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LITERATURA NEGRA E MARGINAL/PERIFÉRICA: IDEIAS E PROBLEMAS

mente de forma negativa. O sujeito social escravo passa a ser um entrave, ocupando de maneira perigosa as respostas ao que fazer consigo dentro da sociedade brasileira. Jean Carvalho França, no estudo que empreende, afirma que, na forma literária urbana carioca desse período, em que

[…] heroínas e heróis se confrontavam com índoles más e viciosas, o negro quase sempre ingressou nas fileiras do segundo grupo. Ele representou, no Rio de Janeiro construído nas páginas de ficção, um toque de barbárie numa sociedade que se queria ordeira e moralizada, que se queria, na época, civilizada11 .

No que diz respeito ao texto teatral12, no seu aspecto formal e de conteúdo, a perspectiva é semelhante. Analisando peças escritas entre 1838 e 1888 por Luís Carlos Martins Pena, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Agrário de Menezes, Castro Alves, França Júnior, Visconde de Taunay, entre outros, Miriam Garcia Mendes afirma que o personagem teatral negro está sempre ligado ao cativeiro, e seu aparecimento em peças, no teatro do século XIX, não busca despertar o interesse por sua história própria, mas sim ser usado de duas formas: como elemento de comédia, presente na sociedade da época; ou como elemento representativo de um drama social. Contudo, em ambas as perspectivas, “[…] o negro, geralmente escravo, quando se tornou, se não personagem, pelo menos já figurante, fosse ainda encarado pelo autor dentro de um enfoque que o via apenas como alguém cuja convivência poderia perturbar a paz de um lar ou trazer prejuízos morais à família de seu senhor”13. Nesse aspecto, sempre como personagem de segunda ordem, refletindo sua posição no espaço social da época14 .

Essa discussão inicial leva a outra questão central presente na bibliografia sobre o negro como personagem de ficção na literatura brasileira: a das construções de estereótipos literários acerca desse sujeito social. O aspecto degradado, alimentado por séculos no espaço social, atinge a construção ficcional, caracterizando o negro como elemento potencialmente perigoso, lascivo, maligno, estúpido, interesseiro, um entrave etc.

Resultado do período escravocrata e de suas decorrências na vida social brasileira, os estereótipos literários associados ao negro, segundo vários autores, cumpririam a função15 de delimitar espaços, ou melhor, constituir barreiras sociais e literárias, em suas mais amplas acepções. E é sobre isso que refletiremos a partir de agora.

A FUNÇÃO SOCIAL DO ESTEREÓTIPO NA E EM TORNO DA LITERATURA NEGRA (DÉCADA DE 1940 À DÉCADA DE 1980)

Três estudos originais do sociólogo francês Roger Bastide inauguram uma perspectiva analítica que, em aspectos centrais, se demonstra rica na compreensão e denúncia do papel social do negro na sociedade (o papel que exerce, contra o qual ele luta, sob o peso das mais diversas perspectivas; como o negro é observado e o que pensa de si mesmo):

A poesia afro-brasileira (1943), A imprensa negra do estado de São Paulo (1951) e Estereótipos de negros através da literatura brasileira (1953)16 .

Mesmo sem ser pioneiro em enunciá-la claramente, é possível afirmar que Bastide trabalha com uma hipótese que, ainda que não seja explícita, tornou-se padrão de pensamento para analistas posteriormente: a decorrência da forma social escravagista, no que tange ao sujeito escravo, é essencialmente um conjunto de atribuições socioculturais negativas para esse sujeito numa ordem formalmente livre e capitalista. E essas atribuições sociais têm ressonância nas representações coletivas sobre e para o próprio negro. Elas cumprem a função de lhe demarcar um lugar, socialmente inferior.

No texto acerca da poesia afro-brasileira, para tratar o problema em questão, Bastide anuncia claramente que trabalha, como método analítico, com os pressupostos teóricos de Lucien Goldmann. Ou seja: vale-se de uma análise sociológica da literatura, associando a construção literária com a forma social na qual está imersa, bem como com o grupo social do qual fazem parte, e/ou com o qual dialogam, o autor da obra e também seu público. Conforme uma de suas afirmações:

Os preciosos estudos de meu saudoso amigo Goldmann, realizados no campo da sociologia da literatura, confirmam a procedência de minha posição. Parece-me muito acertada sua opinião quando afirma que a obra literária – caso tomemos como objeto de estudo as obras-primas da literatura e não (como o faria uma sociologia marxista, ao nível mais baixo) os frustrados – apresenta a visão do mundo ligada a um determinado grupo social, da qual esse grupo não tem suficiente consciência, mas o verdadeiro artista dá-lhe estrutura e coerência, demonstrando assim sua genialidade. Foi a visão do mundo – a do mulato em ascensão e a do negro reivindicando – que procurei descobrir, uma vez que é aí e

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