José: Referencial para o homem de hoje

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Cassiano Rocha Azevedo

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Jose ' Jose Referencial para o homem de hoje

Referencial para o homem de hoje



Cassiano Rocha Azevedo

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Jose Referencial para o homem de hoje


Coordenação Geral Filipe Cabral Coordenação Editorial Eliana Gomes Revisão Cínthya da Silva Martins Diagramação Talles Peixoto Vieira Capa e Finalização Daniel Garcia da Silva Imagem Capa A Sagrada Família de Cláudio Pastro, pirografia em madeira dourada, Oratório da Madereira Escala, Fortaleza, Ceará. Fotografia: Fernando Maia.

Edições Shalom Estrada de Aquiraz - Lagoa do Junco CEP: 61.700-000 – Aquiraz/CE Tel.: (85) 3308.7405 www.edicoesshalom.com.br comercialedicoes@comshalom.org

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico e mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN: 978-85-85906-28-6

© EDIÇÕES SHALOM, Aquiraz, Brasil, 2011. 4a Edição. Revisada e atualizada


Dedico este livro a meus pais, Dulce e Mauro(in memoriam), que me deram José como padrinho de batismo, aos meus afilhados e aos meus irmãos da Comunidade Shalom, que me ensinaram a conhecê-lo e a amá-lo.



Agradecimentos

P

ela confecção deste livro, quero agradecer, primeiramente, à Trindade Santa, de quem recebemos toda graça e capacitação; a São José, modelo de pai, pela experiência de sua docilidade ao Espírito; a Nossa Senhora de Fátima, por provar em sua casa da providência de seu esposo; ao Dr. Paulo Pedro(in memoriam), a Michelline Feitosa e Luzia do Espírito Santo, que colaboraram na tradução dos textos em francês; ao Frei Patrício Sciadini, pelo incentivo e orientação; a Moysés e Emmir, pais espirituais da minha vocação; a Wuldson Santos, pela colaboração nos assuntos de liturgia; a Fernando Silva, pela ajuda na digitação; aos noviços de Pacajus do ano de 1999, pela intercessão; a Andréa Luna, José Ricardo, Auristela, Dorotéa e toda a equipe das Edições Shalom, pelo carinho e dedicação; aos autores das obras que serviram de fonte de pesquisa para este livro; à Leonor Márcia e Adenília Peixoto pela pesquisa iconográfica, aos que colaboraram, direta ou indiretamente, e especialmente a cada irmão da Comunidade Shalom de Fátima(Turma de 1999), sem os quais não teria experimentado o sustento de São José na minha caminhada. 7


O

ícone da capa apresenta a imagem sacra da Sagrada Família, feita pelo artista sacro Claudio Pastro, no altar lateral de São José na Catedral Metropolitana de Fortaleza, em incisão em metal, aos vinte de novembro do ano de dois mil e três. São José possui um kpar, pequeno solidéu na cabeça que significa a submissão a Deus. O seu traje é de operário; na sua mão direita segura o serrote, instrumento da providência na carpintaria de Nazaré, para com o pão de cada dia alimentar a carne do Verbo que um dia se faria Eucaristia. “O pão que Eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51). A mão esquerda repousa sobre o ombro do Menino Jesus que indica sua missão de Pai, provedor e referencial da paternidade divina para humanidade de Cristo. Seus olhos estão fixos em Jesus. Nossa Senhora segura fortemente com as duas mãos a Menoráh (Candelabro de sete braços). simbolizando a consciência da presença de Adonai (meu Senhor) à sua frente, às suas costas, à sua direita, embaixo, em 8


cima e dentro de si; assim como da oração perpétua. O seu brinco indica que ela é a Virgem de Sião, desposada por Adonai e fecundada pelo Espírito Santo. O Menino Jesus possui também um kpar sobre a sua cabeça que indica inteira submissão ao Pai: “O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4,34). Suas duas mãos seguram fortemente o cálice que indica a sua missão de dar o seu sangue para vida do mundo. Ele olha para São José como referencial da sexualidade masculina para a sua humanidade, assim como o pai adotivo que o Pai celestial o presenteou. A janela de Arco Pleno simboliza o Sagrado, o Céu e enfim, o universo recapitulado e redimido pelo Ressuscitado que passou pela cruz. As cinco estrelas são as cinco chagas gloriosas da Paixão de Cristo que nos abrem a porta para o Paraíso: a perfeita união entre a vontade do homem e a vontade de Deus. Os olhares de José e de Maria repousam em Jesus e Ele os possui em oração de Amor e unidade pelo toque de cada um de seus pés nos pés de José e Maria. Este é o segredo de uma família feliz!

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este ícone vemos José, com a justiça e a sabedoria designadas pelos cabelos grisalhos e pela cor rosa do manto. Sua túnica azul, que indica a contemplação, reflete a luminosidade de sua santidade ao tocar em seu corpo. Seu olhar é reflexivo, sinal do êxtase em que se encontra, voltado totalmente para o Menino que está sentado em seu braço como um trono; em uma das mãos sustenta um lírio lembrando o que diz as Escrituras: “o justo florescerá como o lírio e a palmeira”(Sl 92:12). José não conduz, mas deixa-se conduzir pelo Menino; é o que nos diz a mão direita de Jesus sobre a direita de José. O Menino veste uma túnica amarela e um manto laranja representando a santidade. A sua estatura é de criança, mas o seu rosto, porte ereto e olhar significam que, mesmo sob a aparência de um Menino, é o Senhor, o Princípio e Fim, ainda que Menino tem o conhecimento de sua natureza Humano-Divina. Ele nos olha profundamente e parece dizer: Assim como José, deixa-me reinar e conduzir tua vida.

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Apresentação

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missão de São José é permanecer silencioso e escondido. A sua presença ao lado da Virgem ­­Maria e de Jesus falam por si e transmitem uma mensagem extremamente importante. A vida de São José é pobre de dados históricos que satisfaçam a nossa curiosidade, e, por isso mesmo, ela nos toca tanto. Ele aparece no cenário bíblico no momento oportuno como aquele que, sem saber e sem compreender, assume a missão que o Senhor lhe confia: receber em sua casa Maria, para que todos possam compreender que Jesus não entra no mundo de forma milagrosa, mas pela porta central da humanidade. Maria não podia ser deixada sozinha para enfrentar todas as dificuldades inerentes a uma gravidez de solteira, e, ainda por cima, divina. Ficaria muito desamparada diante da incompreensão do povo, precisava ter a seu lado um homem que soubesse amá-la com a força de toda afetividade humana e com todo amor. São José, ao longo das várias passagens bíblicas que fazem referência a ele, nunca pronuncia uma palavra, só escuta, recebe a mensagem através de um sonho, levanta-se e coloca em prática a ordem rece11


bida. Na docilidade de José, revela-se toda a sua familiaridade com os desígnios e a pedagogia de Deus. José não pergunta, somente age. Sabe que Deus é aquele que ama e, por isso, pode confiar nele em totalidade, sem medos. O meu amigo Cassiano Rocha Azevedo leva-nos, com simplicidade, a percorrer todos os textos bíblicos que, direta ou indiretamente, falam de São José, e oferece explicações que nos convencem a olhar para esse patriarca, homem justo, como um modelo de vida para nossos dias: um modelo seguro para todos os tempos. Neste mundo agitado, conturbado, incapaz de viver o mistério do silêncio, cheio de racionalismos, que tudo quer saber e explicar, a figura de São José pode parecer anacrônica. José é alguém que vai contra a correnteza. Mas a missão de José está propriamente nisto: recordar que Deus quer fazer de nós seus discípulos silenciosos, que não discutem sua palavra. E, mesmo na noite, sabem dizer um sim com amor e fé. Gostaria de realçar alguns aspectos do livro, que me parecem importantes: 1. Na escola de São José, aprende-se a difícil arte da escuta, a estar atento a todos os sinais dos tempos pelos quais a voz do Senhor chega até nós. No passado, falava de muitas maneiras, hoje nos enviou a sua Palavra privilegiada e total, que é Jesus. Mas Deus continua a falar na história. Os sinais são mediações de Deus que devem ser decifrados, para se compreender o que está por trás dele e o que Deus quer dizer. 12


Será que hoje o Senhor fala através dos sonhos? Acredito que ele nos envia sua mensagem por muitos meios e, por isso, não podemos excluir nenhuma forma de comunicação, cabe-nos, porém, fazer um discernimento sério para captar a mensagem dele. Por isso, devemos pedir a São José o dom de escutar a voz de Deus que chega até nós por diversos caminhos. 2. Com São José, aprende-se o mistério do silêncio. Vivemos num mundo muito barulhento, que nos aliena. Parece que precisamos cada vez mais de barulho para que nossos problemas não sejam encarados com coragem. No entanto, sabemos que pelo silêncio Deus chega ao nosso coração. O silêncio nos permite perceber o murmúrio mais tênue, a palavra mais importante. E essa palavra se faz vida, faz-se carne. Assim, Jesus não é importante somente por aquilo que diz, mas por aquilo que faz. Porque não é o exterior que nos convence, mas o testemunho. Por isso, as palavras não traduzem o que as ações testificam. Somos julgados não pelas palavras, mas pelos atos. São José comprova com sua vida o seu silêncio, pois o seu falar é ação em perfeita sintonia com o Senhor. 3. Com São José, aprende-se a ser solidário com todos. Como é bom e importante imaginá-lo no seu trabalho manual de marceneiro ou outro trabalho que possa ter exercido, isso não importa tanto, o que importa é o seu exemplo de trabalhador que dignifica o trabalho como um meio para o próprio sustento e o dos outros. O trabalho manual hoje em dia está em 13


descrédito, dá-se mais importância ao trabalho intelectual, à orientação científica. Precisamos resgatar com a figura de José a importância do trabalho em nossa vida, na vida da comunidade, como forma de carinho e de libertação da preguiça. E também como meio para ajudar os mais necessitados. 4. Justamente, o autor coloca em evidência as palavras de Santa Teresa de Ávila sobre São José, ela que sempre teve em sua vida um grande amor e devoção por esse Santo. Ela apresenta São José como um excelente ecônomo, como protetor, e o apresentava assim em cada Carmelo que fundava. Por isso, até hoje não se encontra um convento de Carmelitas descalços que não tenha um amor todo especial para com São José. Ela diz mais ainda que nunca ficou decepcionada quando se recomendou ao “Glorioso São José”. E vê em São José um mestre da oração. O título que a Bíblia confere a São José como “homem justo” quer dizer: o homem orante, santo, praticante da palavra de Javé. Neste momento em que vivemos, precisamos redescobrir esse ser justo e a oração silenciosa que nos ensina São José, recolhendo-nos em nosso santuário interior, não para falar, mas para escutar a voz do Amado. Fé, oração e ação são elementos sempre presentes na vida de São José. 5. Este livro é muito oportuno para todos, especialmente para os pais que se queixam de não encontrar modelos para a vida familiar. São José pode ser assumido como, e de fato é, padroeiro da Igreja universal e padroeiro da família. Cada pai deve se espelhar nele, encontrando nele o modelo pleno de 14


sua vida: dedicação ao trabalho, dedicação à família, como alguém que viveu totalmente para Deus e para sua família em Nazaré. Sem dúvida, este livro de Cassiano Rocha Azevedo irá fazer muito bem àqueles que o lerem e será incentivo para todos, mas especialmente para os homens e os jovens que se sentem desnorteados. Apresentando um momento de colocar-se na escuta de Deus, acolhendo a Palavra de Deus e silenciosamente colocá-la em prática. As palavras voam... os exemplos ficam. São José não deixou muitas falas para refletirmos sobre elas, mas com seu jeito simples nos questiona. Ele fez, e este seu fazer nos questiona porque gostamos mais de falar que de fazer... Precisamos mudar essa maneira de pensar, a começar por mim. Frei Patrício Sciadini, ocd

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Introdução

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o Antigo Egito, diante de uma grande fome que se abatia sobre a Terra, desesperados, os homens buscavam o pão e só havia uma indicação para todos: “Ide a José” (Gn 41,55). José do Egito era aquele que guardava os celeiros de trigo para a humanidade faminta. No mundo atual, que errou muito acerca do conhecimento de Deus, numa humanidade carente de referenciais seguros e de pais que lhe amparem e conduzam para Deus, a Palavra nos indica o mesmo caminho: “Ide a José”. Assim como José do Egito alimentou a humanidade faminta do pão da terra, José de Nazaré alimenta a humanidade sedenta de nossos dias com o pão da vida; como ele foi um referencial humano paterno para a humanidade de Cristo, ele também será para a sua. O objetivo deste livro é tornar a figura de José mais próxima da humanidade a fim de que, como a Igreja deseja, ele seja um referencial para o homem de hoje. E como a própria tradução do seu nome indica (Iosseph = reunir, aumentar, acrescentar), o 17


homem contemporâneo possa ser reunido em suas potências pela centralização em Cristo a fim de crescer em seu amor a Deus acima de todas as coisas e agir com a mentalidade do Espírito na construção de uma nova humanidade. Saboreando estas páginas, você poderá orar, contemplar e crescer na amizade com o pai adotivo do Redentor, portanto, “Ide a José”!

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Parte 1

E o Verbo se fez judeu



e o verbo se fez judeu Esta feliz expressão nos faz entender que, ao esvaziar-se de sua glória para assumir e redimir a nossa humanidade, Jesus se encarna não como egípcio, assírio, grego ou romano, mas nasce de uma judia e escolhe um pai adotivo judeu que lhe ensina o aramaico, a Torah1, os salmos e provérbios, as profecias, o conhecimento da flora e da fauna de Israel, que celebra o Shabat2, sobe a Jerusalém todos os anos para a festa da Páscoa, cantando os Salmos das peregrinações. Enfim, o Verbo quis se fazer judeu, entrar na cultura judaica, viver a sua Lei e levá-la à perfeição. JOSÉ É UM TSADIQ A palavra de Deus nos fala que José era um homem justo (Mt 1,19). O Irmão Efraim nos diz: A pa1. Torah = a Lei, o pentateuco – os cinco primeiros livros da Bíblia. 2. Shabat, o dia de descanso, é o símbolo máximo do judaísmo, verdadeira essência da fé judaica.

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lavra hebraica para designar justo é “tsadiq”, da mesma raiz que nós tiramos a palavra “tsedeq”, palavra-chave da ética judaica que designa, ao mesmo tempo, justeza e caridade (tsedaqa) e que invoca a verdade inseparável de uma e outra. À luz da tradição de Israel, nós podemos nos perguntar: Que tipo de justo é José? Um estudioso contemporâneo do talmud3 diz que o justo é parte do Messias. O justo participa da redenção do mundo, pois uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro. O que o caracteriza é seu engajamento pessoal, sua responsabilidade frente ao mundo. No pensamento hebraico, o tsadiq é aquele que reconhece o fundamento absoluto da Lei e seu valor moral. O homem religioso, que tem uma relação pessoal e absoluta com Deus na ordem do amor, é chamado “hassid”, fervoroso fiel por sua generosidade. Mas, quando educa, cria o povo pela abrangência de sua presença, pela integridade de sua caminhada, esse homem passa a ser um tsadiq, um fiel com disposição e potência de realizar e esclarecer o povo sobre a justiça e a fidelidade do amor de Deus. JOSÉ É O HOMEM DO SHALOM José é o homem do Shalom (da raiz shin – lamed – mem), da paz justa, ou seja, do shalom, da plenitude feliz de sua alma unificada, reunida (Assaph = Iosseph) em Deus e que leva à execução de sua vontade. 3. Comentário e interpretações das tradições judaicas.

Página 23: São José Operário, C. Pastro.

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José, chamado justo, dirige o coração inteiramente para Deus; com toda a sua alma ajustada e com todas as suas forças, ele abraça a integridade e a fidelidade autêntica a Deus. É preciso compreender que, ao ser chamado tsadiq, José exercia um papel social importante, uma influência espiritual considerável sobre a comunidade judaica de Nazaré e, como tsadiq, seu ensinamento era procurado pelo povo que lhe tinha como exemplo e referencial por sua integridade na Torah e no serviço de Deus. São José, o tsadiq, filho de Jacó da tribo de Judá, não era certamente um ancião, simples, ingenuamente piedoso, dissimulado, ignorante das Escrituras, desencarnado de sua cultura, como muitas imagens do início do século XX e uma catequese sem profundidade nos apresentaram. Mas Iosseph Ben Iaacov4 é um judeu praticante; a espiritualidade e fidelidade que recebeu de seu pai e que ele transmitirá ao menino Jesus que lhe foi confiado são alicerçadas no amor a Deus e ao próximo pela observância da Torah e dos mandamentos. IOSSEPH BEn IAACOv Seu belo nome Iosseph, que em hebreu significa reunir, aumentar e acrescentar, ele recebeu de seu pai Iaacov Ben Mattan, oito dias após o seu nascimento, no momento da circuncisão que lhe introduziria na aliança de Abraão. Desde a sua 4. José, filho de Jacó.

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mais jovem idade, ele é formado primeiramente por sua mãe, que lhe transmite o canto das palavras, as melodias das orações e os rudimentos do alfabeto da língua santa. Em seguida, com cerca de cinco anos, seu pai lhe forma segundo a aprendizagem da Torah. Até a primeira metade do primeiro século após Jesus Cristo, em matéria de instrução, o papel do pai, ajudado pelos sábios da comunidade, era preponderante. Escolas foram construídas sistematicamente por Josué Ben Ganla pouco antes da destruição do Templo (70 d.C.). Todo pai era responsável pela iniciação do conhecimento da Torah a seus filhos, para fazer deles pequenos cordeiros fortes na corrente ininterrupta que devia transmitir intacto o patrimônio religioso de geração a geração. Este mandamento: “Tu o ensinarás a teus filhos” (Dt 6,7) era tomado muito a sério e inserido na oração do Shemá Israel recitado pela manhã e à noite. Numerosas passagens do talmud dão ênfase à importância desse dever: “O mundo não subsistiria se não fosse o sopro dos jovens meninos estudando a Torah. Uma vila onde não se encontraria nenhum estudante seria destruída” (Shabat 119b). No estudo dos cinco livros de Moisés, o pai começava pelo Levítico. “Por que nós fazemos os meninos estudarem a partir do Levítico e não do Gênesis? Porque os meninos são puros, e o sacrifício é coisa pura. Que os puros comecem a se ocupar de coisas puras” (Levítico Rabba 7,3). 25


Aos treze anos, José atingiu a sua maioridade religiosa. Ele devia estar pronto para assumir todas as obrigações religiosas dos adultos, porque a partir de então assumiu, tomou sobre si o jugo da Torah nos seus 613 mitsvot5 e tornou-se membro efetivo da comunidade de Israel, responsável por seus atos diante de Deus. Esta cerimônia se intitula o Bar Mitzva, que significa filho do Mitzva, ou filho do preceito, ou seja, obrigado à observância dos mandamentos. Nesta ocasião, na sinagoga de sua pequena cidade, no decorrer do ofício matinal do Shabat, seguindo o cumprimento dos seus 13 anos, o jovem José foi chamado à Torah para lá cantar solenemente uma parte da Sidra6 do dia. Esta leitura é composta pelas recitações de bênçãos previstas, seguidas de um breve comentário bíblico ou talmúdico exposto pelo jovem Bar Mitzva. Durante o ato, seu pai Iaacov pronunciava outra bênção agradecendo “àquele que é liberado neste dia dos pecados deste rapaz”. A partir deste dia, foi designado a José a recitação das preces cotidianas de Israel à luz das tradições judaicas ainda vivas no judaísmo atual. Desde o acordar e antes da aurora, ainda sobre a cama, recita esta curta oração: “Eu te dou graças Rei Vivo e Eterno, por me teres, dentro do teu amor, restituído minha alma, grande é a tua fidelidade!”. 5. Mandamentos. 6. Seção bíblica.

Página 27: Sagrada Família na Carpintaria, C. Pastro.

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na oficina Sobre o portal da casa, sem dúvida modesta, onde se passa a infância de Jesus, ele colocou, na mezuzá7, o Shemá Israel. Entrando e saindo, ele não esquecia de colocar cada vez sua mão sobre a mezuzá, depois entre os lábios, em sinal de respeito devido ao Deus Único. Eis aqui José no trabalho de sua carpintaria. Verão ou inverno, a cabeça estava sempre coberta por um talit8, quando manejava o serrote, o cortador e o martelo. Nesta época, o carpinteiro era na realidade um trabalhador que conhecia tudo referente à madeira. Ele cortava toras de madeira para sustentar terraços, fabricava jugos, flechas para atar objetos pontiagudos, ou ainda leitos, cofres, cadeiras, peças de moer e mobília de sinagoga. Os carpinteiros constituíam uma profissão bem considerada pelo povo. É preciso recordar que, na Judeia, numerosas corporações de carpinteiros colaboraram na construção do Templo de Jerusalém, oferecendo, entre outras coisas, talhas de grandes toras em cedro do Líbano.O salário dos artesãos era relativamente alto e variava, sem dúvida, segundo a habilidade de diferentes mestres carpinteiros e a importância da sua oficina. No Evangelho de S. Marcos, Jesus é chamado de carpinteiro (Mc 6,3). Era costume da época ensinar ao filho a profissão de seu pai. O termo “carpinteiro”, em 7. Espécie de um tubo de metal contendo um pedaço de papel sobre o qual é escrito a profissão da unicidade de Deus. 8. Manto retangular de lã ou linho, com franjas nos 4 cantos.

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grego, é tekton, em aramaico, naggar, significa, ao mesmo tempo, carpinteiro e mestre construtor, arquiteto. Jesus, além disso, gosta de utilizar nos seus discursos a imagem da construção de uma casa. O historiador israelita Klausner, referindo-se ao mártir Justin, afirma que este, mais de um século após Jesus Cristo, teria ainda ouvido falar na Galileia das charretes saídas da oficina de José que Jesus teria fabricado. Não é suficiente exercer uma profissão, é necessário transmiti-la aos filhos. Uma pessoa qualquer que se abstém disso ensina seu filho a se tornar um ladrão. Aquele que tem um trabalho nas suas mãos parece com uma vinha bem cercada, animais não podem penetrá-la. Mas aquele que não tem uma profissão manual parece com uma vinha, cujas cercas são mal feitas; animais entram à vontade e os passantes olham e roubam. Tudo nos faz pensar que José era bem um tsadiq, que vivia segundo a escrita e o espírito sempre inseparáveis do judaísmo. Nós o vemos orar três vezes por dia; dirigia-se na semana à sinagoga ao menos na segunda e na quinta-feira para leitura da Torah; celebrava o shabat, a neomênia9 e todas as festas judaicas; subia a Jerusalém para apresentação no Templo e resgate dos primeiros recém-nascidos. Jesus não teria sido um judeu praticante sem um José judeu praticante; é um aspecto do mistério da encarnação do “Verbo feito judeu”. Através do rito, 9. Festa da santificação de Deus ao início de cada mês judaico, marcado pelo aparecimento da lua nova. Era um sinal da providência de Deus que sustentou a vida do povo de Israel mesmo diante das mais dramáticas situações históricas (cf. Nm 28,11-15).

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da regra, do ato justo, do ato preciso prescrito, recebido de seu pai Iaacov e fielmente passado para Jesus, José escreve na carne de Jesus a Palavra transcendente do Deus de Israel à véspera de sua manifestação. O trabalho de José, sustentado pela graça, é formar a humanidade de Jesus segundo a Torah, que faz de todo filho de Israel um servo e um príncipe consagrado a Deus.

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