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LITERATURA NEGRA E MARGINAL/PERIFÉRICA: IDEIAS E PROBLEMAS

A edição é composta de vinte textos e da transcrição parcial de uma sessão de debates (de que se reproduzem excertos nas notas de fim de capítulo) entre pelo menos 15 participantes. É particularmente interessante atentar aos tópicos principais dessa discussão: o problema da editoração e do escritor110; literatura negra e analfabetismo111; partidos e revolução112; literatura negra e Estado113; literatura negra e produção marginal114. Aliás, este último, junto com as possibilidades e reticências de relacionamento com o Estado, ocupa vários momentos de preocupação, transcrita, dos escritores àquela ocasião, como pode ser sintetizado no último momento do debate reproduzido a seguir, que dará o mote para o próximo capítulo deste trabalho:

[Márcio Barbosa]: O Cuti falou “sonho do escritor em ser empresário”. É um conflito. Nós estamos dentro dele. É um conflito que, se não existir a solução a curto prazo, desconfio que não iremos chegar nos dez anos, previsto pelo Semog, para a explosão da Literatura Negra. Despendemos muita energia para fazer isto. Se não houver resultado a curto prazo, não sei se esta energia não irá se esgotar e não teremos mais escritor negro para o público que está pintando. […] Pergunto: se não resolvermos o conflito de escritor e empresário, será que teremos fôlego para resistir mais dois anos ou três, imprimindo nossos próprios livros, tirando grana do bolso e dando lá para o branco, para ele monopolizar? Não detemos os meios de produção mesmo, detemos os textos, os originais e o fato de conseguirmos chegar a determinado público. […] Aí entra uma coisa interessante: o nosso relacionamento com o Estado que o Arnaldo fala, talvez possamos ir por aí. Há um medo de se relacionar com o Estado, que é extremamente justificado. O Estado visa o interesse do Estado. Nem sempre está a nosso favor. Mas acho que podemos estabelecer um certo relacionamento, sem perder nossa autonomia. O Arnaldo falou “que não estamos aqui para pedir reconhecimento”. Gostaria de refutar: nós estamos querendo o reconhecimento sim, queremos o reconhecimento pelo menos da nossa comunidade115 .

A contemporaneidade e percurso histórico dessa afirmação é algo tão forte, com suas frases finais assumindo o papel de uma síntese arguta e inegável, que ressoa sempre nos discursos dos escritores negros e periféricos de hoje. Algo que se tentará demonstrar deste ponto em diante.

Notas

1 Entenda-se por ideia em movimento o fato de essas confecções literárias estarem permanentemente em trânsito de definição, podendo nomear e significar coisas distintas para diferentes obras, autores, críticos, em diferentes momentos, como se verá a seguir, tendo como eixo o negro e o periférico representantes ou representados na literatura.

2 Anatol Rosenfeld confere a essa questão uma primeira abordagem bastante interessante: “Geralmente, quando nos referimos à literatura, pensamos no que tradicionalmente se costuma chamar de ‘belas-letras’ ou beletrística. Trata-se, evidentemente, só de uma parcela da literatura […]. Dentro deste vasto campo das letras, as belas-letras representam um setor restrito. Seu traço distintivo parece ser menos a beleza das letras do que seu caráter fictício ou imaginário”. Cf. Anatol Rosenfeld, Literatura e personagem, em: Antonio Candido et al., A personagem de ficção, 10. ed., São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 11-2.

3 Grosso modo, negritude significa a percepção e assunção de ser negro; e negritude significa o movimento político histórico em torno dessa percepção, criado no final dos anos 1930, em Paris, por Léopold Sédar Senghor, Léon-Gontran

Damas e Aimé Césaire. Cf. Zilá Bernd, Negritude e literatura na América Latina, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. Para um dos trabalhos mais sistematizados sobre o assunto no Brasil, cf. Kabengele

Munanga, Negritude: usos e sentidos,

São Paulo: Ática, 1986. Em língua portuguesa, há ainda a análise sociológica de Maria Carrilho, Sociologia da negritude, Lisboa: Edições 70, 1975. Além disso, há os trabalhos sobre a recepção da ideia de negritude no Brasil: Muryatan Santana Barbosa, O TEN e a negritude francófona no Brasil: recepção e inovações, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 81, fev. 2013, p. 171-84; e Muryatan S. Barbosa e Thayná Gonçalves dos Santos da Costa, Negritude e Pan-Africanismo no pensamento social brasileiro: a trajetória de Ironides Rodrigues (1923-1987), Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, n. 100, 2019.

4 Lucien Goldmann, Le Dieu caché: étude sur la vision tragique dans les pensées de Pascal et dans le theatre de Racine, Paris: Gallimard, 1959, p. 26 e 28, (tradução minha).

5 O que chama atenção é o porquê de a crítica literária, quando ela se constitui no Brasil do século XX em ofício especializado, silenciar acerca do tema. No máximo, Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz e Sousa são objetos de análise para a crítica, sendo que o fato social de o primeiro autor ser mestiço raramente é observado.

6 Cf. Roger Bastide, Estudos afro-brasileiros , São Paulo: Perspectiva, 1973; Miriam Garcia Mendes, A personagem negra no teatro brasileiro (entre 1838 e 1888) , São Paulo: Ática, 1982; Id., O negro e o teatro brasileiro (entre 1889 e 1982) , São Paulo: Hucitec/Rio de

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