O lava pés – um não sacramento

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O lava-pés Um não sacramento



François Nault

O lava-pés Um não sacramento

Tradução: Maria Helena Sato


Título original: Le lavement des pieds — Um asacrement © 2010 Médiaspaul 3965, boulevard Henri-Bourassa Est Montréal, Québec, H1H 1L1 (Canada) ISBN 978-2-89420-845-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nault, François, 1968- . O lava-pés : um não sacramento / François Nault ; tradução de Maria Helena C.M.M. Sato. -- São Paulo : Edições Loyola, 2015. Título original: Le lavement des pieds : un asacrement Bibliografia. ISBN 978-85-15-04257-9 1. Bíblia. N.T. João - Crítica e interpretação 2. Jesus Cristo - Lavagem dos pés dos apóstolos 3. Última Ceia I. Título. 15-01018

CDD-232.957

Índices para catálogo sistemático: 1. Jesus Cristo : Última Ceia : Cristianismo

Preparação: Maurício Balthazar Leal Capa: Viviane B. Jeronimo Imagem da obra Vita di Gesú in icone, com permissão de © Edizioni San Paolo, s.r.l. Diagramação: Ronaldo Hideo Inoue Revisão: Vero Verbo Serviços Editoriais

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ISBN 978-85-15-04257-9 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015

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Agradecimentos Antes de colocar no papel as ideias deste livro, tive o prazer de discuti-las informalmente com amigos e colegas. Agradeço de modo particular a Michel-M. Campbell, Normand Carpentier, Anne Morrissette e Jean-Daniel Causse. A este último devo o termo, talvez até mesmo a ideia de não sacramento.

Aos meus filhos, que adoro: Marie-Laurence (que aos 7 anos espantou-se por seu pai escrever sobre um tema tão repug­ nante quanto lavar os pés!), Félix-Gabriel, Sophie-Élisabeth e David-Alexandre.



Sumário

Prólogo.................................................................................. 9 1. A cena na Ceia................................................................... 11 2. Os pés e o corpo................................................................ 14 3. Prática comunitária........................................................... 18 4. O relato de João e a exegese.............................................. 21 5. O capítulo 13 do Evangelho de João................................. 23 6. O lava-pés na Bíblia.......................................................... 28 7. Gesto instituído................................................................. 34 8. Gesto enigmático............................................................... 36 9. Sacramento autônomo...................................................... 43 10. Instituição de um rito?.................................................... 46 11. O rito na história............................................................. 49 12. O lava-pés na Regra de São Bento.................................. 53 13. O lava-pés na Quinta-feira Santa.................................... 55 14. Auge e declínio de uma prática....................................... 57 15. O lava-pés na liturgia da Semana Santa.......................... 63 16. Reciprocidade e igualdade............................................... 68 17. Motivações políticas e eróticas........................................ 72 18. Uma interpretação audaciosa.......................................... 75 19. Um verdadeiro sacramento............................................. 81 20. A palavra “sacramento”................................................... 83 21. Tertuliano e Agostinho.................................................... 87 22. A partir do século XII...................................................... 91 23. Rito e instituição............................................................. 95 24. Rito de desinstituição...................................................... 98 25. De volta à história........................................................... 101 26. Sacramento e ética.......................................................... 104 27. Um não sacramento........................................................ 109



Prólogo

Convido você, leitor, a ler a seguinte cena narrada no Evangelho de João. Faça-o, porém, como se jamais a tivesse lido antes: 13 1Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até a consumação. 2Durante a ceia, quando o diabo já havia insinuado no coração de Judas o propósito de entregá-lo, 3Jesus sabia que o Pai tinha posto tudo nas suas mãos e que tinha saído de Deus e para Deus voltava; 4levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e enrolou-a na cintura. 5Depois, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha que tinha amarrado na cintura. 6Quando chegou perto de Simão Pedro, este lhe perguntou: “Senhor, vais lavar os meus pés?”. 7Jesus respondeu: “Não compreendes o que faço agora. Tu compreenderás mais tarde”. 8Pedro disse: “Não! Nunca me lavarás os pés!”. Jesus respondeu: “Não terás parte comigo se eu não te lavar os pés”. 9Então Simão Pedro disse: “Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça!”. 10Jesus respondeu: “Quem tomou banho não precisa senão lavar os pés, pois está inteiramente limpo. Vós também estais limpos, mas não todos”. 11Ele já sabia quem o havia de entregar. Por isso disse: “Não estais todos limpos!”. 12Quando acabou de lhes lavar os pés, vestiu de novo o manto, voltou a sentar-se e lhes disse: “Compreendeis o que vos fiz? 13Vós me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque realmente eu o sou. 14Se eu, 9


o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. 15Eu vos dei um exemplo, para que vós também façais como eu fiz”.

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A cena na Ceia

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Se pretendêssemos encontrar nas Escrituras cristãs vestígios de cuidados com relação ao corpo, a nossa atenção deter-se-ia espontaneamente no surpreendente relato do lava-pés. Esse episódio é narrado pelo evangelista João — João, o Teó­logo, segundo a tradição oriental — e apenas por ele. Lucas, Mateus e Marcos ignoram a cena. Por sua vez, João omite a Ceia eucarística. Voluntariamente? É então uma espécie de polêmica, uma guerra à qual João incita, para atacar um orgulho eucarístico e até mesmo certa vaidade ritualizante ou sacramentalizante? Será que João esquece deliberadamente a Ceia eucarística, contornando-a de forma decidida e calculada? E essa supressão, na verdade, não diz algo que é essencial? Passando à margem do relato de instituição de uma prática já naquele tempo muito importante nas comunidades cristãs, demasiado importante, João não quer dizer alguma coisa justamente pelo silêncio que faz? Mas o esquecimento de João, caso seja realmente “esquecimento”, possui, decerto, outras explicações. Talvez seja para João (ou para aquele que escreve sob esse nome) simplesmente desnecessário refazer a história, contar novamente o já sobejamente conhecido, ao menos entre os “inte1. Os títulos dos capítulos foram criados pelo editor brasileiro (N. do E.).

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ressados” e “iniciados”?2. Inútil repetir a Ceia, ou relatá-la uma vez mais — a narrativa da instituição —, pois o que deveria ser instituído já o foi. Talvez seja agora necessário desvelar o seu sentido, ou os seus sentidos; é tempo de novamente julgar sua relevância, abrir o gesto, estender o seu alcance a um momento que se compraz na repetição, na magia, na mecânica pura, esvaziada de significado. Ou para João talvez seja simplesmente o caso de corrigir o sentido, isto é, de combater um significado que parece imporse? Então a polêmica não seria contra a prática eucarística em si, como ritual, mas contra um sentido que se lhe atribuiria ou que se tentaria atribuir-lhe. De forma indevida e injustificada, segundo João. Para ele, seria esse o momento de restaurar o verdadeiro Sentido, de restituir a Verdade do gesto. Essa Verdade do gesto — que teremos ocasião de retomar — seria, digamos, ética. O sentido da eucaristia, do pão partilhado, estaria no serviço ao outro, e não em algum procedimento sagrado. O lava-pés marcaria essa transição necessária da sacralidade para a santidade, segundo uma sutil distinção estabelecida por Emmanuel Levinas3. Mas por ora não interessa a interpretação proposta para o lava-pés. Consideremos que a importância desse quadro no contexto da Ceia eucarística, isto é, a relação do lava-pés com a refeição propriamente dita, seria a de um simples comentário. A cena do lava-pés, tal como João a inventa ou reconstitui, seria apenas um texto a respeito de outro texto. Embora desprovida de solidez própria, remeteria inteiramente a uma Outra Cena, à Ceia, a verdadeira, a única decisiva: a Eucarística. Levantemos, todavia, algumas questões. E se o lava-pés não despertasse comentários e não se exaurisse em algo diferente 2. Ver R. M. BALL, Saint John and the Institution of the Eucharist, Journal for the Study of the New Testament, 23 (1985) 59-68. 3. Ver E. LEVINAS, Du sacré au saint: cinq nouvelles lectures talmudiques, Paris, Minuit, 1977.

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— do qual ele seria um simples desdobramento, a outra face inútil —, e se não fosse idêntico a outra cena com relação à qual cumpriria a missão, sua única missão, de explicitar os sentidos ou o Sentido, a Verdade? E se a cena valesse por si mesma, antes da Ceia ou sem a Ceia? E se o episódio do lava-pés remetesse à refeição eucarística apenas de modo acidental e acessório? E se Esta é que fosse o Comentário capaz de reforçar Aquele? Façamos então a pergunta. Ou melhor, admitamos desde agora a consistência própria da cena textual do lava-pés. E de modo algum tentemos compreendê-la a partir de outras coisas, de outras cenas: a eucarística, a penitencial, a batismal ou a sacerdotal. No entanto, é necessário ver (isto é, querer ver) aquilo que a cena do lava-pés procura mostrar, o que ela coloca em destaque, antes de qualquer outra coisa: o corpo. Simplesmente.

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Os pés e o corpo

Este é o corpo. Corpo limitado, corpo cansado e fragilizado. O pé, corpo incrustado e corpo “excrementado”, corpo sujo pelo contato com o chão poeirento da Palestina. O pé, ou ainda o dedão do pé, se pensamos em Georges Bataille1. “Lavar o dedão do pé”, segundo o Evangelho de Georges Bataille. O lava-pés, de acordo com o Evangelho de João. Dá na mesma. Ou quase. Trata-se do que está por baixo, que foi parar na posição do inferior, do subalterno, do escravo e também da mulher, numa hierarquia não questionada e inquestionável, que vem, no entanto, solicitar (sollicitare) — no sentido de abalar, agitar — a narrativa de São João, o Teólogo. Assim, a ateologia de Bataille inesperadamente encontra eco nas próprias Escrituras cristãs, no lugar onde o que está na posição inferior orgulhosamente se exibe, rindo das alturas e de suas pretensões… Ali onde, durante a Ceia, Jesus dizia: “Este é o meu corpo”, o Evangelho de João mostra o corpo. A começar pelo de Jesus, que é exibido e desnudado, literalmente. Carne exposta, antes da sua morte2. Sim, literalmente: Jesus nu, Jesus desnudado, mais ainda, tornando a cena ainda 1. Ver G. BATAILLE, Le gros orteil, Tours, Farrago, 2006. 2. Inspirado em poema de Pasolini, desenvolvo a ideia da exposição do corpo em Une théologie de la chair, in M. CLOUTIER, F. NAULT (dir.), Georges Bataille, interdisciplinaire: autour de la Somme athéologique, Montréal, Triptyque, 2009, p. 33-47.

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mais chocante, Jesus que se desnuda. O primeiro strip-tease teológico, executado pelo Filho de Deus em pessoa. Perante nossos olhos Jesus tira as suas vestes, descobrindo-se sob o olhar do leitor perplexo. Ali onde, durante a Ceia, Jesus dizia: “Isto é o meu corpo”, o Evangelho de João afirma: “Este é o corpo”, e o mostra, esse corpo. É assim que ele é colocado à nossa frente, e de tal modo que a densidade do corpo é palpável e se impõe espontaneamente aos sentidos. O corpo nu do Filho de Deus que se oferece ao nosso olhar — e para além dele, em uma passividade extrema, suplicante, “mais passiva do que qualquer passividade antitética do ato”3 —, esse corpo nu talvez fosse ainda tolerável se ele se limitasse a isso: a se mostrar. Mas não, ele toca também4. E lava. Ele lava os pés e os acaricia. Necessariamente, faz uma e outra coisa ao mesmo tempo, ou quase: ele os lava acariciando e os acaricia enquanto os lava, sem que se perceba exatamente quando é que o erotismo entra em jogo. Evidentemente, esse é o lado excitante desse ato: tocar um pé (para lavá-lo ou massageá-lo, o que praticamente dá na mesma) nunca é simplesmente tocar um pé; existe sempre o risco, ou a chance, de que esse gesto não vise a outra coisa, mas na verdade ele já é sempre um pouco outra coisa… Aliás, foi essa a justificativa da atitude de Marsellus Wallace, ao jogar pela janela o infeliz que tivera a desastrosa ideia de massagear os pés da sua esposa… De qualquer modo, é a opinião defendida com firmeza e de forma bastante eloquen3. Transcrevo a passagem completa de Levinas: “A passividade mais passiva do que qualquer passividade antitética do ato, nudez mais nua que qualquer ‘academia’, nudez que se expõe até alcançar a entrega, a infusão e a oração, uma passividade que não se reduz à exposição do olhar do outro, mas vulnerabilidade e dolência que se esgotam como uma hemorragia, desnudando até o aspecto que toma sua nudez, expondo a sua própria exposição — exprimindo-se — falando — descobrindo até a proteção que a própria forma da identidade lhe confere — passividade do ser para o outro […]” (E. LEVINAS, Autrement qu’être ou au-delà de l’essence, La Haye, Martinus Nijhoff, 1974, p. 91. 4. “Uma teologia da carne” deveria ser substituída por “uma teologia do toque”, que encontraria recursos teóricos interessantes em Jean-Luc Nancy e Jacques Derrida. Ver em especial: J.-L. NANCY, Noli me tangere, Paris, Bayard, 2003; J. DERRIDA, Le toucher: Jean-Luc Nancy, Paris, Galilée, 2000 (Incises).

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te por Vincent, em truculento diálogo no filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino5. Não, ninguém toca impune e inocentemente os pés do outro. Esse gesto quer sempre dizer alguma coisa. Mesmo se agimos como se isso não tivesse qualquer outro significado — e talvez precisamente por causa do que não é dito, desse teatro que se faz —, tocar os pés do outro quer dizer muito. Para aquele que toca e para aquele que é tocado, ou ainda para aquela que toca ou para aquela que é tocada. Mas abramos parênteses para dizer que, na cena imaginada por João, a mulher surge unicamente de forma espectral, como aquela que está ausente. Seria necessário insistir nesse distanciamento perceptível da mulher. No episódio contado por João, tudo se dá entre homens, criando um ambiente, de certo modo, perturbador. Ao sugerir que a cena textual do lava-pés é também uma cena sexual, não procedemos a uma perigosa e exagerada interpretação? No caso do lava-pés dos discípulos por Jesus, não se trata de algo completamente diferente? Afinal, Jesus não retoma uma prática já bastante conhecida? Não se trataria apenas da repetição de um gesto anódino, atendendo a um simples cuidado higiênico — é preciso lembrar que naquele tempo andava-se de sandálias sobre estradas poeirentas —, um gesto que constituía, além disso, uma expressão de hospitalidade? Pode ser — se assim o desejarmos. No entanto, não se deve negligenciar um detalhe do episódio relatado por João. O texto afirma que Jesus levantou-se “durante a ceia”, isto é, no meio da refeição, para lavar os pés dos seus discípulos. Essa atitude foi, no mínimo, estranha. Era hábito lavar os pés dos convidados à sua chegada, mas não durante uma refeição. Esse distanciamento do habitual dá lugar a outro, sobre o qual geralmente muito se insiste: o Mestre assume o lugar do escravo 5. Q. TARANTINO, Pulp Fiction. A Quentin Tarantino Screenplay, New York, Hyperion/Miramax, 1994.

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(ou da mulher) para proceder pessoalmente ao lava-pés. No entanto, não é menos impactante o primeiro distanciamento já citado, que é o momento escolhido para o gesto. É que ele desloca a expectativa do leitor e o conduz a questionar o próprio significado daquela cena, que não se inscreve na ordem prevista, ou seja, na prática do lava-pés como prática de higiene e hospitalidade. Se a cena do lava-pés, no Evangelho de João, evoca e convoca esse horizonte já conhecido, por outro lado nisso não se esgota. Algo mais surge aos nossos olhos. Em outros termos, mais diretos e mais simples, o gesto de Jesus é também o gesto do amante. A tal ponto que seria importante não eliminar prematuramente o alcance propriamente erótico do lava-pés. Por outro lado, a dimensão considerada erótica nesse gesto explicaria os incômodos que essa cena ainda provoca naqueles e naquelas — embora, uma vez mais, a mulher seja frequentemente excluída — convidados a fazê-lo, a exemplo de Jesus, ou mesmo a presenciá-lo. Nesse caso, os desconfortos provocados pela prática ritual do lava-pés seriam menos explicáveis pela distância histórica e cultural do que pelas fortes conotações sexuais envolvidas, de certa forma estruturalmente, no simples gesto de tocar os pés do outro… Pelo fato de isso ocorrer, ante os olhos do público, dentro de um quadro litúrgico e em um lugar sagrado — uma igreja — e ter na maioria das vezes um protagonista também sagrado — o padre —, tudo isso contribui ainda mais para comover os que assistem à cena. Estes, fingindo divertir-se ou agindo simplesmente como se a cena apresentasse alguma coisa “natural” ou inocente, certamente não deixarão de reconhecer, no íntimo, a verdadeira importância desse toque, desse gesto que diz respeito concomitantemente a Deus e ao sexo, às profundezas divinas e às “profundezas dos sexos”6.

6. F. BOYER, Dieu, le sexe et nous, Paris, P.O.L., 1996; F. HADJADJ, La profondeur des sexes: pour une mystique de la chair, Paris, Seuil, 2008 (Les Dieux et les Hommes).

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