Tribunal de Manuel – Aspectos teológicos na obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna

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O tribunal de manuel



JONAS NOGUEIRA

DA

COSTA

O TRIBUNAL DE MANUEL NA

ASPECTOS TEOLÓGICOS OBRA AUTO DA COMPADECIDA, DE ARIANO SUASSUNA


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Costa, Jonas Nogueira da O tribunal de Manuel : aspectos teológicos na obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna / Jonas Nogueira da Costa. -- São Paulo : Edições Loyola, 2015. -- (Coleção Faje) Bibliografia. ISBN 978-85-15-04232-6 1. Escatologia 2. Literatura 3. Religião 4. Suassuna, Ariano, 19272014. Auto da Compadecida - Crítica e interpretação 5. Teologia I. Título. II. Série. 14-12849

CDD-210.14 Índices para catálogo sistemático:

1. Teologia e literatura

210.14

Conselho Editorial da COLEÇÃO FAJE Profa. Dra. Marly Carvalho Soares (Filosofia/UECE) Profa. Dra. Miriam Campolina Diniz Peixoto (Filosofia/UFMG) Prof. Dr. Alfredo Sampaio Costa (Teologia/PUC-Rio) Prof. Dr. Cláudio Vianney Malzoni (Teologia/Unicap) Preparação: Maurício Balthazar Leal Capa: Fábrika Comunicação Integrada Foto de Reginaldo Gurgel Diagramação: So Wai Tam Revisão: Sandra Garcia Custódio

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ISBN 978-85-15-04232-6 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015


Ă€ Compadecida



Eu, Frei Francisco, [desejo] saúde a Frei Antônio, meu bispo. Apraz-me que ensines a sagrada teologia aos irmãos, contanto que, nesse estudo, não extingas o espírito (cf. 1Ts 5,19) de oração e devoção, como está contido na Regra. (Francisco de Assis, Fontes franciscanas)

“Quem gosta de tristeza é o diabo.” Ariano SUASSUNA, Auto da Compadecida



Sumário

Agradecimentos .....................................................................

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Lista de abreviaturas .............................................................

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Apresentação ..........................................................................

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Introdução ..............................................................................

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CAPÍTULO 1 Auto da Compadecida: um palco onde se encontram teologia, literatura e religiosidade popular........................ 1. Teologia e literatura: proposta de um diálogo profícuo............................................................. 1.1. A relação entre teologia e literatura e as contribuições da literatura para o pensamento teológico...................................... 1.2. As balizas para estabelecer um diálogo entre literatura e teologia ............................................. 1.3. O gênero literário “teatro” .................................. 2. O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna ............... 2.1. O autor ................................................................. 2.2. A obra Auto da Compadecida ...............................

23 23

24 34 35 38 38 44

CAPÍTULO 2 A Compadecida das misérias humanas .............................. 1. “Lá vem a Compadecida!” ............................................ 1.1. Maria entendida como “Compadecida” ............

79 79 80


1.2. “Valha-me, Nossa Senhora”: a intercessão de Maria ......................................... 86 1.3. As orações Ave-Maria e Salve-Rainha ................ 90 1.4. A mãe da justiça ................................................. 96 2. “Mulher em tudo se mete!” .......................................... 98 2.1. A inimizade entre a Compadecida e o Encourado ...................................................... 99 2.2. Maria como advogada e o “Advogado” por excelência: o Espírito Santo ................................ 102 2.3. A defesa da Compadecida em favor dos personagens da obra ..................................... 108

CAPÍTULO 3 O Tribunal de Manuel: o triunfo da misericórdia............. 1. O Juiz e seu Tribunal ..................................................... 1.1. O Tribunal de Manuel acontece “na morte” dos personagens .................................................. 1.2. Manuel, o juiz da humanidade .......................... 2. O juízo ............................................................................ 2.1. O juízo exercido por Manuel .............................. 2.2. As realidades escatológicas ................................. 3. A Compadecida e o Encourado ..................................... 3.1. Filho irado versus mãe bondosa? ........................ 3.2. Encourado, o acusador ........................................ 4. O protesto negado e a cólera divina .............................

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Conclusão ............................................................................... 185 Referências bibliográficas..................................................... 195


Agradecimentos

A Deus, que em sua misericórdia ultrapassa qualquer conhecimento humano. Ao meu orientador, o professor Dr. Francisco Taborda, pela atenção e pela paciência constantes. Aos meus confrades da Província Santa Cruz (OFM), sobretudo ao ministro provincial frei Francisco Carvalho Neto, pela confiança depositada em meu projeto de estudos. Entre os meus confrades, não poderia deixar de destacar frei Gabriel José de Lima Neto, frei Flávio Silva Vieira e frei Vicente da Silva Lopes, que acompanharam cada passo da minha formação humana, franciscana e intelectual. Aos meus colegas de mestrado, pelo companheirismo. Aos professores e demais funcionários da FAJE, pela dedicação à vocação jesuíta de ensinar com qualidade. De modo especial, aos funcionários da biblioteca, pela solicitude e pela simpatia. Aos meus pais, Conceição e João, aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos, que me acompanham com amor. Também aos amigos Maria Aparecida Leão Ramos Heilbuth e Sergio Jarczewski, pelo carinho e pela amizade. À CAPES, pelo apoio. 11



Lista de abreviaturas

AC

Auto da Compadecida1

CIACR

Comissão Internacional Anglicano-Católica Romana

DH

Denzinger, Hünermann

DHLP

Dicionário Houaiss da língua portuguesa

DV

Constituição dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina

EN

Exortação apostólica Evangelii nuntiandi

GS

Constituição pastoral Gaudium et spes

LG

Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja

PG

Patrologia Grega

PL

Patrologia Latina

SC

Sources Chrétiennes

As citações bíblicas seguem a Bíblia Sagrada — Tradução da CNBB, 9. ed., São Paulo/Brasília, Edições CNBB/Canção Nova, 2009. 1. SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 35. ed. Rio de Janeiro, Agir, 2005.

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Apresentação Francisco Taborda, SJ

A palavra “teologia” evoca primeiramente a linguagem acadêmica da explicitação da fé. É um falar que se dirige a um público bem específico, formado para seguir raciocínios abstratos ou históricos, obviamente com repercussão na vida das pessoas, porque todo falar de Deus quer levar a uma vivência. Entretanto, nem toda teologia está neste nível, há uma teologia implícita em toda produção humana, um saber e uma concepção de Deus escondidos em nossas obras. Entre as criações humanas sobressai, nesse sentido, a literatura (poesia, romance, teatro…) como fonte de uma teologia implícita que vale a pena explicitar, porque toda grande obra literária reflete as camadas mais profundas da experiência vivida pelos humanos. Essa teologia implícita, espontânea, não problematizada tem a ver com a intenção do autor ou com o universo de sentido em que ele se move. O teólogo profissional tem aí um campo fértil a explorar para entender como determinada compreensão da fé é transmitida subliminarmente ao leitor e como um autor não especializado em teologia expressa sua forma 15


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de entender a fé ou consegue captar o horizonte de fé presente em dado ambiente cultural. Essa é a razão de o teólogo debruçar-se sobre obras literárias significativas em busca da ideia de Deus que a elas subjaz. Jonas Nogueira da Costa, cuja dissertação de mestrado tive a satisfação de orientar, sentiu-se instigado a realizar essa leitura teológica de uma obra muito significativa da literatura brasileira, o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Ele conseguiu fazer uma interpretação iluminadora a partir de um significativo conhecimento do contexto literário, histórico e cultural em que foi produzida essa peça de teatro, levando em consideração também a história pessoal do autor. O Auto da Compadecida é muito propício a uma análise desse gênero, pois sua temática haure da religiosidade popular (especificamente nordestina). A teologia que o Auto transmite tem seu ápice no Tribunal de Manuel, ou seja, no julgamento por Cristo dos personagens da peça. E o próprio título, nos dois substantivos que o compõem, nos conduz a uma temática teológica, já que não só o gênero literário “auto” provém de uma prática medieval ligada à Igreja mas principalmente porque a Compadecida é Maria, Mãe de Jesus, em sua função de intercessora pelos pecadores. O diálogo que Jonas estabelece entre teologia e literatura caracteriza-se por respeitar o caráter próprio da obra literária estudada, que não é teológica nem apologética, senão que visa a divertir o público, ao mesmo tempo em que lhe transmite uma mensagem profunda sobre o humano e o divino. Jonas alcança desentranhar três aspectos teológicos fundamentais da obra em ques16


Apresentação

tão: sua intenção moral, sua mensagem teológica e sua abertura pastoral. A intenção moral, explicitamente marcada já no início da obra, no discurso do palhaço/apresentador, se manifesta como crítica ao mundanismo eclesial, crítica que continua atual, apesar de todo o esforço realizado nesse ínterim pelas melhores forças vivas da Igreja. É tão atual essa questão que o papa Francisco, em suas homilias diárias na Casa de Santa Marta, não se cansa de denunciar a tendência ao mundanismo, certamente muito visível no carreirismo eclesiástico que o papa “vindo do fim do mundo” observa existir lá a seu lado, na Cúria Romana. A mensagem teológica é, primeiramente, a apresentação do Cristo-juiz, não aquele juiz distante e prepotente que pode sugerir, por exemplo, o Juízo Final de Michelangelo na Capela Sistina. Ao contrário dessa imagem, tantas vezes inculcada em certo tipo de pregação, o Cristo/Manuel é um juiz humilde e misericordioso. Juiz humilde, que se apresenta como representante da raça negra tantas vezes desprezada como inferior. Juiz misericordioso, que leva em consideração todas as circunstâncias da vida das pessoas para julgá-las com bondade. A essa releitura cristológica se acrescenta como teologicamente importante a sátira da figura do diabo. Ridículo e impotente, ele surge no Auto como alguém bem distante daquele ser perigoso que no imaginário popular parece frequentemente tão poderoso e tão onipresente quanto Deus. Por fim, a figura de Maria, descrita com muita simpatia como intercessora, especialmente no momento supremo. Ela pode exercer sua função de interceder junto 17


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a seu Filho, compadecida das misérias humanas, porque seus critérios são os mesmos critérios de Manuel, o Cristo, que, designado com um nome tão frequente e familiar entre nós — quem não tem algum manuel na família ou no círculo de amigos? —, se mostra como de fato é: “Deus conosco — Emanuel” (Mt 1,23), capaz de compreender nossas fraquezas, “pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15). Por fim, o Auto da Compadecida pode ser uma ferramenta pastoral daquilo que se torna cada vez mais necessário num mundo em vias de secularização: a evangelização pela arte. A Igreja, desde que pôde sair da clandestinidade inicial, sempre fomentou a arte, apreciada até hoje por turistas e estudiosos de todos os credos e culturas, mas tantas vezes não cabalmente compreendida por faltar um mínimo de conhecimento da fé que lhe deu origem. A tarefa da Igreja é usar como meio de evangelização a arte que surgiu em seu seio e mostrar através dela o mistério insondável de Cristo aos contemporâneos que nunca tiveram contato com a fé ou a conhecem apenas superficialmente em versões espúrias e caricatas. Uma fé que inspirou tais artistas só pode conter algo que seja ainda hoje tão válido quanto a arte que suscitou. Finalizando, só resta parabenizar o Jonas por esta obra com que nos presenteou e desejar que ela desperte nos leitores a busca da face de Deus, como sugere a epígrafe da introdução: “Tua face, Senhor, eu busco” (Sl 27, 8). Belo Horizonte, 15 de julho de 2013 Memória de São Boaventura, OFM, bispo e doutor da Igreja

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