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Apresentação Gerir aquilo que flui

Uma das consequências do desenvolvimento das sociedades reside na crescente complexificação dos campos do saber. Uma breve análise da história ocidental evidencia que os territórios do conhecimento foram paulatinamente se pulverizando em abordagens especializadas. Não obstante os desdobramentos positivos dessas dinâmicas – o notável aprofundamento de certos temas sendo o mais contundente deles –, é importante manter a atenção crítica a esse respeito.

Como dar conta de uma realidade que funciona de modo sistêmico, em que as partes estão inexoravelmente interligadas, quando se constata que as disciplinas oferecem visadas parciais? O dilema é especialmente delicado quando o que está em jogo são processos sociais atravessados por vetores múltiplos, como é típico da esfera cultural. E, nesse quesito, as investigações contemporâneas que mobilizam expertises complementares parecem mais aptas a compreender fenômenos complexos.

Bernardo Mata-Machado faz a opção por uma perspectiva transversal a fim de dar conta de um tema caracterizado pela interdisciplinaridade: as políticas culturais. A estratégia, expressamente evocada pelo autor, se justifica em ao menos duas dimensões. A primeira reside na polissemia própria da palavra cultura, que oscila entre acepções restritas ou amplas, a depender dos intuitos de quem a utiliza. Como o sentido preciso de cultura em jogo nem sempre está claramente explicitado, tornando-se acepção tácita, uma miríade de desentendimentos é algo provável.

Além dos ardis conceituais que se escondem por trás de tal polissemia, há uma segunda dimensão estudada pelo autor: a repercussão dessa circunstância para o âmbito da gestão da cultura. Afinal, alguns aspectos culturais podem de fato ser geridos, ao passo que outros se referem aos modos de ser, conviver e se expressar das pessoas – são fluidos como o cotidiano e não constituem objetos de políticas públicas ou privadas.

A escrita de Mata-Machado ativa um sem-número de campos de conhecimento com o objetivo de jogar luz sobre tais ambivalências. E oferece, dessa maneira, um arrazoado de reflexões sobre esse objeto que se tornou tão debatido na atualidade. As políticas culturais tornaram-se assunto corriqueiro inclusive em situações que transcendem seu âmbito originário; outrora restrito a iniciados, passaram a ser discutidas por alguns grupos sociais.

Há uma instigante analogia entre a lógica de funcionamento do Sesc e a polivalência dos saberes empenhados em pensar a política cultural. A permeabilidade dos encontros de pessoas e visões de mundo – ocorrência verificável nas diversas unidades distribuídas pelo estado paulista – mimetiza as multidirecionais redes da cultura e seus sofisticados meandros.

Para dar conta dessa complexidade, a instituição busca fazer uma leitura permanente das potencialidades e limitações das políticas culturais: como atuar nesse campo, tendo como premissa o exercício da cidadania? Tanto para a organização da ação sociocultural desenvolvida pelo Sesc, como também para se compreender os domínios ampliados que dizem respeito à gestão da cultura de cidades e nações, a contribuição de Bernardo Mata-Machado é um sopro de lucidez.

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