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Temporalidades Heterogêneas

danilo santos de miranda Diretor do Sesc São Paulo

Muitos processos mentais humanos dependem de analogias para serem compreendidos, e, dentre eles, a memória talvez seja nossa faculdade mais subordinada à metaforização. No contexto da cultura ocidental, exemplos como os blocos de cera em que os gregos antigos escreviam, o palimpsesto medieval, a chapa fotográfica do século xix e, mais recentemente, os bits digitais, têm sido utilizados para registrar o modo como nos lembramos do passado.

Na esteira dessa lógica comparativa, porém inversamente, poderíamos dizer que a história enquanto disciplina apresenta similitudes com as dinâmicas verificadas na experiência pessoal da rememoração: certas reminiscências são evocadas segundo uma busca premeditada e intencional, enquanto outras se desdobram na medida em que eventos da atualidade as desencadeiam, como ocorre nas efemérides ou nas festividades. Já no caso de eventos traumáticos, fazem-se necessários trabalhos psíquicos capazes de atenuar a dor ensejada por tais experiências, principalmente no sentido de constituir um aprendizado com o passado, como propõem espaços de recordação como os monumentos públicos ou os estudos que preservam e dão visibilidade aos testemunhos das vítimas dessas ocorrências.

Na aproximação entre memória e história, essa última, ao se fundar nas exigências do presente, dirige aos tempos idos uma mirada que, se por um lado, parte dos dados objetivos da realidade, por outro, é dotada de certa instabilidade originária dos usos que podem ser feitos do passado.

A publicação Independência: Memória e Historiografia se detém nos veios de contradição e complexidade que marcam a escrita da história da emancipação do Brasil em relação a Portugal. Esses estudos, organizados pelos historiadores Wilma Peres Costa e

Télio Cravo, abordam desde a construção do imaginário da independência em pinturas localizadas no Museu Paulista – cuja reabertura também compõe o feixe de ações comemorativas de 2022 – até a análise documental sobre o conceito de cidadania numa sociedade escravocrata que, ao mesmo tempo que reivindicava um regime representativo, se alicerçava na exclusão da maior parcela de sua população quanto a essas instâncias governamentais, dentre outros mecanismos de negação de direitos humanos. Por acreditar no papel fundamental que o conhecimento sobre a complexidade do passado desempenha no delineamento do futuro, o Sesc, instituição comprometida com o desenvolvimento humano e social, encontra nesta obra oportunidade de reafirmar seu compromisso com a sociedade. Assim, por ocasião da efeméride dos duzentos anos da Independência do Brasil, propomos um ato comemorativo pautado na reflexão crítica, dialógica e plural acerca das histórias que nos perfazem enquanto coletividade.

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