Expressão Corporal com Adolescentes

Page 1


Vicky Hernández - Pilar Rodríguez

EXPRESSÃO CORPORAL COM ADOLESCENTES Sessões para educação cívica, formação e workshops

–1–


Aos que encontrei no caminho, aos que apoiaram, compreenderam, aos que se alegram com a minha vocação. Para me ajudar a canalizá-la, a trazê-la para a luz, a partilhá-la, a colocá-la ao serviço dos outros vencendo as minhas inseguranças, timidez e comodidade.

–3–


Índice

Introdução ..................................................................................

7

Primeira Parte

Adolescentes e Expressão Corporal 1. O PERFIL ADOLESCENTE ...................................................

11

1.1. Desenvolvimento mental ................................................ 1.2. Imagem corporal ............................................................. 1.3. Marcada independência ................................................. 1.4. Idealismo ........................................................................ 1.5. Amizade .......................................................................... 1.6. Futuro incerto .................................................................. 1.7. Conclusões: o formador perante o adolescente .............

11 11 12 12 12 12 14

2. A EXPRESSÃO CORPORAL EM AMBIENTE ESCOLAR .....

15

3. EXPRESSÃO CORPORAL: OBJECTIVOS APLICADOS AO ADOLESCENTE ........................................................................

17

3.1. Actividade integradora da pessoa ................................... 3.2. Criatividade: prestando atenção à diversidade e à individualidade ........................................................................ 3.3. Tónica nas atitudes .........................................................

17

4. METODOLOGIA DA EXPRESSÃO CORPORAL ...................

24

4.1. atitude do formador ......................................................... 4.2. Ritmo e estratégias no processo .................................... 4.3. A avaliação ......................................................................

24 26 29

19 20

–5–


5. SESSÃO DE MOTIVAÇÃO ....................................................

35

5.1. Porquê motivar? ............................................................. 5.2. Motivação ....................................................................... 5.3. Para começar .................................................................

35 35 35

SEGUNDA PARTE

DINÂMICAS POR INTERESSES Notas práticas ............................................................................

38

6. DINÂMICAS DE INTEGRAÇÃO ............................................

39

1. Gente com gente (I) ......................................................... 2. O chato (I, A) .................................................................... 3. Correndo (I, A) ................................................................. 4. Um, dois ou três (I) .......................................................... 5. As correntes (I, A) ............................................................ 6. Os siameses (I) ................................................................ 7. O laço (I) .......................................................................... 8. Rebelião (I) ...................................................................... 9. De três em três (I, A) ........................................................ 10. Tocar e evitar (I, A) ........................................................... 11. Bailes de salão ................................................................. 12. A história .......................................................................... 13. Toca a ..............................………………………………….. 14. Os nomes ………………………………………………….... 15. Transformações ……………………………………………..

39 39 40 40 41 41 41 42 42 42 43 43 44 44 45

7. DINÂMICAS DE COOPERAÇÃO ……………………………...

47

16. As letras ……………………………………………………… 17. Sopa de letras ………………………………………………. 18. As máquinas ………………………………………………… 19. Os lençóis …………………………………………………… 20. Construções ………………………………………………… 21. Os monstros ………………………………………………… 22. Natureza …………………………………………………….. 23. Equilíbrio ……………………………………………………..

47 47 47 48 48 48 49 49

–6–


8. DINÂMICAS DE ATENÇÃO E MEMÓRIA …………………….

50

24. De quem se trata? ………………………………………….. 25. Os números …………………………………………………. 26. O escaparate ……………………………………………….. 27. Paisagens …………………………………………………… 28. Os quadros ………………………………………………….. 29. Mudanças …………………………………………………… 30. O fotógrafo …………………………………………………... 31. Como era? …………………………………………………... 32. O olhar ……………………………………………………….. 33. O olhar ………………………………………………………..

50 50 51 51 52 52 53 53 54 54

9. DINÂMICAS DE FLUIDEZ ……………………………………...

55

34. Saudações ………………………………………………….. 35. Disfarces …………………………………………………….. 36. As cadeiras ………………………………………………….. 37. Adaptação rítmica ………………………………………….. 38. De parede a parede ………………………………………... 39. Transportes ………………………………………………….. 40. O que é isto? ………………………………………………... 41. Corpo ou objecto …………………………………………… 42. O que poderias ser? ………………………………………..

55 55 55 56 56 57 57 57 58

10. DINÂMICAS DE EMPATIA …………………………………….

59

43. As sombras ………………………………………………….. 44. O eco corporal ………………………………………………. 45. De discoteca ………………………………………………… 46. Careta ………………………………………………………... 47. Como o papagaio …………………………………………... 48. Tu ou eu? ……………………………………………………. 49. Continua ……………………………………………………... 50. Trajectórias ………………………………………………….. 51. Massagem …………………………………………………... 52. Troca de papéis ……………………………………………..

59 59 60 60 61 61 62 62 62 63

11. DINÂMICAS DE EXPRESSÃO ……………………………….

64

53. Quadros com tema …………………………………………. 54. Quadros evolutivos ………………………………………… 55. Oposição ……………………………………………………..

64 64 65

–7–


56. Estátuas expressivas ………………………………………. 57. Todos em paz ……………………………………………….. 58. Yes! …………………………………………………………... 59. Palavras corporais …………………………………………. 60. Banda sonora ……………………………………………….. 61. Fazendo ao contrário ………………………………………. 62. Posições abertas e fechadas ……………………………... 63. Sou …………………………………………………………… 64. Querido antebraço ………………………………………….

65 66 66 66 67 67 68 69 69

12. DINÂMICAS DE PERCEPÇÃO ………………………………

70

65. Animais ………………………………………………………. 66. Mudança de ritmo ………………………………………….. 67. A muralha da China ………………………………………… 68. Os objectos ………………………………………………….. 69. Como é que o vês? ………………………………………… 70. E o meu colega? ……………………………………………. 71. Estátuas rígidas e relaxadas ……………………………… 72. As nossas costas …………………………………………... 73. As nossas mãos ……………………………………………. 74. As nossas caras ……………………………………………. 75. Respirando ………………………………………………….. 76. Figuras em movimento ……………………………………..

70 70 70 71 71 72 72 72 73 73 74 74

13. DINÂMICAS DE CONFIANÇA ………………………………..

76

77. Pela mão …………………………………………………….. 78. O girassol ……………………………………………………. 79. Ver por trás ………………………………………………….. 80. Segue o som ………………………………………………... 81. A parede ……………………………………………………... 82. Às suas ordens ……………………………………………...

76 76 77 77 78 78

TERCEIRA PARTE

SESSÕES E EXPERIÊNCIAS 14. PROPOSTAS DE SESSÃO …………………………………..

80

14.1. Fases de uma sessão …………………………………... 14.2. Sete sessões ……………………………………………..

80 80

–8–


15. EXPERIÊNCIAS E APLICAÇÕES ……………………………

84

15.1. Ensino Secundário ……………………………………… 15.2. Programas de formação profissional e integração social …………………………………………………………….. 15.3. Aplicações em níveis etários mais baixos ……………. 15.4. A expressão corporal noutras áreas …………………...

84

15.4.1. Língua ……………………………………………. 15.4.2. Língua estrangeira ……………………………… 15.4.3. Educação visual …………………………………

89 90 93

Anexo I: Centros de Formação …………………………………… Anexo II: Música …………………………………………………….

97 98

Bibliografia …………………………………………………………..

100

86 88 89

–9–


Introdução

Quando tive que, pela primeira vez, dar formação (em âmbito escolar) a adolescentes, procurei apoio, nomeadamente material e actividades, e a minha inquietação levou-me a realizar dois cursos específicos, que me deram bastantes pistas por onde seguir. Encontrei textos e muitas actividades que se podiam adaptar ao projecto educativo. Também tinha realizado vários cursos de Expressão Corporal, que foram uma preciosa descoberta física e emocional, pois apesar de já me atraírem este tipo de experiências, tinha certas dúvidas acerca da minha capacidade de comunicação não verbal, e a timidez, medo de me sentir ridícula, na realidade era um medo de mim mesma e de algo de mim que desconhecia. Mas nunca me tinha passado pela cabeça coordenar a referida formação a partir de experiências de expressão corporal, não o tinha imaginado até que a Vicky mo propôs. Então, desde o seu princípio, a ideia pareceu-me genial, já que, se eu tinha conseguido descobrir tantas coisas positivas, pensei que, com uma orientação especializada e sabendo bem o que queria conseguir, as experiências poderiam ser muito reveladoras para os adolescentes, e também para mim. Vejo a Expressão Corporal como um complemento excepcional para desenvolver algumas das nossas tarefas como – 11 –


formadores. Dado que queremos formar de uma maneira integral, o físico e o intelectual unem-se. Não formamos apenas para serem mais espertos ou saber mais, mas para ser melhores pessoas, mais sensíveis com os que nos rodeiam, fomentando o convívio, a integração e a participação dos adolescentes, não apenas na vida da escola ou de outro centro educativo, mas ampliando para tudo o que os rodeia, admirando e respeitando a diversidade, actuando em conformidade. O adolescente deve aprender a viver no seu ambiente, com o que o rodeia, e isto começa no seu próprio corpo. Sentimo-nos bem connosco mesmos quando nos conhecemos, vemos as nossas limitações, todas as nossas possibilidades, e as aceitamos sem nos irritarmos pela vontade de as superar. Foram dois anos durante os quais trabalhamos com grupos muito diferentes, cada um trouxe novas perspectivas às nossas experiências, a diversidade enriqueceu muitas das actividades, e, caminhando, fomos realizando adaptações que nos pareceram oportunas para as características do grupo. Contudo, é claro que existem pontos em comum. Para começar, a actividade deve ser introduzida, explicados o porquê e com que finalidade, para que o formando entenda que não se trata de realizar actividades divertidas sem nenhum outro objectivo que o de ocupar aquela hora. De outra forma, pode-se cair no aborrecimento ou na inércia, perante a actividade. Também não é conveniente que seja o eixo central, à volta do qual insiramos todos os temas que vamos abordando ao longo do projecto formativo, mas mais uma ferramenta, com um objectivo determinado. Esta mesma pergunta, o porquê da expressão corporal num projecto de formação, começa em nós mesmos, os formadores. Se conhecermos bem os motivos, seremos convincentes e esclareceremos as dúvidas do grupo. Caso contrário, eles farão o que dissermos, mas não poderão tirar conclusões, nem falarão da experiência. Pilar Rodríguez

– 12 –


Sabe, doutor, tudo começou quando quis improvisar nessa coisa da expressão corporal, sem qualquer tipo de orientação.

Querido formador: Este livro pretende ajudar todos os formadores (professores, animadores de grupos, catequistas, e outros) a ocupar o tempo disponível com actividades que contribuam para a formação integral dos adolescentes. É certo que, provavelmente, disporão já de material preparado, eventualmente até por organismos especializados. Contudo, e sem desmerecer desse trabalho, mas valorizando-o como necessário, há quem rejeite sair do “guião” fornecido e trabalhar outros temas, porventura mais transversais, de uma forma mais espontânea e distendida do que o habitual. Não nos esquecemos que, provavelmente, já se trabalha com dinâmicas de grupo que potenciam as relações entre os alunos e ajudam a um melhor conhecimento de si mesmo e dos outros, entre outros aspectos. Como professora de Expressão Corporal, preocupa-me, por exemplo, um sistema de educação que se ocupe, quase exclusivamente, do desenvolvimento intelectual, esquecendo-se que, unido a esse intelecto existem um corpo e umas emoções. O sistema educativo reconhece a necessidade de uma educação integral, convida a incluir no curriculum aspectos como a educação musical, corporal, artística… e dá importância a todos esses temas transversais, abrindo-nos excelentes perspectivas no campo da educação. Por isso, creio que, mesmo no âmbito escolar, apesar de algo desorientados pela falta de referências – 13 –


firmes para esta abordagem, temos possibilidade de investigar, inovar, experimentar… sempre, é óbvio, com objectivos claros por trás de todo este trabalho. Este livro é fruto da convicção de que uma formação integral passa por reconhecer que somos um ser corporal, e por devolver ao corpo a parte de protagonismo que lhe corresponde na nossa relação com os outros, connosco mesmos e com o mundo que nos rodeia. Na medida em que o fizermos, estaremos a restabelecer o diálogo muitas vezes perdido, abandonado ou esquecido, com o nosso próprio corpo, reconhecendo-o, aceitando-o e encontrando-lhe novas possibilidades. Talvez sejas um formador inquieto, que se interroga sobre como caminhar para uma educação integral e que procura o desenvolvimento pessoal, global. Portanto, és capaz de ver em cada um deles uma pessoa diferente, única, com um potencial humano para desenvolver. Isto implica que o formador seja uma pessoa aberta e sensível àquilo com que cada formando pode contribuir, respeitador e sempre um crítico construtivo. Qualidades que são especialmente importantes no que se refere à aplicação da expressão corporal. Precisará o formador de estar em boa forma física, ou de ser especialmente ágil na hora de realizar movimentos? Absolutamente não. Do que precisa é de sentir entusiasmo pelo movimento, possuir uma vontade expressiva e aceitar-se a si mesmo como um ser corporal. Dessa forma, poderá contagiar aos formandos com o que é “viver o corpo” com naturalidade e alegria. Se te reconheceste nestas linhas, não duvides em lançar-te à aventura. Mesmo os que temos vários anos disto, nem sempre acertamos, porque trabalhamos com seres imprevisíveis, únicos e irrepetíveis (não estou a contar nenhuma novidade). Este é o repto. Mas para que resulte da melhor maneira possível, lê atentamente as indicações do livro, especialmente os capítulos 3 e 4, e, se considerares necessário, consulta a bibliografia ou outros livros sobre o tema a que tenhas acesso. Se desenvolveres a actividade de formador numa escola, pode ser que o professor – 14 –


de educação física tenha alguma experiência nesta área, pelo que poderás consultá-lo acerca das tuas dúvidas. Pode até ser uma boa oportunidade para trabalhar em equipa ou estabelecer colaborações. Se nunca dirigiste uma sessão de formação, recomendo-te vivamente que, logo puderes, te formes nesta área. Há acções de formação, também para professores, que incluem cursos de expressão corporal, musical, dramatização, dança… Dar-te-ão uma perspectiva nova do que se vive ao realizar este tipo de actividades: medo do ridículo, gozo, descoberta de si mesmo… compreenderás melhor os teus formandos, sentir-te-ás mais seguro e capaz para levar por diante as sessões, para além do benéfico que será também para ti. E, acima de tudo, ânimo! Se não estiveres convencido do que propões, os teus alunos notá-lo-ão. Alguns estarão reticentes em relação a este tipo de actividades, considerando-as como infantis e idiotas (normalmente, com isso escondem o seu medo do ridículo ou a falta de aceitação do próprio corpo), pelo que será conveniente introduzi-los suavemente neste tipo de dinâmicas e respeitar os seus ritmos, propondo-lhes progressivamente novos ritmos. É um trabalho apaixonante, em que, se conseguires que a tua presença não os iniba, poderás descobrir os teus formandos de uma nova forma, desfrutar e surpreender-te a ti mesmo, ao mesmo tempo que também eles descobrem em ti uma nova faceta, muito mais humana e acessível. Os dois primeiros capítulos referem-se a aspectos de enquadramento da actividade, que nos ajudarão a colocarmo-nos no ponto em que estamos, para, a partir de aí, ver o que é que pretendemos e o que podemos fazer. Depois, entraremos em cheio no mundo da expressão corporal. Oxalá que todos, formadores e formandos, possais desfrutar tanto como nós com esta actividade. Vicky Hernández

– 15 –


Primeira Parte

Adolescentes e Expressão Corporal

– 17 –


1 O perfil adolescente Com este capítulo pretende-se que vamos conhecendo melhor os adolescentes que teremos pela frente, enquanto formandos, seja na condição de alunos, catequisandos, membros de grupos juvenis ou associações, etc. De forma que possamos programar as actividades mais apropriadas para eles. Pelo que analisamos o seu momento evolutivo, que condicionará o nossa trabalho formativo. Nas idades a que se destinam as actividades deste livro, os nossos formandos já terão passado a puberdade (pré-adolescência), momento em que se produziu a mudança fisiológica que deixou para trás o seu corpo de crianças. Esta mudança traz como consequência a maturidade sexual e psicológica. É um momento no qual a pessoa tem que se adaptar ao seu novo corpo, ao seu futuro papel de adulto, em que define a sua identidade e a sua posição face à sociedade. Este momento tão delicado tem o seu próprio processo, que deve ser respeitado e apoiado para que se desenrole o mais harmonicamente possível.

1.1. Desenvolvimento mental A capacidade intelectiva chega neste estádio ao seu máximo rendimento. Aos 14 anos o adolescente tem já 4/5 da sua capacidade adulta, que chegará aos 16 anos. O pensamento adolescente, em comparação com o da infância, vai sendo progressivamente mais lógico, abstracto, hipotético e reflexivo. Pouco a pouco, irá tomando consciência de um mundo interior próprio. Timidamente estabelecerá a sua realidade, gostará de – 19 –


analisar os seus sentimentos, encontrar os motivos pelos quais age de uma determinada maneira, e julgará o seu comportamento. Com este processo de análise e reflexão para dentro identificará a sua personalidade, vincando um grau de introversão que estará submetido a variações conforme a tendência pessoal e do que o rodeia. Mas, apesar de mentalmente estar no seu ponto mais alto, tal não é acompanhado por uma segurança de si mesmo, pelo contrário, inicialmente sente-se indeciso, tímido, as suas emoções tendem a mudanças repentinas, nalgumas ocasiões será mais expressivo e aberto. Por este motivo, passará períodos silencioso, retraído, sem força de vontade, e noutros será mais activo e extrovertido.

1.2. Imagem corporal A transformação física que começou na pré-adolescência (dos 11 aos 14 anos) continua durante a adolescência, até alcançar a sua maturidade por volta dos 17-18 anos, momento em que começa o período juvenil. Esta transformação acarreta fortes consequências no rapaz e na rapariga, que têm de reconhecer o próprio corpo, reapropriar-se dele, dominá-lo novamente a nível funcional. Além do mais, têm de o assumir psicologicamente «a partir da puberdade, momento no qual se acentua a timidez gestual: nem entre raparigas se atrevem a dar a mão, ou a colocá-la na cinta ou nos ombros da outra!»1 . O adolescente, à medida que vai adquirindo «uma maior capacidade introspecção, tem que a sua imagem corporal e todas as mudanças que nela se estão a produzir, mas quase é mais importante para ele sentir que os outros o aceitam. Tende a comparar-se com os seus colegas, e, sobretudo, com a imagem que tem como ideal, e que varia imensa com as épocas e as modas. O resultado é que, muitas vezes, não se sente bem com a sua imagem nem com o seu corpo, sentindo-se infeliz com a sua aparência» 2 . Assim, o adolescente pode desenvolver 1

Berge (1985: 99).

2

Vallejo-Nágera e tal. (1994: 527).

– 20 –


complexos corporais, que são desaparecerão quando descobrir que passam despercebidos para os outros.

1.3. Marcada independência Este período significa dar um passo decisivo da dependência da infância para a independência a que aspira; o adolescente vai-se aproximando da sua autonomia pessoal. Tem necessidade de se distanciar dos adultos, especial dos pais, e critica de maneira geral: • A maneira de ser dos mais velhos. • A forma como é tratado. • A sensação de não ser compreendido. • A atitude fechada perante tudo o que é novo. • As restrições que lhe impõem. A sua tendência para olhar para dentro de si mesmo leva-o à auto-afirmação através da oposição ao que o rodeia. Afasta a imposição de qualquer influência estranha que lhe seja feita, pois pensa que se pode «contaminar», perdendo o que de original há na sua personalidade recém-descoberta. Deseja realizar os seus próprios valores e conquistar o estatuto de adulto sem perder a independência.

1.4. Idealismo Existe nos rapazes e raparigas uma tendência para o idealismo. Gostariam de criar um mundo ideal, à sua medida, já que o mundo dos adultos lhes parece limitado e definido, com demasiadas normas, que estabelecemos sem contar com eles. Custa-lhes adaptar-se, o seu ideal é mais simples, caracteriza-se pelo absoluto: o tudo ou nada, que os leva a ser intransigentes e inconformados, a criticar constantemente tudo o que está estabelecido. Precisam de exprimir tudo isto, por exemplo através de modas. – 21 –


Os seus heróis e ídolos, nas idades mais jovens, costumam ser pessoas próximas (pais, professores, amigos) ou distantes (cantores, desportistas, actores), que tentam imitar nos gostos e valores. À medida que se vai desenvolvendo e amadurecendo, o adolescente já não procura estes valores encarnados numa pessoa concreta, mas mais uma invenção pessoal, ele criará o seu próprio ideal.

1.5. Amizade Neste período, os amigos ocupam um lugar muito importante na sua vida, experimentam a necessidade de comunicar as suas ideias e experiências. Em troca, exigem uma amizade exclusiva. Pelo contrário, com os adultos costuma ser reservado, silencioso, praticamente não conta nada, e muito menos dá explicações, pois pensa que é uma intromissão na sua intimidade. No seu grupo de amigos procurará o apoio e o reconhecimento de que precisa para se sentir seguro, e assim conseguir dar mais um passo em direcção à sua independência. Também lhe proporciona a oportunidade de libertar as suas tensões emocionais, não se sente julgado, e isso ajudá-lo-á a adaptar-se socialmente. Os adolescentes precisam de estar com pessoas da sua idade, procuram estar juntos sem a presença de adultos. Não os afastam porque não gostem deles, mas sim porque precisam de estar fora da sua influência para afirmar mais a sua personalidade, mantendo tudo o que de único e original há nela.

1.6. Futuro incerto O futuro é visto pelos adolescentes como incerto. O rapaz, e a rapariga ainda mais, já experimentaram uma mudança fisiológica na puberdade, estão-se a aproximar de uma maturidade sexual, e, psicologicamente, reestruturam a sua maneira de estar no mundo, mas realizam todas estas adaptações de modo quase inconsciente. A partir daqui, – 22 –


observam que todas estas mudanças lhe aconteceram sem terem sido previamente propostas, adaptando-se a elas de forma natural, geralmente sem traumas nem complexos. Mas também começam a tomar as primeiras decisões em relação ao futuro. Nos estudos, terão que escolher disciplinas opcionais, que, de alguma forma, já terão reflexos nos diferentes itinerários escolares a seguir no futuro. Perante esta realidade tão próxima, mostram-se com dúvidas, as suas inclinações são confusas, e, muitas vezes, tomas as decisões em função daquilo que façam as suas amizades, ou do grau de dificuldade da matéria. Isto, que é apenas uma nota a título de facto concreto, é o reflexo de uma situação marcada por uma falta de esforço para conseguir as coisas. É muito esclarecedor observar a falta de vontade geral, na escola e fora dela, de alguns adolescentes, perante toda e qualquer proposta. Também influencia esta atitude a sua visão do futuro como algo mais afastado, perante o qual muitos desanimam e perdem as ilusões: — As saídas que os estudos (universitários ou não) hoje em dia proporcionam são muito escassas. O normal é conseguir um posto de trabalho de uma qualificação menor do que a para que se está preparado. — Cada vez é mais difícil conseguir um emprego, e muito mais que seja estável. — A possibilidade de viver independentemente do núcleo familiar, sozinho ou com outra pessoa, atrasou-se no tempo. De facto, a vida de casal não se estabelece, em média, antes dos 30 anos. Definitivamente, a idade média de autonomia social atrasou-se. VALORES mais importantes para os adolescentes (Moraleda, 1992). Cada percentagem corresponde ao número de adolescentes que responderam a cada item com «bastante» ou «muito»3 . 3

Moraleda (1992: 284).

– 23 –


Ser feliz A amizade, o amor Ter boa saúde Formar um lar Ter um trabalho seguro Ampla cultura e conhecimentos Divertir-me Uma vida honrada e irrepreensível Ajudar os outros Dinheiro, negócios Mandar, ser influente A competência profissional Os valores religiosos A política

98% 95% 93% 89% 88% 81% 76% 72% 67% 56% 43% 36% 26% 10%

Talvez isto não seja mais do que uma pincelada no grande leque de características inovadores que apresentam os nossos adolescentes; este apontamento de maneira alguma tenta encaixar em esquemas, mas, pelo contrário, mostrar aspectos gerais, a partir dos quais temos de procurar o particular e único. Todos já observamos como, depois de uma atitude crítica e rebelde de um rapaz ou de uma rapariga aprecem valores humanos de grande sensibilidade, um tipo porreiro, como eles dizem, ou como a carência de afecto, às vezes, se disfarça em perguntas e intervenções frequentes, que não nos deixa seguir o ritmo da aula, da reunião ou do encontro de formação. Realizámos uma descrição geral, nunca coincidirá exactamente com os adolescentes que temos pela frente ou à nossa volta, já que, em cada um deles, existem diferenças que temos que descobrir, sem nos deixarmos ficar pelo superficial. – 24 –


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.