Raízes e Asas - Educar à fé em família

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É precisamente nestes anos que se aprofundam as raízes da existência humana, mas também da vida de fé da criança. Nesta fase, a vida espiritual da criança é confiada à família e, só mais tarde, a outras instâncias educativas, como a escola ou a paróquia. O milagre da fé acontece na cozinha, na sala de estar e no quartinho onde se dorme. Numa escrita ágil, repleta de sugestões educativas concretas, os pais encontrarão pistas para educar os filhos na fé, ensinar a rezar, narrar o Evangelho, descobrir Deus na vida quotidiana, e a ter uma visão cristã sobre experiências vitais da criança, como a doença, os medos, as questões sobre Deus, sobre a morte, sobre o Paraíso. Porquê raízes?

As “raízes” são os primeiros anos da vida, tempo único na formação da personalidade. Numa visão cristã, as raízes remetem para Deus, fonte de amor. Porquê asas? As “asas” sublinham as potencialidades da criança, e a misteriosa aspiração

de encontrar o Senhor. A família é chamada a ensinar a voar.

ta e mãe, , psicóloga, psicoterapeuta, catequis quese. cate a para s ídio para a escola e subs publicou na Elledici textos de religião Uma . one cazi edu ed i ches o volume Cate Também para a Elledici preparou relação possível e fecunda (2011).

FRANCA FELIZIANI KANNHEISER

FRANCA FELIZIANI KANNHEISER

e asas

Educar à fé em família N IME C S NA DO

Raízes e asas

Este livro pretende ser um guia simples para mães e pais de crianças dos zero aos seis anos. Esta primeira etapa de vida é mágica, porque é vivida com espanto e repleta de possibilidades de crescimento.

FRANCA FELIZIANI KANNHEISER

RaizesEasas_CapaGRAFICA.pdf 1 12-07-2021 10:34:40

OS 6 TO A

ANOS



FRANCA FELIZIANI KANNHEISER

Raízes e asas Educar à fé em família

DO NASCIMENTO AOS 6 ANOS



APRESENTAÇÃO

Crianças nas mãos de Deus, dos pais, da comunidade As crianças são um dom de Deus, o fruto de uma opção ­corajosa que enche de alegria e de emoção os pais, uma p ­ resença que enriquece a Igreja e a reveste de festa e de esperança. Com estupefação, abrimos o nosso coração a todas as crianças que, sem exceção, desde o seio materno são ­amadas pelo Senhor. Como Jesus, olhamos com os seus olhos, cheios de afeto e emoção, cada criança para a acolher, tomar nos ­braços, abençoar, deixar-nos interrogar pelo seu rosto n ­ ocente e cheio de confiança. Vindo de longe, cada filho é um vento misterioso e uma palavra silenciosa da ternura de Deus. É um cântico de festa e um hino à vida. É dom que perturba e enche o dia. É bênção e expetativa. Acolhê-lo é amá-lo, cuidar dele, empenhar-se para que cresça são e sereno, é apoiar o seu progressivo amadurecimento na liberdade, é acompanhá-lo no caminho para o Senhor. Para favorecer uma existência serena e promover um progressivo crescimento humano e espiritual da criança temos nas mãos o texto, realista e sábio, de Franca F ­ eliziani K ­ annheiser, psicoterapeuta, catequista e mãe. O título, ­concreto e atraente, Raízes e asas, evoca as coordenadas do conteúdo. APRESENTAÇÃO  3


As “raízes” apontam para os primeiros meses e anos de vida da criança. É um tempo único e fundamental que incide ­profundamente na estruturação da personalidade, na f­ ormação do conceito de si, no desenvolvimento de uma relação positiva ou perturbada. Diretamente, faz-se apelo à ação materna e paterna dos pais, primeiros responsáveis e garantes do crescimento do filho. Numa visão cristã, as raízes remetem para Deus, princípio e fonte da vida. Por sua vez, as “asas” sublinham as singulares potenciali­ dades da criança para voar alto: capacidade de ­desenvolver ­relações serenas e construtivas e de crescer na vida boa, ­interesse na descoberta, necessidade de autonomia, disponibilidade para dar passos na via do altruísmo, da gratuidade e da colaboração… profunda necessidade e misteriosa aspiração de encontrar o Senhor. A família é chamada a ensinar a voar. A esta sua tarefa são dedicados os capítulos da segunda parte do texto. A escrita ágil, que oferece s­ ugestões educativas concretas, coloca no centro três sujeitos. Antes de tudo, as crianças com a sua p ­ articular riqueza e c­ apacidade, as suas exigências e expetativas. Uma atenção constante é pedida aos pais chamados a guardar e ­valorizar o dom do filho e a ajudá-lo a tornar-se uma pessoa crente. É contínua, por isso, a referência a Deus, por vezes de forma indireta, com frequência de forma explícita, sobretudo com concretizações eficazes na “caixa” dedicada à «criança e Deus». Ao aprofundamento de traços fundamentais da educação à fé, como ensinar a rezar, narrar o Evangelho, descobrir Deus na vida quotidiana, juntam-se reflexões, inspiradas uma visão cristã, sobre experiências vitais da criança, como a doença, os medos, as perguntas sobre Deus, sobre a morte, sobre o Paraíso.

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A atenção dada ao Batismo, à Eucaristia, à Igreja, casa entre as casas, remete para a comunidade cristã e, implicitamente, para a responsabilidade de promover um adequado acompanhamento dos pais antes do batismo e nos anos seguintes. O texto, que enriquece e encoraja o projeto de pastoral pré e pós-batismal, é dirigido aos pais como um válido apoio para a ação educativa. Nele também sacerdotes, religiosas e educadores das crianças, catequistas dos pais e agentes da pastoral familiar encontrarão motivações, critérios e orientações para um carinhoso acolhimento dos mais pequenos e para um frutuoso serviço às famílias. Um agradecimento sincero à Autora e os melhores votos aos leitores.  Giuseppe CAVALLOTIO,

Bispo Emérito de Cuneo e de FossanoCuneo, 27 deagosto 2015, Memória de Santa Mónica

APRESENTAÇÃO  5



INTRODUÇÃO

Crescer bons e felizes Este livro quer ser um guia simples, oferecido às mamãs e aos papás daquelas crianças que estão a viver os «anos mágicos» da sua vida, isto é, aquele período de tempo que vai desde o nascimento aos seis anos. Anos mágicos porque ricos de ­surpreendentes possibilidades de crescimento e de desenvolvimento. Precisamente nestes anos aprofundam-se as raízes da existência humana, mas também da vida de fé da criança. A sua riqueza é confiada – numa medida que nunca mais será igualada – à família e, só gradualmente, a outras instâncias educativas, como a escola ou a paróquia. A mamã e o papá são os primeiros guardas desse tesouro e aqueles que, mais do que outros, são competentes no seu cuidado. Têm necessidade, porém, de ser apoiados e confortados numa missão tão empenhativa. Neste ágil volumezinho gostaríamos de estabelecer um diálogo, respeitoso e discreto, sobre os aspetos principais do desenvolvimento infantil, sobre como favorecer um crescimento são e sereno, procurando encontrar uma resposta às interrogações mais comuns que se apresentam na educação do filho. Poderemos perguntar-nos se compete à comunidade cristã oferecer subsídios deste tipo. Certamente que sim, se considerarmos a fé – e a fé cristã em particular – não um conjunto de ensinamentos a aprender, mas, como anunciou Jesus, a “Boa INTRODUÇÃO  7


Notícia” sobre a nossa vida, isto é, que ela está nas mãos de um Pai Bom que quer que ela floresça em plenitude e abundância. O desejo de bem e de felicidade que qualquer pai nutre pelos seus filhos encontra fundamento e origem no próprio desejo de bem que Deus nutre por cada um de nós. Assim, por um dom maravilhoso, para encontrar Deus não devemos fazer mais do que viver a nossa missão de mães e de pais. E precisamente no caminho da nossa maternidade e paternidade também os nossos filhos podem encontrá-l’O nos gestos simples e usuais de cada dia. Com efeito, não é só nas igrejas que o milagre da fé lança as suas raízes, mas na cozinha e no quarto, na sala e no quartinho das crianças de uma casa normal: lá onde se vive, compartilhando alegrias e sofrimentos. Muitas vezes, os pais sentem-se incapazes de educar os filhos na fé cristã, ainda que sintam desejo disso. Muitos porque não encontram as palavras para comunicar a mensagem de Jesus, confiada à Igreja; outros porque não a recordam ou deixaram de a ver como ajuda para a sua vida de todos os dias. Todos os pais têm, porém, uma coisa em comum: o desejo de bem para os seus filhos e – mais ou menos claramente – a intuição de que para ele se realizar há necessidade de uma aliança com o Deus de Jesus Cristo. Muitos daqueles que pedem o sacramento do Batismo para o seu filho, dão-se conta da exigência, porventura não totalmente consciente, de o confiar a mãos mais capazes do que as suas – as de Deus – que saibam guardá-lo, sustentá-lo, torná-lo feliz. Outros, motivados por uma fé profunda, batem à porta da comunidade cristã, à qual sentem pertencer, para pedir explícita

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e conscientemente que ela se abra também para o filho que querem acompanhar numa vida de fé. Para todos, o caminho começa no mesmo lugar e no mesmo momento: desde quando, conscientes da chegada do filho, se começa a preparar um espaço para ele, não só no corpo, mas também no coração e na cabeça: começa-se a pensar nele, a falar dele, a dar-lhe um nome, a “inscrevê-lo” na história da própria família. A educação à fé parte daqui e percorre silenciosamente as etapas da educação para a vida e torna-se depois mais explícita no pedido do Batismo com que os pais solicitam à Igreja que acolha o próprio filho, para que faça parte dela. Este livro convida as mamãs e os papás que acompanham a criança a pequenos passos na vida, a percorrer com ela – a pequenos passos – também o caminho da fé cristã, na ­fundada esperança de que isso leve a um dom recíproco de liberdade e de amor.

INTRODUÇÃO  9



Primeira parte

Partir das raízes A CRIANÇA DOS ZERO AOS SEIS ANOS

Capítulo primeiro Capítulo segundo Capítulo terceiro Capítulo quarto

Conceber a vida O cuidado das raízes À partida O Batismo

«Há uma marca que só a família pode dar e que permanece no tempo… Até a imagem de Deus, que a criança levará consigo, será caraterizada pela experiência religiosa vivida nos primeiros anos de vida» (CEI, Educare alla vita buona del Vangelo, nn. 36-37)



CAPÍTULO PRIMEIRO

Conceber a vida

O anúncio «[...] o teste era inequívoco, estava grávida. Disse aquela frase sem acreditar muito. Com as mãos a tremer, reparei no resultado, imóvel, estupefacta. Fiquei por instantes sem fazer nada, queria aproveitar do meu último momento de solidão. […] sozinha comigo mesma […] com a estranha sensação de que estava para acontecer algo de irreversível […] algo que já não dependia de mim.»1

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E. Abécassis, Lieto evento, ed. Marsilio, Venezia 2006, pp. 24-25. CONCEBER A VIDA  13


Todas as mamãs, cada uma de modo pessoalíssimo, podem espelhar-se nestas palavras de uma mulher ao descobrir que está grávida: a surpresa e, de acordo com as circunstâncias em que a maternidade se anuncia, a alegria ou a preocupação, ou então, como é compreensível, um misto de ambas. Com efeito, quando o filho se anuncia, tudo muda e de repente as pessoas encontram-se projetadas numa nova dimensão, a de pais, isto é, de dois adultos que se tornam geradores de modo totalmente concreto e particular: uma “terceira pessoa” entra na relação do casal, perturba os equilíbrios, põe-na «em crise», no sentido de que a vida juntos é vivida e projetada numa perspetiva totalmente nova. Muitas vezes, o filho é procurado e querido; outras vezes, chega de surpresa, mas é acolhido com alegria; outras vezes – não poucas – mesmo nas famílias tradicionalmente cristãs, o novo recém-chegado tem dificuldade em ser reconhecido como acontecimento de graça, por indisponibilidade psicológica ou económica do núcleo familiar. Há também situações em que o filho é fruto de um encontro ocasional ou de uma relação sofrida. Então ele vem tornar visível um aparente fracasso infligido pela vida; é sinal de uma perda e não de uma realização. A sua chegada traz um cortejo de medos, rancores, sentimentos de culpa. Não adiante negar a complexidade e a ambivalência de um acontecimento tão importante. Todavia, um filho representa sempre a possibilidade de um novo começo para os pais, uma ocasião para pôr em ação as próprias potencialidades e para descobrir aspetos da vida desconhecidos de quem não arrisca gerar um novo ser. Para a fé cristã, todo a criança que é concebida é uma promessa de Deus que se realiza. Como escreve o poeta indiano

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Tagore: «Cada criança que nasce é o sinal de que Deus não se cansou da humanidade». Tornar credível esta promessa é também tarefa da comunidade cristã que desde os inícios é chamada a acompanhar os pais a tornar-se tais.

Os dias da espera A espera do primeiro filho está carregada de emoções. Para nós, habituados a ter logo tudo, significa percorrer os carreiros da paciência, da incerteza, do ainda-não. É um caminho iniciático em que se aprende – primeiro no coração e na mente e depois no corpo – a ser pais e mães. Na mulher, esta mudança é ainda mais radical porque influ­ encia a sua identidade feminina: de filha, a mulher, a mãe. O novo estado exigirá um equilíbrio destes diferentes estados do eu. Na mulher, realiza-se silenciosamente um processo de interiorização. Esta criança, ainda invisível, mas já viva e presente, ­desloca a atenção para o interior, para aquele mundo de emoções, de pensamentos escondidos, de fantasias umas vezes alegres e outras tristes, que com frequência é sufocado pelos ritmos frenéticos do dia, pelo dever da eficiência a todo o custo. Assim, o tempo da gravidez pode tornar-se ocasião de escuta de si e das suas exigências mais profundas. Escreve uma mulher que espera o seu primeiro filho: «De repente, pela primeira vez consigo ver aquela de mim à qual ainda não havia tido acesso … Os compromissos de trabalho, a pressa … no verão férias, relax. Tudo isto me bastava … Agora emergem as perguntas: “Quem sou eu de facto? Que quero?”» . 2 2

A. Pellai, L’attesa, ed. Erickson, Trento 2013, p. 35. CONCEBER A VIDA  15


Ser mãe é um processo lento e delicado, que deveria ser cuidado e protegido pelo ambiente em que mulher vive, ­permitindo-lhe preparar aquele berço invisível em que a criança ainda não nascida começa a ser acolhida. Berço entrelaçado pelo papá e pela mamã e feito de pensamentos e expetativas, de sonhos e de promessas. Através da escuta atenta ao que está a acontecer dentro do seu corpo, através de conversas sobre o filho, feitas com o papá e os outros entes queridos, através das narrativas de maternidade ouvidas da própria mãe e de outras mulheres, a criança não nascida toma o seu lugar na mente da futura mamã e no imaginário familiar. Só assim, quando nascer, encontrará o seu lugar na ­família, porque, como diz ainda Tagore, será “florido dos sonhos” da mamã e, se bem que de modo diferente, também dos do papá. O processo de dar lugar ao filho na própria mente será, no decurso do seu crescimento, a condição indispensável para cuidar verdadeiramente dele. A espera torna-se assim tempo de amadurecimento: «Se um filho nascesse no mesmo dia em que é concebido, os seus pais seriam como eram no dia anterior e teriam de começar a transformar-se em mamã e papá tendo-o já ali, vivo e presente nas suas vidas e na sua casa. Mas tendo ao dispor nove meses para te fazer nascer permite-nos tornar-nos diferentes de como éramos, mudar prioridades, redimensionar projetos, sonhos e desejos para dar espaços a outros projetos, sonhos e desejos que incluem também a tua presença».3 No ininterrupto colóquio com a criança que a habita e no desejo sempre crescente de que ele possa nascer sã e viver feliz, muitas vezes redescobre-se também a própria relação com Deus, porventura adormecida há anos. 3

A. Pellai, Op. cit., p. 101.

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A mesma mamã partilha: «Nos últimos meses, encontreime algumas vezes a rezar, coisa que já não fazia desde pequena. Não as orações do costume, que tinha aprendido na catequese, mas verdadeiras e próprias conversas com o Criador: “Se existes, pensa Tu nisso, porque eu, mais do que isto, não posso fazer”. Tratava-O como se fosse um colega meu de trabalho. Enquanto me invadem estes pensamentos vem-me à mente um pequeno quadro que vimos numa pequena igreja: representava Deus com o rosto de um pai terno que tem o seu filho nos braços. Um rosto e um olhar capazes de perdoar tudo. E por isso também a mim. Se Ele existe, ama-me e ama-te seguramente também a ti».4

Nutri-lo de quietude e de sons No decurso da gravidez, mamã e bebé falam-se com linguagens diferentes. Há a linguagem da quietude e do silêncio, quando o bebé repousa e a mamã o sonha. Há a linguagem dos ­movimentos: do corpo da mamã e os do bebé que se move e escoicinha, e há a melodia da voz da mamã que o bebé aprenderá a reconhecer entre todas. O psicanalista Franco Fornari traça um ousado paralelo com o início do Evangelho de João: «No princípio era o som, e o som estava junto da mãe, e o som era a mãe».5 A voz da mamã chega ao bebé desde dentro, propagando-se através dos órgãos do seu corpo e é sempre a mamã a fazer de filtro para os ruídos exteriores. O bebé vive, portanto, num universo sonoro e quanto mais harmonioso e sereno este for, tanto mais a criança é sustentada por um ritmo simultaneamente estimulante e tranquilizante. Depois do nascimento, este universo sonoro sofrerá variações, 4 5

A. Pellai, Op. cit., pp. 85-86. F. Fornari, Psicoanalisi della musica, Ed. Longanesi, Milano 1984, p. 13. CONCEBER A VIDA  17


mas permanecerá a recordação de um ritmo inicial, banda sonora da vida. Veremos como mesmo depois do nascimento, a voz da mamã representa um elemento de continuidade entre a vida uterina e a vida extrauterina. Como uma carícia e um abraço, ela embala a criança. Assim o “materês”6, isto é, aquela forma de linguagem feita de sons, lengalengas, palavras “cantadas” que cada mamã inventa para o seu bebé, torna-se uma carícia e um abraço que o embalam.

O nascimento O momento do parto é desconcertante para todas as mulheres. Dor e alegria, alívio e preocupação entrelaçam-se. A força da vida, que atravessou dolorosamente o corpo perturbando-o, enche de estupefação a mamã, mas também o papá, sobretudo se assiste ao parto. Aquele bebé imaginado durante nove meses está aqui. Já não é o bebé do sonho, mas um bebé real, tão necessitado de tudo, tão dependente que suscita na neo-mamã sentimentos de temor e de inadequação. Estes sentimentos, unidos a um sentimento de perda, geram em muitos casos aquele estado emotivo da parturiente conhecido como depressão pós-parto. Algumas mulheres estão mais sujeitas a ele do que outras, mas para todas vale a exigência de ser apoiadas prática e afetivamente sobretudo pelo papá, mas também pelos outros familiares. Muitas mulheres sentem a necessidade de ter junto de si a sua mãe a quem, nestes momentos, podem sentir-se particularmente ligadas. 6 Nota do editor: Materês é um neologismo, designando a língua da mater, da mãe.

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Este apoio do companheiro e de outros familiares permitelhes dedicar-se completamente ao filho desenvolvendo aquilo a que R. D. Winnicott, um dos maiores especialistas da relação mãe-bebé, chama a preocupação materna primária. Sobretudo neste primeiro período, tantas são as coisas que mamã e bebé devem aprender um do outro: o ritmo do sono e da vigília, como satisfazer a fome, como responder adequadamente à sua necessidade de cuidados físicos e de calor, mas sobretudo como ativar de modo certo aquele mecanismo inato da vinculação, isto é, a necessidade de o bebé criar uma particular ligação com a sua mãe. Como demonstrou a investigação psicológica das últimas décadas, será a modalidade deste vínculo a condicionar o bem-estar psicofísico do bebé, para se refletir depois em todas as relações que criará na sua vida adulta, incluindo a sua relação com Deus. As crianças não esperam da mamã e do papá a perfeição, mas a capacidade de entrar em contacto com as suas necessidades e de responder às mesmas de modo cada vez mais adequado. Um sinal que indicará se se está no bom caminho será o prazer de estar juntos, de fazer juntos sempre novas descobertas.

Nascer «Agora estás aqui. Ar e terra, água e fogo. Respiração, sangue, carne. Ter-te entre as mãos é o milagre da vida. És de uma pequenez infinita. Pareces nada e és tudo. Contemplo-te e tremo. Rio e choro. CONCEBER A VIDA  19


As minhas lágrimas são de amor e fadiga. Revivo os nossos nove meses. Nove meses à tua espera. Uma espera em que tu nascias filho. E eu mãe. Fiz-te nadar numa bolha de amor. Alimentei-te com as palavras do coração. E com a minha carne. Agora tu és eu e eu sou tu. Eu e tu tornamo-nos eternos. No teu presente está todo o meu passado. Contemplo-te e tornas-te para mim ressonância de luz infinita. A luz da vida».7

A criança e Deus A confiança que o bebé sente nos braços da mamã é o primeiro anúncio de que Deus o ama e que pode fiar-se d’Ele. Sentir-se acolhido pela mamã e pelo papá, é a raiz de toda a experiência religiosa. Neste sentido, cada mamã e cada papá são catequistas porque anunciam com os seus gestos e as suas palavras a Boa Nova: «Não tenhas medo. Não estás só! Tu pertences-me».

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A. Pellai, Op. cit., pp. 121-122.

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A criança e Deus Uma criança, para crescer, precisa de desenvolver um sentimento profundo de confiança que nasce de se sentir aceite sem reservas e guiado para a autonomia. «Podes andar porque eu estou aqui e não te abandono!» É a mensagem que a mamã e o papá transmitem com o olhar, os gestos, as palavras e que permite à criança soltar-se e iniciar a grande aventura do crescimento. Nos braços da mamã e do papá que se abrem e encorajam a caminhar sozinho, o bebé poderá experimentar a própria mão de Deus que não aprisiona, mas encoraja e sustenta num caminho de liberdade. O anúncio de um Deus Pai bom que chama à vida antes de ser uma verdade de fé é para a criança uma experiência que passa pelo corpo, pelas emoções e só depois se torna conteúdo da mente.

PARTIDA  37


índice

APRESENTAÇÃO: Crianças nas mãos de Deus, dos pais, da comunidade.......................... 3 INTRODUÇÃO: Crescer bons e felizes......................................................................................7 PRIMEIRA PARTE PARTIR DAS RAÍZES A criança dos zero aos seis anos CAPÍTULO PRIMEIRO: Conceber a vida................................................................................13 O anúncio.......................................................................................................................... 13 Os dias da espera............................................................................................................... 15 Nutri-lo de quietude e de sons........................................................................................17 O nascimento.................................................................................................................... 18 CAPÍTULO SEGUNDO: O cuidado das raízes.........................................................................21 In principio........................................................................................................................ 21 O espelho mágico.............................................................................................................25 A música da vida............................................................................................................... 27 Mamã e papá apoios seguros para crescer bem...........................................................28 CAPÍTULO TERCEIRO: Partida................................................................................................31 O laço que dá segurança.................................................................................................. 31 Primeiros passos...............................................................................................................34 CAPÍTULO QUARTO: O Batismo............................................................................................ 38 No início da vida uma família fez festa..........................................................................38 Um rito para descobrir a nossa identidade....................................................................39 Uma ocasião de confronto............................................................................................... 41 SEGUNDA PARTE ASAS PARA VOAR A criança dos dois aos seis anos CAPÍTULO QUINTO: A aventura do crescimento................................................................ 45 A aventura da relação.......................................................................................................46 A família: ginásio de relações.......................................................................................... 47 A aventura da mente........................................................................................................52 A aventura da linguagem.................................................................................................53 CAPÍTULO SEXTO: Crescer na vida boa................................................................................ 56 Os “não” que fazem crescer............................................................................................56 CAPÍTULO SÉTIMO: A mamã e o papá ensinam os ritmos bons da vida......................... 63 Dizer “bom dia” ao dia.....................................................................................................64

ÍNDICE  127


CAPÍTULO OITAVO: O mundo do jogo e dos amigos.......................................................... 68 Jogar para crescer.............................................................................................................68 Queres brincar comigo?...................................................................................................71 Jogo e amizade.................................................................................................................. 73 CAPÍTULO NONO: As palavras e o silêncio............................................................................77 Escutar o silêncio que conta............................................................................................ 77 Ensinar a rezar..................................................................................................................82 CAPÍTULO DÉCIMO: À volta da mesa................................................................................... 86 O Evangelho do quotidiano.............................................................................................87 O Evangelho narrado na cozinha...................................................................................88 O lugar dos avós................................................................................................................88 CAPÍTULO ONZE: Um mundo de maravilhas...................................................................... 90 Papá, quando é que o mar fecha?...................................................................................90 Descobrir Deus entre joaninhas e margaridas..............................................................92 CAPÍTULO DOZE: Uma casa entre as outras, uma família de famílias.............................. 95 O tempo e o espaço na experiência da criança.............................................................95 A igreja: uma casa no meio das casas.............................................................................97 CAPÍTULO TREZE: A vida faz pensar..................................................................................... 99 Uma viagem ao coração da realidade guiados pelas perguntas das crianças.........100 A criança pergunta para compreender a vida ............................................................102 As perguntas sobre Deus ...............................................................................................102 CAPÍTULO CATORZE: Mamã, tenho medo!.........................................................................104 Histórias de medo...........................................................................................................104 Se estiveres ao pé de mim, não tenho medo ..............................................................105 O medo é como um bosque…, mas pode-se atravessar com a oração.....................108 CAPÍTULO QUINZE: Quando a doença bate à porta…....................................................... 109 Um hóspede indesejado................................................................................................109 Quando o sofrimento é fome de amor.......................................................................... 111 A figura do anjo................................................................................................................112 Nem todos os anjos têm asas!.........................................................................................115 CAPÍTULO DEZASSEIS: Os cães no céu têm asas?.............................................................. 117 As perguntas das crianças sobre a morte......................................................................117 «Como é feio o Paraíso!»................................................................................................119 CONCLUSÃO: Queridos pais..................................................................................................123

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É precisamente nestes anos que se aprofundam as raízes da existência humana, mas também da vida de fé da criança. Nesta fase, a vida espiritual da criança é confiada à família e, só mais tarde, a outras instâncias educativas, como a escola ou a paróquia. O milagre da fé acontece na cozinha, na sala de estar e no quartinho onde se dorme. Numa escrita ágil, repleta de sugestões educativas concretas, os pais encontrarão pistas para educar os filhos na fé, ensinar a rezar, narrar o Evangelho, descobrir Deus na vida quotidiana, e a ter uma visão cristã sobre experiências vitais da criança, como a doença, os medos, as questões sobre Deus, sobre a morte, sobre o Paraíso. Porquê raízes?

As “raízes” são os primeiros anos da vida, tempo único na formação da personalidade. Numa visão cristã, as raízes remetem para Deus, fonte de amor. Porquê asas? As “asas” sublinham as potencialidades da criança, e a misteriosa aspiração

de encontrar o Senhor. A família é chamada a ensinar a voar.

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