Raios deSol Uma vida, uma hist贸ria
Bianca Gomes Bernardes
Raios deSol Uma vida, uma hist贸ria
Coordenação Geral Filipe Cabral Coordenação Editorial Carolina Fernandes Projeto Gráfico e Diagramação Kelly Cristina Revisão Amanda Cividini
Edições Shalom Estrada de Aquiraz – Lagoa do Junco CEP: 61.700-000 – Aquiraz/CE | Tel.: (85) 3308.7402/ 3308.7415 www.edicoesshalom.com.br | comercialedicoes@comshalom.org Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. ISBN: 978-85-7784-088-5 © EDIÇÕES SHALOM, Aquiraz, Brasil, 2014. 1ª edição
Dedicado Ă minha melhor amiga, minha mĂŁe, aquela que sempre me incentivou a realizar os meus sonhos.
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Sumario Apresentação ................................................................... 09 Introdução .........................................................................11 Capítulo 1 - Mudanças........................................................ 13 Capítulo 2 - Tristeza.............................................................21 Capítulo 3 - Carta................................................................27 Capítulo 4 - Deus grego...................................................... 35 Capítulo 5 - Crianças.......................................................... 43 Capítulo 6 - Vergonha..........................................................51 Capítulo 7 - Decepção.........................................................59 Capítulo 8 - Festa................................................................61 Capítulo 9 - Omitir ............................................................. 65 Capítulo 10 - Admirador...................................................... 69 Capítulo 11 - Viagem...........................................................77 Capítulo 12 - Mensagem.................................................... 83
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Apresentaçao
“...Quando senti a caridade penetrar no meu coração e a necessidade de esquecer-me de mim mesma, para dar prazer aos outros, desde então fui feliz!...” Esta é uma das frases mais belas de uma santa muito conhecida nossa, Santa Teresinha do Menino Jesus, que, desde a mais tenra idade, provou a alegria de viver dedicada a fazer o outro feliz, que é a essência do amor cristão. Ao lermos o livro da Bianca, também jovem, vamos percebendo que quanto mais um coração se desapega de si mesmo para amar e perdoar, mais a nossa vida vai sendo plena de alegria e, assim, poderemos ver que em nós e ao nosso redor tudo se transforma, como raios de sol sobre o que antes era frio e cinzento. Se há quem viva assim, haverá então quem espere um mundo melhor. Boa leitura! Maria Emmir O. Nogueira Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
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Introduçao
Durantes as férias de dezembro de 2009, no ponto máximo do tédio, decidi escrever uma história por diversão e para ter como passar o tempo. Todos os dias, durante a manhã, eu lia, e, durante a tarde, escrevia. Nessa brincadeira, comecei a pôr alguns sonhos magníficos que havia tido e momentos que eu gostaria de passar. Depois de alguns meses, quando finalmente terminei, tinha setenta páginas escritas no Word. Foi uma das maiores alegrias que eu pude experimentar, acompanhada com a sensação de missão cumprida. Desliguei o computador. Mais tarde, quando fui mostrar a minha mãe o que eu tinha feito, procurei em todas as pastas, mas não encontrei. A lixeira do computador era minha última esperança, mas lá também não estava. Entrei em desespero. Chorei por horas, o livro havia sido excluído no mesmo dia em que fora concluído. Minha última alternativa era pedir para um técnico procurá-lo nos locais mais improváveis. Mas ele não pôde ajudarme. Desisti e prometi que nunca mais iria escrever livro algum. No dia 16 de maio de 2010, um domingo, abri uma nova página e comecei a escrever. Mantive a ideia original, uma menina que tinha que se mudar para outro estado, mas, com o passar dos meses, percebi que eu tinha amadurecido e a Sol
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também. Então, entendi que aquela havia sido a vontade de Deus! Eu precisava escrever algo melhor, eu tinha capacidade para isso. Prometi que jamais escreveria novamente, mas não adiantou. Perdi um livro, mas a Sol continuava viva dentro de mim, como uma chama acesa. Criei coragem e pus toda a minha criatividade e paixão para reescrever algo que havia feito para mim. A personagem existia na minha mente, mas cabia a mim trazê-la ao mundo. Minha mãe teve a ideia de lançar este livro no dia do meu aniversário de quinze anos, como uma noite de autógrafos. Em julho de 2011, minha história ganhou um fim, e associada à sensação de missão cumprida, provei o sabor da superação. Espero que todos se identifiquem com a Sol tanto quanto eu. Escrevi sobre alguém que já existe em um pedacinho do coração de todos nós. Boa leitura! Bianca G. Bernardes
Mudanças Todo mundo acha ruim mudar-se de colégio, e eu mais ainda, deixar de ver todos os dias aqueles amigos que nos fazem rir, principalmente nos piores momentos. Meu nome é Sol Brito e vou contar um pouco da minha história… Eu teria que mudar de colégio, mas, como consolação, veria meus amados colegas nos finais de semana... Se eu não tivesse que me mudar de estado! Eu morava com meus pais, minha irmã de dezessete anos e meu irmão de dezenove, que eu amava muito, um anjo perfeito. Ir para São Paulo, sem dúvidas, seria uma das maiores mudanças da minha vida, uma nova cultura, um novo mundo, onde eu poderia ou não me adaptar. No Ceará, eu não era daquele tipo de garota que todos os meninos gostariam de ter como namorada, primeiro porque eu não tinha tempo para eles; segundo, eu fazia questão de curtir a minha vida da melhor maneira possível, coisa que com garotos imaturos como aqueles seria extremamente complicado e, terceiro, meu irmão era a pessoa mais ciumenta do mundo. Uma vez, quando ele descobriu que o melhor amigo dele estava apaixonado por mim, além de brigar com o menino,
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ainda passou várias semanas sem trocar uma palavra com ele. Quanto a mim, ele me proibiu de falar e ver o garoto, que, para ser sincera, como se não bastasse ser um “lesado”, ainda era metido, duas coisas que eu odeio em um rapaz. Sempre fui péssima em fazer novas amizades, culpa da minha timidez. Minha sorte era que sempre tive os mesmos amigos, todos estudávamos juntos desde o maternal. Ou seja, não foram amigos que eu conquistei, mas que a vida me deu de presente. Toda essa história de mudança me deixou aflita. São Paulo...O que eu sabia sobre São Paulo? Eu não queria ter que viver em um estilo de vida totalmente diferente do que eu já estava acostumada, mas aprendi com meu irmão a tentar olhar algo bom em meio às tempestades. Foi quando vi que agora poderia realizar meu sonho de conhecer a tão falada Av. 25 de Março, andar de metrô, visitar o Bairro da Liberdade que eu costumava ver nos meus livros de História e Geografia. Meu pai foi transferido para São Paulo, para uma nova filial da empresa em que ele trabalhava no Ceará e que estava sendo aberta em muitos estados do Brasil. Teríamos que nos mudar um dia depois do Ano Novo. Eu tinha pouco tempo para ficar por dentro de tudo sobre a “Selva de Pedras”, “terra dos arranha-céus” que seria meu novo lar, para não chegar falando besteiras. Eu não queria mudar minha relação com os estudos, sabia o que queria para o meu futuro: Direito; e, para isso, precisava estudar bastante. Meu irmão já estava na faculdade de Engenharia Química quando teve que pedir transferência. Foi tudo muito complica-
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do para nós. Eu não me dava muito bem com a minha irmã, que era muito mandona. Além disso, por ela ter uma beleza extraordinária, sempre estava entre as mais populares e afirmava que ser minha irmã ainda iria acabar com a reputação dela. Ser a caçula tem suas desvantagens! Meus pais nos prometeram que, desta vez, teríamos uma casa gigante, com direito a jardim e um closet nos quartos. A Sophia disse que queria uma sala de estudos para ela, além de dormir no maior quarto da casa. Ela era insuportável, só pensava em si, vivia dizendo que eu era horrorosa. Na realidade, somos opostas: enquanto ela tem toda a beleza desse mundo, não sabe somar um mais um. Meu irmão desejava uma sala de música só para ele, e eu não pedi nada, como sempre, porque os desejos dos meus irmãos impediam a realização dos meus. Na verdade, eu fui “um erro”, meus pais tinham o sonho de ter dois filhos, um casal, que de fato tiveram, e eu sou a intrusa. Meus irmãos são tudo o que os meus pais sempre sonharam, lindos e mimados. Mas, o meu irmão maravilhoso fazia tudo o que eu queria e estava sempre me ajudando com as tarefas de casa. Primeiro dia de aula, quando se conhece todo mundo, sempre me deixava ansiosa, imagine quando não se conhece ninguém! Você tem medo de que não gostem de você, de que as pessoas a vejam com preconceitos. Ir morar numa cidade como São Paulo só acentuava os meus receios. Sempre ouvi falar que os paulistanos eram muito educados, mas que não tinham aquele sorriso vinte e quatro horas no rosto por estarem sempre repletos de coisas para fazer e não podiam perder tempo com bobagens de uma nordestina. E quando eles soubessem que eu odiava praia, sem dúvidas iriam me chamar de louca!
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Meus pais me levaram até a diretora, de lá, eu seria encaminhada para a minha turma. Nunca vi pessoa mais simpática que aquela! Minha sala devia ter uns trinta alunos, cada um mais lindo que o outro. As meninas pareciam ter saído de capas de revista, e como eu não sabia que as garotas iam para o colégio como se fossem para o shopping, eu me senti completamente diferente, excluída, mas nada que eu já não tivesse passado perto da minha irmã, que, sem dúvidas, não teria problemas com isso. Pelo contrário, voltaria para casa cheia de e-mails dos novos amigos. Só havia uma carteira vazia, e ela ficava lá no fundo, perto da janela que dava para o gramado do colégio. Era uma bonita visão, mas só confirmava minha ideia de isolamento. – Temos uma aluna novata! Venha, Sol, e fale-nos um pouco sobre você. “Ai, meu Deus, ter que ir na frente falar sobre mim, eu não ensaiei para isso. O que eu vou falar? Será que eles vão entender, mesmo com o meu sotaque? Acho que vou fazer o que meu irmão me aconselhou: nos momentos de medo, é só fazer sua música preferida tocar na sua cabeça e deixar que ela a acalme bem lentamente…” – Meu nome é Sol Brito e sou natural de Fortaleza… Todos começaram a cochichar. Eu logo me desesperei e não consegui falar mais nada direito. Foi quando vi um garoto lá no fundo, sorrindo para mim, no que me fez pensar que pelo menos havia uma pessoa legal naquela sala. Então controlei meu nervosismo e continuei a falar…
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– Moro com meus pais, meu irmão e minha irmã. Sou apaixonada por música. Esforço-me muito no colégio para aprender o máximo possível e tirar boas notas. Então, todos olharam para um garoto que ficava na segunda fila. Ele estava fazendo uma cara de quem quer dizer: “Eu sou melhor que todo mundo em qualquer coisa!” Daí entendi que ele deveria ser o bonachão da sala. – Muito obrigada, Sol, pode sentar. Minhas pernas congelaram. Soltei um sorriso, e por ter entendido alguma coisa parecida com “sentar”, fui até minha carteira, de onde não saí, até o toque do intervalo. Quando ouvi o sinal, não sabia se era para ir para casa, se era a hora do lanche ou se era a troca de salas, então segui o garoto que havia sorrido para mim. Ele estava acompanhado de duas garotas. Pensei que poderia ir até eles, mas quando eu chegava perto e tentava falar alguma coisa, travava. Tentei umas cincos vezes, foi quando uma das meninas percebeu que eu estava tentando me comunicar. Ela acenou e me convidou para conversar… – Oi, Sol! Quer sentar-se conosco para o lanche? – Sim, obrigada. – Meu nome é Belinda, mas você pode me chamar de Bel! – Estes são Alfonso e Anita. – É um prazer conhecê-los. – Fale um pouco sobre o Ceará. É verdade que lá todo mundo dança o forró e tem praias lindas?
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– Olha, quem lhe disse isso, com certeza não me conhece, porque eu não gosto de forró e muito menos de praia! Meu nome é uma piada, eu detesto sol. Hahahahaha. Todos caíram na gargalhada e, aos poucos, fui me abrindo com eles. Por mais que eu achasse que não, eles seriam os melhores amigos que alguém poderia encontrar. – Venha conosco, vamos lhe apresentar ao colégio! Fiquei encantada, nunca havia visto uma biblioteca maior que aquela. E o banheiro feminino? Era enorme! Nos corredores passavam tantas garotas lindas, e os meninos? Todos pareciam ter saído das capas de revistas. Nada era como antes. São Paulo havia me conquistado, por mais que eu não conseguisse admitir. Mas faltava aquele calor, aquela união que só existia no Ceará. Quando estávamos voltando para a sala de aula, as pessoas me olhavam com repulsa, como se a notícia de ter uma nordestina no colégio já houvesse sido espalhada. Eu estava super constrangida, mas meu irmão já tinha me feito jurar que eu não fingiria ser alguém que não sou para conquistar novos amigos. Todos teriam que gostar de mim pelo que eu era, com essa minha aparência, por meu jeito de pensar e agir, como sempre deveria ser. Quando terminou meu primeiro dia de aula, meus pais foram me buscar e, chegando em casa, fui obrigada a contar tudo para o Salomão... – Meu raio de sol, como fui seu primeiro dia de aula? – Bem – respondi com uma expressão bem desanimada. – E na faculdade, como foi?
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– Bem. – Quando você diz “bem” é porque não foi nada bem! O que foi que houve? – Começaram a me chamar de peixe na faculdade! – O quê? Peixe? – É, por causa do peixe salmão. – Por que você não respondeu à altura, hein? Você não é de trazer desaforo para casa!? – Eu só não queria sujar a imagem do meu estado no primeiro dia de aula! – Pois você sujou ficando calado como um idiota. Se eu estivesse lá, isso não teria acontecido… – Mas se acha muito poderosa, podendo enfrentar aqueles caras fortões… hahahahahahaha. – Tchau, besta! – Também te amo, viu?! – Sei disso já faz tempo! Mas, só avisando: ou você dá um jeito de calar esses bestas ou eu vou lá e faço meu serviço. – Ei, mocinha, nem de brincadeira, viu?! – Pois trate de fazer alguma coisa… Quem gosta de fazer lição de casa? Eu mesma nunca gostei, mas como tinha que fazer, fazia. Argh! Eu estava super concentrada estudando Matemática, minha matéria preferida, para não dizer o contrário, quando lá vem ele: – Mana, vem aqui, rápido!
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“Meu Deus! Esse garoto não para de me encher!”, pensei. Por raiva, não fui! Então ele gritou outra vez, e novamente ignorei. Eu tinha certeza de que ele só queria tirar minha paciência, e como realmente tinha que fazer uma boa lição de casa, não estava com tempo para essas brincadeirinhas dele. Pouco tempo depois, ele gritou mais uma vez: – Por favor, me ajuda! Desta vez eu fui, mas só para lhe dar umas boas lições! O Salomão vivia simulando que estava passando mal só para rir do jeito que eu ficava preocupada… – Meu Deus! O que está acontecendo com você? – Liga para a mamãe, o número do celular dela está na agenda! – Cadê a Sophia? Socorro, alguém??? – Calma! Eu preciso que você me escute. – Não fale nada, você precisa respirar, sei lá. O que eu faço? – Você sabe que eu te amo e sempre, onde eu não estiver, Deus estará ao seu lado, ajudando quando você mais precisar. Independente de tudo, sempre será a minha protegida. Eu sou seu anjo da guarda, e nunca perca sua fé… E seus olhos fecharam. – Nãããããããããããoooo. Acorda. Fala comigo… – e tudo ficou escuro.
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Tristeza – Onde eu estou? Cadê o Salomão? – acordei apavorada em um novo ambiente. – Oi, filha! – disse minha mãe com uma voz não muito feliz. – Agora o Salomão está com Deus. Eu chorei, chorei até não haver mais água no meu corpo. Era como uma nuvem negra que me atormentava e um peso que eu não conseguia suportar. Ao mesmo tempo, um vazio ia destruindo tudo o que eu sentia de bom, deixando apenas aquilo que me fazia chorar mais. – Filha, seu irmão, por um motivo desconhecido, desenvolveu uma hemofilia, e ao cortar-se gravemente com uma faca na mão direita, teve uma hemorragia. Você acabou desmaiando, devido a situação triste de tê-lo daquela forma em seus braços. A Sophia escutou seus gritos e, ao ver a cena, ligou imediatamente para mim. Quando cheguei em casa, seu irmão já havia falecido. Mesmo assim, trouxe vocês dois para o hospital, onde você ficou sedada por um dia. – Vocês fizeram o velório sem mim? – Não, ele será enterrado em Fortaleza. Nós vamos viajar hoje de tarde e já voltamos amanhã de noite.
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Cheguei e voltei do Ceará como um vegetal. Nada fazia, nada sentia, nada comia, nada vivia. Minha vida se resumia em passar o dia inteiro no quarto. Às vezes eu ia ao banheiro para lavar o rosto, e nada além disso. Foi uma semana desse jeito. Meus pais e minha irmã entraram no meu quarto para falar comigo: – Sol, você não pode continuar desse jeito – pela primeira vez senti carinho na voz da minha irmã ao me dirigir a palavra. – É, filha, já perdi um filho, não quero perder você também – falou meu pai com lágrimas nos olhos. – Nós sabemos que você era muitíssimo ligada a seu irmão, mas ele não ficaria nem um pouco feliz em ver você assim. Você não come nada e mal bebe a água que eu venho trazer. Não sei como você ainda consegue abrir e fechar os olhos. Quero que se apronte e venha para o jantar – disse minha mãe. Meus pais desceram, Sophia ficou. – Eu admito que nunca fui uma boa irmã para você, mas agora vamos ter que nos unir para podermos superar isso, certo? Chamei umas amigas. Amanhã, quando você voltar da escola, terá algumas surpresas boas para ajudá-la a superar o passado e para provar que quero ser uma ótima irmã mais velha. Vou lhe dar um banho agora… – Pare com isso, não precisa ter pena de mim! – Você não quer que eu tenha pena de você? Em uma semana você emagreceu uns sete quilos, está parecida com um cadáver.
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Eu fiquei como uma boneca. Ela me banhou, trocou minha roupa, escondeu minhas olheiras e penteou meus cabelos. Eu estava tão fraca que não conseguia nem pedir para ela parar. Depois do jantar, fui direto para o quarto dele. Mexi em tudo. Achei uma caixa com fotos nossas e recadinhos endereçados a mim, em que ele falava das nossas brigas e dos melhores momentos que passamos juntos. Um deles me chamou mais ainda a atenção. Dizia que ele sentia uma dor enorme ao me ver chorar e que o dia mais triste da sua vida foi o dia em que ele, sem querer, fraturou meu dedo. Foi naquele momento que pensei o quanto meu irmão estaria insatisfeito por me ver “morrendo” por ele ter partido, e que o melhor a fazer seria tentar superar, sentir-me mais forte e pronta para a vida! Dormi em sua cama e sonhei com os nossos bons momentos. Ao acordar, pensei na minha realidade. Eu tinha que voltar para a escola, caso contrário, acabaria reprovada. Pela primeira vez, em catorze anos, não acordei com o som da voz dele dizendo: “Está na hora da Sol acordar e iluminar a vida das pessoas!” Mas só em lembrar disso, senti uma vontade tremenda de chorar. Era triste só em pensar no fato que eu não mais o teria pelo resto da minha vida, não mais escutaria sua voz, suas brincadeiras que me tiravam do sério e tantas outras coisas que ninguém poderia substituir. Eu nunca mais seria feliz como antes. Meus pais amavam muito os meus irmãos. Minha mãe, Sueli, e meu pai, Paulo, tinham uma vida perfeita, tinham os filhos mais lindos do universo… Então eu cheguei e a única alma caridosa que me acolheu foi o meu irmão que, agora, não estava mais nesse mundo. Ele me deixou sozinha aqui!
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Mergulhada nos meus pensamentos, tive que voltar para o mundo real da escola. Quando entrei na sala de cabeça baixa, vi a feição de Belinda. Ela tomou um susto tão grande que achei que tinha acabado de matar uma pessoa com a minha situação. Ela veio correndo falar comigo: – Sol, eu ainda não a conheço muito bem, mas pelo tempo que você passou sem vir à escola e pelo seu estado, eu tenho certeza de que você não está nem um pouco bem. – Não foi nada, só minha vida que acabou com a morte do meu irmão! – Solzinha, eu sinto muito, eu não imaginava. Se você quiser falar sobre isso, estou pronta para ouvir. – Obrigada, depois eu conto… Ela me beijou na cabeça e ficou me olhando a aula toda! No intervalo, eu contei o que tinha acontecido. Meus novos amigos tentaram me ajudar de todas as formas, mas nada conseguiria cicatrizar a enorme ferida que tinha sido aberta no meu peito. Quando cheguei em casa, lá estava a Sophia na porta. Lembrei-me que ela tinha dito que teria uma surpresa para mim. Colocou uma venda nos meus olhos e me levou pelas escadas até o meu quarto. Ao tirar a venda, eu não acreditava no que via. Ela tinha transformado o meu quarto! Agora eu tinha um closet repleto de roupas novas, meu banheiro estava ganhando uma banheira de hidromassagem…Estava tudo lindo! Depois, ela abriu uma nova porta, e a sala de música do meu
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irmão tinha sido transformada em uma espécie de “quarto das lembranças”. Tinha fotos dele com todo mundo, suas roupas preferidas, suas letras de música, suas partituras, tudo dele. Ali, pela primeira vez desde o dia da dor, eu me senti bem. Era como se eu estivesse mais próxima dele e, de certo modo, eu me sentia mais protegida. – Obrigada, Sophia, essa sala de lembranças vai me ajudar muito. – Por nada, mas você viu o seu quarto? – Claro, também ficou ótimo. – Pois foi o Salomão e eu que, um dia, brincando de como seria a casa perfeita, desenhamos aquele quarto para você. Ele achava que com o quarto você seria mais confiante. Eu fiquei totalmente pasma. Meu irmão parecia que sabia como deixar tudo pronto para quando eu não mais o tivesse por perto. Se eu olhasse pelo melhor ângulo, veria que ele ainda estaria comigo nas pequenas coisas da minha vida. Naquele momento, abracei Sophia e começamos a chorar. Ele conseguiu nos unir verdadeiramente. Talvez esta tenha sido sua missão na Terra.
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