SUZY,
“Merece juntar-se ao restrito panteão dos grandes romances de rock.” [ The Times ]
Led Zeppelin &
EU MARTIN MILLAR
SUZY,
Led Zeppelin &
EU
Título original: Suzy, Led Zeppelin, and Me Copyright © 2008, Martin Millar Copyright desta edição © 2015, Edições Ideal Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação ou transmitida, em qualquer forma ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros), sem a permissão por escrito da editora.
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SUZY,
Led Zeppelin &
EU MARTIN MILLAR
martin millar
capítulo 1 No dia 4 de dezembro de 1972, o Led Zeppelin veio tocar em Glasgow. Se você não mora na Grã Bretanha, você pode não saber onde fica Glasgow. É uma cidade grande na costa oeste da Escócia. A Escócia é logo ao norte da Inglaterra. Não vou te incomodar mais com geografia. Eu sei que você tem déficit de atenção. Eu também tenho. Eu não consigo assistir ao mesmo programa na TV por mais de alguns segundos sem mudar de canal. Não consigo mais aguentar filmes longos. Eu nunca vou ao cinema por medo de ficar entediado. Quando estou lendo um livro, preciso que os capítulos sejam breves. Nenhuma parte deste livro será maior que algumas centenas de palavras. Mesmo com déficit de atenção, você conseguirá lê-lo facilmente, um pouco de cada vez. Em sua maior parte, o livro se refere a eventos paralelos ao show do Led Zeppelin, muitos anos atrás. Eu me lembro bem dos acontecimentos principais, mas a minha memória para detalhes pode ser fraca. Isso frequentemente me causa problemas. Eu nunca me lembro quem as pessoas são se as encontrei apenas algumas vezes, ou quando é o aniversário de alguém, ou a data que eu tenho que fazer alguma coisa. Então andei perguntando a alguns velhos amigos sobre o show, descobrindo coisas que talvez eu tenha esquecido. Por exemplo, estava chovendo na noite da apresentação? Glasgow é uma cidade até que bem chuvosa e poderia muito bem estar chovendo, mas eu não consigo me lembrar. E onde as garotas da minha escola compraram seus casacos afegãos1? Eu acho que soube isso em algum momento. Eu ainda consigo me lembrar de como cortar um par de jeans até os joelhos e costurar um triângulo de pano brilhante para dar um visual “extra-boca-de-sino”. Meu amigo Greg estava lá, e a Cherry, e o Zed, e também a Suzy, que foi namorada do Zed por algum tempo. Greg era apaixonado pela Suzy, e eu também, ou era o que me parecia naquela época. Eu tinha quinze anos e era facilmente confundido por sentimentos. Eu estava me sentindo emocionado durante todo o outono e o inverno. Emocionado com a Suzy e com o Led Zeppelin. Estou vendo que este capítulo tem apenas 387 palavras. Curto o bastante até para o seu déficit de atenção. Não tem discussão.
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capítulo 2 A maior parte deste livro é o registro de conversas que tive com minha amiga Manx. Mesmo quando eu não me importei em escrever parecendo uma conversa, ou pondo aspas no texto, é muito provavelmente algo sobre o qual eu estava conversando com a Manx. O título deste romance poderia facilmente ser Conversas Com Minha Amiga Manx. Teria sido um bom nome para um livro. Perspicaz e preciso. Mas eu rejeitei porque queria Led Zeppelin no título. Afinal de contas, isso é basicamente do que se trata este livro, eu indo ver o Led Zeppelin quando estava na escola e contando para a minha amiga Manx muito tempo depois. Eu gosto muito da Manx. Ela está sempre pronta para ouvir as minhas histórias do Led Zeppelin. Eu falo com ela todo dia, geralmente pelo telefone, e nós trocamos e-mails também. Às vezes nós nos encontramos, mas desde que Manx teve seu bebê ela encontra dificuldades em marcar alguma coisa. Apesar da alta qualidade das minhas histórias sobre o Led Zeppelin, Manx está frequentemente deprimida. Ela está deprimida desde que teve o bebê. Eu pretendo animá-la. É minha missão na vida. “Então”, diz Manx. “Você estava lá naquele dia em 1972 quando o Led Zeppelin veio para Glasgow?” “Certamente, Manx. E eu vou te contar tudo sobre isso. Eu vou te contar do jeito que o Platão conta a seus leitores sobre Sócrates em O Banquete, um livro muito interessante, relatando toda sorte de coisas pela pessoa de Apolodoro, o qual ouviu tudo de Aristodemo.” “Fascinante. Mas não se empolga. Suas histórias da Grécia Antiga foram ano passado. Este ano é Led Zeppelin.” Sócrates, que viveu mais ou menos em 400 AC, ainda faz umas aparições ocasionais no mundo moderno. Alguns anos atrás ele apareceu em um filme, As Aventuras de Bill e Ted. Eu gostei. Eu gostava do Bill e do Ted. Eles teriam amado o show do Led Zeppelin.
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capítulo 3 Uma jovem amiga da Manx celebrou recentemente seu vigésimo primeiro aniversário. Nós assistimos a ela e suas amigas saírem para se divertir. “Queria ter vinte e um”, disse Manx. “Eu também”, concordei. Isso me fez pensar no que eu fiz no meu aniversário de vinte e um anos. Eu não me lembro. Deu branco. O que eu fiz? Deve ter rolado alguma festa. Eu tinha quinze anos quando vi o Led Zeppelin. Disso eu me lembro bem. Eu saí de casa quando tinha dezessete. Eu me lembro disso. Mas, apenas quatro anos depois e tudo ficou nebuloso. Tenho agora pouco mais de quarenta. Jovem demais, espero, para demência senil. Talvez eu não me lembre de coisas das quais não quero me lembrar. Talvez meu vigésimo primeiro aniversário tenha sido um fiasco. Talvez ninguém tenha vindo. Raramente gosto de aniversários. Eu me recordo claramente de uma certa depressão nos meus dezesseis anos, quando senti que estava ficando velho. Um ano antes disso, quando o Led Zeppelin estava vindo para a cidade, tudo era novo e empolgante, e a infelicidade irritante causada pela minha paixão por Suzy ainda não me acarretava sérios problemas. Um amigo em Glasgow diz que não se lembra muito do show. Ele não se lembra se estava chovendo naquela noite, mas se lembra que estava muito frio do lado de fora. Quando saímos do auditório dava para ver as nuvens de vapor saindo do corpo das pessoas. Depois da euforia de testemunhar o Led Zeppelin tocando no palco a poucos metros de nós, todos estávamos encharcados de suor e o calor dos nossos corpos emanava vapor que se dissipava no ar gelado da noite. Tarde da noite, às vezes, procuro na internet por nomes de pessoas que eu conhecia quando estava na escola, mesmo que existam poucas chances de eu querer falar com essas pessoas de novo. Não sei direito por que eu faço isso. Provavelmente é um sintoma da minha insatisfação com a vida. Eu estou sempre insatisfeito com alguma coisa. Sempre estive. A única vez que eu me lembro de estar completamente satisfeito foi quando o Led Zeppelin subiu no palco e co-
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meçou a tocar. Eles tocaram por duas horas. Duas horas de completa satisfação. Não há discussão sobre isso. Muitos anos se passaram, e agora estou morando em Londres, ganhando a vida como escritor. Progredi o suficiente para ser juiz de competições literárias. Mas eu falo mais disso depois. Agora eu devo contar para você sobre meus amigos da escola, Greg e Suzy, e talvez da Cherry, apesar da Cherry não contar muito. E eu também vou falar mais sobre o namorado da Suzy, Zed, que era, eis um ponto crucial, um ano mais velho do que nós. Greg e eu gostávamos do Zed. Nós o admirávamos, apesar de ser irritante o fato de ele namorar a Suzy, por quem nós dois estávamos apaixonados. Eu não estava no vigésimo primeiro aniversário da Suzy, mas tenho certeza que foi uma celebração fabulosa. Ela era o tipo de pessoa que sempre comemorava seu aniversário com celebrações fabulosas.
capítulo 4 “Então”, diz Manx. “Me conta da garota por quem você era apaixonado. Você ficou fazendo papel de bobo o tempo todo com ela?” “Acho que não. Eu escondia bem minhas emoções. Qualquer outra atitude teria sido fatal. Você sabe como as crianças são malvadas umas com as outras.” Suzy estava na mesma sala que eu na escola, mas como eu tinha quinze e ela tinha dezesseis era inútil me apaixonar por ela. Meninas de dezesseis não saem com meninos de quinze. Sem dúvida você já passou por isso na vida. Se você é homem, irá lembrar de olhar com desejo, e nenhuma esperança, para uma garota na escola que só era mais velha que você, mas que tinha tanta probabilidade de estar na capa da Vogue quanto você tinha de sair com ela. E se você é mulher, deduzo que se lembrará de algum garoto que olhava para você de uma forma estranha, e que, apesar de você não se importar muito com ele, você preferiria ter morrido do que ter sido vista saindo com ele. “Assim é a vida nessa idade”, diz Manx. Faço que sim com a cabeça. Agora que eu tenho mais de quarenta anos ninguém se recusaria a sair co-
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migo baseando-se somente no fato de eu ser um ano mais novo. Uma mulher poderia ter muitas outras razões, tipo o meu histórico bem fraco nos relacionamentos, por exemplo, mas a idade não tem nada a ver com isso. Ainda me sinto levemente humilhado de ter sido considerado inferior pelas meninas da minha própria classe por ser imaturo. Elas estavam certas. Comparado a elas, eu era mesmo.
capítulo 5 Eu nunca fui muito feliz na escola. Não sei ao certo o motivo. Olhando para trás, não parece que nada especialmente ruim estava acontecendo. Mas quando você tem doze ou treze, não se dar bem com os professores já é motivo suficiente para você ficar triste. Eu não tinha muitos amigos além do Greg. Não gostávamos de esportes, não assistíamos muito à TV e não parecíamos ter muito assunto com as outras pessoas da nossa sala. Nossos cabelos e nossas roupas de hippie faziam de mim e Greg motivos de piada em todo lugar. Eu nunca tive uma namorada. Até os treze anos, mais ou menos, eu não sabia que meninos tinham namoradas. Eu fiquei chocado quando vi alguns garotos que eu conhecia andando com meninas. Acho que eu perdi esse estágio de desenvolvimento. “Acha que a gente devia arrumar umas namoradas?”, disse para o Greg, tentando não soar muito sério. “Aham”, disse Greg. Não conseguíamos pensar em muito mais a dizer sobre o assunto. Nenhum de nós sabia como conseguir uma namorada. Nós estávamos na rua, na escuridão das primeiras horas do dia, entregando jornais, e continuamos a subir a rua em silêncio. “Com quem você ia querer sair?”, perguntou Greg finalmente, dobrando uma cópia do Scotsman antes de empurrá-la numa caixa de correspondência. Dei de ombros, dando a entender que não tinha pensado o suficiente no assunto para tomar uma decisão. Não era verdade. Eu já sabia que se fosse para eu ter uma namorada, a candidata número um seria a Suzy. Ela não morava longe de mim, era só subir a ladeira. Frequentemente encontrava
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Suzy enquanto íamos para a escola e nós estávamos nas mesmas salas em várias matérias. Eu não gostava de mencionar o nome dela para o Greg para ele não rir de mim por ser ambicioso demais. Afinal de contas, Suzy era nove meses mais velha do que eu e aos treze já dava para notar. Eu era infantil, ainda brincava. A Suzy tinha subitamente virado uma jovem mulher, com cosméticos, roupas novas, atitudes novas e, visivelmente, uma nova silhueta. “A Suzy é legal”, disse Greg, me pegando de surpresa. Era perturbador ele já tê-la percebido. “Você acha?” “Claro”, disse Greg. “Ela é uma potranca.” Na nossa escola em Glasgow, esse era o nosso jeito de expressar aprovação. Era certamente bem explícito. Nós não deixamos um jornal na casa da Suzy, mas depois disso, sempre fitávamos melancolicamente a janela do quarto dela ao passar. Mais ou menos um mês depois, perguntei para o Zed o que ele achava da Suzy. Ele deu de ombros, dando a entender que não tinha nem pensado nela. Olhando em retrospectiva, isso foi bem traiçoeiro, já que ele acabou saindo com ela e me causando bastante sofrimento, mas, na real, Zed não tinha razão nenhuma para dividir seus pensamentos comigo. Ele estava um ano à minha frente na escola. Isso contava muito. Não vou falar muito sobre a escola. Afinal, você foi para a escola. Você sabe como é. Mas talvez você não saiba como é estar na escola quando o Led Zeppelin está vindo tocar na sua cidade, como em Glasgow, em 1972.
Capítulo 6 Greg e eu ficamos deprimidos quando o Zed começou a sair com a Suzy. De vez em quando, nas noites escuras, nas esquinas sem nada para fazer, a gente reclamava. “Legal pro Zed”, a gente dizia. “A Suzy não se importa de sair com ele. Ele tem um ano a mais.” “Se a gente tivesse um ano a mais, ela sairia com a gente”.
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Na realidade, não era só a idade do Zed que o credenciava a tão desejada posição de namorado da Suzy. Zed estava entre as pessoas mais descoladas da nossa escola. No começo dos anos setenta, ele chegava na sala de aula com um casaco afegão, às vezes usando uns colares de bolinhas. Os professores reclamavam do tamanho de seu cabelo e ele olhava fazendo cara de paisagem através de seu par de óculos azuis estilo John Lennon. Zed era legal demais para ser meu amigo. Os outros amigos dele nem sequer falavam comigo. Eu parecia não estar à altura deles. Mas o Zed não se preocupava com essas coisas. A gente era quase vizinho e se a gente se encontrasse a caminho da escola ele era sempre amigável. Gostávamos do mesmo tipo de música. Nenhum dos dois tinha a menor dúvida de que o Led Zeppelin era a melhor banda do mundo. Não somente o Led Zeppelin era a melhor banda que existia, mas também a melhor banda que poderia existir. Se em algum lugar do universo existisse uma forma ideal platônica de uma banda, uma banda perfeita da qual todas as outras seriam apenas um pálido reflexo, essa banda era o Led Zeppelin. Não havia discussão sobre isso em 1972 e eu não vou discutir sobre isso agora. O Led Zeppelin foi a melhor banda e é isso. Se o Greg e eu não éramos legais o suficiente para sermos potenciais namorados, nós pelo menos podíamos visitar a Suzy como amigos, beber chá, ouvir discos e conversar. Às vezes a Suzy falava de suas ambições. “Eu decidi estudar e virar médica.” Greg e eu ficamos impressionados. “Não tem que estudar um tempão?” Suzy fez que sim com a cabeça. Como uma garota ambiciosa, ela não se importava com a perspectiva de um longo período de estudo. “Eu quero que o Zed vá para a universidade também”, continuou. “Mas ele vive dizendo que quer ir para a Índia.” Era uma coisa popular de se fazer naquela época, mas estava claro que Suzy não aprovava. Parecia uma ideia empolgante, mas eu fiquei quieto para não bater de frente com ela. A Suzy, ah, ela era bonita com seus colares de contas e seu casaco afegão, que era marrom claro e com bordados verdes, com pele branca nas beiradas. Ela tinha uma bolsa feita de retalhos de couro e botas plataforma feitas de brim. Ela tinha
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uma feição felina e cabelo loiro comprido, muito claro. Eu costumava sentar atrás de Suzy na sala de aula e só olhava para o cabelo dela. Greg também. A gente não tinha definido ainda a diferença entre amor e tesão, o que era compreensível. A gente só tinha quinze anos. Muita gente nunca define essa diferença. Greg era um bom músico e pensava em montar uma banda, mas parecia algo difícil de se fazer. Em 1972, todo mundo achava que você devia começar a tocar muito jovem e ser um músico altamente capacitado antes de entrar numa banda. Isso mudou em 1976, quando o punk rock decidiu que não ser um bom músico era uma coisa boa. Um dia as pessoas colocavam a mão pela primeira vez numa guitarra, no dia seguinte estavam em cima do palco com uma banda. Um sistema muito melhor. Hoje em dia qualquer pessoa pode entrar numa banda, mesmo sem saber tocar coisa alguma, contanto que saiba mexer num sampler, ou num computador, e isso é um sistema melhor ainda. Era uma ideia chata que os jovens tinham que ser músicos especialistas antes de poder subir num palco e se livrar de suas angústias e frustrações através da música. Qualquer pessoa deveria poder fazer isso. Então, o Zed pensava em entrar numa banda, mas achava que ia acabar estudando Letras na universidade e talvez arrumar um trabalho em algum lugar depois disso. Eu não tinha ambições. Eu nunca tive ambições.
Capítulo 7 Essa é a história de como eu vi a Manx pela primeira vez. Em 1985, treze anos depois do show do Led Zeppelin, eu estava sentado num ônibus, no semáforo, quando uma jovem com um chapéu de Nefertiti atravessou a rua. Foi no ônibus 159 na Rua Brixton. Brixton fica no sul de Londres e o 159 é o meu ônibus favorito. Naquela época, como agora, os ônibus da rota 159 eram os velhos routemasters2 de dois andares, com a porta aberta na parte de trás. Os routemasters são ônibus confortáveis à moda antiga. Os primeiros foram fabricados em 1935. Você pode entrar e sair deles nos semáforos. Eles ainda têm um cobrador e têm uma forma arredondada legal. Muitas pessoas preferem esses
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ônibus, mas eles estão saindo de linha, dando lugar aos ônibus conduzidos por um homem só, que são feios e quadrados. Os ônibus operados por um homem só podem deixar você entrar e sair se você estiver em uma cadeira de rodas. Então, eu acho que eles devem ser uma coisa boa, na verdade. Mas eu vou sentir saudades dos ônibus antigos quando eles sumirem completamente. O ônibus 159 é muito útil. Ele vai de Streatham, desce a ladeira para Brixton e Kennington, sobre o rio para Praça Trafalgar e daí até a Rua Oxford. Costumava ir até a Rua Baker antes de eles encurtarem a rota. A Rua Baker é aquela do Sherlock Holmes. Quando a jovem passou, não pude evitar de ficar impressionado. Seu chapéu era uma peça extravagante que exigia confiança para se usar. Ele se erguia a trinta centímetros da cabeça dela como um grande frasco preto de remédios, uma versão angulada e sem aba de uma cartola, mas mais bonita. Era uma cópia do chapéu usado pela Rainha Nefertiti no Antigo Egito e era algo muito incomum para qualquer pessoa usar em 1985, mesmo em Brixton, onde o vestuário era bem relaxado. Ela tinha pele marrom clara e era o que eu tinha aprendido a chamar de mestiça. Eu digo ‘aprendi a chamar’ porque quando eu estava crescendo em Glasgow eu teria chamado qualquer um que tivesse um pai ou mãe negro e um pai ou mãe branco de ‘meia-casta’3. É o que qualquer um em Glasgow no começo dos anos setenta teria dito, sem nunca pensar que outra pessoa poderia se ofender. Ninguém lá tinha ouvido falar do termo ‘mestiço’. Pensando na frase ‘meia-casta’ agora, parece estranho. ‘Meia-o-quê’? O que é que casta tem a ver com isso? A garota com chapéu de Nefertiti deslizou pela rua como se fosse a coisa mais natural do mundo estar caminhando pela Rua Brixton com seu chapéu excêntrico e seu longo robe, que podia muito bem ser uma cópia do robe que a Rainha Nefertiti usou 3300 anos atrás no Egito. Eu estava impressionado. Ainda estou. Eu pensei na jovem por um longo tempo depois e sempre pensei se a gente ia se conhecer. Teria sido uma grande surpresa para mim naquela época se me dissessem que um dia eu seria jurado de uma competição literária com ela. Eu fui um jurado impressionantemente ruim nessa competição. Eu me envergonho de pensar na minha inutilidade como juiz. Ninguém mais me chamaria para ser jurado em competição literária alguma.
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Capítulo 8 Zed, Suzy, Greg e eu morávamos todos perto uns dos outros em Bishopbriggs, um conjunto de casas geminadas na beirada norte de Glasgow. Cherry morava perto também, mas como ela era um ano mais nova, a gente não a via muito na escola. Estava bom assim para mim e para o Greg. Cherry tinha o cabelo ruivo, sardas, óculos e, pior de tudo, ainda usava o blazer da escola, mesmo quando já não era mais obrigatório. Cherry era o que depois seria denominado “nerd”. Se o Greg e eu a víssemos enquanto andávamos para a escola, nós acelerávamos para ela não nos alcançar, mesmo quando ela gritava para a gente esperar. Greg e eu sabíamos que não éramos garotos muito descolados. A gente era bem zoado na escola. Não tínhamos a menor vontade de fazer nossa situação piorar andando com a Cherry. Ela era o tipo de pessoa que sempre fazia a lição de casa e era adorada pelos professores. O fato de a Suzy ser amiga dela irritava a gente. “Por que”, refletia Greg, “a Suzy gosta dela?” “Os pais delas se conhecem. E eles são vizinhos.” Greg puxava as pontas do cabelo, fazendo um cálculo mental sobre seu comprimento. Nós dois tínhamos cabelos compridos. Eu estava sempre entrando em enrascadas na escola por causa disso. O Greg também. Há poucos anos em Glasgow nenhum homem teria cabelo comprido e os professores ainda achavam incômodo que seus alunos aparecessem na escola com os cabelos passando dos ombros. Não eram só os professores que protestavam contra isso. Muitos cidadãos de Glasgow achavam difícil de engolir. 1967, a Era dos Hippies, não impressionou muito por aqui e, em 1972, Greg e eu éramos rotineiramente atormentados na rua por causa do cabelo. O cabelo do Zed era especialmente legal. Era encaracolado e fazia ele parecer um pouco o Marc Bolan. “Não é à toa que a Suzy sai com ele”, Greg e eu costumávamos dizer, pensando nas injustiças da vida. “Ele parece o Marc Bolan.” Marc Bolan era o vocalista do T. Rex. A gente não gostava de T. Rex porque
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eles eram pop demais, o que, para uma banda, era o crime definitivo. Lá atrás, nos dias do rock progressivo, a gente levava isso muito a sério. O Led Zeppelin nunca lançava singles porque singles eram pop demais e a gente entendia isso completamente. Mas nós não podíamos negar o poder que Marc Bolan tinha sobre as mulheres. O Zed era assim. Ele era o nosso Marc Bolan local. Ele amava o Led Zeppelin com uma paixão feroz.
Capítulo 9 A Cherry era uma menina irritante. O cabelo vermelho, as sardas e os óculos de aro de plástico preto já eram ruins o suficiente, mas ela era extremamente esperta e isso enchia o saco. Apesar de estar um ano abaixo de mim e do Greg ela sabia mais das coisas da escola do que a gente. Quando a gente estava perdido em álgebra ou cálculo, a Cherry sabia resolver mesmo que a classe dela não tivesse chegado ainda naquele estágio. Ela lia as coisas em seu próprio tempo e ia decifrando as coisas antes de os professores explicarem. Apesar de isso ser algo útil quando eu e o Greg precisávamos de ajuda com a lição de casa, não era algo que podíamos perdoar facilmente. A gente se via no caminho de volta da escola. Invariavelmente ela andava sozinha para casa. “Como faz essa equação?”, a gente perguntava. Ou “como você descobre as coisas sobre o Egito?” Estávamos sempre fazendo trabalhos sobre o Egito antigo. Nossos professores eram obcecados com o lugar. A Cherry nos dizia como resolver a equação ou como encontrar informações sobre o Egito e a gente rabiscava umas anotações e saía andando rápido e a deixava para trás. Se ela tentasse acompanhar, a gente falava para ela ir embora e parar de encher nosso saco. “Que babaca”, o Greg dizia, enquanto ela ainda estava perto o suficiente para ouvir. “Ela adora saber todas essas respostas. É porque ela tá sempre puxando o saco dos professores.”
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Tirando a Suzy, que nem gostava tanto dela assim, o único amigo da Cherry era o Phil. O Phil morava perto e era universalmente desprezado porque estava acima do peso e ia para uma escola para adolescentes superdotados. Mesmo que eu e o Greg soubéssemos como era ser zoado e que deveríamos ter mais noção, nós éramos malvados com o Phil. A gente não conseguia resistir. Os pais dele eram um pouco mais ricos do que o resto dos residentes do bairro e o Phil sempre parecia estar usando roupas que eram ao mesmo tempo caras e infantis demais para a idade dele. Além disso, ele era gordo, o que parecia ser um crime considerável por si só. Se a gente encontrasse o Phil na rua, a gente ria dele. Phil ignorava a gente. Eventualmente, ele ia visitar a Cherry. “Olha lá o namorado da Cherry”, Greg dizia, e a gente ria pensando no namoro dos dois. Phil raramente saía de casa durante a noite, então a Cherry nunca tinha ninguém para fazer companhia. Eu e o Greg ficávamos no parque ou então íamos até as lojas comprar cigarro, e talvez encontrar o Zed, que às vezes tinha alguma bebida alcoólica e dividia com a gente. A gente não estava nem aí para a Cherry. “Você não pode esperar ter amigos se você usa óculos daqueles”, dizia o Greg, e eu concordava. Eu tinha que usar óculos também, mas eu quase nunca usava. A vida já era difícil o suficiente sem o agravante de usar óculos. Cherry mantinha um diário, outra coisa ruim. Às vezes ela era vista sozinha na escola escrevendo algo. Só uma pessoa que realmente não tinha uma vida faria isso. Cherry fazia aulas de violino. Ela tinha um diário. Ela nem sabia o que era Led Zeppelin. Que babaca.
Capítulo 10 O Led Zeppelin foi de longe a banda de rock mais bem-sucedida de seu tempo. Eles dominaram o mundo de 1969 até 1976 e lançaram uma série de álbuns que venderam números gigantescos. Eles não saíram do auge até a chegada do punk rock. Quando o furor do punk desapareceu, eles voltaram à estima do pú-
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blico até que fosse bem normal ouvir músicos do rock contemporâneo citá-los como uma das maiores influências. Eles terminaram em 1979 quando John Bonham morreu. Ele era o baterista e morreu engasgado no próprio vômito depois de uma sessão pesada de bebedeira. Depois disso eles não quiseram continuar. Manx não está tão impressionada com nada disso. “Quem liga hoje em dia?” “Bom, eu não sei se alguém liga, Manx. Mas se ninguém liga, e daí? Eu ainda posso escrever sobre isso.” Manx dá de ombros. Ela está alimentando o Malachi, então não consegue dar toda atenção à conversa. Quando eu originalmente me preparei para escrever sobre o Led Zeppelin, presumi que o nome deles ainda ressoaria forte para a maioria dos leitores. Eu percebi que quando o Otto, o motorista de ônibus dos Simpsons, estava prestes a se afogar em um episódio apenas alguns anos atrás, suas últimas palavras foram “O Zeppelin é o maior!” Mas talvez a Manx estivesse certa. Talvez a banda não fosse mais tão popular. O rock em si já não prevalece tanto quanto costumava. O techno e a dance music são populares há muito tempo e uma geração inteira cresceu divorciada do mito do Led Zeppelin não só pela época, mas também pelo gênero. Deve ter um monte de gente para quem Led Zeppelin é nada mais que um nome em um passado distante. Malachi para de mamar. “Bom neném”, diz Manx, e balança o bebê de um lado pro outro um pouquinho. Malachi arrota com prazer. “Você vai continuar falando como o Led Zeppelin era demais?”, pergunta Manx. “Na verdade, não. Isso ia ser entediante. Já passei há muito tempo da fase de tentar convencer as pessoas sobre política, religião, ou os grandes mistérios do universo, então eu não vou tentar persuadir ninguém sobre os méritos de uma banda de rock. Não me importa se as pessoas acham que eles eram bons ou não. Elas só têm que reconhecer como a gente achava que eles eram na época, e isso quer dizer: tão grandes quanto uma banda pode ser.” Nós não os colocávamos no mesmo patamar dos homens mortais. Eles estavam mais para os Deuses de Valhalla, que vieram para tocar o terror na Terra. Eles eram tão importantes para a minha vida que eu comprei dois álbuns de-
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les antes de a minha família ter uma vitrola. Eu costumava andar no pátio da escola carregando os discos embaixo do braço. Eu não era o único a fazer isso. “Então”, disse Manx. “Eles foram a maior influência na sua vida?” Eu penso sobre isso. “Bom, provavelmente não. Os Sex Pistols tiveram mais influência. O punk rock era muito libertador e os Sex Pistols foram uma grande banda. Mas eles não foram tão bons quanto o Led Zeppelin, e de qualquer maneira, quando os Sex Pistols chegaram eu não tinha mais quinze anos, não era virgem, não morava mais com meus pais. Eu não era tão dependente da música para me resgatar da minha própria vida. Depois que eu mudei para Londres, se a vida estava dura eu podia ir para um bar e tomar uma. Na escola, se as coisas estavam ruins, eu só tinha o Led Zeppelin.” O Led Zeppelin era importante demais para tocar em Glasgow. Eu não pude acreditar quando o show foi anunciado. Eu peguei minha cópia do Led Zeppelin II, estudei o poderoso dirigível que voava atravessando o encarte dobrável e considerava se seria possível mesmo.
Capítulo 11 Manx não está feliz desde que teve o bebê. Estou falando com ela no telefone. Ela está me contando sobre seu novo cosmético, Estee Lauder Uncircle, que é um tratamento para olheiras. Ultimamente ela está com uma aparência bem cansada. “Eu tenho que me livrar dessas olheiras antes de experimentar meu Masquisuperbe All Over Face Glow da Lancôme. Não adianta nada ter o rosto todo brilhante se eu tenho sombras enormes embaixo dos olhos.” Dá para ver o que ela quer dizer. A Manx gosta de maquiagem. Ela não gosta de parecer cansada. Quando ela está empurrando o bebê por aí no carrinho, ela quer estar glamourosa, e se isso não for possível, pelo menos saudável. Falamos sobre maquiagem por um tempo, até Manx mudar de assunto e me perguntar sobre meu livro do Led Zeppelin. “É uma biografia?”
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“Não, é um romance. Mas inclui um monte de coisas verdadeiras. Tipo a garota por quem eu era apaixonado na escola, essas coisas. Ela era loira e o pai dela era gerente de um escritório de seguros. Ela costumava usar batom Mary Quant. Mary Quant ainda era um nome grande dos cosméticos no começo dos anos setenta.” Manx se distrai com barulhos do bebê. Quando eu a conheci, Manx tinha um trabalho temporário em um teatro no centro de Londres. Naquela época ela me disse que era lésbica e que tinha uma namorada fixa. Depois de um tempo, terminou com a namorada, declarou-se bissexual e saiu por aí por um tempo. Nós ficamos íntimos, mas o relacionamento foi morrendo, como todos os meus relacionamentos. Ainda bem que ficamos amigos. A gente é mais amigo agora do que a gente jamais foi quando saía. Depois que a gente terminou, Manx teve mais alguns casos com caras antes de decidir que gostava mais de mulher. Um ano ou dois depois disso ela ficou amiga de um cara que era gay. Eles começaram a morar juntos e tiveram um bebê. Então, ele decidiu que era mesmo gay e a deixou por um cara que conheceu no supermercado. Tudo isso teria me surpreendido algum dia, mas agora eu já estou bem acostumado. Manx surgiu com um bebê e um caso sério de depressão. Ela está se provando bem resistente à animação. Eu descrevo meu livro do Led Zeppelin. “Eu vou ter que mudar alguns nomes, claro.” Manx pergunta se vai estar nele e eu digo que sim, provavelmente. “Não mencione que eu usei cocaína até o terceiro mês de gravidez.” Eu prometo não mencionar. Eu achava que tinha sido um bom esforço ter largado nos últimos seis meses. Ou os últimos quatro meses e meio, já que o bebê nasceu um pouco prematuro. “Como que tá esse negócio de ser juiz na competição literária?” “Muito mal”, eu admito. “Eu não li nenhum dos livros ainda. Na verdade, eu ainda não abri a caixa com os livros. Ainda tá bem atrás da porta da frente. Tá lá faz três semanas. Eu vou dar um jeito nisso logo, logo.” O bebê começa a berrar e Manx tem que dar fim na conversa. Eu penso na competição literária. Queria não ter me envolvido. Por que o British Council me pediu para ser jurado na competição de Nova Ficção? Eu não li nenhum livro publicado por ninguém nascido no século vinte desde que me fizeram ler na
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escola, e eu nem prestava atenção. Eu estava ocupado demais pensando na Suzy e no Led Zeppelin. A Suzy era tão linda e tão atraente. Às vezes parecia, para mim e para o Greg, que tínhamos sido especialmente abençoados de tê-la vivendo nas proximidades. Mas em outros momentos parecia uma maldição. Eu ficava tão infeliz enquanto a via andando pela rua e sabendo que eu tinha tão pouca chance de causar qualquer impressão nela. Nessas horas, não havia nada a fazer senão ouvir Led Zeppelin e esperar ficar mais velho, quando as coisas poderiam melhorar, apesar de não estar convencido de que elas iriam.
Capítulo 12 Aqui está o repertório do Led Zeppelin no Green’s Playhouse. “Rock And Roll” “Over The Hills And Far Away” “Black Dog” “Misty Mountain Hop” “Since I’ve Been Loving You” “Dancing Days” “Bron-Y-Aur Stomp” “The Song Remains The Same” “The Rain Song” “Dazed And Confused” (Incluindo “The Crunge”) “Stairway To Heaven” “Whole Lotta Love” (Incluindo “Everybody Needs Somebody”, “Boogie Chillun”, “Let’s Have A Party”, “Stuck On You”, “I Can’t Quit You”) Primeiro bis: “Heartbreaker” Segundo bis:
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“The Immigrant Song” “Communication Breakdown” Que repertório incrível. Um espancamento heavy metal, o capricho das melodias celtas e um blues elétrico atormentado. Canções grandiosas, guitarras altas e um monte de barulhos esquisitos. Eu amava guitarras altas e barulhos esquisitos. “Sabe, Manx, se alguém tivesse dito para mim na escola ‘O Led Zeppelin é horrível, você tem que escutar Elvis Presley ao invés disso’, eu teria tirado um barato da cara dessa pessoa. Então eu nunca tentava dizer para ninguém que o Led Zeppelin era melhor que a banda favorita da pessoa no momento. Não dá para ficar ouvindo as músicas que seus pais gostavam. E enfim, eu gostava de escutar músicas novas. Mas devo admitir que algumas vezes, quando eu me pego numa situação assistindo algum grupinho indie arrastando umas musiquinhas nada especiais no palco, eu ficaria muito satisfeito se um túnel do tempo se abrisse e o poderoso Led Zeppelin marchasse para dentro do auditório. ‘É assim que tem que ser o som de uma porra de uma guitarra’, eu diria, e desafiaria qualquer um a me contrariar.” A aparição do Led Zeppelin em Glasgow no Green’s Playhouse foi o ponto alto de toda a minha vida na Escócia. “Você queria estar lá agora?”, pergunta Manx. “O quê? Com quinze anos de idade, indo ver o Led Zeppelin no mesmo ano que ‘Stairway to Heaven’ foi lançada? É claro que eu queria estar lá agora.” “Eu mesma queria estar lá também”, diz Manx, batalhando com seu projeto no computador e pensando em como pagar a conta de telefone.
Capítulo 13 O anúncio do show do Led Zeppelin me pegou de surpresa. A turnê começava em Newcastle e a terceira e quarta datas estavam marcadas em Glasgow. Desconfiado, analisei o cartaz. Não parecia real. Poderia ser um erro de impressão? O Led Zeppelin nunca havia tocado aqui antes. Eles eram importantes demais para vir para Glasgow.
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O Green’s Playhouse era uma casa que as bandas visitavam regularmente – eu já tinha visto outros shows lá, gigantes do rock progressivo como Hawkwind, Mott the Hoople, Emerson, Lake & Palmer, e Captain Beefheart, mas o Led Zeppelin? Claro que não. Eles estavam ocupados em Valhalla. Era possível que eles descessem para tocar em algumas datas nos Estados Unidos. Eu não conseguia imaginar nem eles tocando em Londres. Mas Glasgow? Era difícil de acreditar. A propaganda dizia que os ingressos seriam vendidos em todo o país às 9:00 da manhã da sexta-feira, dia 10 de novembro. Eu liguei para o Greg. “Você acha que eles vêm mesmo?” “Claro”, disse Greg. “Por que não?” Eu não sabia explicar porque eu achava que eles não viriam. Afinal, estava claro no jornal de música. Eu não queria admitir que eu me sentia tão insignificante no mundo que me parecia improvável que o Led Zeppelin achasse que valia a pena tocar em qualquer cidade onde eu morasse. Talvez eles não soubessem que eu estava em Glasgow. Se eu me mantivesse indetectável, tudo poderia ficar bem. Eu iria ver o Led Zeppelin. “Vai ser demais”, disse Greg. “A gente vai ver o Robert Plant e o Jimmy Page e eles vão tocar ‘Stairway to Heaven’ e ‘Whole Lotta Love’ e tudo...” “Vai ser sensacional.” Transbordando de antecipação, Greg começou a cantar o riff de “Whole Lotta Love” pelo telefone e eu cantei junto. Começamos a ir em shows quando tínhamos doze anos de idade. O Green’s Playhouse não tinha alvará para vender bebida alcoólica, o que era a nossa sorte, já que em Glasgow era difícil entrar num lugar licenciado se você não era maior de idade. Se o Green’s Playhouse tivesse um bar, eu não teria visto nenhuma dessas bandas. As pessoas costumavam persuadir seus irmãos mais velhos, amigos mais velhos, ou, em uma emergência, completos estranhos a comprar álcool para elas e então bebiam em um ritmo desenfreado no caminho entre o ponto de ônibus e a casa de shows. Eu achava que esse era o comportamento normal no país inteiro. Ainda havia algumas semanas até começarem as vendas dos ingressos e a partir daquele dia eu não me sentia inteiramente são. Eu me encontrava trêmulo, ou distraído, ou suando, ou apenas olhando para o nada. A escola, que geralmente já era ruim, ficou pior. Não conseguia me concentrar nos meus tra-
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balhos. Eu estava ocupado demais me preocupando em não sofrer um acidente na rua e não poder ir para a fila dos ingressos. Já estava difícil demais lidar com o frenesi do Led Zeppelin. Quando a Suzy apareceu na minha casa uma vez usando uma camisa de algodão cru transparente dizendo que estava triste com o namorado Zed, parecia demais para aguentar. “Você vai passar a noite na fila para comprar o ingresso?”, ela perguntou, e eu respondi que sim. Não tinha outro jeito de conseguir um. “Eu também”, disse Suzy. “A gente fica na fila junto.” Uma imagem vívida de Suzy se abrigando embaixo do meu casaco militar e se esquentando na fila, entrou na minha cabeça e ficou lá por um bom tempo. Greg já estava no meu quarto. Ele ofereceu a única cadeira do recinto para Suzy. Eu gostava mais quando Suzy estava sentada porque, apesar de eu não admitir, suspeitava que ela era um dedo mais alta do que eu. Eu já estava em desvantagem pela diferença de idade e por não ser considerado um dos caras legais. Se ficasse comprovado que eu era realmente mais baixo que a Suzy, não tinha nem por que continuar a pensar nada. Ia ser o mesmo que andar com uma plaquinha pendurada no pescoço dizendo “Baixinho. Nunca vai ter uma namorada.” Eu acendi um incenso, um hábito que eu e Greg pegamos do Zed. Ao ouvir as reclamações de Suzy sobre o namorado, Greg e eu ficamos ansiosos. Nós tínhamos razão de ficar. Na última vez que a gente foi para a casa da Suzy, ela fez uma coisa que mais ou menos pegou nosso mundo e o virou de cabeça para baixo. Saindo de casa pela porta da cozinha, depois de dar tchau para a mãe, Suzy encheu um copo d’água, pegou uns comprimidos na bolsa e pôs um na boca. Eram anticoncepcionais. Greg e eu ficamos embasbacados, tentando não deixar transparecer. Nunca nos ocorreu que uma amiga nossa poderia estar tomando anticoncepcionais, indícios fortes de que estava fazendo sexo. E a gente no meu quarto. Suzy estava insatisfeita com o namorado Zed. Tomando anticoncepcionais. Eu tinha consciência da minha ignorância sobre o desejo sexual feminino. Eu achava que tomar pílula fazia as mulheres perderem o controle de si mesmas, que elas tinham que trepar com alguém. E se ela tivesse um desejo incontrolável de fazer sexo com alguém agora? Seria eu ou o Greg? Se eu tivesse que olhar para o outro lado enquanto Suzy subia na cama com Greg bem embaixo do meu pôster do Led Zeppelin eu não ia ficar muito feliz com isso.
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“Eu conheci um cara na faculdade”, disse Suzy. “Ele me chamou para sair. O que vocês acham que eu devo fazer?” Eu capotei de volta à realidade. Suzy não ia trepar com a gente, afinal? Ela não largaria o Zed por um de nós. Ela largaria por alguém da faculdade, alguém mais velho e, sem dúvida, ainda mais descolado. Ela estava a ponto de escapar para ainda mais longe do nosso alcance. “Eu não confio em estudantes”, eu disse, em um esforço para trazê-la de volta. “Nem eu”, concordou Greg. “Ele provavelmente tem outra namorada na universidade.” “Eu vou ter quinze anos quando o Led Zeppelin chegar”, eu disse. Eu estava satisfeito com aquilo. Como todas as pessoas de quatorze anos, eu mal podia esperar para ficar mais velho. O ar estava tomado pelo aroma de incenso. Depois de pegar o hábito com o Zed, nunca o perdi. Eu ainda gosto da fragrância. Dá a sensação de ter ido para a Índia ser precisar viajar.
Capítulo 14 Mais tarde, naquela noite, estava debaixo de um poste de luz pálida com o Greg, fumando cigarros e falando sobre o Led Zeppelin... e dragões. Nas nossas imaginações, Greg e eu éramos os mestres do Fantástico Exército de Dragões de Gothar que resistia sozinho contra as Monstruosas Hordas de Xotha. As Monstruosas Hordas de Xotha eram lideradas por Kuthimas, um feiticeiro insano de enorme poder cuja única ambição era dominar o mundo. Ele já dominava a maior parte dele. As únicas áreas que se mantinham livres eram Glasgow e o reino escondido de Atlântida. Sem a nossa firme resistência, e também do Fantástico Exército de Dragões de Gothar, nosso planeta já teria sido destruído. Nós passávamos muito tempo nesse mundo imaginário. Era melhor que a escola. Fitamos o céu escuro. Havia um vento gelado no ar. Exatamente o tipo de vento gelado que precedia um ataque de Kuthimas e das forças dos orcs. Eles tinham dragões também, maiores que os nossos, com fogo mais poderoso. So-
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mente o fato de eu e Greg sermos montadores de dragões tão habilidosos nos dava chance de continuar ganhando as batalhas. Era sempre por um triz. Não podíamos nunca baixar a guarda. “Seria mais fácil se Atlântida emergisse da água”, disse Greg, e eu concordei. Os sobreviventes submarinos de Atlântida eram nossos aliados, mas não havia muitos deles e levava muito tempo para eles voarem até Glasgow. Não era comum, mas Cherry apareceu. Ela estava andando para casa depois de uma aula de violino, carregando o instrumento em um velho case preto. Apesar de já ser tarde da noite, ela ainda estava usando o blazer da escola. Ninguém mais, nem o moleque mais idiota no primeiro dia de aula, usaria o uniforme quando não fosse necessário. Nós gememos alto, para ela ouvir. “Posso brincar?”, ela perguntou. Eu fiquei ultrajado que alguém pudesse pensar que eu estava brincando. Eu tinha quatorze anos. Eu não brincava mais. “Vai embora escrever no seu diário”, eu disse. “Eu quero entrar pro exército de dragões”, pediu Cherry. Greg e eu trocamos caretas de dor. Não tínhamos certeza de como Cherry ficou sabendo do exército de dragões. Imaginamos que ela estava nos espionando. Obviamente, a gente nunca tinha mencionado nossa imensa fantasia de dragões para a Suzy, ou qualquer outra pessoa. Se a Cherry tornasse isso público, seria extremamente prejudicial. As pessoas iam zoar. “Sai fora”, disse Greg. “Eu quero brincar também”, disse Cherry. As luzes da rua refletiam em seus óculos. “Vai embora sua sardenta bizarra estúpida”, eu disse para ela. “Não dá pra ver que a gente tá ocupado?” Cherry se virou de uma vez e saiu correndo. Fiquei satisfeito. Uma dura menção de suas sardas era normalmente o suficiente para ela ir embora. Era um assunto sensível. Depois, naquela mesma noite, adicionamos Cherry à lista de inimigos que faziam parte das Monstruosas Hordas de Xotha. Ela virou a filha bastarda de Kuthimas, uma princesa maligna que liderava uma tropa de horríveis dragões vermelhos. A gente acertou fogo nela e ela pereceu de uma forma bem desagradável, esmagada embaixo de seu dragão.
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A maioria dos nossos inimigos acabavam assim. O professor de educação física estava sempre sendo queimado pelo fogo dos dragões e Bassy, um colega bem grande que fazia bullying com a gente, encontrava um fim brutal regularmente. Mais tarde ainda, fiquei preocupado com a possibilidade de Cherry contar para Suzy sobre o Exército de Dragões. Eu tinha certeza que Suzy ia achar aquilo bobo e infantil. A Suzy pode ser fabulosa, linda e atraente, mas não era bem o tipo de pessoa que se imaginaria voando sobre Glasgow num dragão, lutando contra as hordas dos orcs.
Capítulo 15 Era intrigante que Suzy tivesse cabelo loiro. Talvez ela tivesse descendência Viking. Talvez os ancestrais dela tenham chegado num dracar4 para saquear o território e decidiram ficar. O Led Zeppelin tinha uma música sobre isso, “The Immigrant Song”, na qual os Vikings estavam a caminho para pilhar os vizinhos. We come from the land of the ice and snow from the midnight sun where the hot springs blow5 Alguns anos depois, também foi intrigante para mim que a mulher no chapéu de Nefertiti fosse loira. Seu cabelo não era naturalmente loiro, era tingido e contrastava muito com sua pele escura. Eu gostava. Em Glasgow, no começo dos anos setenta, ninguém pintava o cabelo. Não tinha sido inventado ainda. Desejo sexual doloroso, no entanto, já havia sido inventado e eu era uma vítima precoce. Piorou quando Suzy confessou sua insatisfação com Zed. Sempre que eu encontrava Suzy a caminho da escola, ela dizia que Zed era um namorado inútil. Ele estava sempre saindo com os amigos e deixando-a para trás ou então ficando bêbado e fazendo papel de idiota. Os pais dela começaram a desaprovar o relacionamento. Eles nunca tinham gostado muito de Zed. Apesar de ele nunca ter faltado com o respeito com eles, eles o achavam esquisito demais na aparência e era certamente uma má influência para sua filha. Quando as histórias
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de seu mau comportamento na escola e em outros lugares começou a chegar até eles, eles passaram a gostar menos ainda dele. Suzy se encontrou na desconfortável posição de defender Zed contra seus pais enquanto ela mesma estava irritada com ele. Ela estava confusa e infeliz descrevendo a situação para mim. Apesar de não ter ideia de que conselho dar para qualquer garota tendo problemas com o namorado, eu sabia instintivamente que seria bom ouvir. Ouvir por longos períodos, se necessário. Eu não interrompia com meus próprios sonhos ou problemas. Eu não menosprezava suas preocupações com um cordial “não se preocupa, tudo vai ficar bem”. Eu só ouvia e percebia que pegava bem com a Suzy. Foi uma lição valiosa para o futuro. Eu me tornei um grande ouvinte de problemas femininos. Eu tenho talento para isso. Mulheres deprimidas ou ansiosas podem falar comigo por horas. “Isso é porque você quer dormir com essas mulheres problemáticas”, diz Manx, que se lembra que quando fomos para a cama pela primeira vez, tinha passado a noite inteira do sábado me dizendo como estava infeliz com tudo. Sustento que ela estava bem menos infeliz no dia seguinte, mas Manx diz que as coisas estavam, no máximo, dez por cento melhores e que voltou ao que estava antes na hora do almoço. Enfim, isso tudo foi anos atrás. Agora Manx e eu somos apenas amigos então ela sente a necessidade de criticar cada ação minha. “Bom, tudo bem Manx, eu me aproveitei algumas vezes da depressão das minhas amigas mulheres. Mas não acho isso tão ruim assim. Afinal de contas, é melhor dormir com alguém que pelo menos está preparado para ouvir os seus problemas durante horas e horas. Se eu me importo ou não, provavelmente não importa para elas. Ainda pode ser considerado um bom serviço.” Manx ri. Alguns anos atrás, ela não teria rido, mas sim me dado uma rigorosa lição sobre a exploração das mulheres. Naqueles dias nós éramos mais sinceros sobre as coisas nas quais acreditávamos, e nós gostávamos mais de nós mesmos. Quando eu tinha quinze anos, ouvindo os problemas da Suzy, eu estava sendo dolorosamente sincero. Eu me importava com as perturbações dela. O Greg também. Todo dia a gente sentava no quarto dele, ouvindo Led Zeppelin e conversando sobre a Suzy. “Você acha que o Zed fica bêbado demais para transar?”, ponderou Greg.
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Eu dei de ombros. Eu não sabia quanto você tinha que beber antes de não conseguir mais transar. “Queria que a Suzy dormisse comigo”, disse Greg. “Acho que é questão de tempo. Ela tá tomando pílula. Ela deve estar pronta pro sexo. E se o Zed tá bêbado demais para fazer, quem melhor para substituir do que eu?” Greg acendeu um incenso e pôs o Led Zeppelin IV na vitrola. Hey, hey, mama, say the way you move, gonna make you sweat, gonna make you groove.6 Nós cantamos o riff da guitarra, balançamos o cabelo e pensamos em como conseguir fazer a Suzy suar e agitar. Do jeito que o Robert Plant cantava, parecia muito fácil, mas nós dois sabíamos que não éramos Robert Plant. Greg posicionou a capa vazia do disco cuidadosamente na prateleira, onde não sofreria pisões ou derramamentos de chá. Ele era sempre muito cuidadoso com seus discos. Eu nunca fui. Minha coleção de discos era uma zona. Ultimamente está pior. Meus CDs estão jogados em todo lugar e muitas das caixinhas estão quebradas porque eu pisei. Nunca fui o tipo de pessoa que cuida bem de seus discos, ou que cataloga sua coleção de música com carinho. Afinal, são só discos de plástico. Se você danifica um, pode sempre comprar outro. Danem-se todos eles, é o que eu tenho a dizer. Eu sempre desconfiei que pessoas que se importavam demais com os discos, os catálogos e os formatos o tempo todo não se importavam muito com a música. Greg olhou entre as cortinas para as nuvens escuras acima. Pensou que estávamos prestes a ser atacados por Kuthimas, o Destruidor, e suas Monstruosas Hordas de Dragões. Parecia possível. Ultimamente ele estava muito quieto. Suspeitamos de que ele estava reunindo suas forças. “A gente devia mandar uma mensagem para a Atlântida”, disse Greg. “Para ter certeza de que eles estão prontos.” O cabelo do Greg era alguns centímetros mais comprido que o meu. Ele era cinco centímetros mais alto que eu. Tinha roupas um pouco melhores que as minhas e era um pouco mais bonito. Ele era mais confiante e se dava melhor com as pessoas. Eu estava ciente de tudo isso, mas estava tudo bem, porque ele não estava tão à minha frente em nenhum desses departamentos a ponto de
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impossibilitar nossa amizade. Mas, olhando pela janela, olhando para os céus, esperando um possível ataque das Monstruosas Hordas de Xotha, me ocorreu pela primeira vez que se Suzy desse um pé na bunda do Zed e começasse a procurar outro namorado, era mais provável que ela escolhesse o Greg.
Capítulo 16 Nefertiti foi rainha do Egito em 1353 A.C. Ela foi a esposa do Faraó Aquenáton, que chocou o clero ao reformar radicalmente a religião. Além de ser uma proeminente figura política, era famosa pela beleza. Duas de suas filhas também se tornaram rainhas do Egito. A famosa escultura de Nefertiti foi encontrada em Tele el-Amarna e agora reside no museu egípcio em Berlim. Eu tenho uma miniatura dela em cima da minha lareira. É uma bela escultura. Toda vez que eu olhava para a minha miniatura de Nefertiti, me lembrava da mulher que eu vi usando aquele chapéu na Rua Brixton. Eu pensava se ia conhecê-la algum dia. Eu esperava que sim. Ela devia ser uma pessoa interessante, usando um chapéu daqueles e tendo o cabelo tingido tão claro. Eu finalmente a encontrei numa festa. Eu não sabia de quem era a festa, eu só tinha ido com alguns amigos. Havia um pedaço de chão todo detonado na parte de trás da casa que poderia ter sido um jardim caso houvesse grama ou flores. As pessoas que moravam lá arrumaram uns tijolos e acenderam uma fogueira. Fumaça e fagulhas voavam pelo ar, engasgando qualquer um que se aventurasse muito perto. Ali em pé, apenas longe o suficiente para evitar a fumaça, estava a mulher do chapéu de Nefertiti, ainda de chapéu. Queria falar com ela, mas não conseguia pensar no que dizer, a não ser elogiar seu ótimo acessório. Isso ia ter que funcionar. “Que chapéu fabuloso. É o melhor chapéu do mundo e você tá igualzinha à Nefertiti. Acho que você ouve isso o tempo inteiro.” “Não”, ela respondeu. “Algumas pessoas nunca ouviram falar de Nefertiti e eu acho que a maioria das pessoas fica com muita vergonha de elogiar, de qualquer maneira.”
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Ela ficou feliz com o elogio. Eu ofereci uma cerveja que eu estava carregando numa sacola plástica do Tesco e nós tivemos uma conversa interessante sobre o Egito antigo. Foi a única vez na minha vida que eu fiquei grato por nossos professores nos terem dado tantos trabalhos. Ela me disse que seu nome era Manx. Logo depois, dois dos amigos dela vieram e disseram que era hora de ir. “Tenho que pegar um avião de manhã”, ela disse. “Eu vou para a Tailândia. Eu volto em um ano, mais ou menos.” Demorou até eu falar com ela de novo, mas eu estava feliz de ter me apresentado.
Capítulo 17 Há várias razões por trás da atual depressão de Manx, uma delas é o fato de que Manx sempre foi depressiva. “Eu era muito depressiva na escola”, ela me disse uma vez quando eu estava descrevendo um incidente dos meus dias na escola, e eu escutei educadamente. Hoje em dia tem outras coisas que a deixam mal. Ela fica triste porque o relacionamento com o pai de seu filho não deu certo. Ela fica triste porque é difícil criar um filho sozinha. Ela nunca tem dinheiro o suficiente e nunca dorme o suficiente. Manx nunca foi do tipo de pessoa que gosta de acordar antes do meio dia, mas ultimamente ela tem levantado ao nascer do sol, tentando progredir nos estudos antes de Malachi acordar e exigir alimento. Sua vida social diminuiu muito. A maioria dos seus amigos não consegue esperar até ela achar uma babá. Eles não querem esperar até semana que vem para sair. Eles querem sair agora. “Eles não me visitam mais. E eu sei o motivo. É porque sou uma chata com um bebê. Eles estão indo pro cinema ou transando com alguém que eles acabaram de conhecer numa balada ou fazendo sites dos negócios deles e tudo que eu faço é comprar fraldas. Dá pra ser mais chato que isso? Se eu fosse um dos meus amigos, eu não ia me visitar também. Eu sou um tédio.” Fico surpreso com isso. Eu achava que ter um filho enchia a mãe de quí-
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micas felizes que duravam um ano ou dois, mesmo nas circunstâncias difíceis. Manx diz que se essas químicas felizes existiram em seu corpo, foram embora rapidinho. “E foi uma química muito fraquinha, de qualquer maneira. Nada comparável com os efeitos das substâncias de alteração de consciência que eu usava. Que, obviamente, eu não posso mais usar porque eu tô amamentando. Hoje em dia eu não tomo nem aspirina e isso é irritante, porque não dormir direito tá me dando uma dor de cabeça filha da puta.” Eu não quero passar a impressão de que Manx não ama seu bebê. Ela ama. É só a vida dela que ela odeia. Manx me diz que ela especificamente detesta ficar velha. “Minha vida tá acabada. Eu nunca vou ver outra banda ou dançar numa balada. E eu nunca vou poder viajar pra Tailândia e pra Índia e pra Austrália de novo.” Manx também sofre do comum problema de se punir por sua própria depressão. Ela se sente culpada por isso. “O fato de não conseguir mais viajar ou ver shows não devia me deprimir tanto. Eu devo ser uma pessoa superficial demais.” Eu tento acalmar Manx dizendo que ela não é superficial. Ela não se acalma. “Eu tô gorda e sem a menor condição. Minha aparência tá terrível. Mesmo se eu quisesse sair, eu não poderia. Qual é a razão de sair por aí se eu tô desse jeito?” Eu me preocupo. Eu vejo que Manx está caindo pelo precipício e precisa de ajuda. Logo depois de ter o bebê, Manx se matriculou num curso de animação digital numa faculdade local. Ela vai lá duas vezes por semana e traz projetos para fazer em casa no computador. Eu achava que isso era uma grande ideia, e ainda acho, mas tem trazido muito estresse a Manx. “Por que eu fui inventar de aprender animação? Ou qualquer coisa? Eu fui tão idiota.” “Você queria que a sua vida fosse indo em frente de uma maneira positiva e intensa.” Manx diz que se ela disse uma coisa dessas alguma vez na vida, ela devia estar sofrendo de alguma ilusão pós-natal. “Acho que o problema é que você não usa mais o chapéu de Nefertiti”, digo a ela. Ela me olha como se eu fosse um maluco. “O chapéu de Nefertiti? Eu não uso aquilo há anos. Como que eu vou usar?
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Você espera que eu empurre um carrinho de bebê por aí com um chapéu de Nefertiti? Nas minhas condições? Com esta aparência? As pessoas iam me zoar.” Manx está irredutível, então deixo passar, mas não esqueço. Estou convencido de que ela se sentiria melhor com tudo se ela usasse seu chapéu de Nefertiti de novo. Deve ser uma coisa alegre de se fazer. Fiz um bule de chá para nós. Malachi, o bebê, está dormindo no sofá, muito fofinho. Manx olha para a caixa de livros que eu trouxe para a sala. “Você não vai abrir?” “Não consigo encarar ainda. Queria não ter aceito julgar essa competição.” “Fala que você mudou de ideia.” “Não posso. Já gastei o cheque.” Manx dá uma olhada no meu espelho. Ela está satisfeita com o resultado do Masquisuperbe All Over Face Glow. Satisfeita o suficiente para comprar um batom e um blush da Benefit, para brilhar um pouco mais. Eu elogio. “É um brilho maravilhoso.” “Não vai durar. Eu tô acabada. Amanhã o brilho vai ter desaparecido para sempre.”
Capítulo 18 “Conta mais do Led Zeppelin e da Suzy”, diz Manx, e então eu conto. O Led Zeppelin IV foi lançado lá pelo fim de 1971 e a banda passou o ano seguinte em turnê. Eu tinha lido sobre o progresso ao redor do globo nos jornais de música. Em 1972 eles já tinham tocado nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Eu sentei e fiquei sonhando com o Led Zeppelin deixando Valhalla em seu zepelim cósmico e aterrissando no Japão para pisar no palco como os majestosos guerreiros que eram. Era fácil naqueles dias sonhar com coisas assim. Então, quando os dirigíveis começarem a sair voando de Valhalla, como eles fazem mais tarde neste livro, é porque, como um adolescente, era desse jeito que eu pensava na música.
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No começo dos anos setenta, as bandas frequentemente cantavam sobre guerreiros cósmicos. O Led Zeppelin nunca foi muito do imaginário do espaço, pendendo mais para o mundo dos elfos e dragões do Tolkien, permeado por um monte de blues de homem branco. Muitas das letras eram sobre passar dificuldades com mulheres. Essas eram as coisas com as quais eu me identificava. Eu passava meu tempo fingindo ser um mestre dos dragões, mas, se um dia eu tivesse um relacionamento com uma mulher, eu já esperava problemas. O Led Zeppelin nunca foi do tipo de banda que toca músicas de protesto. E ainda acredito muito que isso seja uma coisa a favor deles. Quanto ao Zed, seu fanatismo pelo Led Zeppelin era tão intenso quanto a relação entre um garoto e sua banda poderia ser. Suas paredes estavam cobertas de pôsteres e ele sabia citar páginas e páginas de letras. Ele tinha fitas das sessões de rádio que incluíam músicas que só seriam gravadas vinte anos depois. Ele tinha um disco pirateado de um show no Japão e comprou o mesmo colete bordado que o Robert Plant estava usando numa foto na NME7. Às vezes parecia que quando o Zed terminasse a escola, ele ia entrar na banda, sendo incluído num processo natural. Eu vi o Zed pela primeira vez quando ele tinha treze anos. Eu tinha onze. Ele chegou na minha porta quando meus pais tinham saído e foi dormir na minha cama até ficar sóbrio o suficiente para andar o curto percurso até sua casa. Quando eu disse isso para o Greg, ele ficou com inveja, inveja de eu ter feito um favor para um cara tão descolado quanto o Zed. Zed tinha um pingente em um colar que era uma colherzinha minúscula. Ele dizia que era uma colher de coca, uma coisa dos Estados Unidos que a gente tinha ouvido falar. Duvido muito que houvesse cocaína em Glasgow naquela época, e se havia, certamente não havia chegado na nossa escola, mas ter uma colher de coca era outro ponto importante sobre Zed. Fazia parecer que ele tinha experiência de vida. O tipo de cara que podia chegar no Led Zeppelin e falar sobre coisas interessantes para eles. Eu sei que eles não se interessariam pelo meu exército de dragões. Se eu um dia os conhecesse, manteria isso em segredo.
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Atenção Esta é apenas uma prévia. A versão final deste livro possui 176 páginas.
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d Le SUZY, Zeppelin &
EU
No dia 4 de dezembro de 1972, o Led Zeppelin veio tocar em Glasgow. Se você não mora na Grã Bretanha, você pode não saber onde fica Glasgow. É uma cidade grande na costa oeste da Escócia. A Escócia é logo ao norte da Inglaterra. Não vou te incomodar mais com geografia. Eu sei que você tem déficit de atenção. Eu também tenho. Eu não consigo assistir ao mesmo programa na TV por mais de alguns segundos sem mudar de canal. Não consigo mais aguentar filmes longos. Eu nunca vou ao cinema por medo de ficar entediado. Quando estou lendo um livro, preciso que os capítulos sejam breves. Nenhuma parte deste livro será maior que algumas centenas de palavras. Mesmo com déficit de atenção, você conseguirá lê-lo facilmente, um pouco de cada vez. Em sua maior parte, o livro se refere a eventos paralelos ao show do Led Zeppelin, muitos anos atrás. Eu me lembro bem dos acontecimentos principais, mas a minha memória para detalhes pode ser fraca. Isso frequentemente me causa problemas. [...] Então andei perguntando a alguns velhos amigos sobre o show, descobrindo coisas que talvez eu tenha esquecido. Meu amigo Greg estava lá, e a Cherry, e o Zed, e também a Suzy, que foi namorada do Zed por algum tempo. Greg era apaixonado pela Suzy, e eu também, ou era o que me parecia naquela época. Eu tinha quinze anos e era facilmente confundido por sentimentos. Eu estava me sentindo emocionado durante todo o outono e o inverno. Emocionado com a Suzy e com o Led Zeppelin.”
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