“
TODOS NÓS FAZEMOS ESCOLHAS NA VIDA,
“
MAS NO FINAL NOSSAS
ESCOLHAS NOS FAZEM.
Bioshock,
2007
EDITORIAL
Grandes jogos 03
=
boas
?
NARRATIVAS
Discutir sobre qual foi o melhor game de todos os tempos já lançados pode acabar numa briga muito séria. Dessas em que alguém acaba enfiando o dedo no olho do outro e vai contar tudo pra mãe!
Para que um game receba uma nota como “Bom” ou “Ruim” muito deve ser observado. Uma delas é a narrativa. Mas existem tantos outros conceitos passíveis de avaliação como jogabilidade, visual, trilha sonora, game design, level design, sistema de funcionamento, etc. Todos eles muito subjetivos, não é mesmo?
Realmente é uma discussão muito pessoal. Cada um tem no seu coraçãozinho de jogador aquele que mais te tocou; que mais te viciou; que mais te emocionou; o que mudou a vida; ou simplesmente aquele que mais te divertiu. É por isso que cabe aqui, um questionamento: Será que para o game ser bom, ele precisa ter uma boa narrativa? Ou ganhar a atenção do jogador já é o suficiente? Bom, não seremos nós que responderemos essa questão. Quem, na verdade, deve respondê-la são os jogadores, aqueles que realmente enxergam um significado em encontrar desafios em um game ou jogá-lo novamente, só pra lembrar do gostinho daquela sensação que ficou pra trás. REPLAy
Junho/Julho 2017
EDITORIAL
Nesta edição, contudo, trazemos games que realmente pesam em sua narrativa. Daqueles que te prendem como uma série e não te deixam dormir em paz até que toda a história seja contada e destrinchada nos seus mínimos detalhes, além de nos emocionar, fazer rir, chorar de tristeza ou até mesmo de alegria. São games que tem a maestria na maneira de contar histórias, que de tão boas, parecem reais, nos quais os personagens parecem pular da tela e nos darem socos no estômago ou um grande abraço apertado. Games que possuem ARTE. Não digo aqui sobre os gráficos, as formas e caracterização dos personagens apenas, mas também no termo mais amplo da palavra aplicada aos games. Arte na maneira como trata dos mais variados assuntos, onde tudo pode gerar uma comunicação e afeto com o jogador, mesmo que o universo seja outro, muito, muito, muito distante. Cada game, portanto, tem sua maneira de nos oferecer uma narrativa, seja ela totalmente subjetiva e sem a troca de nenhuma palavra como o memorável Journey ou como os famosos gêneros “Telltale” de The Walking Dead, por exemplo. O mais importante disso tudo é poder sentir grandes emoções e fazer o Replay valer a pena. Boa leitura! Cainã Brinatti
caina_guari@gmail.com
Expediente Editor Bruno Pavão
Assinaturas e vendas Telemarketing
Diretor executivo Wilgor Caravanti
Gerente de projetos Cassia Carrara
Conselho editorial Antônio M. Fontoura, Marcelo Castilho
Pré-impressão, impressão e acabamento Sérgio Kumori’ Gráfica
Projeto gráfico e coordenação gráfica Straub Design
Capa Fuckinho
Edição de textos Cainã Brinatti Revisão Édipo Gama Designers Cainã Brinatti, Édipo Gama, Caheena Salles, Arissa Miki Colunistas Dario Caldas, Ericson Straub, Marcos Abdallah, Rique Nitzsche Colaboradores Fernanda Martins, Furf Design, Fátima Finizola, Josi Basso, Marina Fujimori, Ricardo Fujimori, Super Cell, Nautilus, Luba TV Games, Criadores de The Last of Us.
PARA ANUNCIAR Escreva para: edipo_gam@yahoo.com.br
ou entre no site: www.revistareplay.com.br. Telefones: (11) 97013-3964 (14) 99198-6675 SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE (SAC) Para consultar dados da sua assinatura, comunicar alteração de endereço, tirar dúvidas sobre pagamento ou entrega, renovação e outros serviços: Internet: www.abrilsac.com Ligue grátis: 0800-7752112 De segunda a sexta, das 8 às 22h
Distribuição DiNAP - Distribuidora Nacional de Publicações. O conteúdo dos artigos é de total responsabilidade dos autores. Agradecemos a todos que de alguma forma participaram desta publicação, direta ou indiretamente, colaborando para que fosse possível sua realização. Fontes utilizadas na edição Insígnia, Function, Univers, Cronos Pro Display Papéis utilizados Capa - Couchê 300g Miolo - Couchê Fosco 150g e Sulfite 90g
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REPLAy
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ÍNDICE
ONLINE 09
MOBA - 5 razões para ser um dos melhores gêneros da atualidade
10
Os MMORPG’s e os problemas de suas narrativas
MOBILE
Monument Valley faz da arte um jogo e do jogo uma arte
7
ENTREVISTA 19
Rand Miller e a imersão na realidade virtual com Obduction
CLÁSSICOS 23
Myst - uma história contada em dois meios
RELATOS 35
Final Fantasy VII, “o RPG que mudou minha vida”
O JOGO PELO JOGO 36
Gamificação: suas tarefas transformadas em games
INDIE 41
Chroma Squad - Seja um diretor de estúdio de Sentai
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Rime - Liberte sua criança interior!
Edição Junho/Julho 2017 ANO 1 ISSN XXXXXXX
Edição nº01 Junho/ Julho 2017 Ano 1
REPLAy
Junho/Julho 2017
MAINSTREAM
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Horizon: Zero Dawn e a nossa mais nova heroína favorita
ESPECIAL
25 9
A Arte de The Last of Us
35
10
23 36
TERROR
Layers of fear e a arte de causar o medo
19
38
43
41
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REPLAy
MOBILE
Ganhador do Apple Design Award 2014, sua arte foi desenhada de tal forma que cada quadro seria passível de exposição pública.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
M
Por Dário Coutinho e Wikipédia
07
onument Valley é um jogo de puzzle desenvolvido e publicado pelo estúdio independente Ustwo. O jogador controla a princesa Ida através de labirintos de ilusões de ótica e objetos impossíveis. Seu estilo visual foi inspirado por gravuras japonesas, esculturas minimalistas e pelos jogos independentes Windosill, FEZ e Sword & Sworcery, e foi comparado pelos críticos aos desenhos de M. C. Escher e Echochrome. Depois de um teste beta privado, o jogo foi lançado para iOS em 3 de abril de 2014, e depois portado para Android e Windows Phone. O jogo recebeu muitas críticas positivas. Críticos destacaram seu design de arte e sonoro, mas ressaltaram a falta de dificuldade e a curta duração. Além de ganhador do Apple Design Award de 2014, foi nomeado o melhor jogo para iPad de 2014, e vendeu mais de duas milhões de cópias até janeiro de 2015.
da receita da Ustwo, então a companhia foca o desenvolvimento de seus jogos em produzir “ótimos produtos” que refletem bem na empresa, em vez de aplicativos altamente rentáveis.
Jogabilidade
Ken Wong, o designer-chefe da Ustwo, na Game Developers Conference 2015
Em Monument Valley, o jogador controla a personagem princesa Ida através de labirintos de ilusões de ótica e objetos impossíveis, que são referidos no jogo como “geometria sagrada”, enquanto ela viaja para ser perdoada por alguma coisa. O jogo é apresentado em perspectiva isométrica, e o jogador interage com o ambiente para encontrar passagens ocultas enquanto Ida progride à saída do mapa. Cada uma das dez fases tem uma mecânica central distinta. Interações incluem plataformas e pilares móveis. O jogador é guiado indiretamente pelo jogo por elementos de design como cor, e diretamente guiado por corvos, que bloqueiam o caminho de Ida. O jogo inclui um modo câmera onde o jogador pode andar pela fase para compor capturas de tela. Isso inclui filtros similares àqueles do Instagram.
Desenvolvimento
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Acerca do estilo artístico, o designer de jogo e artista Ken Wong disse que ele desejava fazer cada quadro do jogo digno de exposição pública. O projeto começou com os desenhos conceituais de Wong antes de isso se tornar um projeto de jogo. Wong ainda disse que a jogabilidade foi projetada para que o jogador encontre o objetivo do jogo através de exploração, sem uma orientação direta. O jogo usa cores para mostrar onde o jogador pode interagir, similar a Mirror’s Edge. Wong comparou a experiência de jogabilidade a um
“
Monument Valley foi desenvolvido por Ustwo, uma empresa de design digital fundada em 2004 que tem produzido aplicativos para iPhone desde 2007. Seu jogo Whale Trail teve milhões de downloads, e seus outros aplicativos incluem o aplicativo de design Granimator e o de compartilhamento de fotos Rando. Seu desenvolvimento se iniciou no começo de 2013, e durou 10 meses. Começou com uma peça de um concept art desenhado no estilo de M. C. Escher, e o design final não se alterou muito daquele inicial. A direção da Ustwo não deu ao time de desenvolvimento nenhum prazo ou orçamento, e sim os disseram para focar em “fazer um produto de alta qualidade”. O desenvolvimento de jogos não compõe uma grande parte
Apenas façam um produto de alta qualidade. Orientou a Ustwo a seus desenvolvedores, sem dar nenhum prazo ou orçamento limites.
cruzamento entre a maravilha de uma loja de brinquedos e o mundo de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, e a sua história a uma “canção” simbólica em vez de um livro de narrativa. O jogo foi projetado para ser completado pela maioria dos jogadores, um estilo incomum para jogos projetados para um público popular. Foi destinado a ser uma “experiência superior” em vez de um desafio difícil.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
Como jogar Monument Valley
Nossa opinião Jogos indie não são a escolha da maioria, mas é, sem dúvida, a escolha dos jogadores que procuram uma experiência diferente - única. Essa é a proposta de Monument Valley. Neste game, brincando como se estivéssemos em um quadro de M.C. Escher, passeando por estruturas impossíveis. O game engana os olhos do jogador várias vezes. A primeira impressão, por exemplo, é de que se trata de um jogo 2D. Porém, conforme os desafios se apresentam, fica evidente de que se trata de um jogo completamente em 3D. O visual é muito bonito, combinando tons de cores de modo relaxante. A jogabilidade é simples. Basta tocar na tela para movimentar a personagem. O jogador pode tocar em qualquer lugar da tela, mas ela irá se movimentar apenas até onde houver caminho. O jogador deve resolver os enigmas para que a menina possa prosseguir até concluir as fases.
Em Monument Valley, o jogador deve alcançar a saída ou resolver os puzzles propostos pelo jogo. Para isso, deve girar algumas peças que precisam ser encontradas. Entretanto, as peças giratórias só são acessíveis quando a personagem Ida não está em cima delas. Além destas peças giratórias, o jogador pode movimentar blocos que possuem furos. Diferente das peças que giram, os blocos que podem ser arrastados, podem ser movimentados até mesmo com Ida sobre eles.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
08
Nos puzzles, não há como impossibilitar a solução. Tudo que é feito, pode ser desfeito de modo que o jogo não precise reiniciar cada desafio. É preciso ter atenção com as ilusões de óptica, pois, muitas vezes o jogador irá passar pela solução sem perceber. Para melhorar o conteúdo, Monument Valley traz ainda uma atualização. Vendida separadamente, ela adiciona oito novas fases, além de um cenário totalmente inédito, que apresenta um pouco da intrigante história, e alguns desafios extras.
NOTAS DA REDAÇÃO
10
7,9
arte
Envolvimento
Quer ter uma perspectiva mais clara dessa obra? Acesse o trailer feito exclusivamente para você:
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5 ONLINE
RAZÕES MOBA É UM DOS MELHORES
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PELAS QUAIS O
GÊNEROSATUALMENTE EM GAMES
Porque dezenas de milhões de pessoas se dedicam, praticam e assistem a esses jogos? Qual o segredo para serem tão aclamados?
M
Por Bruno Capelas e Marcus Oliveira
OBA é uma das palavras mais comentadas e discutidas na indústria de jogos atualmente. Para quem não sabe (é claro que você sabe), trata-se de uma abreviação de Multiplayer Online Battle Arena (arena de combate online para vários jogadores), um termo que não explica exatamente bem como esse gênero que se formou e evoluiu de maneira extremamente acelerada ao longo dos últimos 15 anos. Hoje, os MOBA’s são mais do que jogos eletrônicos. Eles são sinônimos de esportes digitais, tão emocionantes de assistir e torcer quanto de jogar. É um gênero que tem uma cultura única, com suas próprias gírias, piadas e problemas. E movimenta milhões de dólares entre uma comunidade fanática, atletas dedicados e campeonatos que não deixam nada a desejar para uma final de Copa do Mundo de Futebol. Se tais constatações não são suficientes para te convencer, segue uma listagem de 5 razões que podem te convencer um pouco mais a esse respeito: REPLAy
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ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
O Brasil teve grande destaque no Campeonato de MOBA 2016, por isso preparamos uma entrevista com os finalistas brasileiros de LoL onde eles nos deu uma palinha dessa experiencia. Confira no nosso site:
O PROBLEMA DAS NARRATIVAS NOS MMORPGS
Sua socialização retira a importância das questões narrativas do universo em que está inserido. É por isso que as narrativas são tão negligenciadas pelos jogadores. Por Thiago Nemecek
E
nquanto conseguem formar comunidades online gigantescas (atingindo muitas vezes a casa dos milhões), fidelizando um público durante anos e passando por várias expansões e atualizações, os MMORPGs ainda são muito criticados em diversos aspectos de game design pelo público geral e também pela mídia, já que todos aparentam estar buscando a fórmula do sucesso escondida por trás dos casos que deram certo e, na maioria das vezes, falhando em entregar ao jogador uma experiência que valha investimento de tempo e dinheiro.
mo. Deslocadas ou simplesmente ignoradas pelos jogadores, as narrativas nos MMORPGs ainda não encontraram sua forma, e isso acontece pois a maneira tradicional de se contar histórias não compreende um número massivo de protagonistas.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
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É válido lembrar que narrativa é um termo que, quando aplicado no universo lúdico, pode ficar muito confuso se comparado a outros termos, como enredo e história. Deve ficar claro que em nenhum momento desmereço os universos fantásticos criados nesses jogos, mas pelo contrário lado, escolhi justamente exemplos de jogos com os universos mais brilhantes que existem atualmente. O problema surge na aplicabilidade de tais universos na forma narrativa para o jogador, geralmente no formato de misAlgumas ferramentas são muito bem sões. Se você já jogou algum MMORPG, utilizadas para manter a ficção enentão provavelmente volvendo o jogajá se deparou com dor, como trilha Deslocadas ou simplesmente o problema de que sonora, arte e a ignoradas pelos jogadores, as as missões não tem coerência entre nenhuma (ou quase os elementos do narrativas nos MMORPGs ainda nenhuma) significamundo do jogo. A não encontraram sua forma ção no âmbito social narrativa, porém, do jogo. um elemento crucial para o desenvol- Então nos deparamos com a seguinte vimento ficcional em outros jogos e questão: como inserir a lógica do prooutras mídias, acaba entrando como tagonista em um ambiente massivo um elemento estranho nesse organis- de jogadores? Junho/Julho 2017
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MAINSTREAM
VIDA LONGA À UMA NOVA HEROÍNA 11
Aloy, a carismática, brava e forte protagonista de Horizon: Zero Dawn, tem muitos motivos para permanecer na história dos games como uma das melhores heroínas já apresentadas. Por Bruno Micali
A
jornada do herói é uma teoria que segue as regras do romance tradicional e que apresenta uma pessoa, geralmente de origem humilde, com um destino traçado na salvação do mundo. Esse alguém é considerado um predestinado, um escolhido, um ser dotado de habilidades especiais que são descobertas ao longo da aventura e posteriormente utilizadas em prol do bem. Horizon: Zero Dawn não poderia apostar numa fórmula diferente, só que não necessariamente nessa ordem.
A jornada de Aloy, a nova aspirante a mascote da Sony, é uma intrínseca combinação de seis anos de trabalho da Guerrilla Games, que havia usado, até então, toda a sua expertise em Killzone. Transitar de um shooter para um mundo aberto não é um processo exatamente natural, tanto que o estúdio teve de contratar uma equipe responsável por criar quests e buscar profissionais direcionados a outros setores. Basicamente, é um departamento inédito no portfólio da desenvolvedora. O time de produção se viu compelido a botar os melhores ingredientes que um mundo aberto exige: imersão, variedade de coisas a se fazer, personagens com carisma, NPCs que tragam sentimentos, inteligência artificial que tenha cérebro, atividades que representem um significado e uma protagonista que dê orgulho aos fãs. A soma disso tudo resulta em personalidade. Arsenal, inimigos, equipamentos e todo o resto vem por consequência. Entre expectativas e adiamentos, o caminho foi longo até aqui; basicamente, desde 2011. E o seu caminho também vai ser imenso para você curtir tudinho que essa épica jornada reserva.
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Aloy é a heroína do novo game do estúdio Guerilla Games
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MAINSTREAM
O diferencial de mundo aberto que todos precisavam Conforme mencionado, Horizon está na prancheta desde 2011. E só agora, em 2017, esse jogo vê a luz do dia. Para alcançar essa conquista, a equipe precisou se inspirar em fórmulas que já estão por aí, no mercado de entretenimento eletrônico, tanto em outros jogos como em filmes e séries. Horizon: Zero Dawn é a herança do que já existe e, ao mesmo tempo, tem a exímia capacidade de pavimentar o terreno para novas inspirações.
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Mundos abertos têm sido uma receita de bolo para muita gente se afunilar nesse estilo de jogo. Ou simplesmente uma desculpa para transportar o jogador a um lugar onde ele faz o que quiser e quando bem entender, igual a um parque de diversões. A ideia de liberdade reina absoluta em nosso imaginário e sempre fez parte de nossos sonhos – aqueles que jogaram GTA 3 em 2002 que o digam. A grande sacada de Horizon foi misturar, bem aqui no planeta Terra, lanças e bastões pré-históricos com máquinas de guerra sofisticadas, que assumem a forma de animais, num lugar que está só mil anos à frente do nosso.
A importância de ter uma heroína com personalidade Nesse contexto, Aloy é uma heroína nitidamente inspirada nos conceitos literários apolíneo e dionisíaco, ou seja, ela é uma mistura de razão e raciocínio lógico com emoção e instinto. Sua origem é tão misteriosa quanto as máquinas vivas que perambulam por uma Terra devastada, mil anos à frente da nossa, quando a tecnologia e o conhecimento humano entraram em confronto – mas a natureza respondeu à altura e reinou soberba nesse conflito, em que parafernálias metálicas de última geração coexistem com o verde dominante, aldeias e tribos pré-históricas. A odisseia ao Oeste vista no belíssimo Enslaved, pérola da geração passada, é sua melhor lembrança aqui. O verde fungo de The Last of Us, com galhos e ramos que intersectam monumentos arcaicos, também é dominante em Horizon.
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A sede por respostas é capaz de segurar sua atenção até o final numa boa, nas cerca de 35 horas das missões principais. Cristalino e acessível, o gameplay é o ingrediente que caminha de mãos dadas com o enredo. Em um mundo hostil que requer espírito de sobrevivência, a coleta de recursos e a criação de itens à la Far Cry Primal são atividades cruciais em Horizon. Assim como no título da Ubisoft, aqui você precisa garimpar absolutamente qualquer item que brotar do chão em indicadores bem apontados na tela. É assim que você ajuda Aloy a evoluir: construindo bolsas maiores para carregar mais itens, mais munição, mais customizações, mais tudo. O looting segue o esquema de cores já consagrado em celebridades como Diablo, Destiny, The Division e afins, com muito espaço para você personalizar todo o arsenal de Aloy, trocar de traje e mais. Viciante. Há comerciantes espalhados pelo mundo inteiro. A exploração desértica em campos verdejantes traz ótimas lembranças de um momento inesquecível, como se fosse uma viagem de verão. Essa história de exibir animais no mapa, em determinadas regiões, foi uma ideia consagrada por Red Dead Redemption, obra-prima irretocável (e inquestionável) da Rockstar e primo mais novo de GTA. Aliás, taí, faltava um GTA no Safári. Final Fantasy XV e Horizon: Zero Dawn talvez sejam as melhores opções para esse tour inesquecível. A mecânica também existe em Far Cry, Assassin’s Creed e está presente aqui. As emoções e expressões de Aloy são absolutamente convincentes. É possível encontrar animais robóticos que caçam em bando, seres gigantes que atacam sozinhos e outras espécies que ficam ilustradas no mapa do mundo aberto. Por falar em mapa, que coisa mais colossal a Guerrilla construiu. É absurdamente grande, mais parece um concurso no qual The Witcher 3, GTA 5 e Skyrim bateriam palmas de pé ao concorrente. Consegue oferecer, ao mesmo tempo, uma exploração horizontal e vertical, igual ao que você viu em Just Cause 3 ou até mesmo no já mencionado Skyrim. Há um forte sentimento de Shadow of Mordor e do clássico Turok aqui também. Aloy é tão Lara quanto Croft nesse matagal.
Combate engenhoso e simples É impossível não se lembrar de “Jurassic Park” enquanto se controla Aloy por paisagens ocupadas por feras robóticas dotadas de características pitorescas e ao mesmo tempo familiares. Um cervo, herbívoro, junta-se ao seu rebanho de maneira recatada, discreta e fugaz. Faça um som para que todos sejam alertados instantaneamente. É uma relação entre caça e caçador, entre presa e predador, igualzinho ao que acontece na vida real.
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Aloy é uma mistura de razão e raciocínio lógico com emoção e instinto
Os animais robôs são os inimigos no game
quadrúpedes, voadores e o que mais houver na natureza, por sorte existe uma variedade interessante de inimigo.
O que temos aqui, basicamente, é um enorme passeio pela natureza de seres robóticos que parecem dinossauros e outros animais em forma de máquina, cada uma com suas próprias particularidades dentro de um ecossistema que coloca as criaturas em confronto com os humanos. Lidar com eles parece complexo à primeira vista, mas na verdade é simples. Se por um lado o combate brilha nas armas de média e longa distância, por outro ele deixa a desejar nas lutas corpo a corpo. Aloy não trava a mira de inimigos para rodeá-los, tal como aconteceria em qualquer RPG de ação em terceira pessoa. É a mecânica consagrada por Zelda e adotada em Dark Souls, e praticamente qualquer jogo do gênero. Como você enfrenta robôs que assumem a forma de animais bípedes,
São apenas dois ataques: um leve com o R1 e um pesado com o R2, sem variações e sem muita precisão. Prepare-se para tomar um pau se um bando de dinossaurinhos robóticos te atacar de perto – pelo menos a esquiva funciona bem nessas situações. O stealth é um mecanismo que também se sustenta: basta usar as moitas altas para se esgueirar nos inimigos, que é sucesso. E elas são pinceladas em aquarela na tela com toda a densa vegetação do game. Junto com tudo, na verdade: Horizon é absolutamente lindo. Alguns trechos lembram até a floresta de Bornéu de Uncharted. Quase se vê Nathan Drake
TEM BR NA ÁREA A Kokku, estúdio especializado em desenvolvimento externo localizado em Recife, anunciou durante a Game Developers Conference (GDC) que é a primeira companhia brasileira a produzir conteúdo 3D para um game AAA de Playstation 4, no caso, Horizon Zero Dawn.
assim como todas as montarias apresentadas em Horizon Zero Dawn”, explica Thiago de Freitas, diretor executivo do estúdio.
Exemplos do trabalho desenvolvido pela Kokku estão no material divulgado pela própria Guerilla Games para apresentar o jogo na E3 de 2016. Segundo a empresa, foram mais de 60 mil ho“Quase todos os robôs que aparecem no trailer ras de trabalho em uma da E3 foram produzidos pela equipe com mais de 20 O estúdio de Recife, Kokku gente em Recife, incluindo pessoas pertencentes à a grande batalha no final”, foi responsável por grande divisão Diorama dentro comenta Freitas. da Kokku. “A Diorama parte da arte de Horizon: “Demonstramos nosso foi responsável pela Zero Dawm trabalho para a Guerilla criação de diversos perGames, que em 2015 estava procurando por sonagens centrais na trama, como os robôs. estúdios capazes de trabalhar no Horizon Exemplos são o Corruptor e o Shell Walker,
Zero Dawn. Encaramos o desafio, passamos por uma bateria de testes e nos tornamos um dos principais fornecedores nesse grande projeto”, afirma o diretor. “A conclusão desse projeto e o lançamento global de Horizon Zero Dawn é prova de que o mercado brasileiro consegue cumprir as exigências de grandes produtoras e players internacionais”, conclui o executivo.
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MAINSTREAM
acenando para Aloy de algum lugar do pantanal jurássico. É simplesmente brilhante, um case de sucesso ao PS4 Pro e uma primazia técnica no modelo padrão. Ninguém ficou na mão.
A dose leve do RPG e o peso da exploração Ao longo de sua jornada, Aloy pode usar um amplo leque de armas que são, ao mesmo tempo, pré-históricas e tecnológicas. Esse paradoxo é o principal chamariz de Horizon: Zero Dawn o tempo inteiro. Você pode criar flechas de fogo, usar estilingues que lançam bolas explosivas, posicionar cabos que funcionam como labirintos e outras opções que se encaixam muito bem nas situações que se apresentam nas missões. O sistema de diálogo exibe diversas opções que são exibidas a você como respostas que se desdobram em diferentes ações. As reações de alguns NPCs às suas falas são, no entanto, robóticas. Poucos mexem as sobrancelhas e nem todos transmitem a carga necessária de drama – e isso destoa do trabalho feito com Aloy e outros personagens importantes. Para perfeccionistas da era pós-L.A. Noire, isso pode reduzir a imersão ou a sensação de autenticidade na representação das emoções. Isso não acontece sempre, mas, quando ocorre, a percepção é gritante e instantânea. As missões secundárias da jornada de Aloy trazem conteúdo em forma de história, assim como os contratos de The Witcher 3, mas nem todas são imaginativas. Apesar de cada uma das side quests ter dramas e contextos próprios para incentivar o jogador a fazer todas elas, eventualmente a coisa acaba caindo no “leva e traz”.
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Ainda assim, fazer essas tarefas opcionais é uma atividade recompensadora. Ao longo da minha jornada, ganhei toneladas de XP e explorei outras regiões do mundo aberto fora do enlace, a área inicial, graças às missões secundárias. Além disso, é concedida uma dose generosa de armas, equipamentos e suprimentos ao término desses objetivos opcionais. Mas eu prefiro separar um tópico exclusivo SÓ para falar de atividades extras que se desviam da rota principal.
Você tem uma homérica quantidade de coisas para fazer Um dos maiores trunfos de Horizon: Zero Dawn é que ele se respalda naquilo que o mundo oferece em vez de trazer uma imensidão mal-aproveitada. Compre os mapas que exibem colecionáveis e vá atrás de todos. Sério, faça isso. Existem flores metálicas, recipientes, gravações e outros objetos que te ajudam a entender – ou ao menos conjecturar – o que aconteceu com o planeta para que as coisas, mil anos depois, ficassem como estão. Alguns objetos contam histórias de vidas passadas através de áudios. De lambuja, você ainda belisca a barra de XP e enche o bolso de pequenas recompensas. Essa mecânica ajuda a construir o background de maneira sólida e consistente. Em meio a isso tudo, a inteligência artificial é um show com luzes, holofotes e palco alto. Há criaturas que te enxergam de longe, enquanto outras só atacam em bando e algumas preferem atuar sorrateiramente, sozinhas, farejando a mata como um vira-lata inteligente. As espécies mais agressivas estão nas áreas corrompidas. Os cenários do game são incríveis
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TRÊS CURIOSIDADES SOBRE HORIZON: ZERO DAWN
1 2 3 Protagonista rejeitada
Aloy cresceu sendo rejeitada pela sua tribo. Isso porque ela é uma espécie de pária no lugar onde vive. Cresceu ouvindo de seus anciões que ela veio “de lugar nenhum”, portanto, ela é “ninguém”. Para tentar se distrair da rejeição que sofria, a jovem dedicou-se sua vida inteira a treinar suas habilidades de luta e de caça, por isso, é tão boa no que faz.
Tempo
Por se passar em um mundo pósapocalíptico, imagina-se logo que o game se passa em um futuro muito distante. E é exatamente isso o que acontece: este game passa-se há cerca de mil anos do tempo em que vivemos.
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Muitos anos de produção
O game começou a ser produzido pela Guerilla Games em 2011, e sua produção somente foi finalizada em 2017, totalizando assim seis anos de desenvolvimento do projeto. Isso se deve, em parte, por conta da experiência que os desenvolvedores gostariam de entregar, promovendo uma nova relação com o mundo aberto.
NOTAS DA REDAÇÃO
8,5 NARRATIVA
7 TRILHA SONORA
9 Envolvimento
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REPLA NERDSTORE
AS CAMISETAS MAIS PEDIDAS
ESTÃO DE VOLTA!
PRODUTOS QUE FAZEM VOCÊ UPAR UM LEVEL!
AY
.COM.BR
ENTREVISTA
ENIGMAS ETERNOS Rand Miller, criador de Myst, fala sobre o seu clássico quebra-cabeça e olha para o futuro com Obduction, sua estréia na realidade virtual
E
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m 1993, uma aposta ambiciosa mudou a vida dos irmãos Rand e Robyn Miller: Myst, o adventure em primeira pessoa para Macintosh, foi sucesso de crítica e até hoje é reverenciado. A ilha cheia de mistérios e de enigmas cabeçudos rendeu quatro sequências, spin-offs, muitos clones oportunistas e até uma versão de Playstation em 1996. Mais de duas décadas depois, Myst ainda é relevante e Rand miller percebeu que a realidade virtual é uma oportunidade perfeita para evoluir a ideia. Assim nasceu Obduction, sucessor espiritual de Myst e de sua sequência, Riven, agora levando a proposta de desafios compelxos para mundos alienígenas. Replay: O que significa para você finalmente voltar ao PlayStation, agora com Obduction?
RM: É algo interessante. A nossa primeira transição para o PlayStation foi algo do momento. É engraçado porque eu sempre fui um cara mais de PlayStation, e o Myst original foi criado de algumas maneiras para isso. O mapeamento de point-and-click do mouse para os contoroles foi bom, mas não era perfeito. Parecia até que havia um potencial desperdiçado no PlayStation, porque o videogame poderia fazer 3D e Myst não era assim naquele tempo. Agora parece que esstamos voltando ao PlayStation de uma forma mais adequada. Obduction é um porjeto em 3D, então parece mais apto ao trabalho e, claro, eu adoro o fato de que poderemos alcançar mais pessoas. REPLAy
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Aparição de Rand Miiler em seu próprio jogo, Myst, para Playstation, realizando o sonho de muitos em entrar num game virtual.
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É MOTIVADOR RECOMEÇAR DO ZERO COM UMA PÁGINA EM BRANCO. OBDUCTION ME FEZ SENTIR ASSIM. Rand Miller, criador de Myst e Obduction
Além de desenvolver jogos, Rand Miller co-escreveu livros de Myst, Como ele encontra tempo para tudo isso? Mistério...
Replay: Quando trabalhou no primeiro Myst, você tinha algum indício de que o jogo se tornaria algo tão grandioso?
RM: Não tínhamos a menor ideia. Os primeiros documentos de design mostravam que estávamos tentando alcançar um público amplo, não havia um alvo específico. o objetivo era criar algo que todos pudesse jogar, não importando a idade. A gente pensou que as pessoas pudessem gostar, mas não tinha ideia de que se tornaria algo tão grande. Foi prazeroso criar algo diferente e único (que até foi recusado por algumas distribuidoras) e que se tornou um sucesso. Foi um grande momento para nós. Replay: Você já olhou para trás alguma vez e pensou em coisas que gostaria de mudar em Myst?
RM: Eu penso que Myst é um daqueles projetos que mesmo se tivéssemos mais conhecimento ou menos restrições, acabaríamos criando a mesma coisa. Ele funciona bem e parte disso… bem, francamente, foi sorte. Tínhamos feito muitas coisas antes REPLAy
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e estávamos evoluindo a nossa forma de construir mundos - havíamos começado com mundos infantis e estávamos gradualmente nos tornando mais sofisticados. Quando Myst apareceu, nós ainda não havíamos nos aperfeiçoado totalmente. Curiosamente, foram algumas restrições do console que nos guiou para construir Myst da forma que foi, com mundos diferentes que eram pequenos o suficiente para serem carregados. Era possível ir para qualquer mundo em qualquer ordem, então ficamos felizes com esse design. Replay: Uma das nossas coisas favoritas em Myst é que se você soubesse o que estava fazendo, poderia completar o jogo em pouqu´ssimo tempo. Isso foi algo que vocês planejaram como uma forma de humor?
RM: A gente também achou engraçado. Nosso processo de criar o jogo foi repetitivo até certo ponto. Nós desenvolvemos e tínhamos uma boa ideia do que o jogo seria, mas os documentos iniciais de design não falavam na virada do final. Nossa ideia
era que o jogador teria que fazer um julgamento sobre os irmãos. Esse era o conceito original: um deles está certo e o outro errado. Foi só depois no processo de criação que decidimos colocar uma reviravolta ali. Eu lembro de a gente precisar de uma solução de como essa virada seria feita, e de como seria interessante, irônico e divertido se a sua primeira tarefa estivesse amarrada com o último twist.
ENTREVISTA
Replay: Riven, a sequência de Myst, aumentou bastante o escopo da série. Era como se o mundo inteiro fosse conectado e tudo o que você fazia afetava alguma outra coisa. Essa era a essência sobre a qual você queria construir seus jogos?
RM: Não me leve a mal: nós conseguimos fazer coisas incríveis em Riven, mas eu amo jogos e a psicologia deles. A forma como os mundos foram compartimentados em Myst se perdeu com o escopo em Riven. Riven era tão grande que a programação - que começava no centro dos CDs - continuava a ser escrita nas bordas da mídia, o que causava o risco de corromper o jogo se houvesse arranhões - eu não sabia disso até começarmos a atingir os limites. Nós estávamos forçando as coisas com o tamanho do jogo. Em Obduction também tivemos essa questão do escopo. Tentamos equilibrar igualmente a história e o ambiente com os quebra-cabeças. No fim das contas, um deve dar suporte ao outro. Queremos que o jogo se pareça com um mundo real, então, às vezes, nos comprometemos mais com os enigmas ou mais com a história porque é assim que a vida é. Replay: Foi difícil recomeçar do zero com Obduction?
RM: Não, na verdade foi o contrário. Não se trata de eu não gostar da história e do background de Myst e de todas as coisas que vieram depois. É algo assim: eu gosto da minha casa, ela é confortável e sei tudo sobre ela… mas, às vezes, preciso de umas férias. É uma boa maneira de aliviar a cabeça, se motivar e se renovar. Foi assim que me senti com Obduction. É ótimo começar com uma página em branco. É motivador. Não existe a preocupação de “Ah, isto entra em conflito com aquilo. Vai criar um erro de continuidade” ou decidir se algo é canônico ou não. Ter toda essa história prévia é intrigante e divertido porque faz o mundo parecer mais real, mas pode atrapalhar se você não estiver pronto para abraçar isso totalmente. Foi bom deixar isso para trás. Obduction também cria motivação para o futuro porque agora temos dois caminhos abertos. Não temos medo de voltar para Myst: nos sentimos renovados e podemos explorar a nossa casa de uma nova maneira, mas também temos a liberdade de partir para novas franquias. Jogos desenvolvidos por Rand Miller e equipe ao longo desde Myst, em 1993
Replay: Como é desenvolver um jogo financiado pelo Kickstarter?
RM: Com certeza. Existe um grande diferença nas restrições de design, mas não é algo para se sentir intimidado. As restrições podem, de RM: É ótimo em alguns pontos e certa forma, ser um alívio. Elas dão os limites - e complicado em outros. O kickstar- é impressionante o que as pessoas podem conter deu a sensação de que em vez seguem fazer independentemente das restrições no mercado de jogos indie de diversos críticos, nós Rand Miller aposta na realidade hoje em dia. É incrível como é possível entretínhamos virtual para atingir o máximo da ter mesmo com tantos centenas de limites, então nunca colaboraimersão nos jogos. tivemos esse medo dores. Eles estavam do nosso lado e apenas com obduction. Foi bom saber logo no começo queriam informações, confiando na que faríamos o jogo tanto para console normal gente para entregá-las. Eles estavam quanto para realidade virtual. lá pelo nosso sucesso, não para critiAliás, Myst fica muito bem em VR, com a ideia car, e isso foi ótimo. de que este é um mundo no qual você quer se perder. Talvez seja o motivos pelo qual sempre A parte difícil é entregar essas quisemos criar mundos, e a realidade virtual é informações, porque somos uma o auge disso. Pela primeira vez em muitos anos empresa que gosta de guardar eu tive a experiência mágica de estar imerso em segredos. A recompensa em algum lugar. Com a nossa tendência de querer nossos jogos está em atravessar um corredor ou abrir uma porta e criar mundos de imersão, a realidade virtual ver algo novo que seja interessan- parece a coisa certa. te de explorar. Se a gente entrega Nós, como empresa, estamos bem focados em uma imagem com algo desse tipo, VR agora e isso é algo arriscado, porque a base a recompensa é diminuída, então instalada é menor do que qualquer outra coisa. ficamos reticentes em mostrar Ao mesmo tempo, isso é motivador porque pomuitas capturas de tela. O pessoal demos fazer coisas interessantes sem olhar para do marketing fica maluco e acho trás. E sempre foi assim: nós vimos a tecnologia que os colaboradores do Kicksmudar de preto e branco para cores, e de cores tarters também. Encontrar esse para 3D em tempo real. Em cada uma dessas equilíbrio é difícil. mudanças, você a abraça e segue em frente. O VR parece ser outro desses saltos que nos faz Replay: Existe algo de que seguir adiante. você precisa abrir mão ao criar um jogo como Obduction - e jogos futuros - que podem ser jogados tanto no console quanto em VR?
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA Não sendo suficiente sua simpatia, Miller ainda deixou um recado especial em vídeo para os Replayers. Vem assistir! Junho/Julho 2017
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CLÁSSICOS
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istórias são contadas através de uma variedade de meios. Uma narrativa não necessita ter um único meio, pode ser conectada e continuada entre outros meios. Um bom exemplo de uma narrativa carregada por meios diferentes é o jogo/história de Myst por Rand e Robyn Miller. A história inicia-se em um jogo de PC e prossegue em três aventuras – romances – subseqüentes e então, novamente em outro jogo, Riven. Nosso interesse está em explorarmos como a narrativa é desenvolvida nestes dois meios diferentes. Facilmente percebemos que se trata de uma experiência diferente, o ato de ler um livro do ato de jogar um jogo de computador, hipertextual, multimídia. O que nos parece interessante é observarmos as diferenças e as similaridades de ambas as experiências e, em como o significado é desenvolvido nelas.
Myst como uma nova narrativa
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A história inicia-se em um game de PC e prossegue em três aventuras subseqüentes e então, novamente em outro jogo, Riven. Por Drew Davidson
Resumo do primeiro Myst Ao iniciarmos Myst, assistimos a animação de um homem que cai em direção a uma fenda. A figura desaparece, mas um livro continua caindo na escuridão. Enquanto cai, uma voz diz: Eu me dei conta no momento que eu caia dentro da fissura junto com aquele livro... Ele não foi destruído como eu pensava que iria acontecer. Ele continuou caindo até uma área expandida cheia de estrelas... a qual me deu o vislumbre de uma teoria. Eu tentei especular onde ele poderia aterrissar. Mas eu devo admitir que esta conjectura era inútil na ocasião. Ainda assim, as questões sobre quem, um dia poderia encontrar o meu Livro MYST aos poucos tornaram-se irrelevantes para mim. Eu conheço minhas apreensões, elas nunca poderão ser aplacadas, e eu estou tão perto. Então lembrei que o final talvez não esteja escrito ainda. Quando a voz termina, o livro aterrissa e podemos apanhá-lo. Somos o novo início deste capítulo, o livro Myst caiu em nossas mãos. Ao abrirmos o livro vemos a figura de uma ilha. Ao clicar com o mouse sobre a figura somos transportados para esta ilha. Estando em uma pier e próximos da água, novamente, a narrativa começou. A partir desta pequena introdução o leitor/ jogador é deixado com os enigmas como aspectos da narrativa da história. Essencialmente, é um mistério. Estamos tentando imaginar o que aconteceu a Atrus e Catherine, e seus dois filhos, Sirrus e Achenar. Como leitores, somos como um investigador nesta aventura. O aspecto narrativo de Myst é a multimídia, um discurso hipertextual em si mesmo. Somos uma parte ativa das ligações hipertextuais, a história não continua até que solucionemos o próximo puzzle (enigma). A narrativa surge com ÁREA DE nossa navegação (point and click), com nossa maneira de ultrapassar os mundos misteriosos no qual caímos.
O tempo desta narrativa é duplicado, temos a história imediata na qual nós, como leitor/jogador, tentamos resolver no jogo e, por outro lado, temos a história de Atrus, a qual ocorreu no passado e, assim mesmo, estamos trabalhando no presente com ela. O modo da narrativa apresenta-se como uma introspecção visual e acústica. É um hipertexto multimídia com as paisagens e sons abundantes. Passamos a maior parte de seu tempo perambulando ao redor dos mundos “vazios” e “assombrados”. Vemos e ouvimos fenômenos atmosféricos, porém dispendemos parte de nosso tempo sozinhos, tentando “resolver” a história. A voz é completamente atraente porque, tanto o narrador como o ouvinte, de certo modo, colapsam-se. Ou, para ser mais específico, somos a principal peça da descoberta atual da INTERAÇÃO história passada narrada por Atrus e seus filhos. A história não avança, a menos que resolvamos os enigmas (puzzles). FÍSICA Assim, no final de O livro de Atrus, início de Ao contrário de um livro, no qual podemos continuar Myst, ao final de O livro de Ti'ana o início de O livro de Atrus lendo até chegar ao seu final, o “jogo” Myst somente progrie assim por diante. Nos romances, dois dos aspectos narratide com a resolução de seus puzzles. Somos nós, o leitor, o vos destacam-se. A história permanece a mesma. Agora esimpulso para a narração. tamos aprendendo mais sobre a aventura de Atrus e a história por trás do jogo. Após “vencermos” o jogo (pois há 3-4 fiCada um dos romances se De fato, os romances servem como nais possíveis dependendo das decisões estrutura como uma etapa para uma espécie de “backstory” de Myst. do jogador), a narrativa se desloca do Os irmãos Millers desenvolveram o bahipertexto interativo de Myst para a nar- trás no tempo em consideração ckstory ao trabalhar sobre Myst para rativa linear dos três romances de Myst; à história narrada. acrescentar detalhes e, assim, compor O livro de Atrus, O livro de Ti'ana, e O as ligações entre os mundos que os jogadores exploraram. O livro de D'ni . Cada um dos romances se estrutura como uma aspecto narrativo modifica-se e assume o formato padrão dos etapa para trás no tempo em consideração à estória narrada.
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Além de Myst, além dos romances
Os três romances de Myst. Da esq. para dir.: O livro de Ti’ana, O livro de Atrus e O livro de D’ni.
romances sci-fi/fantasy. No decorrer da história do livro os personagens revelam mais aspectos acerca dos personagens do game (muitos dos personagens aparecem em ambos os meios). A mudança mais significativa reside no aspecto narrativo. Em vez de um narrador/jogador/leitor hipertextual, a narração decorre de um narrador onisciente limitado que possui as informações a respeito de todos os pensamentos dos personagens de determinado capítulo que está focalizando. Agora estamos prontos para o passeio, lendo para ver o que acontece em seguida.
NOTAS DA REDAÇÃO
Análise REPLAY
10 Narrativa
8,6 arte
O tempo dos livros é diferente daquele dos jogos. A história é desdobrada enquanto é contada. Existem pequenos sinais, “ganchos” e suspense. Ambos, personagens e leitor descobrem o que está acontecendo juntos. O modo é a representação textual com o conhecimento limitado dos desenhos colocados aqui e acolá durante todos os livros. As palavras suscitam as imagens, mas os Millers também incluem imagens junto ao texto para ampliar a experiência da leitura. A voz é menos problematizada nos romances. O leitor é a audiência implicada e suposta do narrador. Como um leitor, você está sendo mencionado na aventura pelo narrador, e apenas senta-se e escuta sua leitura.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
A história da narrativa prossegue novamente no interior de Riven. O leitor transforma-se em jogador, um participante da narrativa, por meio dos enigmas da história segue na descoberta de novos mundos. Um novo desvio para a mídia é adicionada. Em Myst, basicamente utilizamos quase o tempo todo do jogo na solidão, em uma busca solitária para descobrir o que aconteceu. Em Riven, há personagens com quem podemos “falar”, fazer perguntas, e lhe responderão, alguns sinceramente, alguns não. Parte do enigma é integrada ainda mais na história, você decide se acredita em determinado personagem baseado em seu conhecimento da história. Assim, a história enigmática é ainda mais uma parte da experiência. Uma vez que, novamente, somos uma parte ativa no desenvolvimento da história. A narrativa está esperando-nos para figurá-la.
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Um clássico com futuro Para quem ficou ou sempre foi interessado na série, nesse ano a empresa Noodlecake meteu mãos à obra, e criou uma nova versão do clássico Myst, uma aventura 3D que nos chega agora ainda melhor, com maior qualidade gráfica, para Android. Os cenários de grande beleza marcam esta aventura, onde temos um mundo imenso com muitos puzzles para resolver. É um jogo para se ir jogando, desfrutando de seus 700MB de entretenimento, como ele merece. Não perca tempo e assista agora mesmo o novo trailer do game. Depois, do trailer para a Playstore, e da Playstore para o mundo, o mundo de Myst.
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ESPECIAL
A narrativa do aclamado game da NaughtyDog possui elementos “cinematográficos” imersivos que demonstram o grau de maturidade dos novos games. por Pablo Villaça
ESPECIAL
A
discussão sobre a natureza artística dos games é tola. Qualquer obra criada por um humano (ou uma equipe) que vise provocar uma reação emocional/psicológica em outras pessoas é, por definição, Arte. E The Last of Us cumpre a denominação de arte com maestria. Em uma narrativa encantadora e madura em todo o seu sentido geral, o game nos demonstra como esse tipo mídia se encontra cada vez mais desenvolvida como forma de expressão artística, deixando de ser apenas entretenimento, como já foi o cinema.
Mais do que uma simples história Em primeiro lugar, é preciso definir o que é narrativa – um conceito que muitos confundem com “história”. Segundo uma definição clássica, “narrativa é o enunciado em sua materialidade”. Basicamente, é tudo o que vemos e ouvimos na tela e que envolve todas as escolhas que um realizador faz ao empregar os recursos à sua disposição para envolver o público. Se no Cinema a narrativa envolveria, portanto, a fotografia, a montagem, o som, o roteiro, os atores e assim por diante, nos games modernos (como The Last of Us) a narrativa emprega tudo isto, mas também alguns recursos particulares e intrigantes.
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De acordo com Christian Metz, tudo que é exclusivo do Cinema é “cinematográfico” (outro termo que muitos usam incorretamente, portanto). Assim, como não existe um termo específico e exclusivo para tudo o que é dos games, pode-se falar sobre o termo “Gametográfico”, o que vai servir de base para o que será discutido a seguir. Antes, um pequeno resumo do que se trata The Last of Us (e este texto trará spoilers): roteirizado por Neil Druckmann (e trazendo uma trilha melancólica do fantástico Gustavo Santaolalla), ele tem início em um mundo que está começando a viver os efeitos de uma epidemia zumbi gerada por um fungo que originariamente existe no mundo real: o Cordyceps unilateralis. Extremamente perigoso para os insetos pelo seu efeito parasita, misteriosamente, no game, o fungo evoluiu e atacou os humanos, transformado-os em infectados.
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ÁREA INTER FÍSI
A DE RAÇÃO ICA
“
Joel não é aquele superherói comum, o que torna a dificuldade do jogo desafiadora e ainda mais interessante.
Na noite final de paz da humanidade, conhecemos Sarah (Hana Hayes), uma adolescente que, vendo o pai preocupado em uma discussão ao telefone com o tio, presenteia ele com um relógio por seu aniversário. Logo em seguida, Joel (Troy Baker), é atacado por um vizinho contaminado e parte em fuga com a menina e com o irmão Tommy (Jeffrey Pierce). No entanto, Sarah acaba sendo baleada e morta por um militar – e quando voltamos a encontrar Joel, vinte anos se passaram e ele se tornou parceiro de Tess (Annie Wersching), comercializando armas em troca de cartões de ração alimentar. Depois de terem parte de seus produtos roubados, os dois aceitam, contrariados, a tarefa de transportar a jovem Ellie (Ashley Johnson) até um laboratório controlado pelos rebeldes Vaga-Lumes, já que a menina, imune à epidemia, pode representar uma possibilidade de cura.
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Nada original, é verdade. Um mundo pós-apocalíptico tomado por zumbis e no qual os humanos se mostram tão perigosos quanto os mortos-vivos já foi retratado em inúmeras histórias – bem como o velho clichê da “última esperança da humanidade”. Porém, o que torna The Last of Us memorável não é a originalidade de sua trama, mas o envolvimento que promove entre o jogador e os personagens.
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ESPECIAL
Começando com os elementos “Gametográficos”
O
primeiro deles é a opção que um jogo tem de permitir ou não que o jogador controle este ou aquele personagem. Se as narrativas convencionais empregam recursos clássicos para provocar uma identificação entre o espectador e os indivíduos na tela (usando as situações vividas por estes como intermediárias, naquilo que chamamos de “identificação cinematográfica secundária”), um game tem um recurso adicional e instigante: levar o espectador/jogador a assumir a responsabilidade pelas ações dos personagens.
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Estágios da infecção
INFECÇÃO É o estágio mais fraco da infecção no qual o fungo ataca primeiramente o cérebro e os olhos. Continua enxergando com baixa visão e mantém alguns instintos humanos.
Por exemplo o que ocorre em The Last of Us: assim que o jogo tem início, o primeiro rosto que vemos é o de Sarah num primeiro plano – e, portanto, não ficamos surpresos quando passamos a controlá-la, o que desperta a conclusão óbvia (mas precipitada) de que ela será nosso avatar naquele universo. Assim, estabelecemos uma ligação emocional instantânea com a personagem sem que saibamos nada sobre ela ou sua situação – o que seria um pré-requisito habitual na narrativa cinematográfica. O curioso é que, como criança, Sarah logo passa a ser protegida pelos adultos – e ainda assim o jogo mantém o jogador preso a ela numa sequência na qual o máximo que é possível fazer é, do banco de trás de um carro, mudar o ponto de vista da câmera, impotente, enquanto Joel dirige o veículo em fuga.
RUNNER Fase da doença na qual o fungo começa a se manifestar com maior força nos olhos e no rosto. Possui baixissima visão e já apresenta dificuldade de movimentação.
STALKER Completamente cegos pelo fungo proeminente no rosto, os clickers produzem estalidos, por isso o nome.
Até que, claro, é possível controlar o Joel num momento-chave e imediatamente o jogador “permite” (um verbo injusto, já que não há como evitar o que ocorre) a morte de Sarah. Há algo de brilhante nesta estratégia: não só a personagem com a qual nos identificamos inicialmente morre, provocando um choque emocional instantâneo pela surpresa do rompimento da ligação, mas esta morte ocorre, de certa forma, pela responsabilidade do jogador enquanto comandava seu pai, levando-o a experimentar o peso que ele vive por fracassar em proteger a filha. Caso fosse possível comandar Sarah rumo à morte, a sensação seria a de trocar o controle de um personagem por outro em função da necessidade da história, mas como isto ocorre enquanto Joel é controlado, a sensação de insucesso se soma ao da perda. Neste aspecto, The Last of Us é um jogo que compreende muito bem algo que muitos contadores de história falham em entender: o espectador só lamenta a morte de um personagem fictício se foi capaz de estabelecer, com este, algum tipo de ligação – e conti-
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CLICKER
BLOATER
Com o corpo praticamente tomado pelo fungo, o Bloater possui uma placa que funciona como armadura contra qualquer tipo de ataque.
Por fim, o corpo é tomado pelo fungo e, impossibilitado de se movimentar, começa então outro tipo de reprodução: a por esporos.
CORDYCEPS
nuamente, ao longo do game, o jogador é torturado com a perda de pessoas com as quais passa a se importar. Pode se observar, por exemplo, o que ocorre com os irmãos Henry (Brandon Scott) e Sam (Nadji Jeter): tornando-se companheiros de jornada por algum tempo, eles espelham a dinâmica entre Joel e Ellie, já que há um adulto se empenhando para manter um adolescente vivo. No entanto, em certo momento, o game separa as duplas, mas de forma inesperada, obrigando Joel (ou seja: o jogador) a cuidar do bem-estar de Sam por algum tempo. Em outras palavras: ao mesmo tempo em que podemos sentir a ansiedade que a distância de Ellie provoca (ela é nossa responsabilidade, afinal), o jogador é estimulado a estabelecer uma ligação com o outro garoto. E se seu destino nos afeta, é porqu e o jogo se certificou de que afetaria o jogador ao obrigá-lo a cuidar do menino.
Uma dose de realidade Como parte importante da narrativa, Joel se encaixa muito bem no quesito aproximação com o público. A parte mais interessante na construção da personagem é a falta de moralidade completa presente no comportamento de Joel. Ele simplesmente faz de tudo para que os acontecimentos sejam os mais interessantes e positivos mirando seu objetivo principal: o de levar Ellie, mesmo que isso signifique tirar vidas alheias. Isso retira de Joel a bondade e moralidade completa e intocável de muitos outros (quase todos) personagens principais de enredos de outros games e filmes, o que o torna mais humano e mais falho, como é indicado em suas ações físicas. Correr e lutar não são tarefas fáceis para um homem com seus 50 e poucos anos, sendo assim, Joel não é aquele super-herói comum, o que torna a dificuldade desafiadora e ainda mais interessante. Já outro elemento narrativo “gametográfico” que merece atenção são as cut scenes. Numa visão superficial, elas teriam o mero propósito de avançar a trama, oferecendo informações adicionais, trazendo elipses e usando o diálogo e ação para aparentemente devolver um pouco do controle aos realizadores (e o “aparentemente” é usado aqui porque obviamente eles jamais cedem o controle; só é influenciável o curso da ação dentro de limites pré-estabelecidos por eles mesmo que o jogador acredite estar no controle). Porém, as cut scenes fazem mais do que isso: criam expectativas. De modo geral, quando o jogador percebe o início de uma cut scene, sua tendência é a de relaxar momentaneamente: parte da trajetória foi concluída e pode-se largar um pouco o controle. Contudo, como um game que reconhece as regras do gênero “terror”, apesar de não pertencer totalmente à esse gênero, The Last of Us usa pontualmente esta reação previsível do jogador para surpreendê-lo: em certos momentos, logo
“Essa é nossa rotina. Noite e dia, tudo o que nós fazemos é sobreviver”
ELLIE
depois de cortar para uma cena de transição, o jogo introduz um choque (alguém que ataca o protagonista, por exemplo), devolvendo o controle para o jogador quando ele já se julga temporariamente dispensado daquela obrigação. Já em outros instantes, a cena o frustra ao recompensar todo o esforço com a captura do personagem que lutamos tanto para libertar, o que, do ponto de vista emocional, torna a experiência menos previsível e, consequentemente, mais interessante. Mas há mais: graças ao cuidado dos realizadores, The Last of Us é repleto de detalhes secundários que, mesmo não influenciando o desenvolvimento da trama, permitem uma imersão maior no universo criado pelo jogo. Frequentemente, enquanto os extensos mapas são percorridos, surge a opção de revistar os cenários, encontrando pequenas evidências de histórias que enriquecem a narrativa: fotos de desconhecidos, bilhetes deixados para pessoas amadas, rabiscos na parede que tentam guiar parentes perdidos para algum lugar e assim por diante. O mais fascinante, porém, é que o empenho inicial que o jogador demonstra ao ler aquelas notas e vasculhar os ambientes aos poucos vai se tornando menos intenso. Sim, parte disso se deve ao cansaço com o passar das horas e à vontade de chegar logo ao final, mas o curioso é que, de certa maneira, isto reflete também uma certa “dormência”: por que é necessário perder tempo e investir emoções em histórias que não só se repetem em suas tragédias como atrasam o final? Uma “dormência” que, quando Joel retorna, vinte anos depois da introdução, é possível ver em seu comportamento. Em outras palavras: a narrativa leva o espectador a assumir, aos poucos, a mesma postura do protagonista, permitindo que compreenda-se exatamente porque se encontra emocionalmente anestesiado depois de passar duas décadas naquele mundo.
ÁREA D INTERAÇ FÍSICA
NOTAS DA REDAÇÃO
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DE ÇÃO A
NARRATIVA
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TRILHA SONORA
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Envolvimento
Ellie Do ponto de vista da trama, o que The Last of Us faz é seguir um recurso dramático clássico: retrata uma perda do herói apenas para levá-lo a viver a possibilidade de recuperar-se daquele trauma ao ganhar uma “segunda chance” – e não é à toa que Ellie tem o mesmo sexo e a mesma idade de Sarah. Ainda assim, a construção da dinâmica entre os dois é feita com paciência pelo jogo, permitindo que percebamos como Joel realmente faz o possível para não se deixar envolver emocionalmente – uma tarefa na qual o jogador também falha graças a pequenos detalhes da história da adolescente, cuja vulnerabilidade constante (sempre uma maneira infalível de gerar identificação) é também refletida em sua incapacidade de nadar ou mesmo de assobiar. Ellie é frágil e isso nos comove. Depois que esta ligação é formada, no entanto, a garota começa a se tornar cada vez mais forte e independente, o que auxilia a mecânica do jogo (tornando as tarefas mais fáceis graças à cooperação), mas também reflete a influência de Joel sobre ela – até que a sua fragilidade física importa menos do que os efeitos psicológicos que tudo aquilo terá sobre ela.
A impressão de livre-arbítrio A princípio, se há algo que diferencia um jogo de um filme é o fato de termos controle sobre a ação dos personagens. Isto, porém, é uma ilusão em qualquer game que queira contar uma história com o mínimo de estrutura. Sim, é possível que existam três, quatro ou quinze finais diferentes, mas todos estes foram concebidos pelos realizadores dentro de parâmetros estruturais definidos com antecedência. E em The Last of Us, isto é ainda mais limitado, já que o jogador conhece a jornada que tem que viver e sabe para onde ir – por mais que talvez queira fazer algo diferente. À medida que se aproxima do hospital que serve de cenário para o clímax do jogo, por exemplo, e que esperava por Ellie, que está sob responsabilidade do jogador e com a qual estabeleceu uma ligação forte, um dos maiores desejos é o de voltar atrás, de não concluir a viagem – e aí é que entra a inevitabilidade do game: a única opção é parar de jogar (o que traz a frustração incontornável de não conhecer o fim da história), já que não havia alternativa.
Modelagem 3D manual de um Clicker, um dos infectados, realizada pela NaughtyDog Junho/Julho 2017
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ESPECIAL
Analisando os números
Isto, porém, não é demérito de The Last of Us. Ao contrário: não só é fundamental para que uma história tenha estrutura, mas provoca uma ansiedade eficaz do ponto de vista dramático e mesmo um suspense crescente, já que sabemos que algo nos aguarda, mas ainda assim somos obrigados a prosseguir. O que nos traz ao final do game (que traz Joel contando uma mentira que permitirá que sua relação com Ellie prossiga): emocionalmente satisfatório ao concluir o arco de Joel – que finalmente atinge algum grau de paz com seu passado ao abraçar seu sentimento por Ellie (e é belo perceber como ele toca levemente o relógio quebrado presenteado por Sarah ao tentar convencer a garota a seguir ao seu lado). Porém, quem chega a algum grau de paz é somente Joel. Voltando à ideia da instabilidade moral do personagem, o game nos prova que o que há de “errado” não é o próprio Joel, mas a relação que somos obrigados a criar com ele. Ao Interagir e controlar as ações irrefutáveis por meio da falsa sensação de livre arbítrio, somos cúmplices de Joel em suas ações finais, que são única e exclusivamente egoístas. Ele não comete tais ações por Ellie, mas por si próprio, evitando outra grande perda pessoal.
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Vencedor de mais de 240 prêmios como JOGO DO ANO
2013 Títulos
1 Título mais rapidamente vendido em 2013 Lançamento digital mais vendido da PSN
O desfecho 33
3
O desfecho de The Last of Us ainda prova a elegância narrativa com que foi concebido ao empregar uma rima encantadora, já que, depois de abrir a experiência permitindo que controlássemos Sarah, encerra a jornada levando o jogador a guiar as ações de Ellie.
3º game mais bem vendido da história do PlayStation 3
Valendo!
Aliás, reconhecendo a importância destas duas pontas nas quais guiamos as jovens protegidas e amadas por Joel, isto ocorre porque, entre elas, nos empenhamos para que pudessem formar este espelho dramático tão apropriado. Além disso, a conversa final na última cut-scene do jogo nos mostra muito sobre o comportamento de Joel durante toda a jornada. Fazer com que ele minta da maneira como mente para Ellie, nos faz perceber o quanto o personagem possui traços humanos e fraquezas visíveis, apesar de estar ocupando um espaço importante de herói durante quase toda a narrativa. E observar toda esta construção tão cuidadosa e ainda negar que há Arte na concepção de um game é algo absolutamente impossível. Até mesmo a construção gráfica e de caracterização do game merece os títulos que The Lats of US recebeu durante todo o ano de 2013., ano do lançamento do game . Neil Druckamnn e toda o estúdio da NaughtyDog, com toda a certeza devem estar muito felizes com o tipo de narrativa que construiram, aliás, querendo realizar mais e ir além do que já fizeram.
Para quem não teve a oportunidade de acompanhar o game, uma alternativa é assistir ao compilado de cutscenes que geram um filme sobre a história de The Last of Us.
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3 semanas
3,7 milhões de cópias
66% 34%
1 semana
Agosto 2014
1,3 milhões de cópias
8 milhões de cópias
Vendeu ao todo 8 milhões de cópias ao longo de 1 ano
$.$ NaughtyDog faturou em torno de
$
US$221 milhões e 400 mil dólares
GAMES
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RELATOS
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA 35
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O JOGO PELO JOGO
CONHEÇA A
GAMIFICAÇÃO Cuidar da saúde, render no trabalho e melhorar o mundo jogando: são os jogos da vida Por Felipe Pontes e Guilherme Rosa
Q
uer correr melhor que nunca? Salve o mundo de zumbis. Essa é a premissa do futuro jogo Zombies, Run!, da inglesa Six to Start. Balela ou não, o projeto entusiasma: já arrecadou 6 vezes o que pediu em doações online. Anunciado em outubro, o app será lançado para iPhone e Android no começo do ano que vem. Para usá-lo, o jogador coloca seus fones de ouvido e escolhe um destino. Ao começar a correr ou caminhar, ele ouve um narrador contando a história de um mundo pós-apocalíptico infestado de mortos-vivos. Quanto mais correr, mais rápido coleta munição, remédios e baterias para depois distribuir entre sobreviventes. Sua ajuda faz com que o jogo continue, levando a novas fases. Os criadores do game receberam US$ 75 mil via Kickstarter, site de financiamento de projetos que recolhe doações de usuários que apoiam as ideias expostas lá — e o pedido inicial eram meros US$ 12,5 mil.
Créditos e bônus Criar jogos para atrair consumidores para lojas ou motivar as pessoas não é nada novo. O que mudou foi a introdução de tecnologia na história. É mais fácil atrair e engajar com jogos eletrônicos do que com programas de milhagem ou selos-que-viram-prêmios. Do termo gamificação, que surgiu há cerca de dois anos, veio uma indústria lucrativa. A consultoria Gartner declarou que 70% das duas mil companhias mais poderosas do mundo, segundo a revista Forbes, terão ao menos um aplicativo gamificado até 2015. Já a consultoria M2 Research diz que, no mesmo ano, as companhias investirão US$ 1,6 bilhão nesse mercado somente nos
EUA. A Gartner citou em seu comunicado um sistema usado pelo governo britânico. Criada em novembro de 2009, a plataforma digital Idea Street fomenta sugestões de seus 120 mil funcionários para melhorar a condução do trabalho do Departamento de Trabalho e Pensões do Reino Unido. Para isso, o sistema premia com pontos equipes que sugerem projetos. Os pontos podem ser investidos na própria ideia ou em sugestões promissoras de outros colegas. Se um projeto é aprovado, sua equipe ganha mais pontos. Se é rejeitado, ela perde. Sem dúvida, deu jogo. Em 18 meses, a plataforma atingiu 6 mil usuários e gerou 1,4 mil sugestões, sendo 63 implementadas. Estima-se que elas ajudarão a poupar cerca de R$ 55 milhões até 2015. Agora,
Um aplicativo que converte corrida em luta contra zumbis é um exemplo do que ficou conhecido como gamificação: transformar momentos como exercício ou compras de supermercado em algo parecido com um videogame, em que você alcança pontos, colhe recompensas, salva o mundo. “Técnicas de jogos podem incentivar uma vida saudável, melhorar o ensino educacional, conscientizar e até promover produtos”, diz Gabe Zichermann, consultor de empresas que planejam gamificar seus produtos e autor dos livros Game-Based Marketing e Gamification By Design (ambos sem edição no Brasil).
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O JOGO PELO JOGO
o sistema será usado em outros órgãos governamentais, incluindo o ministério da justiça. A maioria das criações é usada para campanhas de marketing e arrebanhar consumidores. O app de localização social Foursquare é exemplo disso, pois induz o usuário a ir várias vezes a um mesmo estabelecimento para virar “prefeito” do local e ganhar descontos em seus produtos. Ainda assim, a gamificação tem a vantagem de transformar tarefas que ninguém quer fazer em diversão.
Jump instalou academias em seus escritórios e desenvolveu um aplicativo de monitoramento do tempo que os funcionários passavam na academia. No final do mês, os mais dedicados ganhavam um abono no salário. Depois, os empregados foram convocados a montar equipes regionais para disputar entre si o melhor índice. Atualmente, 70% deles vão frequentemente à academia. A Next Jump melhorou a saúde de seus funcionários, aumentou o seu índice de satisfação e poupou gastos com médicos.
O virtual no real Para o designer de games Jesse Schell, gamificação “é uma palavra estranha que significa, na verdade, design motivacional, algo que faz as coisas serem mais prazerosas”. Schell, que é dono do estúdio Schell Games, professor de tecnologia do entretenimento da Universidade Carnegie Mellon e autor do livro A Arte de Game Design (Editora Campus, 2010), também alerta para a empolgação que a gamificação traz. “Nem todo jogo é legal. O tiro pode sair pela culatra para muitos marqueteiros que acham que basta adicionar pontos para tornar algo divertido e vendável”, afirma. Apesar das críticas, ele acredita que a ideia irá vingar e perdurar muito mais que o termo ou o hype que permeia o mercado. Melhor ainda: vai melhorar muito as nossas vidas.
A companhia Recyclebank, por exemplo, usa jogos A gamificação está dando resultados também para melhorar o mundo. E lucrar. Com dois mi- em sala de aula. O indiano Ananth Pai, professor lhões de membros nos Estados Unidos e no Reino da 3ª série na escola White Bear Lake, em MinUnido, ela incentiva comunidades a reciclarem seu nesota, Estados Unidos, há dois anos comprou lixo por meio de desafios. A população que bate 7 laptops, 2 desktops e 11 videogames portáteis a meta acumula pontos a serem trocados por Nintendo DS. Tudo do seu próprio bolso para produtos ecológicos de empresas parceiras, Schell imagina um como bolsas, alifuturo próximo em que mentos, cosméticos estaremos cercados e roupas. O monitode sensores e etiquediz o professor Ananth Pai, que igualou as notas de seus alunos da 3ª série com os ramento é feito por tas inteligentes que da 4ª, quatro meses depois de investir na compra de video-games e notebooks chips em lixeiras petransformarão quase sadas pelo caminhão tudo o que fazemos em na hora da coleta. De jogos, dando até dicas junho de 2010 para cá, um projeto conduzido na usar como material de apoio nas aulas de matedo que devemos ou não comer. No meio tempo, Filadélfia, EUA, fez o índice de reciclagem da cida- mática, inglês e geografia. Ele diz que, em 4 meses, você poderá jogar algum game para solucionar de aumentar 16%. “Em outras regiões que não ti- as notas dos seus alunos no começo do ano se iguala problemas sociais, correr para salvar o mundo de nham o costume de reciclar, a taxa subiu 80%”, diz às dos alunos da 4ª série. Pai organizou uma petição zumbis, malhar para ganhar dinheiro e conseguir Samantha Skey, chefe de receita da Recyclebank. Já para garantir o uso de jogos nas escolas do estado. produtos enquanto recicla seu lixo. Bem mais legal a agência americana de marketing interativo Next “Os games podem mudar o futuro da educação.” que passar de nível.
“
Os games podem mudar o futuro da educação.
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BRINCANDO COM O MUNDO
Projetos interessantes de gamificação que foram ou estão sendo testados
PÉ NO FREIO, DINHEIRO NA MÃO Em dezembro, a Volkswagen testou durante 3 dias um programa para reduzir a velocidade dos carros em Estocolmo, capital da Suécia. Nele, os radares detectavam também os carros que estavam dentro do limite e faziam seus donos concorrerem a uma loteria financiada pelas multas dos apressadinhos. A velocidade média dos veículos caiu 22%.
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FARMVILLE DE VERDADE Na Inglaterra, há quem pague R$ 82 para debater online quais animais devem ser criados e o que deve ser plantado numa fazenda. Criado em maio, o projeto MyFarm planeja ter 10 mil “fazendeiros” e quer conscientizá-los sobre a comida que comem. No futuro, os usuários talvez ganhem o que for gerado na propriedade.
TRANSPORTE DIVERTIDO O game Chromaroma usa o metrô londrino como cenário. Para jogar, basta usar o cartão de vale-transporte, que rastreia seu trajeto. Depois, é só se cadastrar numa de 4 equipes e ajudá-la a acumular pontos fazendo missões, como chegar a uma estação em minutos. O histórico das andanças pode ser visto num mapa online.
Terror
LAYERS OF FEAR:
A ARTE DE CAUSAR O MEDO Desenvolvido pela produtora Polonesa Bloober Team e lançado para PS4, Xbox One e PC, Layers of Fear, se não já não te deu medo, com certeza vai te dar calafrios. Por Hannah Barbera
Q
uadros, tintas, desenhos, rabiscos, sucesso, medo do fracasso, realidade... Esses pontos chaves são trabalhados de forma extremamente intensa dentro desse game. A ideia artística jogada dentro de Layers of Fear tem um bom gosto, seja quando ele quer te alertar do perigo, ou quando ele quer te matar do coração. Esse game te coloca em um universo um pouco diferente do que estamos acostumados. Você está na pele de um pintor preso dentro de uma mansão, que parece representar a sua consciência ou mente, onde precisa descobrir os “ingredientes” para finalizar a sua obra prima. O jogo utiliza de mecânicas simples, onde as suas ações se resumem em abrir portas, gavetas e armários e pegar alguns objetos, sejam eles para interagir ou apenas explorar, os quais são cruciais para um entendimento completo da história. Muitos dos puzzles que o jogador irá encontrar não são complexos, pelo contrário, são rápidos de resolver e bem intuitivos, o que muitas vezes desvaloriza a jogatina. Com certeza esse é um daqueles jogos que te convidam a refletir. Existe uma história central que guia o personagem sempre para o lugar que ele realmente precisa ir, mas os acontecimentos durante essa trajetória, e os locais que você encontra, te fazem pensar qual tempo ou espaço você está inserido. O personagem principal está em um forte conflito interno, e todos aqueles problemas que você descobre ao longo da jornada te movem para um único ponto
Com visão em primeira pessoa, se trata de um game de terror ambientado em uma mansão sinistra, onde você precisa desvendar os mistérios que envolvem um pintor renomado que parece ter perdido seu talento em um acidente que parece ter causado a perda de sua alma e sanidade.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
finalizar a sua obra prima. Uma vez dentro da mente de um artista problemático, você começa a entender o motivo real de toda aquela bagunça, de como isso afeta a vida profissional, pessoal e tudo o que envolve a vida de um indivíduo daquele. Junho/Julho 2017
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Terror
NOTAS DA REDAÇÃO
7,5
10
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NARRATIVA
TRILHA SONORA
Envolvimento
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA
As Camadas do Terror Tudo começa com o nome do jogo, o qual foi escolhido de maneira brilhante: Layers of Fear ou “Camadas do medo”. Esse título traz a alusão de uma pintura, que são produzidas em camadas, ao mesmo tempo que elas representam a jornada e o terror do personagem dentro do game. O game tem como princípio aterrorizar o jogador e o objetivo é conquistado com maestria. Quando você está conectado com ele, imerso naquele mundo bizarro, tudo parece sinistro. Todos os aspectos do jogo contribuem para trazer uma atmosfera medonha, mas é na sonografia que o game se destaca. A trilha sonora e os efeitos conseguem te convencer que está, realmente, num local horripilante. A música de fundo, que muitas vezes é nula, intensifica a sensação de estarmos sozinhos e desprotegidos. Sussurros, choros e gritos também contribuem para essa atmosfera intensa. Layers of Fear não é um jogo de terror no sentido tradicional. Normalmente os fãs deste gênero esperam ser assustados e saltar da cadeira, e embora Layers of Fear tenha alguns momentos destes, É um jogo prefere espalhar o medo de uma forma curto e mais engenhosa. Existem diversos jogos de assustador, terror que recorrem à técnica do muito conhecido “Jump Scare”, que no início é o qual faz o eficaz, mas depois torna-se previsível.
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jogador viver
Outra curiosidade bastante explorada é: realmente como um quadro pode ser sinistro. O jogo sua história tem uma característica artística que poucos ousariam em fazer. Ele trabalha muitos de maneira aspectos da arte, os quais poucos compreintensa endem, mas que fazem sentido naquele universo. Quadros podem ser sinistros por si, sem precisar de um contexto qualquer, porém nesse jogo, eles potencializam esse conceito de maneira extraordinária. Um detalhe muito importante, que contribui para o horror é a iluminação. De repente você se vê num ambiente bem iluminado, confortável e aconchegante e quando menos percebe está numa pocilga, cheia de ratos, num breu desesperador.
Audiovisual Na mansão do artista perturbado, as pinturas se transformam em imagens assustadoras
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Como um todo o audiovisual recebe um destaque. É basicamente nele que o terror do game está inserido. Além de todos os elementos citados acima, o visual do game supera o de muitos jogos da categoria. Com muitos detalhes pelos ambientes e variadas texturas nos objetos, o game se destaca visualmente e nos insere ainda mais à história.
ÁREA DE INTERAÇÃO FÍSICA 40
As Camadas do herói
A psicodelia também ganha destaque no game graças à sua muito boa aplicação. De início a mansão parece ser comum,você decorada mobíliado antiga de um Quando entendecom qual uma é o propósito jogo, quem é estilo clássico, masuniverso depoisede descobrirmos a tela você naquele o porque você está ali, tudoem ficabranmais interessante. O game parece retratarpeças. um pouquinho hisco, o jogo começa a nos pregar Pouco adapouco, tória de verdadeiros gênios, problemáticos (não são poucos), começamos a reparar que certos elementos do cenário que pudemosquando acompanhar na históriaolhando, da arte. Pessoas se alteram-se não estamos e queque às vezes entregavam tanto àquele propósito, que, em certos momentemos que voltar para trás e o quarto pelo qual passamos tos, não conseguiam mais lidar compor a vida real.área completahá momentos foi substituído uma mente À sua medida que vamos avançando O artistadiferente. mostra toda vaidade, egocentrismo e orgulhona dentro daquele universo e externaliza isso de uma maneira que também contribui para o comportamento totalmente
história, estas alterações súbitasa vão ficando cada vez controverso. Quando você descobre existência de alguns mais agressivas. outros personagens e consegue encaixar as peças, o terror, a maluquice a distorção fazem sentido. na qual parece que Layers of eFear mantém umatotal atmosfera
vamos ser assustados a qualquer momento, mas o susto raConclusão ramente acontece. O silêncio é constante e, na maioria das
Layers of Fear vai do “teste pra cardíaco” ao “curiosidade vezes, apenas ouvimos o som dos nossos passos a caminhar máxima”, em segundos. Sustos imprevisíveis, a desconspelos corredores Labirínticos desta casa e os ruídos das trução arte em si e envolver o jogador naquela antigasda peças de mobília e chão de madeira. Sómente a sensação bagunçada dosozinhos personagem fazem de LOFé uma obra bem de estarmos e desprotegidos aterradora, eo interessante. É umcajogo assustador e descomplicasilêncio intensifi estacurto, sensação ao máximo. do, o qual faz o jogador viver realmente sua história de maneira intensa.
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INDIE
CHROMA SQUAD RPG brasileiro transforma o jogador em diretor de estúdio de Power Rangers.
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por Pablo Ecobier
hroma Squad é um jogo de estratégia para PC que funciona como um simulador de estúdio de TV. Não é qualquer estúdio, mas sim um verdadeiro set de filmagem de seriados japoneses com super-heróis coloridos, no melhor estilo “Super Sentai” ou “Power Rangers”, como são conhecidos no ocidente.
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Chroma Squad é criação dos desenvolvedores do Behold Studios, que é brasileiro e também lançou no mercado o elogiado Knights of Pen & Paper. A história do jogo parece traçar um paralelo com a típica história de estúdio independente que “sofre” nas mãos de uma grande produtora, conforme acompanhamos no prólogo da aventura Aqui somos apresentados a um grupo de astros que fazem parte de uma série de TV, chamada de Super Rangers. Contudo, cansados de serem explorados injustamente e por desavenças com o diretor, o grupo resolve partir e montar o seu próprio estúdio. Assim é inaugurado o programa Chroma Squad, no mesmo estilo de Super Rangers, mas que começa com pouquíssimos recursos, em um local abandonado, mas logo conquista fãs e enorme popularidade. A história, bem básica no início, é contada aos poucos ao longo da aventura. Novos personagens participam da saga, dando um ar de “reviravoltas”, e um tímido sistema de escolhas dita alguns possíveis caminhos que seu estúdio pode seguir – seja para a pior ou para a melhor. Mas a conquista de popularidade vai além de escolhas pré-definidas, e também envolve o talento do jogador na hora de administrar seus episódios, lutas, coreografias, contratos e outros pormenores que envolvem o gerenciamento de uma verdadeira equipe de astros e de um estúdio de TV, mesmo um fictício. Ao mesmo tempo em que é um jogo de super-equipes coloridas e inspiradas por heróis japoneses, Chroma Squad também faz um bom trabalho em ser um game com um forte apelo para o simulador, com todas as ferramentas de administração que temos à disposição – e que aumentam com o passar do tempo.
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Isto é: você vai controlar os seus personagens durante os combates, ou melhor, episódios, mas também vai controlar o dinheiro, estimar os fãs do show, comprar novos equipamentos, melhorar o estúdio, contratar comerciais, agenciar seus astros, se preocupar em verificar a audiência e mais. É quase como um jogo dentro do outro, então não há do reclamar em termos do que se tem para fazer em Chroma Squad.
Como funciona isso tudo? O conceito de Chroma Squad pode ser um pouco confuso, no início, para quem não está acostumado com o conceito de Super Sentai ou já deixou de ver Power Rangers há algum tempo. O funcionamento é bem simples: com o roteiro dos episódios, discutidos e apresentados em tempo real pelos personagens, o jogador deve seguir os embates e a história para gravar seus episódios. Dentro dos episódios, Chroma Squad funciona como um jogo de estratégia em turnos. Apesar de ser um simulador de estúdio de TV, você não vai precisar administrar também as câmeras ou cortes de cenas. Basta controlar seus personagens, eliminar os inimigos e, se possível, seguir o que é pedido pelo diretor, para alavancar ainda mais a audiência do programa, com os objetivos sugeridos. Tais objetivos servem para aumentar a barra de audiência, sempre presente na tela, e que dita se o seu episódio está emocionante ou incrivelmente chato. Se você simplesmente correr com os heróis socando os inimigos normalmente sem se preocupar com mais nada, dificilmente terá uma audiência boa. É preciso se preocupar em realizar golpes arrasadores, acrobacias, eliminar o chefão com golpe especial e mais, tudo para conseguir mais fãs e, claro, mais dinheiro. Com o tempo, a barra de audiência vai estar no ponto certo que permite que nossos heróis se transformem, ou se “cromatizem”, ganhando suas vestes coloridas e poderes mais incríveis, como acesso a armas de alto calibre, espadas afiadas, arcos e outros elementos. Sim, essa é o equivalente à “hora de morfar” do clássico Power Rangers, e funciona quase que da exata mesma forma. NOTAS DA REDAÇÃO
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TRILHA SONORA
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Envolvimento
Como não poderia faltar, temos ainda a batalha de robô gigante contra um monstro igualmente gigante, algo clássico das séries japonesas com heróis coloridos. Há sempre uma animação que precede a luta, com o “gatai” do robô, ou seja, a união de suas partes para a forma humanoide. O combate contra o monstro gigante é igualmente divertido, e ainda mais simples, que é o que impressiona mais! É incrível como, em diversos momentos, o jogo consegue manter a simplicidade e originalidade unidos a uma diversão incrível. Era de se esperar que um game tão completo para o que se propõe chamasse a atenção, e por isso mesmo Chroma Squad, que é uma legítima produção brasileira. Foi financiado com sucesso em campanha no site Kickstarter e chamou tanta atenção na mídia internacional. Sua jogabilidade, que pode ser conferida após o lançamento, comprova a qualidade e justifica o “hype”.
Mas por que os gráficos são assim? Chroma Squad utiliza gráficos estilo retrô, que lembram 8 bits, da época do Nintendinho, mas que são bem mais avançados do que isso, apesar de não parecer. A escolha visual ainda pode causar certa estranheza em alguns fãs, já que o game não utiliza nenhum tipo de efeito dito de “nova geração”, como gráficos 3D super realistas, efeitos de partículas ou coisas do tipo. Porém, cabe entender que essa foi uma escolha feita pela produção que combinaria com a ideia do game. A trilha sonora segue o mesmo estilo, com músicas também no gênero retrô, com muitos “bips” e “bops”, lembrando trilhas sonoras de clássicos como Mega Man ou Castlevania, mas também inspiradas por músicas de Power Rangers e Super Sentai em geral. Há até mesmo uma espécie de “música de abertura” que é, inclusive, cantada em japonês. Tudo para
Conclusão Chroma Squad é um jogo que prega valores de amizade, sabedoria e trabalho em equipe, tudo que um estúdio indie de desenvolvimento de jogos precisa, confundindo-se com a própria história da produtora Behold Studios. Mas, muito além disso, o game é hilário, tem uma jogabilidade muito bem encaixada e gráficos que andam de mãos dadas com a trilha sonora. Ele merece ser um dos destaques do ano, seja pela sua diversão bem dosada ou pelos elementos que compõem sua aventura e administração de estúdio de TV. Hora de Cromatizar! Junho/Julho 2017
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INDIE
RIME
Liberte sua criança interior nessa aventura cheia de quebra-cabeças
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Por Pablo Escobar
m garoto em cima de uma torre com o vento brincando com sua capa vermelha. Uma ilha cheia de enigmas e segredos no Mediterrâneo. Rime convida do jogador a explorar esse paraíso pelos olhos de uma criança, praticamente um arqueologista mirim em busca de tesouros - e respostas.
A ilha é um grande mistério. Quem criou aquelas ruínas? Por que seus habitantes sumiram? O menino, silencioso na maior parte do tempo, grita para ativar objetos mágicos e solucionar quebra-cabeças, mas como ele conseguiu essa habilidade? Cada segundo em Rime parece ter sido feito para se ficar pensando em algo desse mundo. Solucionar um enigma não apenas cria a satisfação de passar por um teste, mas também entrega pistas sobre a história e alimenta a vontade de explorar mais. Nas duas primeiras fases já há uma quantidade enorme de variedade. Os quebra-cabeças geralmente são físicos, inspirados na energia das crianças e na vontade de tocar em tudo, e cada um coloca um truque a mais conforme você vai criando um arquivo mental de soluções. No começo é preciso mover estátuas em uma sala para abrir uma porta, mas depois as regras ficam mais complexas, como mudar a hora do dia e NOTAS DA REDAÇÃO
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TRILHA SONORA
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Envolvimento
manipular luzes e sombras para encontrar a solução. No entanto, até mesmo os obstáculos mais elaborados precisam de alguns poucos passos para serem resolvidos, o que diminui as chances de ficar travado e frustrado. Os melhores quebra-cabeças são os que envolvem porcos. Eles moram na ilha e estão lá cuidando de suas próprias vidas. Persegui-los não resulta em nada, já que é impossível pegá-los, mas crianças adoram esse tipo de diversão. E os porcos também podem ser úteis: eles podem destruir amoreiras que atrapalham o caminho se forem presenteados com frutas.
Criança Perdida O mundo é colorido e fantasioso; e mesmo quando se torna ameaçador, o perigo é fugaz. Não há combate, então é preciso usar o ambiente e pensar “fora da caixa” para superar os obstáculos. Morrer também não é um fator importante. É possível cair de pontes e se afogar, mas o menino logo reaparece em um lugar próximo para tentar de novo. Não há barra de vida e os elementos de sobrevivência foram criados para dividir o foco com a exploração é preciso procurar água e comida. Cada área possui uma atmosfera distinta. A primeira fase é relaxante, uma introdução caprichada, mas esse paraíso exuberante logo dá lugar a um deserto cheio de tumbas. Essa área é comandada por um enorme pássaro que ataca o jovem. Os enigmas aqui combinam com o novo tom: em vez de explorar tranquilamente as ruínas para descobrir seus segredos, há preocupações mais imediatas, como derrotar a ave. Não é possível matá-la, então o que poderia ser uma única batalha se transforma em uma fase com enigmas de lógica e magia. Esse único inimigo é transformado em um evento importante em vez de ser só um obstáculo comum jogado no meio do caminho. Rime captura bem o sentimento de ser uma criança perdida. Não há instruções ou diretrizes explícitas, então é preciso “sentir” o mundo e aprender a cada experiência vivida. No entanto, há uma linha fina entre liberdade e frustração, então há uma ajuda sutil na arte e nas cores. Verde significa que você pode usar a voz do garoto para interagir com o objeto; amarelo mostra que você pode pegar um objeto; e beiradas com cocô de gaivota (eca!) podem ser escaladas. Esse código ajuda a achar soluções ou pelo menos indica a direção certa. Mesmo que a resolução final não seja clara de início, sempre parece possível conseguir algum progresso. Murais e pinturas também ajudam: eles são vagos, mas dão pistas sobre perigos futuros e como vencê-los. Também há imagens que sugerem o que aconteceu no passado da ilha.