INTER 246

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Magazine de gastronomia e Restauração | N 246 | Julho - Setembro 2014 | Preço € 7,5 | ISNN 0873 - 531X


MANEL LINO É a imagem de uma nova geração de cozinheiros: dedicado, viajado, determinado e pronto a abraçar desafios. A simplicidade de ver a cozinha tal como ela é: cheirando os produtos, saboreando-os, sentindo emoções e partilhando-as com os outros.


Manel As Receitas e A Entrevista

PAULINA MATA

É, em Portugal, a investigadora em cozinha molecular que melhor pensa, fala e escreve sobre comida. As suas ideias, aqui. O mundo doce de Christian Escribà REPORTAGEM DE LUCIANA BIANCHI


índice Índice 05 Editorial, Ficha Técnica

06 Internacional/ Notícias NOTÍCIAS do MUNDO

EXPERIÊNCIA 08 Gonçalo Queiroz / Vasco Coelho Santos

10 CADERNO INTERNACIONAL LUÍS SIMÕES

Cozinha e Ciência 13 Movimentos

20 Crónica Nuno Diniz

Cozinha e Ciência 22 Paulina Mata

26 Entrevista Nacional Manel Lino

receitas 30 Manel Lino Receita Pão 38 Mouette Barboff Livro 42 Virgílio Nogueiro Gomes Serviço de Sala 50 Arlindo Madeira Entrevista Bebidas 54 João Pires O Mundo do Bar 62 David Romero Castro Opinião 72 Manuel Moreira O MUNDO DOCE 78 Christian Escribà

36 Plantas Teresa Vivas 40 Jovens Promessas Verdes Anos 44 Reportagem CNC 2014 52 Reportagem Bebidas Vinhos com carácter 60 Cocktail Dave Palethorpe 66 Concurso Barman do Ano 74 Concurso Schewppes Challenge 82 Opinião Luís Antunes


Nós não tínhamos vulgarizado a petiscaria ou, por outro lado, numa restauração onde dominava a travessa e depois o prato, uma pequena porção só na tasca e isso foi coisa que ficou fora de moda, até que agora voltou. E bem. A boa gastronomia portuguesa está agora mais disponível e ajuda-se ajudada pelas incursões que a criatividade dos cozinheiros precisa de ter. Não se negam a abraçar o que é nosso, com mais orgulho que nunca, ao mesmo tempo que se aventuram por outros caminhos.Se o desfile continua sem que seja possível ver o fim, Sobral e Castro e Silva são nomes pioneiros na apresentação do orgulho lusitano aos pires e às porções. Foram eles os primeiros a mediatizar o que aqui e ali os inspirou, esta comida confortável, dando-lhe mais corpo, tendo a crise ajudado no rimar da coragem que outros precisavam. Isto é bom porque permite país fora que os mais jovens se lancem no mercado, valorizando a sua região, sem necessidade de entupir o sistema, com estágios e mais estágios para aumentar os currículos. Não digo que não façam falta, para quem esse caminho queira seguir e conquistar o seu lugar noutro tipo que não é o actualmente dominante. As páginas da INTER, mais isto reflectem, nestes últimos anos, que o contrário, reconheça-se. Interessante será ver como nos vamos adaptar, nestas páginas, à conciliação. José Júlio é restrito e apresentou-se outra vez na nossa última edição. Nesta é Manel Lino. Polos opostos de uma realidade comum. E nós com esta montra periódica nas mãos. Obrigado a todos os leitores e assinantes.

Ficha técnica Fundada em 1989 por António Esteves

editorial

O ANO 25

Paulo Amado, Rua Diogo do Couto, 1 – 6.º Frt 1100–194 Lisboa, NIF 182 809 110 INTER Director Paulo Amado Coordenação Editorial Sónia Alcaso Designgráfico Célia Figueiredo Colaboram nesta edição: Ana Leão, Arlindo Madeira, Bernardo Agrela, Dave Phaletorphe, Gonçalo Queiroz, Luís Antunes, Luís Simões, Manuel Moreira, Mouette Barboff, Nuno Diniz, Teresa Vivas, Vasco Coelho Santos e Virgílio Gomes. PROPRIEDADE

redacção Luciana Bianchi, Elena Fernandes, Sónia Alcaso e Susana Hurtado Fotografia Humberto Mouco

e-mail inter@e-gosto.com Publicidade comercial@e-gosto.com Tel 218 822 993 Assinaturas assinaturas@e-gosto.com Grafivedras Artes Gráficas Lda. design@grafivedras.pt Venda por assinaturas MJ/SG/NROCS Membro AIND Associação Portuguesa de Imprensa EDIÇÃO Edições do Gosto Publicações, Unipessoal, L da. NPC 505 957 221 Registo na Conservatória Comercial n.º 10787 Capital Social 100.000 euros Rua Diogo do Couto, 1 – 6º Frt, 1100–194 Lisboa Tel 218 822 992 Edições do Gosto Ana Gouveia, Andreia Gomes, Paulo Amado, Rita Cupido, Susana Hurtado, Vânia Gregório Rodrigues Interdita a reprodução de textos e imagens sem o devido consentimento contactos

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exemplares Nº 113499 Número de Depósito Legal 21.947 / 88, ISNN 0873–531X Tel 218 822 992

Publicação trimestral

Tiragem 4000

Impressão e acabamento

Capa inter 246 O trabalho de Manel Lino, do restaurante Tabike. Ares novos na cozinha. A Foto é do Humberto Mouco.


AJUDAR

notícias internacional

Grupo Facebook “Vamos ajudar a Genny e a Gui”

Cozinheiros solidários com a família

de Gonçalo Queiroz, no Dubai 06 inter 246 JULHO / SETEMBRO 2014

Bernardo Agrela Barcelona

Rentrée Mais uma temporada que chegou ao fim. Deixei as Seychelles com um novo destino, na bagagem mais uma experiência enriquecedora. Do ponto de vista profissional, na gestão da cozinha. Para matar a curiosidade, fui ver como era viver no “paraíso “, um ‘resort’ de luxo com todas as mordomias do ocidente numa ilha perdida no meio do Índico.Agora, mudo-me de malas e bagagens para Barcelona. Vou integrar um dos novos projectos do chefe Albert Adriá. Depois do fecho do El Bulli, mudou de agulha e virou as atenções para projectos próprios em sociedade com o irmão, o chefe Ferran Adriá, com o intuito de fazer de Barcelona a “meca da cozinha”. Numa cidade que recebe mais de oito milhões de turistas por ano, há que tirar vantagens desse potencial. O objectivo é criar o primeiro “parque de diversões de comida”, com restaurantes de preços e conceitos diferentes. Eu farei parte do novo fine dining mexicano que abrirá em soft opening este mês.Com todos os restaurantes na mesma “neighbourhood” Avinguda del Paral lel, os conceitos são: • Tickets - tapas modernas num ambiente circense (1 estrela Michelin). • Pakta - restaurante de fusão japonesa e peruana. • Bodega 1900 – o clássico catalão vermute com alguns “pinchos” feitos com idas diárias ao mercado. • Nino Viejo - tacaria mexicana. • Hoja Santa - fine dining mexicano. • O 41° Experience - bar com tapas moleculares que fechou, entretanto, para obras de renovação do espaço (tinha 1 estrela Michelin antes de fechar). Nas próximas crónicas falarei mais sobre o dia a dia e a maneira como está montado e se gere este império. Hoja Santa Barcelona


notícias internacional

ANA LEÃO AUSTRáLIA

Aussie dreams Chegou o frio. Com ele, as galinhas assadas, os deliciosos caldos com massas asiáticas e as verduras de inverno nos fornos a lenha. Cheira a chá, incenso, folhas de louro, tomilho e molhos deliciosos. O que apetece mesmo é ficar num sítio cheio de almofadas a beber um bom vinho e a comer um bowl de alguma confort food. As cores nas prateleiras dos mercados tornam-se mais escuras. Há cada vez mais nozes e frutos a granel à venda em pequenas lojas, instalando-se a loucura do “faça a sua própria granola, o seu próprio muesli, a sua barra de cereais”! As saladas dão lugar aos acompanhamentos de cores fortes e texturas que embalam as barrigas. Quanto à ciência nas cozinhas, não gosto de pensar nela em forma de espumas ou gelatinas de cores mirabolantes que deitam fumo, criadas na mais bela praia de Rosas. Também sei que é usada, hoje em dia, ao nível industrial, melhorando (ou não), os produtos, tornando os leites sem lactose e outros oxímoros possíveis e fazendo com que, ao fim ao cabo, seja possível alimentar todas as necessidades criadas pela sociedade actual. No entanto, o que mais me fascina são as simples e pequenas coisas que me fazem sentir cientista no dia-a-dia, como aquela pitada de sumo de limão nas claras em castelo, a temperatura perfeita para as minhas carnes, o ponto perfeito daquela beurre noisette, os ovos, as peles de peixe crocantes, etc, etc, etc. E, tenho que admitir, admiro os chefes de pastelaria! Esses, para mim, são os verdadeiros Einstein, com uma precisão minuciosa nas fermentações das massas e nas temperaturas dos chocolates! É a ciência na cozinha e, sim, é linda. restaurante ucelLo, Sidney, austrália

Tem grande relevo a participação internacional das nossas cozinhas e cozinheiros. São modelo de projectar os envolvidos e os destinos que representam. Está, por isso, de parabéns João Rodrigues, CCA 2007, e a equipa do Hotel Altis Belém. O chefe executivo do Hotel, cujo restaurante Feitoria tem uma estrela Michelin, foi um dos convidados do 15th World Gourmet Festival, realizado em Singapura. Com uma representação internacional variada, João Rodrigues apresentou a cozinha do Feitoria ao lado de Akrame Benallal, Akrame, Paris; Paolo Casagrande, Lasarte, Barcelona; Thierry Dufroux, Paris; Hideaki Sato, Tenku RyuGin, Hong Kong; James Syhabout, Commis, California; James Viles, Biota Dining, New South Wales, Austrália.

World Class em Portugal A World Class é a mais prestigiada e respeitada competição internacional na indústria dos cocktails. Organizada pela Diageo, a competição chega a Portugal, tendo gerado grande interesse por parte dos profissionais. Nesta fase inicial há lugar a apresentações e master classes que já decorreram em três dias de intensas formações no Porto, em Lisboa e no Algarve. O trabalho, agora iniciado, levará um português a disputar a final internacional. Relembramos que, em 2014, esta competição constou de uma semana de competição feroz, onde saiu vencedor Charles Joly, do The Aviary, em Chicago, EUA. O americano foi eleito o Diageo Reserve World Class, Bartender do Ano 2014. Charles Joly torna-se, assim, o sexto premiado com o reverenciado World Class Bartender do título do ano, seguindo os passos de mixologistas que passaram a influenciar a cultura cocktail mundial, como David Rios, Tim Philips, Manabu Ohtake, Erik Lorincz e Aristotelis Papadopoulos. julho / setembro 2014 inter 246 07


EXPERIÊNCIA

um aspecto de Oslo, a Ópera House

Gonçalo Queiroz Dubai: terra de promessas

Há uns meses, eu e a minha família tomámos a decisão de içar as velas e navegar até ao Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O desafio era o restaurante Picante, no Hotel Four Points, em Bur Dubai, o berço da cidade. No início, houve o choque cultural da minha chegada. “Já não estou na Europa!”. Aqui, vive-se a cultura islâmica; a mente tem de processar uma série de coisas. Mas é maravilhoso olhar em redor e ver esta cidade que se está a massificar, com as suas grandes torres como o Burj Khalifa e o Burj Al Arab. É como viver no tempo dos descobrimentos e ver a construção da Torre de Belém e dos Jerónimos! Os mercados tradicionais, The Souks, são fantásticos! Existem dezenas de qualidades de arroz, em sacas de 10/15kg ou mais. Regateia-se o preço e entregam em casa. Na cidade, há restaurantes de todas as nacionalidades. Os “melhores” ficam dentro de hotéis, pois possuem licença para o álcool. Há muitos restaurantes indianos, italianos, libaneses ou chineses que são muito apreciados pelos árabes locais. Todos com a opção vegetariana, não pode faltar o frango e, claro, “spicy” ou “not spicy”. A lei, infelizmente, não me permite cozinhar porco no restaurante Picante. É necessária uma outra licença (caríssima), 08 inter 246 JULHO / SETEMBRO 2014

materiais (tábuas, facas, etc.) e o cozinheiro que trabalhar com o animal não pode fazer outra tarefa. Enfim, morrem na praia todos os meus desejos em relação a este animal! No Picante, a maior parte dos clientes são portugueses, brasileiros ou angolanos. Contudo, cada vez mais a nossa gastronomia começa a ser mais reconhecida. Aos poucos, indianos, japoneses, árabes e ingleses visitam o Picante e ficam agradavelmente surpreendidos. Gostam de ser impressionados, de beber bom vinho ou uma simples sangria. A qualidade daquilo que servimos no restaurante é devida aos produtos utilizados, são eles que definem a nossa identidade: arroz Carolino, azeite, azeitona, bacalhau, entre outros que chegam directamente de Portugal. Acredito que haverá mais cozinheiros ou chefes a rumarem a estas paragens, não pela necessidade que há em emigrar, mas pelo valor da nossa gastronomia e pela vontade de a mostrar a outros povos. l --------------------------------------------------------------------------------Gonçalo Queiroz cozinheiro


EXPERIÊNCIA

VASCO COELHO SANTOS Experiências para a vida

Faltava apenas um ano para me licenciar em gestão quando percebi que a cozinha era realmente o que me fascinava e dava prazer. Parei tudo e corri atrás de um sonho! Em 2008, troquei Porto por Lisboa, ingressando no atelier de cozinha Michel e, simultaneamente, trabalhando no restaurante Olivier. Terminei o estágio de curso no Tavares Rico, com José Avillez, e aprendi a criar objectivos, ser rigoroso e lutar por esta paixão da cozinha. Segui viagem para San Sebastian, onde tive o privilégio de estagiar num dos melhores restaurantes do mundo - o Mugaritz. Foi uma experiência inesquecível! Contudo, o meu estágio sofreu uma interrupção, devido a um incêndio, o que me levou ao Arzak - uma cozinha evolutiva, de contínua investigação e com uma equipa fantástica, liderada por Juan Mari Arzak. De volta ao Mugaritz, fiz parte da cozinha de investigação (I+D) com chefes excepcionais que me ensinaram a pensar, criar, e respeitar os produtos. Andoni Aduriz, Dani Lasa, Leandro Carreira, Rafa Costa e Silva, Llorenç Garcia, Jabier Bergara, Oswaldo Oliva e muitos outros fizeram com que eu vivesse o Mugaritz como uma escola, tornando-me no que sou hoje. No fim, fiquei surpreendido quando me propuseram um estágio no El Bulli. Ia ser o último ano em que estariam abertos!

Organização e exigência estavam presentes em cada passo. As mentes eram testadas ao limite e a criação não terminava. No El Bulli não aprendi a cozinhar (para Ferran Adrià todos o sabem), mas sim a criar, explorando técnicas inovadoras onde a imaginação toma novas proporções. Oriol Castro e Eduard Xatruch são dois grandes exemplos deste testemunho, que fazem parte da minha referência enquanto cozinheiro. Em 2011, já no Porto, surgiu a oportunidade de me ligar a uma casa - Pedro Lemos, onde trabalhei dois anos com uma equipa brilhante. Em meados de 2013, parti numa viagem pela Europa e Ásia onde passei por diversos sítios, dos quais destaco o Viajante e 2am Desert Bar. Duas grandes experiências com velhos colegas e amigos, entre eles Leandro Carreira, Nuno Mendes, Janice Wong e Camen Rueda. Desde então, dedico-me a trazer “os melhores ingredientes à sua mesa”, fazendo jantares privados, em casa de pessoas ou noutros espaços, como o projecto da Comporta de Manel Lino. l ---------------------------------------------------------------------------------Vasco Coelho Santos Cozinheiro

julho / setembro 2014 inter 246 09


Luís simões Filho de Timor!

Com um pé a pedir licença ao outro, a Marciana perguntoume: “Chefe, acha que esta cenoura está com meio centímetro de espessura?”. “Marciana, está óptima assim!”, respondilhe, vislumbrando-lhe um sorriso de orelha a orelha. Apenas a três dias da abertura, altura em que seria para praticar os menus do hotel, ensinei como cortar legumes numa tábua. Mais tarde, quando dei à minha equipa tempo para estudarem os menus, em vez de procurarem uma mesa e uma cadeira, tiraram os sapatos e sentaram-se no chão. Num ápice, tudo volta à sua génese. Os menus elaborados para a abertura tiveram que ser alterados. Nesta altura, em Timor-Leste, não há bacalhau, o que limita a oferta numa carta tipicamente portuguesa. Mas nada impediu que a abertura do hotel corresse como planeado. Contámos com a presença do Primeiro

Ministro, Xanana Gusmão, José Ramos-Horta e de outras individualidades, que deliciamos com um sabor bem português e um toque asiático. E, se a pressão era muita antes da abertura, agora com a operação em marcha e com um calendário repleto de eventos para os próximos meses, não vai haver tempo para pausas nem margem para erro. Vir de tão longe e ganhar a confiança e o respeito da minha equipa, num curto espaço de tempo, foi uma vitória para juntar às outras que teremos, juntos, sempre que terminarmos um dia de trabalho com sucesso. E agora… Timor tem mais um “filho” para ver crescer! l

-----------------------------------------------------------------------Luís Simões | Chefe Executivo Novo Turismo Resort & Spa | Dili – Timor Leste




COZINHA E CIÊNCIA

O chefe de cozinha Andoni Luis Aduriz, ao centro, com David Cheok (à sua direita), o cientista britânico e o espanhol Luis Castellanos, especialista em linguagem positiva.

Movimentos O fundador da cozinha molecular avança numa solução para ultrapassar as carências alimentares a nível mundial. Um dos melhores cozinheiros de Espanha traz mais interacção e controlo da ligação com o cliente. São movimentos onde a ciência tem um papel. Uma maneira de ser da cozinha que há tão pouco tempo contagia cozinheiros e que de uma forma indelével mudou o ancestral acto de cozinhar. POR Paulo Amado


COZINHA E CIÊNCIA

Hervé This, o fundador da cozinha molecular, cuja morte anunciou e que tanto fez pela gastronomia. Agora é tempo da cozinha nota a nota, uma possibilidade de acabar com a fome no mundo.

É uma correlação de forças, a junção de casos práticos que este artigo apresenta. O que une Hervé This, na sua transição, ou continuação de estudo, quando apresenta um rumo para a simplicidade das construções da natureza, propondo uma manipulação pelo homem, nota a nota, à sua vontade e com a vantagem de poder contribuir como solução para a fome no mundo, com a evolução de Andoni? O cozinheiro espanhol que apresentou trabalho na gestão da relação com o cliente. É a ciência, senhoras, senhores, meninos e meninas. Não fora o trabalho do primeiro que abriu esse imenso campo, outro seria o caminho do seguinte e dos demais cozinheiros.

MEXAM-SE Entra mundial, soberanamente simples. O auditório da Escola de Hotelaria do Estoril está quase repleto. Ele fez surgir a designação cozinha molecular, foi e/ou é arauto de novos mundos para os cozinheiros. É, sem dúvida, uma das grandes personagens do século XX. O seu contributo para a história da cozinha tem par na codificação magistral de Escoffier ou na ruptura dessa codificação por Bocuse e companheiros na nouvelle cuisine. A rampa de Adriá e Blumenthal tem neste homem o grande construtor. O seu nome é Hervé This, 14 inter 246 JULHO / SETEMBRO 2014

É preciso construir a comida, afirma. Se hoje somos seis biliões, em 2050 seremos dez. Há que conhecer a comida e tocar nela. Desmontar o processo. O etanol é veneno, porque se bebe alcool? O fumo dos grelhados a carvão é cancerismo, porque os comemos?

o homem que já tantos artigos assinou na INTER, estava perante a plateia. Com sua camisa de meia gola oriental na sua movimentação palco fora, pedagogo de primeira água, desliza sobre o tema, para gáudio de uma mínima parte da plateia. A outra desvia-se em segredinhos de escola e telemóveis. Perante eles, a história a acontecer. A cozinha molecular acabou, diz. Ainda a procissão vai no adro. Arrepia-se o escriba. Ainda há 10 anos borbulhava o mundo em espumas e vacilava em gel ou gelatinas quentes, Adriá apresentava em Madrid a esferificação. Blumenthal também nas suas, ainda que os seus raspanços fossem menos evidentes nos palcos do país vizinho. Esteve nesta mesma escola nessa época. Tinha a seu lado, acabado de chegar dos Estado Unidos, o que viria a ser responsável pelo seu laboratório. Interessava-lhe muito a ideia de explorar as sensações dos seus comensais. Hervé abriu caminhos óptimos, graças a ele, espalhafatoso e espalhafatosos à parte, passa a olhar-se com regra para o acontecimento em cozinha. É importante saber e controlar o que se passa com os alimentos no processo de confecção. Esta curiosidade como regra, o que leva a uma produção de conhecimento sobre cozinha como nunca antes tivera sido visto, tem dedo dele. E de Nicholas Mouchi, já falecido. Sem que seja debate para o momento, importante foi também Harold McGee nos Estados Unidos. w



COZINHA E CIÊNCIA

Um almofariz, um pilão e estão os comensais agilizando o redondo movimento, à espera que se libertem cheiros, uma sonora harmonia e que surja, mais tarde, um caldo para fechar o conjunto e aí está a primeira interacção. Pois bem, reconhece-se que This trouxe até nós este entendimento que agora anúncio morto. O que ficou ficou, foi absorvido. Agora é só cozinha e há que seguir em frente. A água é o futuro. Compreendo o que são os alimentos, é na água que reside o papel principal. Se a carne é proteína e água, para quê carne? Faça-se carne artificial. Se as varas fazem o que fazem, com recurso a um tipo de trabalho manual arcaico, porque não substituir as varas por um pequeno motor que faz o mesmo trabalho e porque não se deitam fora as varas? Misturado o preparado, resulta em algo parecido com umas claras, é carne sintética que se faz à vista, com a ajuda dos alunos. A plateia prova. Mais sabor? Coloque-se acido acético. Ele já lá chegou, veio e foi no mesmo dia e deixou a mensagem. Trabalha ciência com a sua aplicação na cozinha. “Estou contente por estar aqui (em Portugal) pois foi daqui que saíram para descobrir as américas. Decidam: fiquem ou mexam-se e vão descobrir a América. Se não o fizerem, como fizeram os vossos antepassados, serão mais pobres que eles”. É preciso construir a comida, afirma. Se hoje somos seis biliões, em 2050 seremos dez. Há que conhecer a comida e tocar nela. Desmontar o processo. O etanol é veneno, porque se bebe alcool? O fumo dos grelhados a carvão é cancerismo, porque os comemos? É a ciência a abrir horizontes. Está em cada um o modo de encarar mais esta América interior.

ODOR MESTRE Outro dia, audiência e plateia. Estamos em Madrid e está Andoni ladeado por um cientista e por um especialista em neurociência. Partilham os três um palco grande. Não estão ali para mais uma demonstração culinária. Apresentam a vontade/necessidade de ir mais longe. É preciso apresentar a novidade. Ele é sempre uma novidade, com os seus conceitos e técnicas. Os momentos de Andoni em palco são imperdíveis. E se pudéssemos interagir com o nosso cliente a outro nível? Parece perguntar quando diz que há um acto inicial no menu e que passa pela acção do cliente na construção do primeiro prato do menu do Mugaritz. Um almofariz, um pilão e estão os comensais agilizando o redondo movimento, à espera que se libertem cheiros, uma sonora harmonia e que surja, mais tarde, um caldo para fechar o conjunto e aí está a primeira interacção. E se essa interacção começar fora do restaurante? Com recurso a uma aplicação, faz-se a reserva pelo smartphone, mais um pequeno mecanismo e está o comensal perante uma imagem do almofariz acima descrito e o que pode agilizar redondamente é o dito smartphone e não o pilão. Não tarda o mecanismo liberta um odor similar. A plateia reage em choque, parece não acreditar. Há a efusividade do fim e roda o actor, ainda assim ninguém sobe ao palco para isto e aquilo. Ou melhor, sobe o fotógrafo Humberto Mouco que estava nas proximidades com intenção de meter o assunto nestas páginas. w



COZINHA E CIÊNCIA

o sabor tem uma enorme percentagem de aromas. Provavelmente mais de 90% do que nós chamamos sabores como baunilha, chocolate e carne são, na verdade, cheiros. O cheiro é muito importante para compor as emoções.

Ao sinal de fundo de escada, o braço levantado é sinal de furar a convenção e subir. Está a INTER e a dominadora BBC no backstage. Enquanto Andoni explica e alguém traduz, se pára e anda, falamos com David Cheok, o cientista britânico e o espanhol Luis Castellanos, especialista em linguagem positiva. No fim desta conversa, estar preparado para ter os mais de 50 anos dele, um dia, e usar uma t-shirt preta com um caveira. Está em nós, sublinharia, como que a dizer o que é evidente: se acreditares podes, livremente e menos apegado a dogmas, teres uma idade e não te colares a estigmas. Mas a conversa é outra. Primeiro David. Perguntolhe com ar abismado e mão esticada: fazer sair cheiro do telefone? Responde que sim, que é um caminho e que, no futuro, será mais presente esta ideia. Cheiro. o gás parece estar a acabar. O mecanismo consegue reproduzir alguns aromas essenciais e pode ser complementado por outro projecto que está a desenvolver. É preciso não perder de vista que “o sabor tem uma enorme percentagem de aromas. Provavelmente mais de 90% do que nós chamamos sabores como baunilha, chocolate e carne são, na verdade, cheiros. O cheiro é muito importante para compor as emoções”. Ele é fixado na ideia da materialização da experiência virtual, actualmente está a trabalhar num outro mecanismo, à falta de melhor designação, que se coloca na língua e estimula electronicamente o receptor de gosto para que se possa

sentir artificialmente o salgado, azedo, doce, amargo, apenas usando a corrente eléctrica. Castellanos está com um olho na nossa conversa, outro em Andoni. Não tarde é a sua vez de ir para a mágica caixa que tudo amplia. No entretanto dá a palavra à feiticeira revista. Ouvi bem? Há mecanismos de controlo, câmaras apontadas a cada um dos comensais para que se avalie da sua satisfação com os pratos? Diz-me que sim. Que mediante autorização passado mais hora já a pessoa está à vontade e se esqueceu que a sua cara está a ser analisada. Que é possível saber quais os pratos no menu foram do seu absoluto agrado. Que a qualquer momento a cozinha pode saber do nível de satisfação da sala. Que há um trabalho complementar que se faz com a sala, cujo papel é naturalmente fundamental. Com recurso a linguagem positiva, uma verdadeira gestão de pessoas com controlo fundamental. Uma harmonia construída, positiva. É a coisa humana, é sobre isto de sermos pessoas, concluem todos. Para matar a fome, conhecer a vida boa e saudável. Para ser mais feliz e obter uma experiência muito mais rica em gastronomia. São dois pontos de vista, diametralmente opostos diria. A ciência em dois tabuleiros distintos a coordenar o jogo. Apetece terminar com algo nada saudável, mas não, que a alimentação não deixa e a gastronomia não está a controlar. l



Ao sol

Fui de férias. Para o Algarve. Para a serra. Com tempo. Para pensar. Para reflectir. Para, utilizando a escrita, voltar a opinar. E opinar sobre o que me rodeia, a cozinha, a política, os locais, o portentoso passar do tempo. Opinar com uma visão do mundo, que não pretende ser consensual, nem definitiva. Que nem sequer pretende ser sempre absolutamente coerente e muito menos servir como bíblia que deva ser seguida e não admite desvios. Mas que, naturalmente, espelha a minha experiência, longas reflexões e estudo apaixonado sobre tanto do muito o que me vai passando pela frente.

CRÓNICA

20 inter 246 JULHO / SETEMBRO 2014

Fui de férias. Para o Algarve. Para a serra. Com tempo. Para pensar. Para reflectir. Para, utilizando a escrita, voltar a opinar. E opinar sobre o que me rodeia, a cozinha, a política, os locais, o portentoso passar do tempo. Opinar com uma visão do mundo, que não pretende ser consensual, nem definitiva. Que nem sequer pretende ser sempre absolutamente coerente e muito menos servir como bíblia que deva ser seguida e não admite desvios. Mas que, naturalmente, espelha a minha experiência, longas reflexões e estudo apaixonado sobre tanto do muito o que me vai passando pela frente. No Algarve essencialmente rural, onde permaneci, voltei a encontrar essa cozinha rude, inventiva, baseada numa ciência empírica apreendida ao longo dos anos sem se saber muito bem como nem porquê, que fascina e continua a surpreender. Esta, sempre espantosa, sabedoria popular vem da tradição, das noites e dias, das estações do ano, dos trabalhos ao sol e à chuva, das luas e das marés. Ignorá-la ou, pior ainda, desdenhá-la, comprova a incapacidade para perceber a história. É a nossa vida que merece ser contada, através de tachos e panelas, com o fogo e o fumo como companhia, em reuniões solarengas de famílias ruidosas e satisfeitas, rendidas aos prazeres simples que consolam, que não precisa de mais nada do que ser apenas feliz. E por isso, não podemos ficar satisfeitos com o acessório inútil e momentâneo, com o pequeno conhecimento, com o truque ilusionista, com a utilização exibicionista da técnica, sem justificação para tal. Na escuridão total um fósforo aceso pode parecer o sol. Mas não é! Pensar, por exemplo, que se promove fora de portas a nossa gastronomia, com variações mais ou menos inspiradas não na nossa matriz, mas na cópia mal disfarçada, daquilo


que cozinheiros espanhóis, alemães ou dinamarqueses andaram e andam a fazer, é claramente insuficiente e mesmo profundamente perturbador para todos os mais jovens que, acabados de formar, pretendem ter sinais sobre os caminhos que nos levarão a ser identificados como representantes de uma gastronomia original e digna de registo pela sua diferença e que ficarão assim cada vez mais convencidos que o caminho passa pela exibição de ridículos truques de prestidigitação, sempre devidamente acondicionados por uma torrente ininterrupta de palavras em inglês. E esta situação repetese em todas as áreas da nossa vida. Idolatra-se o facilitismo, promove-se a mediocridade, aceita-se o mais ou menos. Mexer num computador não é o zénite e o nadir, e quem nos comanda deveria liderar pelo exemplo, demonstrar capacidade e conhecimentos que fossem para além do discurso vazio na circunstância parola. Proponho então arranjar uns exames (fáceis) para ministros e outros (muito fáceis) para os secretário de estado (não queremos ficar com um governo todo chumbado…). Já agora não era má ideia ter também os gestores públicos, os políticos em geral e os banqueiros (conheço alguns que cada vez que abrem a boca entra mosca ou sai porcaria) a fazer uns exames um bocadito rigorosos antes de entrarem nos sítios onde vão brincar com o nosso dinheiro e com o nosso futuro. Sem esquecer, pois claro, o convite respeitoso ao senhor presidente da república para fazer um teste (pode ser de escolha múltipla) sobre música, cinema, literatura, arquitectura, pintura, gastronomia, etc. Testemos também os racistas (brancos, pretos, amarelos, cor de burro quando foge), os que acham que são superiores por supostos direitos divinos adquiridos desde o nascimento, os

que acham que têm sangue diferente, (mais fino, em tons de azul) os que acham que a sua religião é melhor do que a religião do vizinho do lado e que depois vão para as igrejas para as mesquitas, para os templos, para as sinagogas prometer o que nunca vão cumprir, testemos afinal todos os que acham que sabem e podem, sem nunca terem demonstrado coisa nenhuma, a não ser intolerância, incapacidade, incultura, berrando jactantemente a sua impreparação com o orgulho cretino dos que, lá bem no fundo, sabem bem que jamais deixarão de ser uns zero à esquerda. Quanto a nós, cozinheiros, da mesma forma, temos que ser continuamente testados, duvidar dos postulados, vasculhar no passado aproveitando todos os ensinamentos do presente, para tentar algo que seja representativo da nossa cultura, da nossa memória, do nosso futuro. Querem fumar cavalas, fumem à vontade (já eu que cresci com o punk se ainda fumasse, preferiria fumar outras coisas…), mas por favor não e esqueçam que existe outro mundo, mais antigo, mais terra a terra, certamente mais autêntico. Não esqueçam as Choras, o Litão, as Papas, a Cabra, os Sarrabulhos, os Ensopados. Se insistirmos com perseverança, ultrapassaremos a necessidade (obviamente saloia) de imitar quem, por momentos, anda na crista da onda e de nos concentrarmos na imensa riqueza do nosso secular registo gastronómico e em tudo o tanto, que ainda está por aí, à espera, pacientemente, de uma urgente (re)descoberta.l -------------------------------------------------------------------------------Nuno Diniz Cozinheiro e Gastrónomo



Cozinha e ciência

PAULINA MATA A cozinha, tal como em todas as áreas da vida, está permanentemente a evoluir. E o conhecimento produzido pela gastronomia molecular permite ir mais além e melhorar. Quem o diz é uma das vozes mais influentes, nesta matéria, em Portugal: Paulina Mata. POR Sónia Alcaso Licenciada em Engenharia Química e doutorada em Química Orgânica, professora auxiliar da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora do Mestrado em Ciências Gastronómicas (da FCT-UNL e ISA-UTL), Paulina Mata falou com a INTER sobre a ligação entre a cozinha molecular e a cozinha tradicional portuguesa. INTER: Passaram mais de dez anos desde o surgimento da gastronomia molecular em Portugal. Como é visto, agora, esse movimento? O que reflectem, a esse propósito, as cozinhas e os cozinheiros? Paulina Mata: Quando referes gastronomia molecular, penso que te estás a referir à cozinha molecular. Gastronomia molecular designa uma área da ciência que estuda os processos que ocorrem quando se cozinha. O nome foi dado em 1988 por Nicholas Kurti e Hervé This e envolve investigação feita em laboratórios para produzir conhecimento sobre os processos culinários, desde os mais clássicos aos mais inovadores. Quanto à cozinha molecular, designa uma cozinha que usa técnicas e componentes que não eram usadas pela cozinha clássica. Têmlhe sido dados muitos outros nomes e é um assunto que merecia uma discussão aprofundada. Houve, nas últimas duas décadas,

uma introdução acelerada de muitas novas técnicas que requerem metodologias de trabalho e conhecimentos que não estão ainda suficientemente enraizados. Técnicas que nem sempre são fáceis de dominar. Muito deste trabalho ficou de certa forma colado a Ferran Adrià e ao elBulli. De facto eles fizeram um trabalho fantástico e alguns dos pratos que criaram eram aplicações destas técnicas. Mas há que estar ciente que podem ser usadas em muitos estilos de cozinha diferentes. Ao fascínio inicial seguiu-se alguma rejeição. As tendências são ciclícas, e depois de um período em que as novas técnicas estiveram em foco, seria natural que assim acontecesse. Mas, do meu ponto de vista, há outras justificações para alguma rejeição actual. Estas técnicas não são fáceis de usar, há informação dispersa sobre elas, normalmente baseada em exemplos de aplicação, mas pouca informação suficientemente sistematizada e sobre as características específicas de cada técnica. Utilizá-las bem, de forma a conferirem uma mais valia, requer muito trabalho e muita persistência. O tempo não é muito, a formação da maioria dos profissionais de cozinha também não lhes permite compreender bem os mecanismos envolvidos, e os resultados podem ser muito frustantes. Assim é mais fácil criticá-las e recusá-las. É humano, aconteceu em todas as outras áreas quando houve uma inovação que introduziu alguma w descontinuidade. w

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Cozinha e ciência

Por outro lado as pessoas de ciência estão habituadas a falar entre pares, com uma linguagem por vezes difícil de compreender, conhecem pouco do mundo da cozinha. Assim a colaboração que poderia permitir a evolução é dificultada. Mas tudo mudou e não se vai voltar atrás. E quando digo isto, não digo obviamente que as técnicas clássicas não têm valor. Antes pelo contrário, têm muito valor, vão sempre ser usadas, mas há outras que nalguns aspectos as complementam, que permitem fazer algumas coisas com mais qualidade, que permitem fazer coisas diferentes. Elas estão aí, usa-as quem quer. Mas recusálas e denegri-las não vai fazer com que a evolução pare.

desconhece muito sobre estes assuntos. Mais, a competição entre pessoas do mesmo ofício pode permitir evoluir. Mas a evolução será maior se forem introduzidas competências complementares, visões diferentes. Isso pode acontecer com a colaboração com profissionais de outras áreas – artistas, cientistas de várias áreas da ciência como por exemplo psicologia, sociologia, fisiologia, história, química, física, microbiologia… As grandes criações culinárias exigem imaginação artística e conhecimentos baseados na tradição, empirismo e na ciência.

“Quem pretende fazer uma cozinha personalizada, “A ciência pode dar muito à criativa e que transmita cozinha. A ciência produz conhecimento fundamentado emoções, tem que ter um nível e o conhecimento é essencial cultural, um conhecimento para se evoluir em qualquer do mundo e um conjunto de vivências que permitam que o área.” resultado tenha qualidade.” Na tua opinião, consideras que foi um passo importante para a conciliação entre cozinha e ciência? Qualquer área de actividade de conhecimento mais aprofundado permite optimizar e inovar. A cozinha não é excepção. Há uma enorme quantidade de conhecimento empírico acumulado. Extremamente valioso. Conhecimento esse que a ciência hoje permite explicar na maioria dos casos e noutros melhorar. O conhecimento (a ciência) é essencial para a evolução de qualquer área de actividade. Na cozinha essa consciencialização por parte de cientistas e profissionais de cozinha começou muito recentemente. São ainda poucos os casos concretos de colaboração. Mas existem! São duas classes profissionais que sempre viveram em mundos separados, de costas uma para a outra, que têm objectivos, timings e métodos de trabalho diferentes. A adaptação de ambas não é fácil, mas há exemplos de sucesso. Penso que demorará ainda muito tempo até que ambas se olhem sem desconfiança, entendam os papéis (bem diferentes) que cada uma tem a desempenhar, e aprendam a comunicar. O que mais pode a ciência dar à cozinha? Como acontece com todas as áreas de actividade, pode dar muito à cozinha. A ciência produz conhecimento fundamentado e o conhecimento é essencial para se evoluir em qualquer área. Os alimentos têm estruturas muito complexas, o seu comportamento quando se cozinha envolve uma multiplicidade de fenómenos simultâneos. É necessário estudos muito aprofundados para os compreender devidamente. Ainda se

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Nas conclusões do 10º Congresso de Cozinheiros, há uma referência tua sobre uma atitude essencial a ter em conta na cozinha: querer saber sempre mais, a necessidade de uma interrogação maior e conciliação de posições. Podes desenvolver-nos um pouco este tema? Como tenho vindo a referir é necessário conhecimento para evoluir. O conhecimento evolui diariamente, é importante uma actualização permanente. É necessário questionar o conhecimento transmitido de geração em geração, já que se muitas coisas são correctas e importantes, outras, à luz do mundo em que vivemos actualmente e da evolução tecnológica podem ser melhoradas. Mais do que isso. Quem pretende fazer uma cozinha personalizada, criativa e que transmita emoções, tem que ter um nível cultural, um conhecimento do mundo e um conjunto de vivências que permitam que o resultado tenha qualidade. Isto torna-se ainda mais importante com a actual exposição mediática de cozinheiros e cozinheiras. Muitas vezes este aspecto falha e não é considerado na formação.Devo dizer que me choca profundamente a falta de interesse e de participação de cozinheiros e cozinheiras, jovens e menos jovens, em eventos como os Congressos de Cozinheiros e, por exemplo, o Peixe em Lisboa. Isso é importante para aprenderem mais, verem novas abordagens, outros trabalhos e até aprenderem a comunicar.


“MESTRADO EM CIÊNCIAS GASTRONÓMICAS” A criação deste Mestrado surgiu da necessidade da alteração que tem ocorrido na gastronomia nas últimas décadas? O Mestrado em Ciências Gastronómicas é uma iniciativa conjunta da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa. As aulas são leccionadas em ambas as instituições. Criámos este Mestrado porque acreditamos, como já referi, que a evolução séria e sustentada só é possível com base no conhecimento aprofundado e fundamentado. A cozinha, e outras actividades relacionadas com a gastronomia, exigem cada vez mais uma evolução nos processos de trabalho e a nível de conhecimentos. Qual é o objectivo que se pretende alcançar? O objectivo geral é o de dar formação técnica que permita uma abordagem holística da gastronomia. Pretende-se proporcionar uma formação científica e técnica no domínio das ciências dos alimentos, mas também em outros aspectos culturais e técnicos, de forma a permitir uma abordagem abrangente dos diversos assuntos e/ou criar uma ponte entre o mundo do conhecimento e o mundo real das diversas actividade económicas e culturais no âmbito da gastronomia. O curso tem uma duração de dois anos. No primeiro ano há várias cadeiras que cobrem diferentes áreas de conhecimento e o segundo ano está dedicado à elaboração da tese de mestrado. A quem pretende fazer apenas o primeiro ano será dado um diploma de Pós-Graduação em Ciências Gastronómicas. (Mais informação em http://www.fct.unl.pt/candidato/mestrados/ mestrado-em-ciencias-gastronomicas ) Como tem sido o feedback dos alunos? Temos tido estudantes com vários tipos de formação anterior, alguns envolvidos profissionalmente em actividade ligadas com a gastronomia e outros não. Temos tido alunos e alunas portugueses, mas tem havido sobretudo um grande interesse de estudantes provenientes do Brasil. Uma parte muito significativa dos nossos alunos e alunas vem do Brasil especificamente para frequentar o curso. Alguns com vários anos de actividade profissional docente em escolas de gastronomia. Neste momento, além de estudantes portugueses e brasileiros, temos também uma aluna colombiana e um aluno espanhol. O feedback em geral tem sido muito positivo. Qualquer pessoa que deseje pode frequentar qualquer dos módulos do mestrado (têm uma duração de 1 a 2 semanas). Várias pessoas o têm feito e o feedback também tem sido positivo.

Paulina Mata com os estudantes do Mestrado em Ciências Gastronómicas.

Que saídas profissionais oferece? Pretende-se que os estudantes adquiram competências que lhes permitam dar respostas às exigências crescentes de qualidade, criatividade e inovação na produção de alimentos em pequena escala, mas também lhes permitam actuar na indústria alimentar e do turismo. A formação interdisciplinar conferida contempla saídas profissionais variadas. Como surgiu o seu envolvimento neste projecto? A cozinha e a gastronomia sempre me interessaram muito. Tendo em conta o processo de aproximação entre ciência e cozinha que tem ocorrido nas últimas décadas foi muito natural associar os meus conhecimentos de química com os de cozinha. Mas o “pontapé” inicial foi um desafio, em 2001, para participar numa actividade da Ciência Viva denominada “A Cozinha é um Laboratório” que tinha como objectivo a divulgação de ciência baseada na cozinha. Aí conheci outras pessoas com interesses comuns, como é o caso da Eng. Margarida Guerreiro e da Prof. Conceição Loureiro Dias, e juntas ampliámos os nossos conhecimentos, estabelecemos contactos a nível internacional e uma consequência natural acabou por ser a criação do Mestrado em Ciências Gastronómicas. l

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MANEL LINO

Entrevista Nacional


Tem apenas 28 anos, mas já soma passagens por restaurantes consagrados lá fora, como o Mugaritz, em San Sebastián, ou o El Celler de Can Roca, em Girona. Pertence a uma nova geração de cozinheiros empenhada em valorizar os produtos nacionais e que promete fazer a diferença na cozinha portuguesa. Falamos de Manel Lino, o chefe do futuro restaurante TabiKe, que irá abrir portas em Lisboa, em meados de Outubro. Os próximos tempos trarão novidades! Por Sónia Alcaso Fotos de Humberto Mouco INTER: Quando e como começaste a gostar de cozinhar? MANEL LINO: Gostar da cozinha, sempre gostei, mas só decidi ser cozinheiro mais tarde. Essa vontade veio da necessidade de fazer alguma coisa, ter uma profissão. Eu era muito mau aluno na escola, não gostava de estudar, e tirar o curso profissional de cozinha, naquela altura, surgiu como uma boa saída. Como foi a tua formação? Tirei um curso de cozinha de três anos na Escola Profissional de Salvaterra de Magos, o qual acabei em 2006. Depois, fiz os estágios normais (o primeiro em Vila Vita e o segundo no Casino de Lisboa) e, nessa altura, percebi que havia uma cozinha que me atraía e que não se fazia em Portugal, o que me levou lá para fora. Fui para San Sebastián, para um restaurante chamado Mugaritz, onde estive cinco meses e, depois, mais quatro anos para Espanha. Que importância tiveram as tuas experiências em restaurantes estrangeiros? Encontraste a cozinha que procuravas? Encontrei o que procurava, embora daquilo que eu fui atrás, hoje em dia, já não faz grande sentido, porque a cozinha está sempre em constante evolução. A nível de conceito, posso dizer que corri atrás de uma cozinha em que houvesse mais entrega, criatividade, liberdade, onde se arriscasse mais. Destas experiências no estrangeiro destaco dois restaurantes que me marcaram definitivamente: o Mugaritz, enquanto cozinheiro e estilo de cozinha, e o El Celler de Can Roca, enquanto família e ambiente. Neste último, estive seis meses e fiquei com uma noção bem diferente do ambiente que se vive na alta cozinha.

Havia aquela ideia de que os cozinheiros estavam condenados a sofrer, a trabalhar ininterruptamente, e lá, no El Celler de Can Roca, isso não acontecia. Éramos muito bem tratados, havia sempre uma grande preocupação e atenção connosco. Porque é que decidiste voltar? Eu não decidi, estava a passar férias em Portugal e surgiu a oportunidade de ficar. Vim para o Mármoris hotel, no Alentejo, trabalhar com o chefe Alexandre Silva.

“O mundo da cozinha tornou-se mais global.” Quando pensas em cozinha portuguesa, que aromas e sabores te vêm à memória? Eu caracterizo a cozinha portuguesa como sendo uma cozinha básica, no bom sentido, sempre à volta dos mesmos ingredientes – os coentros, o alho, o louro, o azeite, os enchidos. Considero-a muito simples e identifico-me com essa simplicidade. Tu pertences a uma nova geração de jovens cozinheiros. Na tua opinião, o que vos distingue dos vossos antecessores? E o que trazem de novo? Distingue-nos a acessibilidade que temos ao resto do mundo. Antigamente, se calhar, era bem mais complicado tomar conhecimento com o trabalho de outros cozinheiros lá fora. O mundo da cozinha tornou-se mais global. A minha geração sai muito para o estrangeiro, mas sempre com a intenção de voltar. w

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Entrevista Nacional

E essas experiências são fundamentais, porque trazem novidades para a cozinha portuguesa. Interessa-te alguma conciliação entre a inovação e a tradição? Sim, creio que tem sempre de existir um pé em cada lado (essa foi uma noção que aprendi no Mugaritz). Há sempre um ponto de partida e eu acho importante partir-se do que já é conhecido – a tradição. Mas eu não quero que a minha cozinha seja, por exemplo, um “cozido à portuguesa moderno”. Quero sempre criar algo novo. Entre o projecto no mercado, o “Com.Horta, e esta abertura e tendo em conta que já tens experiência no estrangeiro, não te ocorreu sair de Portugal? Vale a pena ficar? Sim, muitas vezes pensei em partir novamente. Mas também acho que o trabalho que estou a desenvolver, desde que voltei, é evolutivo. Não se vê resultados de um dia para o outro, tem de se dar a conhecer, saber esperar, continuar a lutar. Vale a pena ficar cá, porque Portugal é o meu país, embora estejamos um pouco atrasados relativamente

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a outros países, em alguns aspectos. Temos bons produtos, uma cozinha ao nível de outras lá fora, mas, ainda assim, os ordenados são baixos, não há grande abertura a novidades e há muita sujeição a modas. Por exemplo, em Portugal, ainda existem muitos clientes desconfiados com a alta cozinha. Perdura aquela noção de que se paga muito por uma “coisa” no meio do prato. “Com.Horta” era um projecto ecológico e sustentável. Aproveitaram terrenos férteis, cultivaram a vossa horta biológica, integraram plantas, animais, construções e pessoas num sistema produtivo. Como surgiu essa ideia? O “Com.Horta” é do Gonçalo Marques que tem um espaço alugado, na Comporta, onde juntam várias vertentes (arte, cozinha, etc). Eu e a Joana apresentámos-lhe uma marca que temos, jour to cook, e foi-nos proposto ocupar, durante o verão, esse espaço. Durante três meses (maio, junho e julho) estivemos lá, tínhamos uma horta só para nós e o facto de termos acesso a esses produtos directamente da terra foi fabuloso! Passámos a ver as coisas com outros olhos.


Estás prestes a integrar um novo projecto em Lisboa. Como se caracteriza? O restaurante vai chamar-se Tabike e abrirá portas no hotel Bessa, na Avenida da Liberdade, embora seja independente do hotel. Acredito que será um desafio bom! A minha ideia é fazer um restaurante com cozinha criativa, com técnica, mas descontraída. Gostava de fazer do Tabike um bom restaurante, que fosse uma referência em Lisboa. Sobretudo, que fosse um sítio onde as pessoas gostassem de ir. Abrirá para meados de outubro.

Como te vês daqui a 10 anos? A cozinhar! Espero que seja em Portugal e que o país esteja mais evoluído. Mas, a verdade é que não sei, porque a vida dá muitas voltas. l

“Gostava de fazer do Tabike um bom restaurante, que fosse uma referência em Lisboa.”

Tabike Avenida da Liberdade, n.º 41 1250-139 Lisboa

Que tipo de cozinha fazias lá? Muito simples, uma cozinha de recurso. Utilizava os produtos que tinha e isso ajudava a espicaçar a minha criatividade. Com o que tinha, às vezes pouco, outras vezes mais, criava os meus menus, tentando manter sempre o nível.

Relatório da carteira da Global Seafood:

SOUTHERN EUROPE

Seafood Expo

2 2 - 2 4 d e s e t e m b r o d e 2 014 | B a r c e l o n a , S p a i n Fira de Barcelona | Gran Vía | Pavilhão 1

s eafo o d e x p o.co m /s o u th er n - euro p e

Quantas pessoas terás na tua cozinha? Seremos 13 na cozinha. O Tabike vai estar aberto todos os dias da semana.

O ponto de encontro do setor do peixe e do marisco no Mediterrâneo Visite o Seafood E xpo Southern Europe: • Encontre todo o tipo de peixes e mariscos: frescos, congelados, preparados, processados, produtos de valor acrescentado, além de equipamento e ser viços para este setor • Mantenha-se a par das novas tendências do consumidor • Construa ou fomente relações comerciais valiosas

Registe-se hoje mesmo para participar! We b s i t e : s e a f o o d e x p o . c o m /s o u t h e r n - e u r o p e U t i l i z e o c ó d i g o p r o m o c i o n a l 10 9 0 6 0 p a r a s e r e g i s t a r G R AT U I TA M E N T E . Se desejar receber informação para par ticipar como e x p o s i t o r, c o n t a c t e a n o s s a e q u i p a c o m e r c i a l : Empresas espanholas e por tuguesas: comercial@alimentaria.com Outras empresas internacionais: sales-se@seafoodexpo.com

Meios de comunicação oficiais:

Em colaboração com:

Organizado por:

Parceiro:


mexilh천es com orelha de porco e ponzu


Receitas

Seis pratos criados por Manel Lino para a INTER. -------------------------------------------MANEL LINO TABIKE

rabo de boi com cherovia e cebolinhas


carapau de escabeche com pepino


pescada com nabo e licuado de espinafres


espargos verdes com gambas, toucinho e molho holandĂŞs


beringela assada, gema de ovo e ervas frescas


Plantas

eidades

Nos últimos números falei de plantas espontâneas que se encontram disponíveis nos nossos campos, umas muito conhecidas, outras completamente negligenciadas. Um património desconhecido que pode enriquecer e diferenciar as criações de quem quer ser realmente diferente. Expus plantas que, numa volta pelo campo, se podem achar, colher de forma responsável e armazenar. Teresa Vivas

Hoje quero falar de plantas que foram introduzidas, todos as conhecemos mas, de tão habituais, nem lhes reconhecemos as origens. Antes, porém, gostaria de falar sobre algumas curiosidades das ervas aromáticas que podem melhorar a sua utilização e entendimento. As ervas aromáticas têm picos de segregação do seu aroma; durante a floração, a grande maioria possui maiores concentrações de óleos essenciais, prendendo-se esta fase com a necessidade de polinização e de atracção que os seus aromas possam ter. No entanto, a folhagem parece ficar menos activa e para a utilização culinária é menos interessante. Deve-se conseguir um meio-termo para que ambas as situações sejam salvaguardadas: o aroma e o potencial de utilização. As plantas aromáticas são plantas de exterior. Esta frase é um pouco dúbia, afinal, dependendo do clima onde estamos, as plantas são sempre do exterior. Vamos restringir-nos ao nosso clima: as plantas aromáticas devem ser cultivadas no exterior, porque a segregação do óleo essencial serve de “escudo” ao meio, ou seja, quanto mais agreste for o meio, mais óleo ela segregará. Isto quer dizer que deveremos deixar a planta à mercê do clima? Nem sempre. Mas pequenos choques de stress hídrico, bem vigiados, não deverão ser-lhes prejudiciais. Devemos também reservar locais com mais sombra e húmidos para 36 inter 246 JULHO / SETEMBRO 2014

plantas não lenhosas, como são o manjericão, as mentas ou os coentros, deixando a exposição ao sol para plantas mais duras, como tomilhos, orégãos ou salvas, bem adaptadas a climas extremos. Cultivadas no interior, estas plantas “estiolam” para o crescimento alongado do caule, que mais não é do que a busca do sol directo por parte da planta. Os aromas não serão tão fortes, uma vez que a humidade estará sempre bem presente, não precisando a planta responder à falta de água. Como se devem conservar as plantas aromáticas? As mais lenhosas e/ou sazonais, tomilhos e orégãos, por exemplo, devem ser colhidas e utilizadas de imediato. Caso não seja possível, devem ser secas num ambiente o mais escuro possível, entre os 25 e os 40ºC, bem arejado. No final da secagem devem estar verdes, conservando as características originais. O castanho das plantas secas é devido a oxidações que lhes deixam maus aromas. No frio, enquanto frescas, devem ser mantidas com alguma humidade. A melhor forma de recuperar plantas aromáticas murchas é cortar-lhes o pé com uma faca afiada, colocandoas imediatamente dentro de um copo de água fresca. Cortando o caule, a água vai ser absorvida e as folhas rehidratam, ganhando nova vida. Um local mais fresco no Verão, será aconselhável.


Coentros (Coriandrum sativum) Planta originária da bacia mediterrânea. Encontra-se no Egipto, antiga Grécia e em descrições de utilização bíblicas. Pensa-se que tenham sido os romanos a propagar este sabor por toda a Europa. Salsa (Petroselinum crispum Mill) A sua origem é atribuída aos países europeus da bacia mediterrâ-nea; a dissipação do sabor é idêntica à dos coentros. Manjericão (Ocimum basilicum) As primeiras utilizações foram na Índia, na China e em África. É uma erva mística que representa a nobreza, sendo referida em várias escrituras, desde os Egípcios à antiga Grécia. Hortelã vulgar (Mentha spicata) A mais vulgar é originária da Ásia. Há muitos séculos foi sendo plantada por todo o mundo e refresca os pratos mais tradicionais. Lucia-Lima (Aloysia citriodora) Originária dos países do continente Sul Americano: Argentina, Paraguai, Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia e Peru e introduzida na Europa pelos espanhóis e portugueses no século XVII. Em Portugal, o seu aroma é muito explorado para chás. l JULHO / Setembro 2014 inter 246 37


Receita pão

Pão saloio

O bom pão saloio!

Na altura em que posturas rigorosas recaíram sobre o peso e as dimensões dos pães cozidos nos fornos de Lisboa, começou a ser frequente o consumo do pão saloio produzido em Meleças e Mafra. As padeiras saloias, montadas em burrinhos, chegavam de manhã cedo para vender as suas fornadas: “O RICO PÃO SALOIO!”. O termo “saloio” ou “çaloio”, de origem árabe, surgido no período muçulmano, manteve-se depois da reconquista de Lisboa. Ele significa “habitante do campo”, em oposição ao da cidade, e “chegou até nós como forma de demarcar a dicotomia entre o espaço rural e o espaço urbano” (Ilidia Janela, 1992). Era com o trigo durázio, uma variedade que se cultivava em abundância na “zona saloia”, nos arredores de Lisboa, que se fabricava o pão saloio. Os lisboetas empregavam o pão de Meleças para tostas, a que davam o nome de “tostas de pão de Meleças”. Ainda se encontra o “saloio cortado”, um pão de formato alongado com um corte na parte mediana mais estreita. Mas, o mais famoso dos pães saloios é o pão de Mafra. Conhecido desde o século XIX, a sua fama aumentou na década de 60, em consequência de uma greve de padeiros em Lisboa. No início, o pão era redondo, mas, como em Sintra fabricavam o mesmo tipo de pão, começaram a fazê-lo cabeçudo para o diferenciar. Para tender o pão, o padeiro pega numa bola de massa: “primeiro estico o pão, depois agarro numa das extremidades, puxo duas pontas, meto por baixo do pão e fica a cabeça. O corpo do pão tem de ser muito maior que a cabeça, a cabeça é só um efeito, as pessoas gostam de a ver, o pão fica mais bonito, a côdea fica mais grossa deste lado... são

duas partes numa só”. O aspecto final assemelha-se a um nó de gravata. O padeiro alinha cinco pães de cada vez sobre a pá, uns a seguir aos outros, e coloca-os no forno de alvenaria, aquecido a lenha. Segundo os padeiros que eu encontrei, “o objectivo deste pão é ser totalmente compacto”, “é um pão massudo, sem buracos, que dê para fazer tostas”, “o miolo é húmido e não deve ter buracos, só pequenos alvéolos. É ideal para torradas e tostas”. O pão de Mafra tem muita procura e vende-se nas padarias de Lisboa e nos arredores, em grande e pequeno formato. Pouco a pouco, este pão espalhou-se por toda a zona, Ericeira, Igreja Nova, Cascais, entre outras. Em Mafra, a indústria deste pão situa-se principalmente no Barril, Carvalhal e Encarnação. A Associação do Comércio, Indústria e Serviços do concelho de Mafra (ACISM) tem vindo a registar a marca e logótipo “Pão de Mafra”. O caminho a seguir é o da certificação europeia com a do selo de Identificação Geografia Protegida (IGP). l

-----------------------------------------------------------------Mouette Barboff Antropóloga, Investigadora da história da alimentação. Autora de extensa obra sobre o pÃo em portugal.



jovens promessas

Verdes anos

Há os que fazem barulho, gesticulam, teorizam, tentam contar contos na esperança de (talvez) tentar disfarçar a falta de inspiração, de técnica, de passado e de experiência. E então mergulham na areia, passeiam na floresta, navegam no vapor, espumando-se, esferificando-se, passando pelo micro-ondas, inserindo-se como enguias num sifão, atirando-nos com texturas, latas, crocâncias incompreensíveis, ervas, ervinhas e troncos, sacrificando os tachos e as panelas a deuses desconhecidos na esperança de obter uma rotoval, uma clarificadora, uma gastrovac. Andam por todo o lado ao mesmo tempo, estagiaram em 20 sítios famosos em menos de três meses, têm páginas no FB, dominam o Twitter, o Flixter e o Badoo, têm seguidores, inventam “pop-ups”, e não resistem aos nomes em inglês! E depois há os silenciosos. Fora de moda, sossegados, sem ninguém ouvir falar deles, trabalham meses e meses no mesmo sítio. Escondem-se porque não têm tempo para se mostrar. Trabalham e quando param… querem é trabalhar mais! Conheço bem os dois géneros e hoje quero falar dos segundos. O Rui Sequeira tem 22 anos, formou-se na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa (onde tive a primeira sensação de que algo de sério poderia acontecer) e estagiou em Aubrac com o Serge Vieira (que, volto a lembrar, tem duas estrelas Michelin). No final do curso, o Rui pediu-me ajuda, pois queria ir para o Ocean (de Hans Neuner), mas não tinha sido aceite. Intervi, como era minha obrigação (já tinha percebido que estava perante muito mais do que mais uma promessa) e arranjei-lhe o estágio. Pelo meio aconteceu o Top Chef onde foi um dos brilhantes finalistas. Quando terminou o estágio foi de imediato contratado e lá se mantém, silencioso e discreto, até hoje. Nas férias do ano passado, aproveitou para ir trabalhar para um três estrelas, arrumou as facas e partiu para Manheim, rumo ao Amador. Pedi-lhe para me fazer um prato, o que quisesse, sem preocupações. Respondeu-me com o Algarve: o funcho selvagem que, com atenção, descobrimos pelos descampados, e que foi utilizado desde a raiz até à rama, o magnífico rascasso, pérola das bouillabaisses em Marselha e de algumas grandes caldeiradas das nossas e, naturalmente, a laranja e a amêndoa ainda verde “que se encontra abandonada pelos campos”. Assim, simplesmente e com candura, recebi o prato e uma mensagem em que me dizia que tinha esperança que eu entendesse o que ele pretendia transmitir. Eu percebi muito bem e venho a perceber desde há muito tempo e, embora de vez em quando me engane, tenho a certeza absoluta que, com o Rui Sequeira, estamos perante a maior e a mais sólida promessa da cozinha nacional. Cá estarei (espero ainda ter tempo) para aplaudir. l

-----------------------------------------------------------Nuno Diniz Cozinheiro e gastrónomo

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Juntos, vamos defender as melhores receitas de Bacalhau. Sem o bacalhau, a gastronomia portuguesa não seria igual. São já 10 anos a fazer revoluções e a deixar os paladares mais conservadores em brasa. Acha que também tem todos os ingredientes necessários para ser um dos nossos heróis? Então junte-se aos Chefs Vítor Matos, André Silva e Diogo Filipe e venha lutar pela sua receita.

inscreva-se Já e faça parte desta revolta. Saiba mais www.revoltadobacalhau.com.

Este concurso é uma iniciativa de:

Organização:


Virgílio Nogueiro Gomes

Cozinha Tradicional Portuguesa Autor: Maria de Lourdes Modesto Editora: Verbo As escolhas são sempre difíceis. Depois do livro Culinária Portuguesa de Olleboma, 1936, e Volúpia de Albino Forjaz de Sampaio, 1940, proponho agora como um dos livros mais importantes no século XX a Cozinha Tradicional Portuguesa da minha amiga Maria de Lourdes Modesto cuja primeira edição aconteceu em 1982. É um grande salto no tempo, durante o qual surgiram vários livros, mas a minha escolha caiu sobre este. É, possivelmente, o livro mais importante que serve de consulta às donas de casa e aos chefes de cozinha. É um compêndio imprescindível da fixação da nossa cozinha regional e, por isso, se mantém em edições sucessivas. Acresce a vantagem de haver edição em língua inglesa que tanto me tem ajudado em viagens pelo mundo. O livro está organizado por regiões com textos saborosos de apresentação de António Manuel Couto Viana. Depois vêm as

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receitas, fruto de uma recolha que decorreu durante vinte anos. Se, por vezes, nos surpreende a citação de margarina no receituário regional, isso deve-se à moda e influência de consumo desse produto naquela data. O que é importante é que o receituário é ainda, neste tempo, fundamental para a identidade regional na perspectiva culinária. Mais, sempre que há tradições associadas ou informações da origem da receita, também se encontram registadas. Trata-se seguramente do melhor e mais rigoroso inventário de receitas por regiões, não se sentindo escassez em nenhuma região portuguesa. É um livro obrigatório para quem queira conhecer a cozinha regional portuguesa e que tem servido para inspiração de uma nova cozinha de autor com origens. Um contributo importante para a consulta é um índice remissivo por títulos de categorias de comida e localização de cada receita e um índice geral por regiões e respectivos tipos de comida. l


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REPORTAGEM

jj j jj j CNC 2014

Palestras, demonstrações e harmonizações gastronómicas. Diálogos em torno da comida, do acto de cozinhar, com chefes, cozinheiros, pasteleiros, gastronómos ou simples apreciadores da cozinha. Sobretudo, da cozinha portuguesa. Quatro dias de festa, na LX Factory, saboreando as mil histórias de quem vive a gastronomia com corpo e alma. Sónia Alcaso O encontro anual dos cozinheiros realizou-se, pela primeira vez, em Lisboa, no Pavilhão L da LX Factory, de 4 a 7 do passado mês de julho. Foram quatro dias de partilha, demonstrações de comida e refeições. Este ano, e para assinalar o 10º aniversário da iniciativa criada pelas Edições do Gosto, o Congresso Nacional dos Cozinheiros (CNC) abriu portas ao público. Os primeiros dois dias foram de aulas.

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No dia 4 de julho, Isabel Zibaia Rafael, autora do blogue Cinco Quartos de Laranja, abriu a festa, ensinando a cozinhar com amor, seguida por uma aula de Paulo Morais, do Umai, sobre ramen. No dia seguinte, 5 de julho, os professores foram Nuno Barros, da Taberna 1300, Henrique Sá Pessoa, do Alma, e Carlos Fernandes, do restaurante M.B. de Tenerife, que ensinou a fazer sobremesas de Verão. Para além das aulas, houve sempre pequenas degustações e refeições abertas ao público. w


j j j Carlos Fernandes, pasteleiro do M.B., no Ritz-Carlton Abama, Tenerife, Telmo Moutinho, chefe de pastelaria do novo Alma de Henrique Sรก Pessoa e Frederico Ribeiro, sub-chefe no PER SE, em Nova Iorque (da esq. para a dir.).


REPORTAGEM

jj j jj j Partilhar sabores e saberes No dia 6 de julho, o CNC contou com a experiência de Nuno Barros que fez uma demonstração das vantagens da cozinha a vapor. José Júlio Vintém, chefe do Tombalobos, trouxe ao Congresso um alimento essencial à gastronomia do interior alentejano: os peixes do rio. João Sá apresentou quatro pratos: caracóis, polvo, ouriços do mar e cavala. Nuno Diniz, que subiu ao palco disfarçado com chapéu, óculos escuros e uma longa barba negra, convidou três chefes de cozinha a mostrarem as suas versões do Cozido à Portuguesa – Rui Martins, chefe do Quinta del Rei, em Vizela; Óscar Gonçalves, chefe d’O Geadas, em Bragança, e Diogo Rocha, chefe do Mesa de Lemos, restaurante inserido na Quinta de Lemos, na região demarcada do Dão. Por sua vez, Kiko Martins trouxe ao Congresso dos Cozinheiros dois pratos originais do seu restaurante, O Talho: o Foie Gras Asiático e o Magret Asiático. Também Vitor Matos, da Casa da Calçada, apresentou dois pratos: borrego e uma sobremesa de beringela e pepino. António Nobre, chefe dos hotéis M’ar de Ar em Évora, veio mostrar como se faz um chouriço de carne. Frederico Ribeiro, sub-chefe no PER SE de Thomas Keller, em Nova York, cozinhou, juntamente com a mãe, Iolanda Sousa, cozinheira de profissão e dona do restaurante Ricoca, em Oliveira de Azeméis, uma cabidela. E, por fim, a encerrar mais um dia de Congresso dos Cozinheiros, Henrique Sá Pessoa, do restaurante Alma, partilhando a técnica de um chefe estrangeiro seu amigo, que cozinha através da libertação de energia que resulta da junção de um líquido ao

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óleo quente. Cozinhou, num primeiro prato, cenouras a fritar no óleo, adicionando sumo de laranja, e, num segundo, ao funcho juntou uma infusão de lúcia-lima. No último dia, 7 de julho, Carlos Fernandes, desde 2012 na equipa de pastelaria do M.B., restaurante do chefe basco Martín Berasategui no Ritz-Carlton Abama, em Tenerife, subiu ao palco para apresentar duas sobremesas inspiradas na obra da street artist Tamara. Seguiu-se Manuel Lino, que veio ao Congresso cozinhar ao vivo o menu de degustação do com.horta, projecto que teve na Comporta. Renato e Dalila Cunha, do restaurante Ferrugem, apresentaram, por sua vez, dois pratos, trabalhando as cores. Também Ricardo Komori, chefe do Novo Bonsai, no Bairro Alto, em Lisboa, em conjunto com a sua mulher Mio Komori, confeccionou dois pratos de Dashi. Já Francisco Gomes, da Confeitaria Colonial, em Barcelos, partilhou o palco com Eduardo Santini, para apresentar três sobremesas. João Rodrigues, chefe do Feitoria, trabalhou o lírio dos Açores e o polvo e Miguel Vieira, chefe do Costes, o mais afamado restaurante da capital húngara, apresentou um prato de peixe e um prato de carne (cordeiro). Por fim, ao som da música Thunderstruck, dos AC/DC, Leonel Vieira, que se mudou no ano passado para o Algarve para relançar o São Gabriel, trouxe ao congresso a sua equipa de cozinha e encerrou-o em grande, com uma exibição do menu de degustação de 14 pratos do seu menu de degustação mais extenso, o Big Taste. O público levantou-se, os aplausos sucederam-se e os flashes também. w


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Carlos Fernandes, pasteleiro no Ritz-Carlton Abama, em Tenerife, com a street artist Tamara.


REPORTAGEM

jj j Tributo aos profissionais

O país numa panela

O Congresso dos Cozinheiros não é apenas o reconhecimento da importância do papel dos cozinheiros. É, também, um espaço de reencontro entre profissionais do mesmo ofício, onde se presta homenagem às grandes referências do sector. Este ano, a organização do Congresso chamou ao palco Paulina Mata, especialista em ciências gastronómicas, o chefe Orlando Esteves, o chefe Helmut Ziebell e José Bento dos Santos, engenheiro e gastrónomo. A todos foi-lhes agradecida a incansável dedicação à culinária profissional e gastronomia portuguesa.

O maior Cozido de Portugal foi feito com 86 ingredientes e mais de 70 variedades de enchidos, provenientes de várias regiões do país, desde o Minho ao Algarve, passando pelas ilhas. O manjar foi servido pela mão do chefe Nuno Diniz, no almoço do último dia do congresso. “Ao longo de dez anos tenhos investigado, tudo o que tenha a ver com enchidos, fumeiros e comida portuguesa”, realçou o chefe. Na cozinha da Taberna 1300 estiveram doze cozinheiros, desde as oito da manhã, para que tudo estivesse preparado à uma da tarde, e foram necessários mais de vinte tachos para cozinhar todos os ingredientes. Um elogio grande à gastronomia nacional, muito bem conseguido. l

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O chefe de cozinha Leonel Vieira, do S達o Gabriel, Algarve, com a sua equipa de cozinha.


serviço de sala

o que é isso de

protocolo & etiqueta? Experimentem falar em protocolo e etiqueta com um aluno de mesa acabado de sair duma escola de hotelaria. Provavelmente, vão obter uma resposta do tipo “sim, já ouvi falar” ou “ já tive algumas aulas”.

Invariavelmente, acabam por entrar no mercado de trabalho, o que resulta em duas situações: ou ingressam numa cadeia hoteleira, que tem uma missão, valores e cultura organizacional bem definidos ou vão para um restaurante dito de rua. Num primeiro caso, as regras internas vão disfarçando a falta de conhecimentos sobre estas “regras do jogo” de servir; no segundo, abusa-se da cortesia para disfarçar lacunas culturais de saber ser e saber estar. Mas, afinal, o que é isso de protocolo e etiqueta? O protocolo e a etiqueta, juntamente com a cortesia, complementam a trilogia fundamental do atendimento. Protocolo é a arte de fazer as coisas de uma forma perfeita e natural, adaptada a cada contexto

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e a cada cultura. A palavra derivada do latim “Protocollum” é um valioso legado constituído por um rico tesouro cultural, histórico e tradicional que nos chega através dos séculos e que deve ser adaptado à realidade. No dicionário português encontramos a seguinte definição: “Trata-se de uma regra cerimonial diplomática estabelecida por decreto ou por costume”. Por sua vez, a etiqueta remonta a tempos antigos da Grécia e Roma, tendo origem em sociedades maioritariamente aristocráticas. Acredita-se que terá surgido com o simples acto do aperto de mãos, como símbolo de paz e amizade. A etiqueta observa-se em todas as cerimónias públicas, assim como em manifestações de vida social, variando conforme as tradições, usos e costumes dos diferentes países. Podemos considerar complementos do protocolo e etiqueta todos os conceitos que se refiram à conduta social e que sejam demonstrativos de uma sociedade moderna e civilizada, em que tanto os homens e as mulheres demonstrem ser pessoas de trato refinado, devendo ser tratados com respeito e consideração. Ou seja, o protocolo tem a ver com precedência, que define quem deve ter primazia num determinado evento, nem que seja num simples jantar entre amigos. A etiqueta com a nossa conduta em sociedade, sendo pautada por regras de civismo. A falta de um ensino aprofundado sobre esta temática faz com que os intervenientes no teatro dos serviços (empregados, directores, proprietários e professores) se desculpem afirmando que o serviço hoje em dia se quer mais “casual” ou seja lá o que isso for. Percebam, de uma vez por todas, que até numa tasca devem ter regras de protocolo e etiqueta. Os clientes gostam de se sentirem especiais e de serem tratados com reverência. Isso, meus senhores, jamais passará de moda.l

-----------------------------------------------------------------ARLINDO MADEIRA restaurante Tavares, lisboa



Vinhos com

carácter

Reportagem Bebidas

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“fazer uma viticultura de precisão, com novas tecnologias, e utilizar preparados biodinâmicos”


Reportagem Bebidas

Chama-se Quinta do Monte d’Oiro, localiza-se em Alenquer, pertence a José Bento dos Santos, e produz vinhos cheios de carácter que retratam bem a personalidade do conhecido comunicador e divulgador de gastronomia.

A Quinta do Monte d’Oiro é considerada, desde o séc. XVII, como um local privilegiado para a produção de vinhos de alta qualidade de estilo europeu, respeitando integralmente o terroir existente – uma combinação única de solos e clima. A vista perde-se pelas vinhas. A propriedade tem 42 hectares, 15,5 de vinha onde foram replantadas as castas syrah, viognier e petit verdot, trazidas das suas regiões originais em França, e as portuguesas touriga nacional e tinta roriz. Desde o ano de 1986 na posse de José Bento dos Santos, engenheiro químico de formação, gastrónomo e viajante, a quinta produz vinhos elaborados com cuidado extremo e que, graças à sua qualidade, percorrem o mundo, estando presentes nas caves de, praticamente, todos os grandes restaurantes. A Quinta do Monte d’Oiro produz duas linhas de vinhos: a Quinta do Monte d’Oiro e a Família Originals de José Bento dos Santos, vinhos da autoria do produtor. O rigor é o lema da Quinta, desde o trabalho na vinha (em modo de produção biológico, desde 2006), passando pelos processos de vinificação e terminando na escolha das barricas de carvalho francês das melhores tanoarias. O resultado só podia ser altamente satisfatório e os prémios nacionais e internacionais amontoam-se. De acordo com José Bentos dos Santos, são muitos os desafios futuros: “fazer uma viticultura de precisão, com novas tecnologias, e utilizar preparados biodinâmicos”, tendo sempre como filosofia “dar continuidade ao trabalho de viticultura”. l

Morada Quinta Morada Quinta Morada Quinta Morada Quinta Morada Quinta Morada Quinta

POR Sónia Alcaso

JULHO / Setembro 2014 inter 246 53


JOÃO PIRES

ENTREVISTA BEBIDAS

No sector da restauração, há quem associe excelência a listas intermináveis, referências encriptadas e preços estratosféricos que criam barreiras, e transportam o cliente até lugares incómodos. João Pires, Master Sommelier e escanção do restaurante Dinner, defende a aproximação ao cliente, a criação de uma carta dinâmica, diversa e funcional, e o vinho a copo como alternativas. Porque o vinho é uma questão de estilo. POR Elena Fernandes

INTER: Tem afirmado, várias vezes, que o vinho a copo é o futuro, porquê? João Pires: É única maneira das pessoas equilibrarem prazer, saúde e, fundamentalmente, terem capacidade financeira para beber vinho. No vinho a copo, existe o problema da conservação? Hoje em dia há uma série de máquinas e tecnologia para resolver esse aspecto. Como é óbvio, se um restaurante não consegue vender vinho a copo, ou não consegue implementar esse hábito perto dos clientes, não o deve fazer porque está a perder dinheiro. Mas se não é esse o caso, há vacuvins e sistemas de conservação [tenho de dois tipos, um a gás, outro a electricidade, para prevenir possíveis falhas de uma das fontes de energia]. Hoje em dia não há desculpas rigorosamente nenhumas para não se vender vinho a copo. E depois é importante pensar que o vinho a copo, [de que sou fervoroso adepto], tem que ser feito como deve. Do mesmo vinho abro três ou quatro garrafas todos os dias. Se no final do serviço, à noite, abrir uma garrafa, utilizo depois o vacuvin. No dia a seguir está em perfeito estado. Não há perda de qualidade? Não. É preciso estar atento porque se são vinhos antigos, ou com sedimento, é preciso decantar e colocar na garrafa. Nesse caso há perda e é preciso fazer uma gestão financeira de acordo com essa perda.

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“a oferta e a carta de vinhos devem ser pensadas tendo em conta o estilo, e não de maneira clássica, como acontece, na maior parte das vezes, no restaurante Michelin”.

O cliente não sente desconfiança? Não. O cliente olha de maneira desconfiada se estiver a pagar muito dinheiro e encontrar o sedimento. Todos os vinhos que vendemos a copo acabam por não permanecer muito tempo na garrafa. Se tiverem sido abertos no fim do dia, na primeira meia hora do almoço desaparecem. Posso dizer genericamente que, se correr mal, incluindo champanhe, branco e tinto e vinho doce, devo vender, neste momento, no mínimo setenta garrafas a copo, vinte das quais são de champanhe. w


COMUNICAR O VINHO


Entrevista Bebidas

Na exposição que fez na mais recente edição do Encontro Vinho e Sabores, em Lisboa, senti que, de certa maneira, o vinho parecia “autonomizar-se”, em relação à experiência global do restaurante, para criar um espaço próprio… Há enotecas em todo o mundo, o Dinner não é uma delas, mas o vinho é fundamental. No restaurante em questão, 40% da factura, do sucesso financeiro, provem do vinho. Se 40% do lucro é vinho, quer dizer que é preciso ter atenção, financeiramente é uma parte bastante importante. Por isso, é tudo pensado em rigor, e ao pormenor, no sentido de promover o vinho, do serviço, à questão dos wine dinners e wine tastings. Em determinado mercados a nível mundial, e que eu conheço, como Londres, Paris, Nova Iorque ou Tokyo, o vinho tem esse peso. Apesar de tudo, não é possível comparar o vinho com o papel da gastronomia. Ninguém precisa de beber vinho, as pessoas precisam de comer, e bem.

“Às vezes pode não fazer sentido abrir uma garrafa, tendo em conta o número de comensais e a situação”.

Nessa ocasião, outra das ideias que deixou no ar foi que era necessário começar a encarar o vinho não tanto através de catálogos mas antes de estilos. Tudo depende do lugar onde se está. A maior parte dos restaurantes Michelin são clássicos, com aspectos positivos e negativos, e a clientela que atrai também gosta de cartas classicas. O propósito de um wine bar é partir à descoberta do vinho, é importante que a oferta a copo seja maioritaria. Depois há outro aspecto a considerar, para uma pessoa que desconheça vinhos faz mais sentido poder dizer que gostaria de um vinho leve, fresco, frutado, com mais cor, com taninos, sem taninos, jovem ou com mais idade. Nessa situação, a oferta e a carta de vinhos devem ser pensadas tendo em conta o estilo, e não de maneira clássica, como acontece, na maior parte das vezes, no restaurante Michelin.

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Sublinhou que, no contacto com o cliente, era importante saber contar histórias mais do que chegar aos pormenores técnicos exaustivos. Sim, quando se fazem sugestões. No Dinner, tenho uma sommelier recommendation, que mudo todos os meses. As pessoas desejam saber o motivo pelo qual estou a recomendar aquele vinho: porque provei e gostei? Pelo preço, que é simpático? Não. Tem que haver uma história. Todas as minhas sugestões têm uma história. Por exemplo, tínhamos uma percentagem de clientes chineses importante, e durante muitos meses percebi que eles não bebiam. Entendi que isto devia mudar e que devia procurar um bom vinho chinês. Fiz provas, e consegui encontrar um Ice White Chinês, um vinho doce que se adapta ao perfil do consumidor. Foi um êxito. Num mês vendemos 120 garrafas, a copo. É como a minha escolha, em relação ao vinho português de que falei [Tributo, Rui Reguinga]. Foi uma das primeiras adegas que visitei, aqui há uns anos, quando abriram, e tenho relações pessoais com eles. As pessoas, o cliente, querem saber dessa história, que se cruza com as viagens que realizei, ou a ocasião em que bebi o vinho. Para eles é importante. O João Pires é Master Sommelier, trabalhou em Relais&Châteaux, em restaurantes com estrelas Michelin, o Dinner é muito diferente? Sim, para já é maior. Fazemos 120 almoços e 170 jantares por dia, sete dias por semana. Tem um conceito que se deve a um trabalho exaustivo, científico e histórico, realizado por Heston Blumenthal, para conseguir transformar receitas antigas em modernas. O desafio foi encontrar uma carta de vinhos capaz de adaptar-se a essa comida. Essa carta constitui-se com vinhos de que regiões? São do mundo inteiro. É verdade que a maior parte deles são talvez franceses, mas tenho vinhos da Europa, Portugal, Espanha, Áustria, Itália, Califórnia, África do Sul, Austrália ou Chile. Os ingleses gostam de vinho? Gostam, sabem beber e bebem vinho. Tem uma mente muito aberta. Nas escolhas, a França ainda tem uma componente muito forte, mas em Londres acaba por estar representado o mundo inteiro. Qual será o papel do vinho nas próximas décadas, a nível da restauração? Se soubesse acertava a lotaria. O vinho vai ter um papel cada vez mais importante, e ligado à temática da saúde. Por isso a questão do vinho a copo. Às vezes pode não fazer sentido abrir uma garrafa, tendo em conta o número de comensais e a situação. Por exemplo, um almoço de uma, ou duas pessoas, num dia de trabalho, fica bem resolvido com um vinho a copo. l



notícias Bebidas

Enogastronomia da Quinta Seara D’Ordens

Aliar o cenário dos anfiteatros e vales durienses aos prazeres enogastronómicos da região para melhor conhecer os vinhos da Quinta Seara D’Ordens é a nova proposta deste produtor que se tem destacado pela qualidade e carácter dos seus vinhos DOC e Portos de excelência. A diferença faz-se não só no atendimento personalizado, como no acompanhamento atento aos visitantes - que assim podem descortinar todo o processo de produção, da vinha ao copo, e fazer uma degustacão, harmonizando o vinho com a melhor gastronomia regional que o Douro oferece. A novidade agora lançada cria a possibilidade de desfrutar da melhor gastronomia local numa sala bastante acolhedora, onde as madeiras e xistos preservam a ambiência da paisagem. Os pratos genuínos e as iguarias emblemáticas acabam por ser o leit motiv para harmonizar com os vinhos da quinta. Para reiterar o espírito da casa, a Quinta Seara d’Ordens funciona com o conceito de “portas abertas”, recebendo os visitantes que podem calcorrear a quinta, as vinhas, a adega, sala de envelhecimento com barricas de carvalho francês e balseiros, ou ainda a capela, provando os vinhos Douro DOC e Portos.

QP Touriga Nacional conquista medalha de ouro O vinho QP Touriga Nacional 2012, produzido pelo vitivinicultor Marcolino Sebo, da Região de Borba, Alentejo, obteve a medalha de ouro no concurso Mundus Vini, na Alemanha. No certame participaram três mil vinhos, oriundos de 29 países, tendo sido este o único vinho de mesa português a obter a mais alta distinção da prova. A Touriga Nacional passou a ser cultivada por Marcolino Sebo em 2009. Este vinho regional alentejano tinto monovarietal, de 14,5% de volume, foi obtido segundo o método tradicional de pisa em lagar com temperatura controlada. Estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês e outros tantos em garrafa. A adega produziu 10 mil litros deste vinho de excepção, que agora é colocado à disposição dos apreciadores. O vinho foi produzido sob a direcção do enólogo Jorge Santos.

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Cocktail de português ganha prémio “Escolha do Público” Bruno Gomes, chefe de bar do Arena Lounge do Casino de Lisboa, viu o seu cocktail “Havana Imperial” ser distinguido com o Prémio Escolha do Público no 10º Cocktail Havana Club Grand Prix. Os participantes foram convidados a apresentar um cocktail simples, de alta qualidade, que incluísse ingredientes recolhidos durante a sua viagem de uma semana a Cuba. Inspirando-se em cocktails cubanos mundialmente famosos, como o Mojito e o Daiquiri, Andy Loudon – do bar londrino Satan’s Whiskers - venceu a competição com o cocktail “Jose MartiEspecial”, que foi realizado a partir de Havana Club 3 anos, xerez fino e pastis, limas locais,xarope de açúcar e cravinho-da-índia. A final teve lugar no lendário hotel Habana Riviera, em Havana, Cuba, no passado dia 5 de junho, após uma semana de seminários intensivos que visaram educar os barmen sobre a qualidade e versatilidade de Havana Club, o autêntico rum cubano, para além de transmitir conhecimento sobre a cultura do cocktail em Cuba e do seu património. Os seminários foram dados por algumas das maiores autoridades do mundo em bebidas espirituosas, incluindo Dave Broom, Naren Young, Jared Brown, Anistatia Miller e o maestro Ronero Asbel Morales.


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O outono de

Nuno Barros Lançada no mercado português em 2003, a Super Bock Stout conquistou clientes e inspirou os mais aclamados chefes de cozinha a criarem pratos e menús em que a cerveja tem o papel principal. Produzida a partir de maltes especiais como malte pilsen, malte caramelo e malte chocolate, a Super Bock Stout tem um aroma rico e complexo e apresenta uma espuma compacta, cremosa e duradoura, criando uma textura verdadeiramente envol-vente no palato. O chefe Nuno Barros é um dos chefes que se rendeu às características únicas e criou um pão de cerveja Stout exclusivo para a carta do 1300 Taberna, o seu restaurante no Lx Factory em Lisboa. Inspirado numa receita desenvolvida no restaurante onde trabalhou em Dublin, o Ely CHQ, o pão quando morno, apresenta uma textura de bolo, desfazendo-

-se na boca de forma prazeirosa. Normalmente é servido com manteiga de ovelha. Para casar com o outono que agora começa, o chefe Nuno Barros sugere pratos com leguminosas, castanhas, cogumelos, maça, dióspiro e claro, frutos secos, numa carta que é uma verdadeira ode à comida de conforto, sempre com um toque de sofisticação. Para uma harmonia perfeita com a Super Bock Stout, o chefe aconselha: “pratos com chocolate, café e caramelo” bons para realçar os aromas frutados e estrutura encorpada da cerveja. Uma sugestão fantástica para receber o tempo mais frio de forma calorosa e aconchegante, numa viagem gastronómica em Super Harmonia e que quebra o mito de que a cerveja é uma bebida exclusiva para o verão. l

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O MUNDO DO BAR

David Romero Castro

terra dos Incas Enquanto o restaurante Central consolida a sua posição de restaurante peruano inovador, Romero Castro torna-se um pioneiro no seu país, harmonizando menus com os coquetéis de sabores peruanos que assina.

Por Luciana Bianchi, em Lima

Sejamos honestos: quantos de nós sabem a diferença entre um bartender e um mixologista? Enquanto a profissão de barman ou bartender é conhecida desde que os bares existem, a nova era da cozinha criativa introduziu aos bares um novo elemento - o mixologista. Iniciou-se a era do uso de equipamentos de laboratório no bar, de “efeitos especiais” como nitrogénio líquido, gelo seco e esferificações. Destilações, gelificações, o uso do fogo, da fumaça e de ingredientes exóticos vieram acompanhados do uso de pinças, tubos de ensaio, maçaricos e sifões, abrindo novas portas aos profissionais de bar com estilo próprio e ideias pouco ortodoxas. Mixologia nada mais é que “o estudo das misturas”. A profissão, segundo alguns especialistas, dá um passo adiante ao trabalho do barman, uma vez que é responsável pela criação de conceitos e até de pesquisas científicas. Na mixologia, novas técnicas são aplicadas à coquetelaria clássica, e as “bebidas” podem ser apresentadas em várias densidades, texturas e formatos. Experiências com a extração de essências envolvendo produtos raros e pouco comuns na coquetelaria tradicional e a desconstrução de conceitos tradicionais são a nova onda pelo mundo. Com 34 anos de idade, David Romero Castro está na DIRECÇÃO do bar do restaurante revelação da lista The World’s 50 Best 62 inter 246 JULHO / Setembro 2014

Restaurants, Central, do chefe Virgilio Martinez. Central também ocupa a PRIMEIRA posição do ranking da América Latina e é o número um do Peru desde 2012, segundo o guia mais importante do país, o Summum. David Romero Castro ainda não se decidiu se aceita o título de mixologista ou barman: “Na minha opinião, um bom barman é um mixologista, mas creio que muitos evitam usar o título até serem nomeados publicamente, assim como um cozinheiro que se torna chefe.” O jovem peruano ocupou, recentemente, o pódio do World Class no Peru, uma das maiores competições mundiais para profissionais da sua área, alcançando o terceiro lugar: “Eventos como este dão-nos a possibilidade de conhecer outros profissionais do ramo e de mostrar as nossas ideias. Temos a sorte de ser um país com uma riqueza de produtos incrível! Inspiração e material, aqui, são sempre abundantes. O problema para nós ainda é investir em equipamentos de laboratório, pois tudo é muito caro e complicado de conseguir, mas ainda chegaremos lá!” Central possui um sistema de purificação de água que funciona por osmose inversa, um equipamento que torna o restaurante um dos mais sustentáveis do mundo. Toda a água e gelo, bem como as águas aromatizadas com ervas peruanas vindas do jardim urbano do restaurante, são produzidas em casa. Essa é, também, uma das responsabilidades de David: “O sistema de purificação de água do Central é genial e permite-nos ter gelo de alta qualidade no nosso bar que, além de puro, não w


O MUNDO DO BAR

O jovem peruano ocupou, recentemente, o pódio do World Class no Peru, uma das maiores competições mundiais para profissionais da sua área, alcançando o terceiro lugar.


q w w w.centralrestaurante.com.pe w w w.facebook .com/david.r.castro.56?ref=ts&fref=ts

O MUNDO DO BAR

64 inter 246 JULHO / Setembro 2014

derrete facilmente, mantendo assim a sua forma por muito tempo. O trabalho no laboratório de água do Central é feito diariamente e o sistema mostrou-se bastante efectivo para todo o restaurante.” David cria conceitos de percurso de coquetéis para o menu degustação de Virgilio – com ou sem álcool, e o cliente decide se quer uma harmonização completa ou apenas alguns drinks. A sua formação técnica é multifacetada, envolvendo a gestão do restaurante e bar, sommelier, barista, e experiência em cozinha. Talvez, por isso, tenha uma habilidade ímpar em criar novas possibilidade de harmonização perfeitas para o diálogo com um menu que explora as diversas altitudes e microclimas peruanos: “Virgilio permite-me voar, mas também me ajuda a manter os pés na terra. Ele motiva-me a ser cada vez melhor, acreditando nas minhas ideias e exigindo o máximo de mim. Trabalhar com ele faz-me crescer na minha profissão!” Segundo David, os três coquetéis clássicos que sobreviverão ao tempo e aos modismos são o Martini, o Negroni e o Gran Capitan. Mas, quando menciona as suas duas criações favoritas do momento, o entusiasmo é difícil de ser contido: “Martinez número 6 – uma combinação de Vermouth Bianco, Gin, Araza, licor caseiro de laranja de chanchamayo e Bitter de laranja e o Capitan Moquillasa, que usa Pisco Inquebrantable, Vermuth Rosso, Amaro Averna, Orange Bitter Angostura e passas de azeitonas hidratadas no azeite de oliva.” O futuro, para David Romero Castro, ainda se resume ao dia seguinte, mas o sonho é de ter, um dia, o seu próprio bar e assinar a sua coleção de bebidas: “Já comecei a dar o primeiro passo criando licores peruanos, só preciso agora de um sócio investidor. Para o bar do Central, David sonha com uma rotavapor, um equipamento de laboratório que funciona como um evaporador rotatório para destilações. “Essa máquina abriria mil possibilidades nas minhas experiências com os produtos nativos!” E assim, o mixologista continua sonhando entre um coquetel e outro... l

Mixologia nada mais é que “o estudo das misturas”. A profissão, segundo alguns especialistas, dá um passo adiante ao trabalho do barman, uma vez que é responsável pela criação de conceitos e até de pesquisas científicas.


os três coquetéis clássicos que sobreviverão ao tempo e aos modismos são o Martini, o Negroni e o Gran Capitan.


BARMAN DO ANO

Wilson Pires

Barman do Ano 2014

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BARMAN DO ANO

Ao vencer o concurso Barman do Ano 2014, Wilson Pires caiu de joelhos! “Nem sei explicar; foi um misto de emoções tão grande e tão forte que não me consegui controlar”, refere o barman que, aos 24 anos, foi considerado o melhor de Portugal. O início de uma história feliz… Sónia Alcaso

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BARMAN DO ANO

Foi a vontade de aprender mais, enriquecendo com a experiência e a partilha com colegas da mesma profissão, que o impulsionou a concorrer. “Era um sonho ficar entre os 15 primeiros, já nem queria mais!”, confessa Wilson.

Wilson Pires, natural de Faro, foi o vencedor da primeira edição do concurso Barman do Ano 2014, das Edições do Gosto, cuja final decorreu no dia 22 de julho, no Lisbon Marriott Hotel. O desafio lançado aos 10 finalistas era prepararem ao vivo três cocktails: um gin tónico, um cocktail de autor e um terceiro cocktail utilizando exclusivamente os ingredientes contidos num cesto surpresa. Wilson Pires, barman do hotel Conrad Algarve, triunfou com os seus “Sem stress”, “Caixa do mistério” e “Saudade”. Foi a vontade de aprender mais, enriquecendo com a experiência e a partilha com colegas da mesma profissão, que o impulsionou a concorrer. “Era um sonho ficar entre os 15 primeiros, já nem queria mais!”, confessa Wilson. Talvez, por isso, tenha ultrapassado cada uma das etapas do concurso sempre com um sorriso, rendido ao ambiente de camaradagem e vivendo esta aventura, como ele diz, “como se de um sonho se tratasse”. E não é perseguindo os sonhos que se chega à vitória? Wilson Pires chegou. E, à espera dele estavam os prémios: um curso na Bols Bartending Academy em Amsterdão, com viagem e estadia paga, oferecido pela Bols, uma Tour com Pedro Paulo pelos melhores bares de Londres, oferecido pela Schweppes e formação na fábrica da Holandesa Libbey também com viagem e estadia paga com 500 peças para utilização no seu local de trabalho e uma oferta Nespresso, uma máquina Zinius Professional.

Profissionalmente, as mudanças também foram muitas. “Abriram-se portas que nem sequer pensei que um dia pudessem vir a existir e agora é tentar espreitar em todas elas para poder crescer e ter boas experiências”. Apesar de não revelar ainda muito, Wilson adianta: “tenho já dois ou três desafios engraçados, como trabalhar cocktails para uma marca de perfume, com o seu perfume. São este tipo de oportunidades que vão desafiar-me e continuar a desenvolver, dentro de mim, esta minha paixão de ser bartender”. A 3ª menção honrosa foi entregue a Sandro Pimenta do Epic Sana Hotel Lisboa e a 2ª atribuída a Paulo Gomes do Hotel Mundial em Lisboa.

Fórum Barman do Ano: temáticas relevantes para o sector Paralelamente a esta iniciativa, decorreu em simultâneo o Fórum Barman do Ano 2014, para profissionais de bar, onde se debateu a evolução dos produtos e das principais técnicas de bar, que contou com as palavras sábias de alguns profissionais e conhecedores relevantes da área. Virgílio Gomes, investigador de História da alimentação e bebidas, fez uma apresentação sobre a origem e história dos cocktails. Seguiu-se Paulina Mata, especialista em Ciências Gastronómicas, que abordou o tema da Mixologia Molecular. Pedro Paulo, Barman do Ano U.K e w

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BARMAN DO ANO

Foi a vontade de aprender mais, enriquecendo com a experiência e a partilha com colegas da mesma profissão, que o impulsionou a concorrer. “Era um sonho ficar entre os 15 primeiros, já nem queria mais!”, confessa Wilson. presidente do Júri do Barman do Ano, fez uma apresentação sobre o atendimento: “Receber, orientar e fidelizar o cliente”. Flavi Andrade, eleita a Melhor Bartender de Espanha 2014 e que trabalha no Guarita Terrace (Castro Marim), trouxe ao evento a voz feminina, numa interrogação: Barmaid. Why not? E, por fim, Dave Palethorpe, barman e proprietário do Cinco Lounge (Lisboa), demonstrou como se constrói um estilo pessoal e

inconfundível: “O estilo de Dave Palethorpe”. Uma tarde em grande, pela pertinência dos temas e partilha de ideias. Saliente-se ainda que o concurso Barman do Ano contou com o patrocínio da Schweppes; Bols; Libbey; IVDP; Nespresso e Makro, o apoio institucional do Lisbon Marriott Hotel; Associação dos Directores de Hotéis de Portugal; Associação Barmen Barlavento Arade; Associação Barmen Portugal e o apoio da Quinta da Alorna. l

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Opinião

bolhas requintadas

em Portugal

Cada vez mais se produzem espumantes de qualidade em Portugal. Importa esclarecer, contudo, que existem variados tipos de espumantes em vários países e cada um adoptou uma nomenclatura para esta tipologia. Cava para os produzidos em Espanha, Sekt na Alemanha, Spumante em Itália, Espumante em Portugal, o que significa que, muitas vezes e erradamente, se chama Champagne a espumantes que não são feitos nessa região francesa. Mesmo em França, fora da região de Champagne, produtos similares têm designações específicas (Cramant, Mousseaux). Os bons espumantes são feitos pelo método clássico. Ou seja, a bolha característica deste tipo de bebida é obtida de forma natural, através da segunda fermentação provocada em garrafa. Outros métodos existem, mas o método clássico é o apanágio dos espumantes de melhor qualidade. Em Portugal, o espumante tem tradição secular, sendo as áreas de Lamego, Tarouca, das mais antigas e ainda berço de algumas das marcas mais importanes, nomeadamente Murganheira e Caves Raposeira. A região da Bairrada é outra de enorme tradição e importância económica, pretendendo-se que se torne produto bandeira da região. Produzem-se espumantes no Douro, nas Caves Transmontanas com a marca Vértice a ser o farol relativamente a este produto. Outras marcas têm surgido, com a histórica Real Companhia Velha a retomar a produção. No Dão e na, agora, área de Lisboa, os espumantes também encontram apetência para a produção, sendo que, na última, a casta Arinto apresenta vocação particular. No Tejo, em Setúbal e no Alentejo também se produzem espumantes já com qualidade assinalável. Outra região que tem apresentado espumantes que se vão impondo é a dos Vinhos Verdes, com a Alvarinho a mostrar muita categoria. Hoje em dia, com a identificação das castas e o estudo de potencial enológico e vitícola muito evoluído, já estão identificados talhões, parcelas e castas, pensadas para a produção de espumantes.

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Apesar de muitos vinhos do género se apresentarem de tonalidade “branca”, grande parte deles são feitos com uvas tintas. Em Portugal, a Baga, a Touriga Nacional e a Pinot Noir são algumas das que emprestam a sua estrutura a estes produtos. Existem alguns termos relacionados com o teor de açúcar e o tempo de estágio que importa esclarecer. Os vinhos com menos açúcar são os que ostentam as menções Bruto Nature, Extra Bruto, Bruto e Extra Seco. A partir daí, a percepção de açúcar é bem notória. O tempo de estágio, que reflecte a qualidade, tem no Reserva 12 a 24 meses de engarrafamento antes do Dégorment (acção de retirada das “impurezas” e dosagem de açúcar final), 24 e 36 meses para os Super Reserva e Extra Reserva, mais de 36 meses pode ostentar as menções Velha Reserva ou Grande Reserva. Quanto mais velho for o espumante, mais fina será a bolha, mais integrada, “mousse” delicada e maior complexidade. Comparativamente os espumantes portugueses têm muito boa qualidade, não ficando a dever em relação a muitos Champagnes. São mais interessantes que a maioria de espumantes italianos, Proseccos, Astis ou Cavas, que proliferam nas prateleiras dos supermercados. Os espumantes são dos produtos mais versáteis à mesa. Os mais frutados são ideais como aperitivos e para saladas, os mais ricos, envelhecidos e complexos, para pratos refinados. É um dos produtos em crescendo de qualidade e consumo em Portugal, merecendo confiança por parte dos profissionais da restauração na oferta das cartas de vinho. l

------------------------------------------------------------------------Manuel Moreira Enólogo, especialistas de Vinhos



Schweppes Challenge

Schweppes Challenge agitou Portugal

jj Paulo Gomes do Jony Rules Bar do Hotel Portugal sagrou-se o grande vencedor e recebeu das mĂŁos de Renata Pinto, Directora Comercial & Marketing da Orangina Schweppes Portugal, o trofĂŠu Schweppes Challenge e um cheque no valor de dois mil euros. Susana Hurtado

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jjj “O mundo do bar em Portugal está vivo e recomenda-se!”. Quem o diz é Diego Cabrera que veio a Portugal para dar uma masterclasse exclusiva para os dez finalistas do Schweppes Challenge e para fazer parte do júri que avaliou a Final Nacional – a derradeira etapa onde se defrontaram os concorrentes com maior pontuação e que passaram pelas anteriores fases. Ao lado de Diego Cabrera, barman argentino radicado em Espanha e que está à frente do recente espaço Platea em Madrid, estiveram Nelson Antunes, vencedor do 1º Schweppes Challenge e bar manager do Hotel Corinthia Lisboa, Miguel Cardoso, Brand Manager da Schweppes, Paulo Amado, director da INTER, e Flavi Andrade, distinguida com o prémio La Mejor Bartender de España 2013.

O desafio começou em Maio, no Lisbon Bar Show, em Lisboa, onde foi oficialmente comunicada a abertura das inscrições. Nesta 2ª edição os bartenders a exercer funções em Portugal foram convidados a criar duas receitas de cocktails: uma com vodka ou gin e outra com ingredientes livres, sempre com o uso dos produtos Schweppes: Premium Mixers (Tónica Original, Pimenta Rosa, Gengibre-Cardamomo e Lavanda-Flor de Laranjeira), Ginger Ale e Cítricos Lemon Dry e Laranja. Da avaliação das receitas, resultou um apuramento de 15 concorrentes que obtiveram as pontuações mais altas e que garantiram o passe para a etapa seguinte: as visitas ao local de trabalho feitas por elementos do júri e onde foram apresentados os cocktails que garantiram o apuramento. w


SCHWEPPES CHALLENGE

Paulo Gomes dedicou a vitória aos companheiros, à sua esposa e à sua profissão: “os grandes amores da minha vida”. De norte a sul do país, os concorrentes foram avaliados pelo júri nos seus locais de trabalho e pontuados, saindo desta etapa os nomes dos dez finalistas que disputaram a final. Contudo, só os cinco concorrentes com melhor pontuação no primeiro dia da final, disputado no Bairro Alto Hotel, chegariam à finalíssima no Restaurante Chefe Cordeiro, onde tiveram de apresentar um cocktail tendo um cesto surpresa com ingredientes como frutos exóticos, especiarias, ervas aromáticas, licores e claro, água tónica Schweppes. Os restantes cinco concorrentes foram os “barback” dos candidatos ainda em competição, ajudando-os na preparação e mise-en-place. Paulo Gomes, do Jony Rules Bar do Hotel Portugal, sagrou-se

o grande vencedor e recebeu das mãos de Renata Pinto, Directora Comercial & Marketing da Orangina Schweppes Portugal e Miguel Cardoso, o troféu Schweppes Challenge e um cheque no valor de dois mil euros. ”Irish Twist” e “White Velvet” foram os primeiros cocktails apresentados por Paulo Gomes. Na finalíssima, o vencedor apresentou “Jardim das Paixões” - uma mistura de Tequila, Cointreau, Syrup Mel e Maracujá, Sumo de Toranja e Lima, Schweppes Lavanda e Flor de Laranjeira -, que lhe garantiu o lugar de vencedor. Visivelmente emocionado, Paulo Gomes agradeceu e dedicou a vitória aos companheiros, à sua esposa e à sua profissão: “os grandes amores da minha vida”. l

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hristian Escrib

Doces ilusĂľes, genĂŠtica e vanguarda


O MUNDO DOCE

Filho do primeiro vanguardista da cozinha espanhola, Christian escreve agora o seu nome na história da gastronomia mundial – com FANTASIA!

por Luciana Bianchi, em Barcelona Seguir os passos de um pai famoso pode parecer, para muitos, um caminho fácil. “O sobrenome ajuda à abrir as portas”, diz o ditado. Porém, a situação, para quem vive uma experiência assim, é inversamente proporcional. Esta era a realidade de Christian Escribá, que decidiu encontrar a sua própria estrada dentro de uma empresa familiar de mais de um século, no ramo da confeitaria. O pai, Antoni Escribà, era chamado de “O Mago dos Chocolates”. Mas a história começa ainda antes! Christian é a quarta geração de confeiteiros famosos: “Eu sempre tentei evitar caminhar pelos caminhos traçados pelos que me precederam, pois sabia onde me conduziriam. Porém, seria um absurdo não aproveitar 108 anos de negócio familiar.” Os genes ajudaram-no, mas a sua própria genialidade, irreverência e paixão pela profissão permitiram que alcançasse a posição onde se encontra hoje: o maior protagonista da confeitaria de vanguarda mundial. O jovem Christian, com 15 anos, começou a ajudar o pai. Não era um mau aluno na escola, mas não se sentia motivado a continuar os estudos. Para ter certeza sobre a decisão do filho, o pai resolveu mantê-lo durante um ano como auxiliar. Após o período de provação, Antoni encaminhou-o à sua formação de confeiteiro profissional com os melhores mestres da confeitaria mundial: Mora de Barcelona, com o seu avô Étienne, em Paris, e também no Tholoniat e Dalloyau. Em Viena aprendeu com Karl Schuhmacher e, de volta a Paris, foi trabalhar nos dois restaurantes de Claude Perraudin: Le Homard à la Crème e o L’Auberge Perraudin. E, assim, Christian Escribà regressou a casa com as bases clássicas sólidas, preparado para continuar o legado da família.

Os anos passaram-se, pai e filho trabalharam juntos, e Christian continua hoje o mesmo sonho do pai: adoçar e divertir o mundo com a sua confeitaria. Casado com uma das maiores confeiteiras do Brasil, Patrícia Schmidt, Christian conheceu-a através da profissão e, hoje, são parceiros em inúmeros projetos: “O nosso primeiro encontro foi na minha confeitaria. Eu já conhecia o trabalho da Patrícia e, um dia, ela veio propor-me uma representação dos meus Candy Glam Rings e doces de parede. Foi amor à primeira vista! Na minha opinião, Patrícia é a maior especialista do mundo em trabalho com açúcar, pelo seu conhecimento, sensibilidade e elegância na hora de combinar as mais variadas técnicas.” O casal tornou-se notícia, em 2013, com o encerramento do restaurante El Bulli, do chefe Ferran Adrià. Christian e Patricia foram os responsáveis pela criação das tortas voadoras e do cão bulldog gigante, símbolo do restaurante, feito de açúcar, para além de diversas técnicas de pastilhagem. O “El Bulli doce” tornouse uma das fotos mais famosas do último evento do restaurante em jornais e revistas internacionais: “A minha relação com Ferran ultrapassa a amizade. Ele é o meu melhor amigo – como um irmão mais velho. Tenho uma grande admiração profissional, que cresce com o passar dos anos, pela sua generosidade, o seu exemplo, respeito e energia!” O mundo Escribà tem a sua sede em Barcelona. A confeitaria e café Escribà La Rambla estão instalados numa casa que data de 1820 – ao lado do mercado La Boqueria, e mantém o carácter histórico de um monumento arquitectónico precioso da arte catalã, incluindo mosaicos de Maragliano e vitrais modernistas de Granell i Rigalt na fachada. A loja Escribà Gran Via é o “quartel general” das operações, onde se encontram as cozinhas principais, o show room (que se tornou uma atracção entre os clientes e visitantes das lojas), e também um café e confeitaria. No mesmo endereço, encontra-se a Academia Escribà, um centro de estudos e de workshops de confeitaria para amadores e profissionais do ramo. Nessa Academia fica o atelier e escritório do casal, que divide a mesma paixão pelos doces. Escribà confessa viver num universo paralelo, afirmando que “o seu mundo de açúcar e chocolate” é mais que, simplesmente, uma profissão: “Quando decidi que queria ser confeiteiro resolvi afastar-me do mundo real, criando o meu próprio mundo através da confeitaria. Exprimo-me através deste mundo!” w

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O MUNDO DOCE

Tenho uma grande admiração profissional, que cresce com o passar dos anos, pela sua generosidade, o seu exemplo, respeito e energia!

Como um estilista de moda, as coleções de Escribà vêm a cada ano acompanhadas de uma técnica revolucionária, de uma ideia inusitada ou de algum detalhe que muitos sonharam, mas que nunca tiveram coragem de fazer! A paixão por design levou-o a conceber uma colecção de anéis de açúcar “candy glam” (vendidas como jóias da Tiffany!), bem como a criar colecções deliciosas para Louis Vuitton, Hermès, Chanel e Chopard. E, até mesmo, uma colecção de sapatos exclusivos de chocolate. Projectos envolvendo teatro e o mundo das celebridades já não são novidades para o catalão. Escribà fez vários projectos com actores e espectáculos, entre eles, o Cirque du Soleil, e a lista de clientes/ celebridades vai de Pedro Almodóvar a Bruce Springsteen.

Christian Escribà www.escriba.es www.fantasiabyescriba.com

Neste mês, o “Dali da Confeitaria”, como é chamado por muitos, abre as portas da sua mais nova e maior aventura surreal. O revolucionário projecto chama-se Fantasia e será, desta vez, longe de casa – em Singapura! Quem ouve a descrição pensa, na mesma hora, em “Charlie e a fábrica de chocolate”, de Roald Dahl.

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Planejado para ser o primeiro parque sensorial de doces do mundo, com oito pavilhões numa área de oito mil metros quadrados, este espaço oferecerá aos visitantes a oportunidade única de presenciar mais de 30 obras de arte de chocolate e açúcar, de assistir a performances de actores e de participar em classes de chocolate, fondand, caramelo e confeitaria em geral. Entre as surpresas, a maior cascata de chocolate do mundo, paredes comestíveis, uma torta de aniversário de cinco metros de altura e animais de chocolate em tamanho real. O projecto, a ser realizado entre os dias 22 e 24 de agosto, beneficiará uma entidade filantrópica local: “Em Fantasia, unimos, pela primeira vez, a confeitaria, o show e o conhecimento. Será o primeiro evento deste género!” No seu mundo de fantasia, amor, açúcar, sonhos e chocolate, Christian Escribà continuará a criar obras doces inacreditáveis. O ponto de partida será sempre Barcelona mas, após Fantasia, um novo universo de possibilidades abre as portas ao genial confeiteiro catalão. E, enquanto a sua mente criativa voa para uma nova aventura, uma frase vital à sua existência de confeiteiro continuará a ser o seu slogan: “Não existe evolução sem tradição!” l



Opinião

Ciência e modernidade, ou um saber de experiência feito

Em primeiro lugar, um “disclaimer.” Sou, de profissão, cientista. Há 25 anos que pratico essa religião, por vezes feita de práticas obscuras, a que normalmente se chama a ciência, ou, mais prosaicamente, investigação científica. Podia discorrer indefinidamente sobre a ciência, como se pratica, como se valorizam e aplicam as suas descobertas, porque lhe chamo religião ou porque considero que há muito de ritual na sua prática. Mas, claro, isto não vem agora nada ao caso. Sou cientista como uma parte substancial da prática diária da minha profissão de professor universitário. Claro que a sabedoria popular logo dirá: “Ah... Quem não sabe, ensina...” Pois... Isso pelo menos dá-me para introduzir o tema. A ciência como prática, como valor, como atitude, mais do que como método. É que a ciência é, acima e antes de tudo, um método para nos aproximarmos da sabedoria. No entanto, é na sabedoria que se pensa quando se fala em ciência, e é de sabedoria que quero falar. Prometi há pouco tempo que haveria de escrever este artigo sobre “cozinheiros que não cozinham” e ele vem realmente a propósito. Hoje em dia isso acontece muito. A brava dança das cadeiras inclui restaurantes que fecham, restaurantes que abrem, chefes de cozinha que cozinham, outros que chefiam, outros que nem cozinham nem chefiam, antes andam de um lado para o outro, de restaurante para restaurante e entre programas de televisão, concursos, aulas na escola de cozinha mais próxima ou pura e simplesmente aparições fugazes em locais onde haja outros cozinheiros e, vá lá, algum público. Ainda há pouco tive uma troca de ideias com um destes jovens quase-hiper-activos, a quem reconheço muito talento e algum gosto pelo risco. Argumentava eu que aos jovens cozinheiros de hoje fazia falta não só muito mais gosto por cozinhar do que por aparecer, mas acima de tudo, localizar, encontrar, perseguir e obcecadamente experimentar as receitas mais antigas, tradicionais, apuradas por avós e mães ao longo de gerações passadas aos fogões. Contrapunha ele

a primazia do conhecimento científico das técnicas, e o seu domínio absoluto e perfeito, por via não só da experiência, mas de muito apoio tecnológico. E o argumento extremouse: eu dizia-lhe que dava mais valor a um prato que tivesse comido já mil vezes, conhecido de trás para diante, e depois, chegado um dia, encontrá-lo confeccionado num ponto de perfeição que ultrapassa todos os anteriores, e também tudo o que era possível imaginar sobre o que o prato podia ser. Dei um exemplo: a carne de vaca guisada do Vallécula. E falei da D. Fernanda Barros, cozinheira do Vallécula, mas também de muitas outras cozinheiras deste país, daquelas que não chefiam ninguém, mas têm muita sabedoria. Sabedoria que é confirmada pela ciência, quando após anos de pesquisa se descobre que afinal os antigos até tinham razão, e descobrem a cadeia de causalidades que provoca os efeitos desejados. O tal saber de experiência feito depois comprovado e abençoado pela mãe ciência. Confesso que fiquei muito espantado, e disse-lho, quando o tal jovem não me disse imediatamente entusiasmado: “Como dizes, Vallécula? Amanhã vou já lá almoçar.” Queria, quero, espero mais desta geração, mais paixão, mais vontade de aprender, menos certezas. Afinal, a dúvida é o dever do cientista e o que faz progredir a ciência. Das mães sábias nunca se ouvirá dizer: “eu sei que é assim.” Antes: “eu sempre fiz assim.” Quase como numa pergunta. l

------------------------------------------------------------------------Luís Antunes Crítico de vinhos e Gastronomia


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Só preciso garantir um prato perfeito. O software pensado para o meu negócio, desde a reserva de mesa, ao pedido na cozinha, até à emissão da fatura. Tudo com o máximo profissionalismo e eficácia. Agora foco-me apenas na satisfação do meu cliente.

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