liberais, constituídos por médicos, bacharéis, engenheiros e demais doutores egressos das academias de ensino superior, fundadas, à época, no Brasil. Essas elites intelectuais, importa sublinhar, desempenharam papel fundamental na construção daquela nova ordem urbana. Assinaladas pela racionalidade cientificista em voga na Europa, formaram instituições de saber, compartilharam dos mesmos anseios civilizatórios das classes dominantes, e colaboraram estreitamente com o Estado ao prestar a competência técnica de que o Poder então carecia. Ao mesmo tempo que galgavam prestígio científico e político, os grupos de letrados pretenderam instaurar novos conhecimentos e representações sobre a cidade, fazendo circular um diversificado campo de verdades e medidas voltadas para o ajustamento da população às novas regras de vida e trabalho urbanos. Quando nos dispusemos a realizar uma pesquisa sobre um suposto processo de remodelação sociourbano em Fortaleza durante a Primeira República — a exemplo do que se verificou em grandes centros do País como o Rio de Janeiro e São Paulo no mesmo período, e que uma produção historiográfica recente trouxe ao conhecimento — receamos que nosso estudo resultasse inconsistente. Isso porque sabíamos, a priori, que a capital cearense não possuía, no tempo, as dimensões econômicas, sociais, industriais e populacionais apresentadas por aquelas cidades, então núcleos portadores de intensos fluxos urbanos e tensas relações sociais capazes de fazer vingar, entre outros acontecimentos políticos de vulto, um denso movimento remodelador. Nessa perspectiva comparativa, Fortaleza por certo, não experimentara reformulações urbanas e sociais tão profundas como as que marcaram cidades daquele porte. Não obstante, ela se torna a sétima capital brasileira em população ainda no final do século XIX, inscrevendo-se, a partir daí, como um dos principais centros urbanos do País. Sofrera, contudo, intervenções estratégicas capazes de produzir efeitos de poder disciplinar sobre seu meio físico e social? A capital do Ceará consolida-se como polo econômico-social hegemônico da região na segunda metade do século XIX, a partir da grande exportação de algodão para o mercado externo (décadas de 1860 e 1870). As melhorias que se seguiram em seu porto, a implantação da estrada de ferro Fortaleza-Baturité (1873) e a multiplicação de firmas estrangeiras 16


concorreram para esse inédito crescimento comercial e para a constituição da cidade enquanto mercado de trabalho urbano. Paralelamente, os segmentos sociais ligados ao comércio se reforçaram, ampliando seu poderio econômico e angariando prestígio político. Daí em diante, a paisagem urbana foi se modificando, ganhando, enfim, seus primeiros sobrados, belas casas, mansões e palacetes, alguns imponentes prédios públicos, calçamento nas vias principais, bondes à tração animal e extensa rede de iluminação a gás carbônico. Lojas e cafés com nomes franceses, armazéns, oficinas e novos estabelecimentos comerciais ocuparam espaço nas ruas em volta da Praça do Ferreira, centro pulsátil, deslocando as residências para vias mais afastadas. Por outro lado, mas longe de configurar uma explosão demográfica, o número de habitantes teve inédito ritmo de crescimento. Evidenciando-se como o primeiro marco da preocupação em ordenar a malha urbana, um novo plano urbanístico (1875) sistematiza a expansão da cidade através do alinhamento de ruas e da abertura de avenidas. Ainda naquele fim de século, aparecem novos jornais e os primeiros núcleos de saber, como a Academia Francesa, o Instituto Histórico e Geográfico, a Academia Cearense, a Biblioteca Pública e algumas agremiações literárias, configurando a emergência de novas forças sociais na cidade: a elite intelectual composta de profissionais liberais e letrados. Entre esses, convém destacar, para os objetivos deste estudo, o setor constituído por médicos, farmacêuticos, sanitaristas e agentes do filantropismo-higiênico. Formados pelos axiomas da medicina social — novo tipo de saber médico que considerava o todo social e urbano como passível de medicalização — tais setores médicohigienistas elevaram a questão da saúde pública à condição de instrumento central para a realização do processo civilizatório que se pretendia para Fortaleza. Atuando em várias instâncias da realidade urbana, o saber médico-social local concorreu para o surgimento do primeiro hospital da cidade (a Santa Casa da Misericórdia, em 1861); de um Lazareto contra as várias epidemias do período; de leis e normas de preservação da higiene pública e privada; da transferência de curtumes, matadouro e cemitério para além do perímetro urbano central (a partir de 1870), e do serviço de canalização d’água. O olhar clínico recomendou, também, a construção de espaços arejados e ilumina17


dos para salvaguardar a salubridade de mercados, escolas e cadeias. Determinou, para os loucos e mendigos, considerados incompatíveis com a racionalidade produtiva imposta pela nova ordem urbana, a criação do Asilo de Alienados (longe da cidade, no distrito de Parangaba) e do Asilo de Mendicidade, ambos em 1886. Era o início fragmentado, mas pretensioso, de um processo de medicalização geral da água, do ar, dos lugares e da população de Fortaleza, sob a poderosa justificativa biopolítica de que sem um satisfatório estado sanitário não haveria civilização nem produção de riqueza. Nas primeiras décadas do século XX, o conjunto de reformas se intensificou na capital. O advento da República e, logo a seguir, a chegada do novo século reforçaram ainda mais os anseios por alinhar o Brasil à modernidade, o que significava a instauração efetiva de uma reordenação político-institucional que redimisse o País do ‘‘atraso’’ e ‘‘provincianismo’’ que lhe teria sido imposto pelo regime monárquico ao longo de quase todo o século XIX. Os centros urbanos, lugares da transformação histórica, tornaram-se, mais que antes, os alvos centrais desse revigoramento da vontade civilizatória no seio das elites republicanas. Em Fortaleza, o movimento de remodelação urbana impulsionou-se com o Mercado de Ferro (1897), o “aformoseamento” das principais praças (1902-3) e a construção do requintado Theatro José de Alencar (1910). A onda remodeladora acabou por conferir à zona central da cidade um harmonioso conjunto urbano, complementado com a edificação de mansões, prédios públicos e dois grandes cinemas — em sua maioria, construções marcadas pelo ecletismo arquitetônico, estilo então em voga no País. Enquanto isso, a compulsão em sanear a capital e higienizar a população aprofundava-se através de medidas como a implantação do serviço de abastecimento d’água e esgotos (concluído em 1924), a vacinação obrigatória, o Instituto de Assistência e Proteção à Infância (1913), e inspeções sanitárias em domicílio. Por outro lado, as tentativas de controlar o crescente contingente de pobres intensificaram-se com campanhas de erradicação da mendicância urbana, novas instituições assistencialistas, organização de policiamento específico para Fortaleza, e de colônias penais para a recuperação da delinquência adulta e infantil pelo trabalho ao ar livre ou em oficinas. 18


Todo esse densificado campo de reformas e intervenções que despontou na capital entre o final do século XIX e o começo do século XX, evidencia a existência de um processo que buscou racionalizar a cidade e disciplinar seus habitantes. O objetivo deste estudo é, portanto, analisar a gama de discursos e práticas voltados para a reordenação de Fortaleza naquele período. Para tanto, procuramos perceber as condições de possibilidades políticas para a emergência desses investimentos, suas articulações entre si e o alcance de seus efeitos de poder e saber normativos sobre a sociedade local, sobretudo nas camadas pobres da população. O estudo encontra-se dividido em três partes. A primeira, contendo dois capítulos, discute as reformas urbanas que traduziram a constituição de um movimento remodelador da cidade. Nesse sentido, destacam-se, o esquadrinhamento urbano procedido pelo Plano Urbanístico de 1875 e o processo de embelezamento dos logradouros públicos. No primeiro caso, a relevância do Plano se deve ao fato de que, por estabelecer o alinhamento das ruas e a abertura de três boulevards em torno do perímetro urbano central, o seu traçado em forma de xadrez não só disciplinou a expansão da cidade, como, também, tornou-a mais acessível à circulação dos seus crescentes fluxos e mais transparente à vigília dos poderes municipais. O embelezamento de Fortaleza, por sua vez, configurou-se por meio da reformulação das principais praças, da arborização e iluminação das vias centrais, da construção de um vasto Passeio Público e de outras novas edificações. Com efeito, essa remodelação foi fundamental para a determinação de novos modos de convívio urbano que correspondessem às imagens de civilidade e assepsia produzidas pela nova paisagem citadina. Nessa perspectiva, tal intervenção remodeladora se articulava com as campanhas de higienização social e com os mecanismos assistencialistas e policiais de controle das camadas populares, no sentido de vingar uma urbanidade salubre e disciplinada. A segunda parte, reunindo dois capítulos, tem por objetivo mostrar como se constituíram as problematizações e as medidas concernentes ao saneamento de Fortaleza e à higienização de sua coletividade. Elemento integrante do processo mais amplo da regeneração em vigor, esse investimento médico-sanitarista desenvolveu-se à proporção que a cidade se expandia e tornava-se populosa, fatores que possibilitaram recorrentes análises sobre a insalu19


bridade de focos naturais e sociais, considerados nocivos à saúde e ao bem-estar das elites, argumentos que justificavam uma proclamada urgência em medicalizar o espaço e o tecido social. Discutindo o conjunto de intervenções médicas na capital — tais como as obras de saneamento, a fiscalização constante da higiene pública e privada, o asilamento de loucos e a vacinação em domicílio — importou-nos analisar como o saber bio-político local intentou purificar a cidade e produzir trabalhadores sadios para a máxima produtividade das novas relações de trabalho sistematizado. A terceira e última parte é composta de três capítulos que abordam, respectivamente, a formação de um cosmopolitismo civilizatório no seio das elites econômicas e intelectuais fortalezenses; os efeitos disciplinares das práticas assistencialistas e policiais sobre o contingente de pobres; e a irreverência popular como forma de resistência a esse processo de disciplinarização social. No primeiro capítulo da Parte III, procedemos a um mapeamento das principais formas de lazer e sociabilidade burgueses surgidas em Fortaleza no contexto da virada do século. Sob o impulso do crescimento comercial que lhes reforçou os poderes socioeconômicos, os setores dominantes produziram um inédito mundanismo elegante, construindo sofisticados clubes e criando áreas públicas destinadas a novas práticas diversionais e esportivas. Rompendo valores e costumes tradicionais, esse cosmopolitismo provocou novas relações e comportamentos pessoais e públicos, via inserção de modismos chiques, consumo febril de novidades importadas, europeização de condutas e transformação de eventos (como o carnaval) em espetáculos luxuosos. Em contrapartida, destacamos o sarcasmo popular quanto à pomposidade dessa fruição mundana, e a censura médica sobre os perigos físicos e morais infligidos pela moda vestuária moderna. Entretanto, à medida que transformavam a zona central da capital em palco para sua sociabilidade elegante, as elites se inquietavam com o cortejo de desempregados e miseráveis que se multiplicavam pelas ruas. Vista como uma séria ameaça à segurança e à moralidade públicas, essa massa de excluídos foi alvo de inúmeras técnicas de controle social. O segundo capítulo trata exatamente do movimento que procurou, por meio do filantropismo-higiênico e do policiamento regenerativo, disciplinar os pobres e desocupados, sobretudo entre os anos 10 e 20 do século XX, momento em que o número deles cresceu 20


bastante em Fortaleza. Nesse âmbito, mostramos, por exemplo, como o aparelho policial cearense teve que adotar novas noções criminológicas, já vigentes na Europa e em discussão no Brasil, para dar conta da recuperação social de ‘‘vadios’’, mendigos, prostitutas e menores abandonados, minimizando o recurso da violência repressiva e recorrendo a novas tecnologias de controle (práticas de vigilância correcional, colônia penal agrícola de regeneração pelo trabalho, etc.). No terceiro capítulo da última parte do nosso estudo, abrimos oportunidade para a discussão da resistência das camadas populares diante do quadro de normas e operações que, cotidianamente, inspecionavam seus hábitos e corpos na rua, no trabalho e no lar. Entretanto, não abordamos, no capítulo em questão, formas clássicas de luta popular como revoltas, greves e formação de associações e sindicatos operários politizados (de resto, ressaltados ao longo dos outros capítulos), mas sim uma singular e expressiva forma de insatisfação política de larga parcela da população local, representada pela irreverência e pelo deboche. Isto porque nos chamou a atenção a recorrente queixa dos agentes civilizatórios contra o que chamavam de espírito moleque do povo cearense, fato que acabou por cunhar o epíteto Ceará Moleque para caracterizá-lo. Ademais, são também numerosos os registros a respeito da multiplicidade de tipos populares na cidade, durante o período da Primeira República; isto é: grupos de indivíduos pobres e excêntricos que deliciavam as massas com suas estripulias em plena rua. Dessa maneira, não poderíamos deixar de discutir a intensidade dessa pulsão irreverente e da emergência dos ‘‘tipos populares’’, enquanto evidências de uma eloquente forma de desagravo dos segmentos sociais humildes contra a ordem normativa em constituição na capital cearense. O estudo assim dividido em três partes obedece, necessariamente, a critérios didáticometodológicos. Na verdade, as questões enfocadas pela pesquisa — a remodelação urbana, a higienização pública e a disciplinarização social — emergiram simultaneamente, guardaram estreitas relações entre si e tiveram como base comum os anseios por uma ordem urbana civilizada e utilitarista. A esse respeito pode-se considerar que tais investimentos estratégicos, para utilizar um conceito formulado por Michel Foucault, compõem um dispositi-

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vo disciplinar, vale dizer: uma rede que se estabelece entre elementos, mesmo que heterogêneos, de uma formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma emergência, configurando-se, assim, em um conjunto estratégico de controle-dominação.* Isto posto, cabe esclarecer que o tratamento teórico-metodológico utilizado no presente estudo privilegiou, basicamente, instâncias histórico-sociais como a medicina, o urbanismo, a psiquiatria, o filantropismo e a política. Poderes e saberes estes que, ao se constituírem nas principais cidades brasileiras a partir da segunda metade do século XIX, estabeleceram práticas e valores que atravessaram, ramificada e cotidianamente, os recônditos do espaço e da vida social urbanos, produzindo-lhes — com ou sem a participação direta do Estado — efeitos que se mostraram indispensáveis à inserção de uma racionalidade capitalista no País. Dessa forma, a abordagem que nos possibilitou refletir sobre a inauguração de uma nova ordem social normativa na capital cearense, em um momento ímpar de sua história, foi aquela feita sob a perspectiva de análise da positividade dos poderes-saberes sobre o urbano, que, com a ação molecular de suas técnicas e procedimentos estratégicos, produziram individualidades, domesticaram corpos e adestraram forças para a normalidade política e utilidade econômica. Para dar conta deste trabalho, consultamos publicações editadas em Fortaleza entre as últimas décadas do século XIX e 1930, tais como livros (incluindo os de ficção), jornais, revistas (científicas, literárias e mundanas), anuários estatísticos e a documentação oficial constituída por Mensagens dos Presidentes do Estado e Relatórios da Intendência Municipal, da Inspetoria de Higiene Pública, da Secretaria de Polícia e da Secretaria de Obras Públicas. Compulsamos, também, vasta bibliografia sobre a história do Brasil, do Ceará e de Fortaleza. Debruçamo-nos, ainda, sobre as fotografias da cidade e de seus personagens, registradas naquele período, cientes de que as imagens que elas eternizaram seriam de grande valia para a compreensão do que propusemos estudar. E como a fotografia fascina e informa, não resistimos ao desejo de anexar algumas delas neste trabalho, em nome do prazer de ver e saber. * Foucault, Michael. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2ª edição, 1981, p.244.

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Agradaram-me as suas ruas largas, limpas, bem calçadas. (...) Sente-se aqui movimento, vida e prosperidade. Fora da cidade, o traçado das ruas continua através dos campos (...)

(Agassiz, A journey in Brazil, 1866) Fortaleza agora tem o Passeio Público, praças arborizadas, templos majestosos, edifícios elegantes, tantas ruas alinhadas (...), iluminação à gaz,[sic] linhas de bondes, qiosques (...) e mais novidades, umas úteis, outras inúteis e muitas prejudiciais à saúde, à algibeira e mesmo aos costumes. Porque a civilização traz muita máscara de hipocrisia (...)

(Paulino Nogueira, Epitáfio na calçada, 1900) Só tenho em vista despertar a atenção do Exm. Presidente do Estado e do Congresso para tornar a Higiene Pública entre nós uma realidade viva, palpitante e prática, produzindo frutos proveitosos e sadios, sem o que não poderá haver a indústria e o trabalho que capitalizam a riqueza e o bem-estar que realiza em parte a felicidade humana.

(Dr. José Lino da Justa, Relatório da Inspetoria de Higiene Pública do Ceará, 1897)

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Cruzamento da Rua Formosa (rua Barão do Rio Branco) com a Travessa Municipal (rua Guilherme Rocha), em 1906. Nesta foto, o olhar fotográfico capta, no início do novo século, o antigo (a carroça puxada a burro) assistindo, solitariamente, ao moderno se constituindo no horizonte: sobrados, combustores, calçamento, pedestres empaletozados, e aquilo que na época era um dos principais signos do progresso urbano, o bonde (Álbum de Vistas de Fortaleza. Nancy, França, 1908)

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A remodelação de Fortaleza

1. Disciplinar a expansão urbana e aformosear a cidade Em 1875, Adolfo Herbster, engenheiro da Província do Ceará e da Câmara Municipal de Fortaleza, desde 1855 contratado de Pernambuco para substituir o então arruador (arquiteto leigo), concluía a Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios. Apesar de não ser um projeto inteiramente original, uma vez que mantinha o sistema de traçado urbano em forma de xadrez projetado para a cidade pelo engenheiro Silva Paulet em 1818, tratava-se de um estudo decisivo para a capital dali para a frente, pois ampliava-lhe o traçado para além dos seus limites de então e conferia-lhe 3 boulevards (as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e D. Manoel) margeando o perímetro central. A finalidade de tais avenidas era, num futuro breve, facilitar o escoamento do movimento urbano, tanto que respondem ainda hoje pelo tráfego emperrado da urbe, sem os quais não se sabe como poderiam fluir.1 Por seu lado, o principal objetivo da nova Planta era disciplinar a expansão de Fortaleza, o que, de fato, consegue, pelo menos até 1930.2 Confirmando a amplitude do seu título, o projeto topográfico estendeu o traçado em xadrez até os subúrbios já existentes e os que haveriam de surgir. Esse modelo de traçado urbano foi utilizado desde Alexandre, o Grande, passando por conquistadores romanos, ingleses e espanhóis nas cidades de seus respectivos impérios, como também nas ‘‘vilas novas’’ do fim do período medieval. Concebido para fins de dominação e ordenamento da expansão urbana, o mesmo corrigia becos, desvios e ruas desalinhadas que facilitavam a

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posição antropológica, ética, sem esque­ cer os diversos territórios precursores de nossa cultura urbana. Sebastião Rogério impõe uma reflexão sobre a cidade, via recuperação de uma rede de mediações sociais, suporte de nosso sentimento de pertença, respon­ sável hoje por essa enorme concentração demográfica que caminha em direção a uma expressiva comunidade urbana. Fortaleza atravessa momentos difíceis. Dividida, fragmentada, a cidade busca sua unidade perdida. Em Fortaleza Belle Époque, o autor fornece elementos explicativos da for­ mação de um modelo de urbanidade caracte­ rístico do modo de vida cearense. Pensar a cidade, participar na perspec­ tiva de compreendê-la, malgrado o pro­ blema de escala é um novo e necessário convite que Sebastião Rogério nos faz. Confirmado pela crítica acadêmica, reafirmado pelo público, Fortaleza Belle Époque retorna em sua terceira edição con­ templando aqueles que ainda não tiveram acesso a esse livro ímpar, imperdível.

José Borzacchiello da Silva

Fortaleza Belle Époque é um sucesso.

Forta­le­za Belle Époque, do his­to­ria­dor Sebastião Rogério Ponte, ana­li­sa o pro­ces­so de remo­de­la­ção urba­na e dis­ci­pli­na­ção ­social por que pas­sou a capi­ tal cea­ren­se entre o final do sécu­lo XIX e pri­mei­ras déca­das do sécu­lo XX. Neste estu­do ino­va­dor e denso de infor­ma­ções, o autor mos­tra como essa orde­na­ção sócio-urba­na cons­ti­tuiu-se, na cida­de, por meios de pro­je­tos de embe­le­za­men­to espa­cial, cam­pa­nhas de higie­ni­za­ção físi­ca e moral da popu­la­ção, impo­si­ção de novos ­padrões euro­pei­za­dos de con­du­tas públi­cas e pri­va­das, asi­la­men­to de men­di­gos e doen­tes men­tais, e prá­ti­cas poli­ciais de con­tro­le das cama­das ­pobres. A obra con­tem­pla, ainda, a sáti­ra, o debo­che e a irre­ve­ rên­cia como for­mas de resis­tên­cia popu­lar con­tra as coti­dia­nas ten­ta­ti­vas dos pode­res e sabe­res ­locais em dis­ci­pli­nar a socie­da­de.

Em mais uma edição, volta às prateleiras atendendo aos anseios de um público ávido de informações e referências dessa cidade dinâmica e avassaladora na destrui­ ção de seu passado. A cidade é um depo­ sitário de lembranças, de representações, de imagens e de comunicação. Sebastião Rogério apreende Fortaleza em tempos pretéritos num trabalho fecundo de deses­ truturação e reestruturação de sistemas de significações, modos de vida, quando o mundo urbano se fazia presente no Ceará. A cidade oculta no emaranhado de ativi­ dades decorrentes da fragmentação metro­ politana, é recuperada e recolocada numa ordem determinada pelo autor que segue uma lógica prática do resgate da signifi­ cação assumida por ruas, praças e outros logradouros da Fortaleza antiga. Sebastião Rogério faz, com maestria, o árduo tra­ balho – uma verdadeira garimpagem de informações entre a passagem do tempo e as transformações espaciais de Fortaleza, a vida de seu povo, seu comércio agitado e antenado com as últimas novidades euro­ péias, além do mais, resgata o glamour das elites, recompõe sua paisagem. Recuperando flashs do cotidiano da cidade, o autor reconstrói diversas repre­ sentações de Fortaleza consoante sua com­


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