Novos estilos de evangelização

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N o v o s

e s t i l o s

d e

Evangelização



É preciso haver homens e mulheres

que narrem com a sua existência que

a vida cristã é ‘boa’.

N o v o s

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d e

Evangelização Enzo Bianchi

Tradução: Débora de Souza Balancin


Título original: Nuovi stili di evangelizzazione © Edizioni San Paolo s.r.l. – Cinisello Balsamo (MI), 2012 Piazza Soncino, 5 – 20092 Cinisello Balsamo (Milano) – Italia ISBN 978-88-215-7674-4

Preparação: Maurício Balthazar Leal Capa: Walter Nabas Foto de melosine1302/© Fotolia LLC Diagramação: Rosilene de Andrade Revisão: Vero Verbo Serviços Editoriais

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ISBN 978-85-15-04235-7 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015


Sumário

INTRODUÇÃO ......................................................................... 9

1 A PALAVRA EFICAZ DE DEUS, FONTE DA EVANGELIZAÇÃO . .................................... 15

2 O CONTEXTO DA EVANGELIZAÇÃO: INDIFERENÇA, PLURALISMO, “DIFERENÇA”...........23

3 POR QUE EVANGELIZAR.................................................... 31

4 O CONTEÚDO DA EVANGELIZAÇÃO ........................... 37 a) Cristianismo como fé.....................................................38 b) Não se calar a respeito de questões últimas.................42 c) Anunciar a remissão dos pecados ................................45


5 COMO EVANGELIZAR: O ESTILO DOS CRISTÃOS..............................................49 a) O estilo dos cristãos na companhia dos homens ....................................................................49 b) O testemunho de uma vida boa, bela e abençoada ...................................................................53 c) Um cristianismo fiel à terra...........................................56

6 LITURGIA E EVANGELIZAÇÃO........................................59 a) Como a liturgia evangeliza a Igreja .............................63 b) Como a liturgia evangeliza inspirando a vida espiritual ........................................................................ 67 c) Como a liturgia evangeliza os que dela participam ou a ela assistem . ....................................... 71

CONCLUSÃO .......................................................................... 75


Esta Boa-Nova há de ser proclamada, antes de mais nada, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam sua capacidade de compreensão e acolhimento, sua comunhão de vida e de destino com os demais, sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, de um modo absolutamente simples e espontâneo, sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e sua esperança em algo que não se vê e que não se ousaria imaginar. Por força desse testemunho sem palavras, esses cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os veem viver perguntas indeclináveis: Por que eles são assim? Por que eles vivem dessa maneira? O que ou quem os inspira? Por que eles estão conosco? Pois bem: um semelhante testemunho constitui já proclamação silenciosa, mas muito valiosa e eficaz da Boa-Nova. Paulo VI1

A pergunta fundamental de cada homem é: como se realiza esse tornar-se homem? Como se aprende a arte de viver? Qual é o caminho da felicidade? Evangelizar significa: mostrar esse caminho, ensinar a arte de viver. Jesus diz no início da sua vida pública: “Vim para evangelizar os pobres” (cf. Lc 4,18); isso significa: Eu tenho a resposta para a vossa pergunta fundamental; eu indico-vos o caminho da vida, o caminho da felicidade, ou melhor, eu sou esse caminho... [sou] o Evangelho, a Boa-Nova em pessoa. Joseph Ratzinger2

1  Exortação apostólica Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975), n. 21. 2  A nova evangelização [Conferência de 10 de dezembro de 2000, na sala Paulo VI no Vaticano], in: A. RUSSO, G. COFFELE (a cura di), Divinarum rerum notitia. La teologia tra filosofia e storia: studi in onore del cardinale Walter Kasper, Roma, Studium, 2001, p. 505.



INTRODUÇÃO

No dia 21 de setembro de 1978, em Fulda, na Alemanha, o cardeal Stefan Wyszyn´ski lançava um urgente apelo à Igreja por uma “nova evangelização”, em vista do renascimento de uma Europa cristã. Essa fórmula do cardeal polonês, assumida por João Paulo II1 e por ele colocada em estreita relação com o ensinamento do Concílio Vaticano II2, tornou-se durante o pontificado de Wojtyla o grande objetivo para o seu ministério pa-

1  A primeira atestação deste tema em João Paulo II encontra-se na homilia por ele feita em Mogila (Polônia), em 9 de junho de 1979: “às vésperas do novo milênio — nestes novos tempos, nestas novas condições de vida — volta a ser anunciado o Evangelho. Iniciou-se uma nova evangelização, quase como se se tratasse de um segundo anúncio, embora na realidade seja sempre o mesmo”. Entre os inúmeros escritos do papa que tratam deste assunto, ver especialmente a exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici (30 de dezembro de 1988), a encíclica Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990) e a carta apostólica Novo millennio ineunte (6 de janeiro de 2001). 2  “A evangelização do novo milênio deve referir-se à doutrina do Concílio Vaticano II” ( João Paulo II, homilia de Mogila). A respeito, ver o interessante estudo de G. ROUTHIER, Il Vaticano II, riferimento per la “nuova evange­ lizzazione”, La Rivista del clero italiano 6 (2011) 420-441. Escreve Routhier, comentando as palavras do papa: “Fiéis à indicação de João Paulo II, deveríamos nos perguntar como o Concílio Vaticano II nos permite pensar a ‘nova evangelização’ em vez de deixar entender que esta última revoga as indicações do Vaticano II no capítulo da condução da ação pastoral” (p. 425).

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pal e para toda a Igreja. Desde então, pode-se dizer que todas as Igrejas locais, sobretudo através das Conferências Episcopais, continuam a buscar e a propor caminhos pastorais que visam a esse propósito3. É preciso, porém, esclarecer de imediato em mérito ao conceito de nova evangelização. O caráter problemático dessa fórmula foi assim expresso, recentemente, pelo arcebispo Rino Fisichella, do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização: O risco de que a “nova evangelização” possa aparecer como uma fórmula abstrata não é peregrino: para que isso seja evitado, é necessário que ela seja esclarecida enchendo-se de conteúdos, de maneira a colher o seu sentido e as finalidades a ela ligadas4.

Pois bem, em cada época histórica a evangelização pede, antes de tudo, à Igreja e a todo cristão o discernimento sobre como viver “um Evangelho eterno” (Ap 14,6), sobre como testemunhar e anunciar, em um mundo que muda, “Jesus Cristo”, que “é sempre o 3  Lembro apenas duas importantes contribuições fornecidas pela Conferência Episcopal Francesa, a partir dos anos 1990: Proposer la foi dans la société actuelle, Paris, Cerf, 1997; Entre épreuves et renouveaux: la passion de l´Évangile, Paris, Bayard/Cerf/Fleurus-Mame, 2009). Quanto à Conferência Episcopal Italiana, ver sobretudo as orientações pastorais para a década 2001-2010, intituladas Comunicare il Vangelo in un mondo che cambia, Bologna, EDB, 2001, e as da década 2011-2020, Educare alla vita buona del Vangelo, Leumann, Elledici, 2010. 4  R. FISICHELLA, Nuova frontiera dell’evangelizzazione: Occidente terra di missione?, in Cristianesimo e Occidente: quale futuro immaginare?, Milano, Glossa, 2011, p. 8.

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mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hb 13,8); ou seja, sobre como evangelizar ontem, hoje e eternamente. Com mais profundidade, é preciso compreender que a evangelização sempre é ação de Cristo na força do Espírito Santo. Ela tem como sujeito principal o próprio Senhor e configura-se, por consequência, como uma atividade devida à sua presença na Igreja “até o fim dos tempos” (Mt 28,20): é o Evangelho de Deus, que se identifica nas ações e nas palavras de Jesus Cristo, que sustenta o evangelizador. O que Jesus “fez e ensinou” (At 1,1) é ampliado pelo Ressuscitado, pelo Kýrios glorioso, através das energias do Espírito Santo, na Igreja (cf. Jo 14,26; 15,26-27). Como o Espírito guiou Jesus na missão (cf. Lc 4,18) e presidiu a missão da Igreja (cf. At 2,1-13; 13,2-4), assim a evangelização conduzida pela Igreja é evento pneumático: testemunho da Palavra vinda de Deus, profecia em ação, “em obras e palavras” (Lc 24,19), com a vida e a palavra dos cristãos. Com isso esclarecido, se é verdade que a evangelização é dirigida a todos e ninguém pode ser excluído porque a missão da Igreja, por vontade do Senhor, é universal (cf. Mt 28,19-20; Mc 16,15; Lc 24,47; At 1,8), é também verdade que ela deve ser evangelização contínua da Igreja, esse genitivo significando em primeiro lugar um genitivo objetivo e somente em segunda instância um genitivo subjetivo – ou seja, evangelização dos homens como obra da Igreja. Não podem ser esquecidas a respeito as palavras proféticas escritas por Paulo VI há quase quarenta anos, em sua esplêndida exortação apostólica Evangelii nuntiandi: INTRODUÇÃO

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Evangelizadora como é, a Igreja começa por evangelizar-se a si mesma. Comunidade de crentes, comunidade de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade de ouvir sem cessar aquilo em que ela deve crer, as razões da sua esperança e o mandamento novo do amor … Numa palavra, é o mesmo que dizer que ela tem sempre necessidade de ser evangelizada se quer conservar frescor, alento e força para anunciar o Evangelho5.

Entre os destinatários da evangelização devemos incluir – certamente hoje, mas creio que em qualquer época – os próprios cristãos. Pensar nos chamados “cristãos intermitentes”, ou seja, aqueles que vivem a prática cristã não no ritmo tradicional marcado pelos domingos e pelos tempos litúrgicos, mas em ocasião de eventos especiais marcados por grandes solenidades (beatificações, celebrações dos movimentos etc.), e privilegiam outros lugares, como, por exemplo, os santuá­rios. Ou pensar nos “cristãos que recomeçam”, pessoas que, depois de terem recebido a iniciação cristã, afastaram-se da fé e agora, adultas, batem à porta da Igreja para redescobrir as suas raízes: estas precisam de evangelização, necessitam de uma nova iniciação, porque frequentemente o seu conhecimento não está sequer no nível da sua prática litúrgica e da sua vida eclesial. Contudo, não podemos nos esquecer também dos cristãos “praticantes” ou “empenhados”, sempre 5  PAULO VI, Evangelii nuntiandi 15.

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expostos a um risco bem sutil: a pretensão de anunciar aos homens um Evangelho que eles mesmos não vivem em primeira pessoa. E assim acabam por ser aquele sal que, tendo perdido o sabor, “é jogado fora e pisado pelos homens” (Mt 5,13); ou – o que é ainda mais perigoso – acabam por impor pesados fardos às costas dos outros, fardos que eles próprios não querem mover nem com a ponta do dedo (cf. Mt 23,4). Verdadeiramente, a evangelização dos cristãos, de todos os cristãos, deveria ser um ir além do ensinamento inicial sobre Cristo (cf. Hb 6,1-3), de modo que formasse cristãos maduros, à medida da estatura de Cristo (cf. Ef 4,13). Somente uma Igreja em estado de conversão, em perene movimento de retorno ao Senhor, pode acolher em si homens e mulheres que, tocados pelo anúncio do Evangelho, respondam ao chamado do Senhor com toda a própria vida. Desse modo a Igreja mostra a verdade e a autenticidade da salvação: na medida em que se coloca na dinâmica da conversão à soberania de Deus sobre ela, pode narrar realmente aos homens um Evangelho capaz de mudar os corações, um Evangelho que salva. Ao contrário, cristãos mundanos podem somente encorajar os homens a permanecer aquilo que são, impedindo-os de experimentar a eficácia da salvação; assim, eles são obstáculo para a evangelização e tiram a força do Evangelho. Sim, somente cristãos evangelizados serão habilitados à transmissão, a evangelium tradere, isto é, a evangelizar os outros; somente uma Igreja evangelizada poderá ser uma Igreja evangelizadora, obediente ao Senhor do Evangelho – aquele que a reuniu e constituiu – e, porINTRODUÇÃO

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tanto, capaz de transmitir o que ela recebeu. Fazendo-se serva do Evangelho, a Igreja cumpre sua missão, sua finalidade e atinge sua razão de ser: fora da evangelização, de fato, não há ação de Igreja e nem mesmo Igreja.

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1 A PALAVRA EFICAZ DE DEUS, FONTE DA EVANGELIZAÇÃO

Para fundar em bases sólidas uma reflexão sobre a evangelização é preciso antes de tudo deter-se so­ bre o papel “fontal” nela desempenhado pela Palavra eficaz de Deus1: sem adequada compreensão da Palavra, realmente, todo discurso sobre a evangelização fica gravemente comprometido e insuficiente. Em outras palavras, como afirmou o Sínodo dos Bispos de 2008, “a exigência de uma nova evangelização … deve se reafirmar sem medo, na certeza da eficácia da Palavra divina”2. Deus fala: esta é a afirmação fundamental que atravessa todas as Escrituras, é a “coisa grande” sem a qual nós não poderíamos ter nenhuma relação pes­soal com ele. Com absoluta decisão, com livre e gratuita iniciativa, Deus levantou o véu sobre si, revelou-se 1  Meditei mais amplamente sobre o tema da Palavra de Deus em E. BIANCHI, Chiesa e Parola di Dio, Magnano, Qiqajon, 2008 (Testi di meditazione 144); Parola di Dio, parola a Dio, Magnano, Qiqajon, 2008 (Testi di meditazione 145). 2  BENTO XVI, exortação apostólica Verbum Domini (30 de setembro de 2010), n. 96.

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aos homens para entrar em relação com eles3, para oferecer a eles seus dons maravilhosos, de acordo com a bela imagem utilizada por Ireneu de Lião4. No Deuteronômio é colocada na boca de Moisés esta reflexão, a ser posta entre aquelas que fundam o estatuto de Israel e da Igreja como povo de Deus chamado à escuta: Interroga, pois, as idades antigas, que te precederam desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra: houve, acaso, de uma a outra extremidade do céu, algo de tão grande, ou se viu jamais coisa semelhante? Existe, porventura, um povo que tenha ouvido a voz de Deus, falando do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha ficado com vida? (Dt 4,32-33).

Deus fala, escolhe sair de si e autocomunicar-se, e sua Palavra manifesta seu poder nos âmbitos da criação e da história. A Palavra de Deus é criadora, como atestam unanimemente o Antigo e o Novo Testamento: “Disse Deus: ‘Haja luz’. E houve luz” (Gn 1,3), lê-se no início da Bíblia; “Tudo foi feito por ele [o Verbo]” ( Jo 1,3), confirma o Prólogo do quarto evangelho. Além disso, através de sua Palavra, Deus chama os homens para estabelecer uma aliança com eles: eis a história da salvação, que se abre com Abraão (cf. Gn 12,1), um 3  Ver a respeito C. THEOBALD, La révélation, Paris, Atelier, 2001. 4  “No princípio … Deus criou o homem para ter alguém a quem oferecer os seus dons” (Contra as heresias IV, 14, 1).

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homem escolhido a favor da humanidade inteira, para que na sua descendência sejam abençoadas todas as famílias da terra (cf. Gn 12,3). No entanto, para compreender melhor o que estamos refletindo, é fundamental evidenciar que o termo hebraico davar, normalmente traduzido por “palavra”, significa “ações”, “feitos” (cf. 1Rs 11,41; 14,19.29 etc.). Davar é a intervenção de Deus no futuro do mundo, intervenção sempre eficaz e performativa; é sua vontade de vida que constantemente sustenta a criação inteira e cada criatura. Tudo isso é bem sintetizado por um famoso trecho do profeta Isaías: Oráculo do Senhor: “Como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam mais para lá sem ter embebido a terra, fecundando-a e fazendo-a germinar… da mesma maneira, a Palavra que sai da minha boca não retorna a mim sem resultado, sem ter feito o que queria e conseguido êxito na sua missão” (Is 55,10-11).

“A palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12), sempre com a sua dýnamis produz algum efeito, não deixa o que encontra na situação em que o encontrou, mesmo que nos iludamos pensando que seja assim: toda vez que escutamos e colocamos em prática a Palavra, ela traz frutos de bem e de alegria em nossa vida; mas toda vez que deixamos cair no vazio a Palavra que Deus quer nos comunicar, nosso coração se endurece um pouco mais… A PALAVRA EFICAZ DE DEUS, FONTE DA EVANGELIZAÇÃO

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A autorrevelação de Deus deságua no evento que constitui o específico da nossa fé cristã e, com ele, o Evangelho, a Boa-Nova por excelência: na plenitude dos tempos a história do manifestar-se de Deus à humanidade encontra seu vértice em Jesus Cristo, Palavra definitiva de Deus, Palavra que comunica plenamente a vontade do amor de Deus com relação a nós, homens. Expressa-o bem a passagem que abre a carta aos Hebreus, que resume de maneira contemplativa toda a revelação bíblica: Outrora, Deus falou a nossos pais muitas vezes e de diversas maneiras, por meio dos profetas. No período final em que estamos, Ele nos falou por meio de seu Filho. Por Ele é que Deus criou o universo e é Ele que foi feito herdeiro de tudo. Esse Filho é a irradiação de sua glória e a expressão exata do seu ser. Ele sustenta o universo com sua palavra poderosa (Hb 1,1-3).

Afirmar que Jesus é a Palavra de Deus significa dizer que ele é a sua face, a narração, a revelação definitiva e última. Dito de outra maneira, tudo isso que podemos saber e dizer a respeito de Deus encontra-se em Jesus Cristo: “Ninguém jamais viu a Deus. O Filho Único, Deus… o revelou (exeghésato)” ( Jo 1,18). Agora o Verbo, o Lógos que estava voltado para Deus e era Deus (cf. Jo 1,1), fez-se carne, homem (cf. Jo 1,14), nascendo de uma mulher (cf. Gl 4,4) graças ao Espírito Santo; e toda a vida de Jesus Cristo, da sua preexistência nos céus ao seu “andar por todo lugar, fazendo o bem” 18

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(cf. At 10,38), até a sua morte, a sua ressurreição, a sua ascensão e a Parusia, é a Palavra de Deus, é o Evangelho (cf. Mc 8,35; 10,29), a Boa-Nova que Deus desde sempre quer comunicar à humanidade. E, com esse panorama, é possível ler com olhos novos algumas afirmações presentes no Novo Testamento, marcadamente nos escritos de Lucas e Paulo, colaboradores muito próximos na obra de evangelização. Nos Atos dos Apóstolos por três vezes, em outros tantos pontos cruciais da narração, repete-se com algumas variações uma mesma frase que, embora seja concisa, possui igual importância à dos mais famosos três “sumários” eclesiais (cf. At 2,42-45; 4,32-35; 5,12-16): A Palavra de Deus crescia [vb. auxáno: o mesmo usado para o crescimento de Jesus em Lc 2,40 e do grão de mostarda, símbolo do Reino, em Lc 13,19] e se multiplicava [vb. plethýno] o número dos discípulos em Jerusalém (At 6,7). A Palavra de Deus crescia [vb. auxáno] e se espalhava [vb. plethýno] (At 12,24). A Mensagem se propagava (vb. auxáno) vigorosamente [vb. ischýo] (At 19,20).

Este é o modo próprio de Lucas expressar um elemento capital para a Igreja de qualquer época: a Palavra é o evento que dá origem e é a finalidade da vida da comunidade cristã, e, por consequência, é o único fundamento de toda a sua atividade, incluindo a A PALAVRA EFICAZ DE DEUS, FONTE DA EVANGELIZAÇÃO

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evangelização. Se a Palavra cresce, se os cristãos, sen­ do “ministros da Palavra” (Lc 1,2), “servidores do Cristo”, “ministros de Cristo” (1Cor 4,1; 2Cor 11,23), predispõem tudo para a sua difusão e colaboram com ela, então também a Igreja cresce, difunde-se, experimenta a única eficácia autêntica; caso contrário, pode existir até mesmo o muito operar por parte dos fiéis, mas tudo reduz-se a uma vã fadiga, como a daquele que constrói a própria casa sobre a areia (cf. Mt 7,26). Paulo, na segunda carta aos Tessalonicenses, ecoan­do o canto do salmista (cf. Sl 147,15), utiliza uma imagem diferente mas igualmente rica de significado: “Irmãos, rezai por nós, para que a Palavra do Senhor prossiga o seu curso [vb. trécho] e seja glorificada, como acontece entre vós” (2Ts 3,1). Dessa maneira, o Apóstolo confia aos cristãos da sua comunidade a oração essencial: aquela para a evangelização dos homens, para que a Palavra não conheça obstáculos na sua difusão sobre toda a terra e seja glorificada, isto é, acolhida, e receba de todos o reconhecimento da sua glória, do seu peso eficaz na história. Qual seja esse peso inferese de outra afirmação de Paulo na primeira carta aos Tessalonicenses: “Por isso de nossa parte damos graças a Deus sem cessar, porque, tendo ouvido a Palavra de Deus que vos pregávamos, a acolhestes não como palavra humana, mas como Palavra de Deus, que de fato é. Esta palavra é ativa [energheîtai] em vós, que acreditastes” (1Ts 2,13). Sim, a Palavra de Deus ressoa, cresce, multiplica-se e ganha força, corre, opera. 20

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Eis a Boa-Nova: a Palavra de Deus cumpre o seu trajeto para alcançar os homens e despertar neles o caminho da conversão em vista do encontro com o Senhor vivo. Responder a essa Palavra entrando no diálogo iniciado por Deus é ao que a humanidade inteira é convidada: a missão evangelizadora da Igreja consiste em ser eco dessa Palavra para que todo homem possa escutá-la como algo dirigido a ele, como Palavra salvadora, e deixe-se iluminar por ela. Ao mesmo tempo, a Igreja, se quer realmente ser anunciadora dessa Palavra, deve em primeiro lugar dedicar todas as suas energias a escutar a própria Palavra, sabendo que “a fé vem da audição” (fides ex auditu: Rm 10,17), deve ser e sentir-se “recomendada a Deus e à mensagem de sua graça” (At 20,32): somente uma ecclesia audiens pode ser ecclesia docens, pois a Palavra que a Igreja anuncia e testemunha não é sua, mas de Deus.

A PALAVRA EFICAZ DE DEUS, FONTE DA EVANGELIZAÇÃO

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