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LITERATURA NEGRA E MARGINAL/PERIFÉRICA: IDEIAS E PROBLEMAS

nativo, Rio de Janeiro: Best-Seller, 1986), publicou, sob o pseudônimo Vernon Sullivan, o romance J’irai cracher sur vos tombes [Vou cuspir no seu túmulo, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986], em 1947. Campbell, analisando esse episódio, afirmou: “em 1947, o livro mais falado do ano em Paris foi a obra de um escritor negro americano, mas este não era Richard Wright. O livro foi publicado em francês como J’irai cracher sur vos tombes (Vou cuspir no seu túmulo), de Vernon Sullivan.

O título inglês seria I will spit on your graves, mas, como era explicado no prefácio pelo tradutor – Boris Vian, mais uma vez –, Sullivan não tinha esperança de ver o livro publicado em seu país natal. Em primeiro lugar era obsceno, com muitas descrições de atos sexuais. Depois, era extremamente violento, e a violência era de um negro contra brancos. Vou cuspir no seu túmulo registra as aventuras eróticas de um negro de pele clara, Lee Anderson, depois de se empregar como gerente de uma livraria na pequena cidade sulista de Buckton. […] Segundo o tradutor, a pele clara de Sullivan o teria habilitado a viver entre os brancos, como seu protagonista, mas ele preferiu ‘les noirs’. Embora vou cuspir no seu túmulo [sic] tenha obtido um sucesso estrondoso, Sullivan continuou um enigma. De fato, esse romance afro-americano era um embuste. O livro tinha sido escrito em francês, e ‘Sullivan’ era um pseudônimo. Seu nome verdadeiro: Boris Vian. […] Será que Vian leu Filho nativo? Vou cuspir no seu túmulo foi escrito em 1946 (em duas semanas), enquanto Wright estava em Paris. Filho nativo só seria publicado em tradução francesa vários meses após a publicação do pseudorromance americano, mas Vian lia inglês, estava por dentro de todas as novidades americanas – especialmente afro-americanas – e parece improvável que tivesse ignorado a grande obra do americano negro que todo mundo estava comentando. Na realidade, ele traduziu o conto de cinquenta páginas de Wright, ‘Bright and Morning Star’, para a publicação franco-americana Présence Africaine, que veio à luz no mesmo mês que Vou cuspir no seu túmulo […] o tema do romance ‘negro’ é quase idêntico ao de Filho nativo, no qual um jovem negro mata uma moça branca, meio acidentalmente, mas também com sentimentos de vingança triunfante […] pela morte lenta que sofreu durante a vida inteira”. James Campbell, À margem esquerda, Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 30-1 e 130. As marcas de violência e obscenidade, vinculadas a um discurso politicamente engajado e reflexivo sobre a situação racial – e, embora Campbell não o afirme, também de uma estereotipia de Vian sobre o que seria um negro e o sul dos Estados Unidos – fizeram de Vou cuspir no seu túmulo o alvo do Cartel d’Action Sociale et Morale, bem como sua editora, Les Éditions du Scorpion: ambos foram multados em 100 mil francos e declarados culpados de cometer ofensa contra os bons princípios morais.

52 “A literatura negra brasileira, em sua busca por uma nova dicção, revela-se como o lugar privilegiado de uma luta pela construção de uma identidade negra, a qual chamamos de negridade. […] como todo sentimento de identidade, se dará também por oposição, mas não é exclusiva porque nesta instância o negro não esqueceria suas outras dimensões: paralelamente à sua reivindicação de ser reconhecido como negro ele também quer ser reconhecido como operário, como brasileiro, como latino-americano ou como mulher, no caso dos membros femininos do grupo.” Cf. Bernd, 1987, op. cit., p. 44.

53 Ibid., p. 80.

54 Id. , 1988, op. cit. , p. 19-21 (grifos meus). Um pouco adiante a crítica afirma: “Literatura Negra: à primeira vista, a expressão pode remeter a um conceito etnocêntrico e reacionário, pois é evidente que sensibilidade artística não constitui fator inerente a uma dada etnia. Assim, parecer-nos-ia totalmente descabido afirmar, por exemplo, que Carlos Drummond de Andrade é um escritor branco. […] Se concordarmos com Franz Fanon quando este afirma que “foi o Branco que criou o Negro”, poderíamos concluir que, ao se autoproclamarem negros, os autores ainda uma vez estão enunciando seu discurso de acordo com o contrato estabelecido pelos brancos. Acreditamos, ao contrário, que o fato de assumirem essa nomeação, conscientemente, pode ser interpretado como um sinal de que os negros estão querendo criar a si mesmos e que uma das etapas desse processo seria justamente a de particularizar sua escrita, dando-lhe feição própria” (p. 21).

55 A dimensão que assume o eu enunciador negro, para Bernd, é uma prova disso: “Nesse sentido, é preciso sublinhar que o conceito de literatura negra não se atrela nem à cor da pele do autor nem apenas à temática por ele utilizada, mas emerge da própria evidência textual cuja consistência é dada pelo surgimento de um eu enunciador que se quer negro. Assumir a condição negra e enunciar o discurso em primeira pessoa parece ser o aporte maior trazido por essa literatura, constituindo-se em seus marcadores estilísticos mais expressivos”. Ibid., p. 22.

56 João Luiz Lafetá, 1930: a crítica e o modernismo, São Paulo: Livraria Duas Cidades/Editora 34, 2000, p. 19-21. O autor complementa ainda, neste ensaio escrito em meados dos anos 1970, que “é possível concluir que, a despeito de sua artificialidade, a distinção estético/ ideológico, desde que encarada de forma dialética, é importante como instrumento de análise. O exame de um movimento artístico deverá buscar a complementaridade desses dois aspectos mas deverá também descobrir os pontos de atrito e tensão existentes entre eles” (p. 20-1).

57 A justificativa da autora para a predominância da poesia sobre o conto e o romance na literatura negra é que: “[…] para a maturação de um romance negro brasileiro, algumas etapas ainda precisam ser vencidas, como o resgate da sua participação na História do Brasil, sobre a qual tantas sombras se projetaram, e a

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