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REGINA VATER DIDI-HUBERMAN CRÍTICA INSTITUCIONAL AUTOCRÍTICAS MÁRIO PEDROSA

A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A

O Olhar dos Críticos de Arte I (1978), objeto de Paulo Bruscky

VERÃO 2018 ANO 05

EDIÇÃO 37 R$ 19,90

ESPECIAL 6ª EDIÇÃO DE ARTISTA FERNANDA CHIECO

EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA




Rua Direita (Políptico), Claudia Andujar


A exposição apresenta uma leitura do centro de São Paulo a partir dos conceitos e contextos da história, da arte, da arquitetura e de lugares emblemáticos que abriga, em diferentes núcleos, técnicas como gravura, fotografia, pintura, indumentária, escultura, mapas, maquetes, entre outros. Curadoria: Paulo Herkenhoff e Leno Veras Até 28/01 Sesc 24 de maio Rua 24 de Maio, 109 sescsp.org.br/24demaio


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acesse, navegue e sinta. 11 98912-6127 www.hertzogart.com.br 11 4801-7001


ÍNDEX

Acima, pôster Benvenuti alla Biennale Femminista (2005), das Guerrilla Girls para a Bienal de Veneza

54 CURADORIA

ARTE COMO CRÍTICA INSTITUCIONAL A r t i s t a s e x p õ e m e n g re n a g e n s p o l í t i c a s e i d e o l ó g i c a s

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HISTÓRIA DA CRÍTICA

ENSAIO

EDIÇÃO DE ARTISTA

PROJETO

AUTOCRÍTICA

DOS TUPINAMBÁ AOS HUNI KUIN

UMA MIRADA MAIS AMPLA

FERNANDA CHIECO

DA _RTE, DE MORESCHI

CURAR-SE PARA CURAR

Ana Avelar e Ana

Bernardo José de Souza

Uma obra da série

Pesquisa mostra

Cocurador Leno Veras

Magalhães tratam da

analisa a evolução

sobre a ideia de

cenário excludente

aponta os limites

brasilidade na arte

da crítica da arte

“ tráfico de tempo”

da história oficial

da própria exposição


SEÇÕES

10 16 18 34 36 40 100 114

Editorial Comentários / seLecT Expandida Da Hora Acervos Itaú Cultural Fogo Cruzado Mundo Codificado Críticas

46 PORTFÓLIO

PAULO BRUSCKY Informação, protesto e denúncia na obra do

Em Construção

artista pernambucano

90 HISTÓRIA DAS EXPOSIÇÕES

QUEM SOMOS NÓS, ABAIXO DO EQUADOR Pedrosa: arte indígena e afro-brasileira

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PORTFÓLIO

ENTREVISTA

CENSURA

REGINA VATER

DIDIHUBERMAN

MORALISMO DÁ O TOM

Na afirmação do corpo, um

Filósofo francês

Artistas são atacados

debate renovado

analisa sintomas e

e instituições fazem

sobre o feminismo

signos do nosso tempo

autocensura

FOTOS: GUERRILLA GIRLS/ DIVULGAÇÃO/ CORTESIA DO ARTISTA/ FERNANDO DUARTE


E D I TO R I A L

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O ESPAÇO DA CRÍTICA

A revista de arte é espaço da reportagem de arte, da reflexão

Para ampliar as redes críticas, convidamos o Canal Contem-

sobre arte e, em casos especiais, de intervenções artísticas. Pe-

porâneo a selecionar dez críticas fundamentais da última dé-

riodicamente, seLecT convida artistas a intervir em suas pági-

cada. A relação pode ser consultada em www.select.art.br/

nas e nesta edição temos as participações de Fernanda Chieco

dezanosdecrítica. E para reforçar nosso compromisso não

e Bruno Moreschi. Chieco realiza a sexta edição do projeto de

apenas com a informação e a reflexão, mas também com a in-

múltiplos colecionáveis, com a obra Trafficking for Time Trade.

venção, criamos a seção de Autocrítica. Enquanto Daniela La-

Moreschi criou, especialmente para a seLecT, uma versão do

bra e Leno Veras se lançam ao desafio da autocrítica sobre as

panfleto A História da _rte, um levantamento de dados que mos-

próprias curadorias, o filósofo francês Georges Didi-Huberman,

tra o cenário excludente da história da arte estudada no País.

que em entrevista afirma não ser capaz de escrever um texto

Mas é preciso reafirmar que a publicação de arte é também

crítico que tivesse como objeto a sua exposição Levantes, nos

espaço da crítica e este é, definitivamente, o caso de seLecT,

dá lenha para pensar o papel das publicações: “A exposição é

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menos que um texto. É algo que desaparecerá dentro de três

que endossa essa função dedicando a totalidade de sua edição ao estado atual da crítica de arte no Brasil.

meses, é uma experiência. E o texto existirá para sempre”.

Começamos por indicar ao leitor as revistas referenciais da arte e da crítica internacional hoje, na opinião de três leitores especialistas: o curador e crítico Tobi Maier, a gestora cultural Ada Hennel e o editor e curador Benjamin Seroussi. Seguimos por investigar os mecanismos da construção do texto crítico,

Paula Alzugaray

consultando um grupo de profissionais, na seção Fogo Cruza-

Diretora de Redação

do, sobre a importância, ou não, da interlocução direta com o artista para o processo da escrita. As correspondências entre crítica e curadoria, e entre crítica e história, também são aqui iluminadas. No primeiro caso, contamos com a colaboração de Bernardo Mosqueira, que concebeu uma curadoria sobre a história e a atualidade da crítica institucional. Quando o foco é a linha de sucessão direta entre crítica e história, temos a reflexão de Michelle Sommer sobre a busca pioneira de Mário Pedrosa em inserir narrativas indígenas e afro-brasileiras na história da arte brasileira. Contamos ainda com um texto sobre o projeto pedagógico das pesquisadoras Ana Magalhães e Ana Avelar, que criaram para a casa seLecT um corpo de cursos que propõem a montagem e a desmontagem da história da arte contemporânea brasileira, a partir de relatos críticos diversos, que dialogam entre si. Paulo Bruscky, “o artista que escreve”, segundo a redatora-chefe Márion Strecker, que usou a Arte Correio a serviço da informação, do processo e da denúncia, também tem sua atividade crítica representada em capa e portfólio desta edição. Assim como Regina Vater, cuja obra ganha nova leitura à luz do pensamento sobre questões de gênero. SELECT.ART.BR

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EXPEDIENTE

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY (1932-2017) EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY

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EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY

DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN REDATORA-CHEFE: MÁRION STRECKER REPORTAGEM: LUANA FORTES

COLABORADORES

Ada Maria Hennel, Ana Avelar, Ana Beatriz Scudeler Larre, Ana Magalhães, Benjamin Seroussi, Bernardo José de Souza, Bernardo Mosqueira, Bruno Moreschi, Daniela Bousso, Daniela Labra,

PROJETO GRÁFICO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão

Leno Veras, Luisa Duarte, Marcelo Rainho, Michelle Farias Sommer e Tobi Maier

COPY-DESK E REVISÃO

CONTATO

PUBLICIDADE

Hassan Ayoub

faleconosco@select.art.br

DIRETOR NACIONAL: Maurício Arbex DIRETORA: Ana Diniz GERENTES-EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: Batista Foloni Neto, João Fernandes e Tania Macena SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto ASSISTENTE ADM. DE PUBLICIDADE: Ederson do Amaral COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br RIO DE JANEIRO-RJ: COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.: (21) 2107-6667 / Fax (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi. Tel.: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 ARACAJU-SE: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CAMPINAS-SP: Wagner Medeiros - Parlare Comunicação Integrada - Tel.: (19) 8238-8808 / 3579-8808. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155. BA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo Effgen-Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO GERENTE: Maria Bernadete Machado ASSISTENTES: Marília Gambaro. REDATOR: Bruno Módulo. DIR. DE ARTE: Victor S. Forjaz.

ASSINATURAS E OPERAÇÕES

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE

Três Comércio de Publicações Ltda. Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP

(11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEMAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111 (EXCETO LIGAÇÕES DE CELULARES) ASSINE www.assine3.com.br EXEMPLAR AVULSO www.shopping3.com.br

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da ACROBÁTICA EDITORA LTDA., Rua Angatuba, 54 - São Paulo - SP, CEP: 01247-000, Tel.: (11) 3661-7320 COMERCIALIZAÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., WWW.SELECT.ART.BR

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PAT R O C Í N I O :

PAT R O C Í N I O :

REALIZAÇÃO:

MINISTÉRIO DA CULTURA


COLABORADORES

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BERNARDO MOSQUEIRA

ANA AVELAR

Curador e escritor. É um dos fundadores e gestores do Solar dos Abacaxis (RJ). Recebeu o prêmio Lorenzo Bonaldi 2017 para curadores com menos de 35 anos, realizado pelo GAMeC, em Bérgamo, Itália. Foi o criador e é o diretor do Prêmio FOCO Bradesco ArtRio.

Crítica, curadora e professora de Teoria, Crítica e História da Arte na Universidade de Brasília. É curadora da Casa de Cultura da América Latina da UnB e tem feito exposições no MACUSP, onde desenvolveu seu pós-doc. história da crítica de arte P 70

curadoria P 54

LUISA DUARTE Crítica de arte e curadora. Mestre em Filosofia pela PUC-SP. É crítica do jornal O Globo, foi membro do conselho consultivo do MAM-SP. Foi curadora do Rumos Artes Visuais (2005-2006). crítica P 104

BRUNO MORESCHI

DANIELA LABRA

Pesquisador e artista visual. Doutorando em Artes Visuais pela Unicamp, pesquisador da Capes, com passagem na University of Arts of Helsinki (Kuva Art Academy). Expôs na Bienal de Montevidéu, no Itaú Cultural e na Frestas Trienal de Artes.

Curadora e crítica de arte. Doutora em História e Crítica da Arte pela PPGAV EBA/UFRJ e pós-doutoranda na ECO-UFRJ. Professora da EAV Parque Lage. autocrítica P 96

projeto P 94

DANIELA BOUSSO Historiadora, crítica e curadora. Foi diretora e diretora-executiva da organização social gestora do Paço das Artes (1997-2011) e diretora do MIS-SP (2007-2011) crítica P 102

BERNARDO JOSÉ DE SOUZA

MICHELLE FARIAS SOMMER

Curador, professor e crítico de arte. É curador residente da Fundação Iberê Camargo. Graduado em Comunicação Social pela PUCRS, é especialista em fotografia e moda pela University of the Arts London

Professora, pesquisadora, crítica e curadora. É pós-doutoranda na EBA PPGAV UFRJ e integra o corpo docente da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. história das exposições P 90

ensaio P 54

LENO VERAS

ANA MAGALHÃES

Comunicólogo, pesquisador e professor. Desenvolveu projetos que articulam teoria dos meios, sistemas de memória e histórias da arte em universidades em Salamanca, Santiago de Compostela, Brasília e Rio

Historiadora da arte, curadora e professora livre-docente do Museu de Arte Contemporânea da USP, onde trabalha com a reavaliação crítica do acervo modernista do museu. Atualmente é professora convidada na Universidade de Viena.

autocrítica P 98

história da crítica de arte P 70

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COMENTÁRIOS

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"Nossa gratidão pela oportunidade de conhecer projetos e pessoas maravilhosas. Com certeza, não para por aqui a caminhada junto aos novos amigos" Coletivo Kókir, finalista do 1º Prêmio seLecT de Arte e Educação, via facebook, ao comentar sua participação na programação da EAV Parque Lage, também finalista do Prêmio

Caríssimas editoras, boa tarde. Daqui da maloca, tomei conhecimento deste belo trabalho. Sou fotógrafo documentarista aqui na Amazônia e grato sou pela divulgação que a revista faz da fotografia brasileira. Parabéns!" Wank Carmo, leitor de seLecT, via facebook Escreva-nos Rua Itaquera, 423,

"Parabéns por seguir na luta nesses seis anos, sei que não é fácil. Mas nós é que agradecemos por este conteúdo primoroso. Vida longa à seLecT!" Tiago Santos, assessor de imprensa, via e-mail

Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030 www.select.art.br facebook.com/selectrevista instagram.com/revistaselect twitter.com/revistaselect

S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E

youtube.com/selectartbr plus.google.com/+SelectArtBr

10 ANOS DE CRÍTICA

A editora do site Canal Contemporâneo, Patricia Canetti, destaca 15 críticas de arte contemporânea publicadas nos últimos dez anos. select.art.br/dezanosdecritica

POEMAS SONOROS DE PAULO BRUSCKY

Ouça três poemas do artista visual: De Repetição, Pausia e Paisagem Sonora Paralagerio. select.art.br/poesia-sonora-bruscky

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FOTOS: DIVULGAÇÃO/ REPRODUÇÃO


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ALTAMIRA Caio Reisewitz, até 5/3/2018, Pinacoteca de São Paulo, Praça da Luz, 2 | pinacoteca.org.br A perspectiva de desaparecimento de parte da floresta com a construção da hidrelétrica de Belo Monte e os conflitos sociais que surgiram em Altamira, no Pará, envolvendo especialmente comunidades indígenas, levaram Caio Reisewitz a visitar a região em 2015. Os registros fotográficos dessa viagem compõem a série Altamira. Quando a hidrelétrica estiver funcionando em plena capacidade, a mata que se vê nas fotos de Caio estará submersa. Não é a primeira vez que o artista se debruça sobre a transformação da natureza causada por obras governamentais. Na série Transposição, ele registrou o sertão afetado pelas obras no Rio São Francisco. Na série Água Escondida, o motivo foi uma crise hídrica aguda ocorrida em São Paulo. Essas fotografias do interior da floresta em Altamira foram feitas à noite. O longo tempo de exposição trouxe como efeito uma alteração das cores: o que era verde tornou-se avermelhado. MS

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FOTO: CORTESIA DO ARTISTA



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LEMBREI QUE ESQUECI

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Amelia Toledo, Centro Cultural Banco do Brasil, Rua Álvares Penteado, 112, São Paulo, SP, até 8/1/2018 | www.bb.com.br/cultura A exposição de Amelia Toledo no CCBB-SP foi aberta em outubro para celebrar os 90 anos de vida e os 60 anos de carreira da artista. Acabou sendo a última exposição em vida de Amelia, que faleceu em novembro. A curadoria é de Marcus Lontra, que define a artista como “a grande dama da contracultura no Brasil”. São cerca de 60 obras, entre pinturas, esculturas, instalações, desenhos, gravuras, colagens, joias e objetos. O curador recomenda que se comece o percurso pelo subsolo, que foi intitulado A Caverna. Ali estão os Dragões Cantores, com pedras moldadas pela água do mar sobre colunas de concreto, e a série Impulsos, com blocos de quartzito verde e jaspe polidos sobre colunas. No antigo cofre do museu o visitante poderá receber uma projeção de pedras sobre o seu próprio corpo e ao mesmo tempo assisti-la deitado. No térreo do centro cultural está Bambuí (acima), uma instalação composta de pedras brutas e polidas e placas de inox sinuosas, que espelham e distorcem as imagens das pedras. Bambuí é o nome da região de Minas Gerais onde as pedras foram coletadas. Os célebres trabalhos Glu Glu e Medusa, dos anos 1960, os Poços ou Minas de Cor, as Fatias de Horizonte, Da Cor da Corda, o Espaço Elástico, o Mundo dos Espelhos, os Fiapos, A Onda, os Discos Tácteis e o Poço da Memória (onde está escrita a frase Lembrei Que Esqueci) também estão lá, na exposição que ocupa todos os andares do CCBB. MS SELECT.ART.BR

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HISTÓRIAS DA SEXUALIDADE Até 14/2/2018, Masp, Av. Paulista, 1.578 | www.masp.org.br Com curadoria peso pesado de Adriano Pedrosa, Lilia Schwarcz, Pablo León de La Barra e Camila Bechelany, o Masp exibe a exposição Histórias da Sexualidade. Resultado de dois anos de pesquisa, a mostra traz cerca de 200 obras, dos mais diversos períodos, linguagens e territórios, apresentadas em diferentes espaços expositivos do museu (acima, xilogravura Dia de Ano Novo, 1835, de Eisen). Com dez núcleos temáticos desenvolvidos pelo time de curadores, observa-se a sexualidade de diversos ângulos, desde a religiosidade até as políticas do corpo. Lá estão trabalhos de artistas contemporâneos como Ayrson Heráclito, ou clássicos como Jean-Auguste Dominique Ingres. Com tamanha diversidade, trabalhos dialogam ou entram em confronto, tornando o terreno fértil para discussão. LF FOTO: DENISE ANDRADE/ RONIN GALLERY



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READY MADE IN BRASIL até 28/1/18, Centro Cultural Fiesp, Av. Paulista, 1.313 | www.centroculturalfiesp.com.br O Brasil não saiu ileso das artimanhas de Marcel Duchamp. Apesar de a atuação do artista ter se concentrado na Europa e nos Estados Unidos, os embates provocados por seus trabalhos transbordaram e chegaram até a produção brasileira. Pensando nisso, a exposição Ready Made in Brasil reúne 50 artistas em comemoração ao centenário da emblemática obra Fonte, que em 1917 provou que um urinol assinado também poderia ser considerado arte. Idealizada pela N+1 arte e cultura, a mostra tem curadoria de Daniel Rangel e traz ao Centro Cultural Fiesp cerca de 150 trabalhos que expõem reverberações do pensamento de Duchamp. Entre eles estão Hélio Oiticica, Jac Leirner, Lygia Clark, Wesley Duke Lee e Lenora de Barros (foto). A exposição mostra como o conceito de readymade começa a reverberar no Brasil a partir dos anos 1960 e também como ele vai se modificando ao longo do tempo. LF

S Ã O PA U LO

DA FORMA À AÇÃO Julio Le Parc, até 25/2/18, Instituto Tomie Ohtake, Av. Brig. Faria Lima, 201 | www.institutotomieohtake.org.br Julio Le Parc, até 7/2/18, Galeria Nara Roesler, Av. Europa, 655 | www.nararoesler.com.br Não bastou trazer uma retrospectiva de Julio Le Parc para o Brasil. Foi necessário que sua produção ocupasse, simultaneamente, o Instituto Tomie Ohtake e a Galeria Nara Roesler, em São Paulo. No instituto, o artista argentino ganha versão adaptada da grande retrospectiva feita em 2016 no Pérez Art Museum Miami, com a mesma curadoria de Estrellita B. Brodsky e consultoria artística do filho do artista, Yamil Le Parc. Já na galeria são exibidas dez pinturas realizadas entre 2016 e 2017 da série Alchimie (à esq.), esculturas do conjunto Torsion (2004) e a projeção Alchimie Virtuel, exibida pela primeira vez na América Latina. LF SELECT.ART.BR

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FOTOS: DIVULGAÇÃO/ EVERTON BALLARDIN, CORTESIA DO ARTISTA, GALERIA NARA ROESLER



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ASSENTAMENTO Jaime Lauriano, até 20/1/18, Galeria Leme, Av. Valdemar Ferreira, 130 | www.galerialeme.com Segunda individual de Jaime Lauriano na Galeria Leme, Assentamento coloca em xeque as heranças da colonização, dando protagonismo a trabalhadores afro-brasileiros. A exposição apresenta nove trabalhos (acima, O Trabalho, 2017) que tencionam as relações entre passado e presente da história brasileira e que dão ferramentas para analisar e repensar o cenário contemporâneo. Seu título faz alusão aos assentamentos para trabalhadores sem-terra do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), assim como remete ao gesto da religião candomblé de assentar – plantar o axé –, que significa tornar sagrado o chão de um terreiro. Para Bernardo Mosqueira, autor de texto crítico sobre a mostra, as obras exibidas apresentam ainda maior força diante de recentes acontecimentos. “Nos últimos meses, justamente enquanto a crise política nacional fortalece uma bancada parlamentar que defende os interesses dos grandes produtores rurais contra os direitos dos trabalhadores, o artista voltou grande parte de seu interesse e de sua produção para as questões agrárias no País”, escreve. Com isso em vista, a exposição divide-se entre os eixos violência e resistência, provocando não só reflexão, como também ação e luta. LF

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QUILÔMETROS Gustavo Speridião, até 21/1/2018, Sé Galeria, Rua Roberto Simonsen, 108 | www.segaleria.com.br A maior exposição de Gustavo Speridião só poderia se chamar Quilômetros. São dez trabalhos de grandes formatos. O artista usa palavras como elementos pictóricos e sua produção tem um inegável apelo político. Além de rolos de telas de pintura, a Galeria da Sé apresenta em seu corredor principal um tríptico de Speridião (à esq., Gráfica I, 2006-2015), feito com colagens, cartazes, panfletos e jornais, materiais retirados de contextos de crises. AS SELECT.ART.BR

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FOTOS: DIVULGAÇÃO



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FUNDAÇÃO MARCOS AMARO Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário, no Rio de Janeiro, assume também a curadoria da Fundação Marcos Amaro (www.fmarte.org), em Itu, São Paulo, que apoia financeiramente o Museu Bispo. Resende está entusiasmado com a criação do Memorial da Escultura Contemporânea Latino-Americana (Mescla), conforme disse em entrevista à seLecT. LF O que esperar da FMA, agora com sua curadoria? A FMA nasceu para cuidar da obra de Marcos Amaro e da sua coleção de arte. O artista tem em suas veias o empreendedorismo, herdado do pai, o comandante Rolim Amaro. Vamos estimular a experimentação artística fomentando artistas. O que gostaria de ver implantado ali na Fábrica São Pedro, no centro de Itu, é uma instituição sem as regras convencionais dos museus, com mais ousadia na forma de se relacionar com os artistas, de mostrar, de guardar e de colecionar arte. E, o principal, de abraçar o público. Qual a importância de estar no interior de São Paulo? Venho de Mococa, noroeste do estado de SP. Fora algumas cidades que contam com equipamentos culturais relevantes, como Ribeirão Preto, Campinas, Sorocaba e, claro, os inúmeros Sesc, o “resto” é um grande deserto. Esperamos que a Fundação Marcos Amaro – Fábrica São Pedro e o Mescla sejam mais um oásis de arte no interior. Formar o público, hoje, penso ser a mais importante tarefa das instituições museológicas de arte. Você tem planos para o Mescla? A proposta de criação desse espaço para a linguagem escultórica nasceu do encontro de Marcos Amaro com os artistas Gilberto Salvador, José Spaniol, Klinger Carvalho e Sérgio Romagnolo. Foi adquirido um campo delimitado por cercas de arame farpado. Estamos pensando num museu de esculturas a céu aberto, sem paredes nem muros, onde a escultura se mescle com a natureza.

RIO DE JANEIRO

MA até 22/12, Luciana Caravello Arte Contemporânea, Rua Barão de Jaguaripe, 387 | www.lucianacaravello.com.br A pausa e o silêncio, elementos raros de encontrar no cotidiano, são o motor para os trabalhos da coletiva Ma. Com curadoria de Luisa Duarte, a exposição apresenta 18 obras que fazem frente ao frenesi do mundo atual, repleto de imagens, ruídos e informações. “São obras que caminham na contramão de um presente marcado pelo regime do espetáculo, da aceleração e da hipervisibilidade”, conta a curadora. Estão presentes artistas como André Komatsu, Manoela Medeiros, Marcius Galan e Anna Maria Maiolino (à dir. Buraco ao Lado, da série Desenho-Objeto, 1976-2000) O título da exposição provém da palavra japonesa Ma, que deriva da ideia de um espaço vazio onde poderia haver a aparição do divino. A expressão e, portanto, a exposição têm como princípio o meio, o intervalo, um entre-espaço. LF SELECT.ART.BR

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PINTURAS OBJETOS INDÍGENAS E VÍDEOS pinturas, objetos indígenas e vídeos

FOTO: STEPHÂNIA SANGI/ DIVULGAÇÃO


apresenta

NOVO RANGE ROVER VELAR. ABRA ESPAÇO PARA A ARTE. O último mês do ano traz múltiplas facetas para os apreciadores das artes. São diversas oportunidades de desfrutar dos olhares e talentos de artistas únicos em galerias e centros culturais pelo país. Neste roteiro exclusivo há exposições de fotos, esculturas, pinturas tradicionais, instalações, design e outras que se fundem com o mundo da internet e vídeos. Algumas destas intervenções se estendem até 2018. Programe-se e encerre 2017 com belas memórias visuais.

> VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO • pinturas > ZONA DE REMANSO: EXERCÍCIOS DE PERMANÊNCIA • fotografia Zipper Galeria De segunda a sexta, 10h ás19h Sábados das 11h às 17h Rua Estados Unidos 1494, Jardim América - São Paulo/SP Até: 16 de dezembro

> LEMBREI QUE ESQUECI• pinturas, esculturas e desenhos CCBB SP De quarta a segunda, das 9h às 21h Rua Álvares Penteado, 112 Centro - São Paulo/SP Até: 08 de janeiro de 2018

> UNA SHUBU HIWEA - LIVRO ESCOLA VIVA DO POVO HUNI KUIN DO RIO JORDÃO • pinturas, objetos indígenas e vídeos Itaú Cultural De terça a sexta, das 09h às 20h Sábado e domingo 11h às 20h Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô - São Paulo/SP Até: 28 de janeiro de 2018

> OS AMERICANOS, DE ROBERT FRANK • fotografia Instituto Moreira Salles SP De terças a domingo, das 10h às 20h - Às quintas, das 10h às 22h Avenida Paulista, 2424 São Paulo/SP Galeria 3 Até: 30 de dezembro > PANCETTI - NAVEGAR É PRECISO • pinturas Galeria Almeida e Dale De segunda a sexta, das 09h às 19h Rua Caconde 152 Jardim Paulista São Paulo/SP Até: 09 de dezembro

> TEMPO PRESENTE • instalações Espaço Cultural Porto Seguro De terça a sábado, 10h às 19h Domingos e feriados, 10h às 17h Alameda Barão de Piracicaba, 610 Campos Elíseos - São Paulo/SP Até: 17 de dezembro

> 11a BIENAL DE ARQUITETURA • design FAU/USP Confira as datas e locais das exposições, instalações e debates no site: 11bienaldearquitetura.org.br Até: 28 de janeiro de 2018

> VERSÃO OFICIAL - BRUNO FARIA • instalação MAC NIteroi De terça a domingo das 10h às 18h Mirante da Boa Viagem, s/nº Boa Viagem, Niterói Até: 18 de fevereiro de 2018

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BELO HORIZONTE

EX ÁFRICA Até 30/12, CCBB-BH, Praça da Liberdade, 450 | culturabancodobrasil.com.br A cultura africana ganha uma mostra dedicada aos costumes, crenças e histórias do continente. A exposição Ex África, que acontece no CCBB-BH, reúne desde vídeos até performances. Artistas de diversas nacionalidades interagem com o público por meio de palestras e rodas de conversa. Arjan Martins, Ibrahim Mahama, Kiluanji Kia Henda e Kudzanai Chiurai (foto) são alguns dos nomes que participam da coletiva. Depois de BH, a exposição segue para outros CCBBs durante 2018, como Rio de Janeiro no começo do ano, São Paulo em abril e Brasília em agosto. AS SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

BELO HORIZONTE

VIDEOARTE DE ANNA BELLA GEIGER A história da videoarte no Brasil na obra de Anna Bella Geiger 1974-2017. Até 22/12, Galeria Murilo Castro, Rua Benvinda de Carvalho, 60 | murilocastro.com.br A galeria mineira Murilo Castro exibe individual de Anna Bella Geiger focada exclusivamente em videoarte e desta maneira traz um pequeno panorama dessa linguagem no Brasil. Equipamentos de gravação começaram a entrar no mapa da produção artística nacional por volta dos anos 1970. Anna Bella logo mergulhou na nova linguagem. A artista foi uma das primeiras a ter acesso à Portapak, antiga câmera portátil americana e, portanto, de explorar suas possibilidades. Por isso, rever sua produção em videoarte, como propõe individual na Galeria Murilo Castro, é também acompanhar um processo histórico do vídeo no Brasil. Trata-se de uma grande oportunidade de olhar para seus trabalhos como grandes marcos na história da arte brasileira. LF FOTO: CORTESIA DO ARTISTA/WOODMAN GALLERY


C

M

Y

CM

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CY

CMY

K

Rua Cônego Eugênio Leite, 240 - Jardim América/SP (11) 3063-4630

arte_hall

artehall

www.artehall.com.br


CHINA

TROPOSPHERE Chinese and Brazilian Contemporary Art, de 9/12/17 a 2/2018, Beijing Minsheng Art Museum, 798, Art District, Chaoyang District | www.currents.cc Pode parecer que China e Brasil estão muito distantes. Mas, se depender da fundação CURRENTS Art and Music, essa impressão deve mudar. Em dezembro, sua diretora e fundadora, Sarina Tang, e o crítico de arte Bao Dong apresentam ao público chinês grandes nomes da arte contemporânea brasileira com a exposição TROPOSPHERE – Chinese and Brazilian Contemporary Art. A proposta busca revelar pontos em comum entre os dois países ao justapor obras de artistas de cada um deles. Representando o time nacional estão Cildo Meireles, Leda Catunda, Lucia Koch, Miguel Rio Branco e Tunga, entre outros. Não à toa, o título da mostra resgata o nome da camada mais baixa da atmosfera terrestre, a troposfera, que conecta o mundo inteiro, inclusive países tão distantes. Depois de passar pelo Museu de Arte Beijing Minsheng, espera-se que a situação se inverta e a exposição chegue ao território brasileiro. LF SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

A série Blue Tango (1984), de Miguel Rio Branco, é contraposta ao trabalho Simple Song, do chinês LuoDan FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS


Steve McCurry • Man beneath stairs, India 2005

Representamos Steve McCurry com exclusividade no Brasil

Vila Modernista • Alameda Lorena 1257 casa 2 Jardim Paulista • São Paulo - SP + 55 11 3825 0507 instagram.com/galeria_de_babel facebook.com/galeriadebabel galeriadebabel.com


32

COLEÇÕES DE ARTISTAS de Nessia Leonzini, BEI Editora, 298 págs., R$ 90 A jornalista e curadora Nessia Leonzini revela as coleções pessoais de artistas brasileiros como Adriana Varejão, Iran do Espírito Santo, Paulo Bruscky e Rivane Neuenschwander.

JANAINA TSCHÄPE ANNA MARIA MAIOLINO

texto de Germano Celant e Luisa Duarte, Editora Cobogó, 240 págs., R$ 136 Artista alemã criada em São Paulo ganha livro com texto dos curadores Germano Celant e Luisa Duarte. A publicação conta com imagens de trabalhos dos últimos dez anos.

ARTE/EDUCAÇÃO MODERNISTA E PÓSMODERNISTA: FLUXOS NA SALA DE AULA Rosa Iavelberg, Penso Editora, 200 págs., R$ 60 Livro de Rosa Iavelberg, professora e arte educadora com mais de 40 anos de experiência, traz histórico sobre a presença da arte na educação infantil e faz repensar seu futuro.

OS DESENHOS WALTERCIO CALDAS texto de Lorenzo Mammì, BEI Editora, 254 págs., R$ 100 Edição bilíngue debruça-se sobre 160 obras em desenho de Waltercio Caldas, pela primeira vez reunidos em uma mesma publicação.

SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

texto de Bryan Barcena, Briony Fer, Sérgio B. Martins, Helen Molesworth e Anne M. Wagner, DelMonico Books-Prestel, 192 págs., US$ 60 Catálogo da retrospectiva de Anna Maria Maiolino no The Museum of Contemporary Art (Moca) de Los Angeles, no contexto do festival Pacific Standard Time: LA/LA, dedicado à arte latino-americana.

AUGUSTA, Thiago Honório; DICIONÁRIO, Marilá Dardot; e T.S., Mabê Bethônico; da série Ponto e Vírgula, Ikrek, 128 págs., R$ 60 cada A editora Ikrek lançou, em 2017, três publicações da série Ponto e Vírgula, que convida artistas a criar livros a partir dos mesmos parâmetros, como tamanho, número de páginas e tiragem.

EMILY de Cid Campos Selo Independente, R$ 27 Cid Campos dá continuidade ao seu trabalho de musicalização da poesia com o CD Emily, composto por poemas de Emily Dickinson (1830-1886), traduzidos e lidos por Augusto de Campos. O repertório é extraído de Emily Dickinson Não Sou Ninguém - Poemas (2008, Editora Unicamp), de Augusto de Campos. FOTO: CORTESIA BLAU PROJECTS


A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L

A CRÍTICA NO PASSADO E NO PRESENTE

34

Desde autores históricos até os atuais debates que circundam essa prática, a crítica de arte reverbera em verbetes e projetos da instituição PROJETOS OCUPAÇÃO ARACY AMARAL Entre os meses de julho e agosto de 2017, Aracy Amaral foi homenageada pelo projeto Ocupação do Itaú Cultural, destinado a personalidades que deixaram suas marcas nas respectivas áreas de atuação. Heterogênea, a história de Aracy foi mostrada diante das diversas facetas de seu trabalho, que circundam territórios como pesquisa, curadoria, crítica, gestão cultural e jornalismo. A ocupação reuniu documentos históricos e entrevistas com pessoas como a professora e curadora Ana Maria Belluzzo, o artista e educador Paulo Portella, além de seu filho André Toral. Parte do material desenvolvido pode agora ser consultada no site da instituição.

CICLO DE DEBATES – CRÍTICA EM MOVIMENTO Por onde anda a crítica em áreas como o circo, a dança e o teatro? Buscando debater as presenças e lacunas dessa prática, foi realizado o Ciclo de Debates – Crítica em Movimento no Itaú Cultural. Com curadoria de Valmir Santos, o evento reuniu artistas, jornalistas, gestores culturais, críticos e curadores durante o mês de setembro. Começando com um diálogo de abertura, foram realizadas quatro mesas de debate e três espetáculos. Em muitas ocasiões, as fronteiras entre áreas foram difundidas e o pensar crítico na cultura de maneira geral entrou em pauta.

+

Links em bit.ly/colecoes-itau-cultural-matriz-afro-brasileira

SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018


VERBETES FERREIRA GULLAR José Ribamar Ferreira (São Luís-MA, 1930 - Rio de Janeiro-RJ, 2016). Poeta, dramaturgo, tradutor e crítico de artes plásticas. (...) Gullar participa da fase inicial do movimento concretista, inclusive da 1a Exposição Nacional de Arte Concreta (...). Rompe com os poetas concretos após ler um artigo de Haroldo de Campos no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (...). Em resposta a esse texto, escreve outro artigo, Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica, publicado no mesmo jornal, em 1957. Gullar discorda do que considera um racionalismo excessivo da poesia concreta e defende mais subjetividade, o que resulta na criação do movimento neoconcreto, do qual participam artistas plásticos como Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988) e

MARIO SCHENBERG

poetas como Reynaldo Jardim (1926-2011). (...) As ideias do

Mario Schenberg (Recife-PE, 1941 – São Paulo-

movimento são expostas na Teoria do Não Objeto, que Gullar

SP, 1990). Crítico de arte e físico. (...) Mario

também publica nesse ano. (...) Em 1962, é eleito presidente do

Schenberg foi um intelectual reconhecido tanto

Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes

pela brilhante atuação como pesquisador e

(CPC/UNE) e dois anos depois filia-se ao Partido Comunista

professor no Instituto de Física da USP quanto

Brasileiro (PCB). Com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5),

pelos trabalhos de crítica de arte, publicados,

em 1968, o poeta é preso (...). Obrigado a exilar-se, em 1971, reside

sobretudo, em catálogos de exposições

em cidades como Paris, Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires,

individuais e coletivas. (...) Schenberg elabora

e envia artigos para o jornal O Pasquim (...). Gullar é reconhecido

críticas sobre artistas diversos, tanto consagrados

também como crítico de artes plásticas, tendo publicado vários

quanto jovens, entre eles modernistas –

títulos nessa área, entre eles Sobre Arte (1983) e Etapas da Arte

Di Cavalcanti e John Graz; (...) e ex-integrantes

Contemporânea: do Cubismo à Arte Neoconcreta (1998).

do concretismo e do neoconcretismo, como Waldemar Cordeiro (...) e Lygia Clark (...). Notadamente, a retomada da figuração, na década de 1960, foi o maior interesse do crítico. Ele observa a contribuição do concretismo no que diz respeito à inovação formal, em relação ao naturalismo e ao realismo. Para ele, cabe ao novo realismo chamar atenção para o papel do Brasil na “construção de uma nova civilização mundial”, atentando para “a crise das velhas estruturas” e para a necessidade de se pensarem novas soluções para velhos problemas.

CRÍTICA DE ARTE Em sentido estrito, a noção de crítica de arte diz respeito a análises e juízos de valor emitidos sobre as obras de arte que, no limite, reconhecem e definem os produtos artísticos como tais. Envolve interpretação, julgamento, avaliação e gosto. A crítica de arte nesse sentido específico surge no século 18, num ambiente caracterizado pelos salões literários e artísticos, acompanhando as exposições periódicas, o surgimento de um público e o desenvolvimento da imprensa. (...) Numa acepção mais geral, escritos que se ocupam da arte e dos artistas são incluídos na categoria crítica de arte, como é possível observar nos dicionários e enciclopédias dedicados às artes visuais (...). No Brasil, o surgimento da crítica de arte liga-se à criação da Academia Imperial de Belas Artes (Aiba), no Rio de Janeiro, em 1826, que inaugura o ensino artístico formal no País. Seu primeiro representante é o pintor, crítico e historiador de arte Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), que a dirige entre 1854 a 1857 (...).

FOTOS: ANDRÉ SEITI/ REPRODUÇÃO


FOGO CRUZADO

36

O CRÍTICO DE ARTE DEVE OU NÃO TER CONTATO PESSOAL COM O ARTISTA?

LUISA DUARTE CRÍTICA E CURADORA Afirmar que o contato pessoal com os artistas atrapalha seria quase como afirmar que existiria uma crítica no sentido desinteressado, kantiano, e que tal proximidade colocaria em risco tal posição crítica. Mas como creio que estamos hoje muito mais próximos de uma posição de interlocutores que traduzem o gesto artístico do que de críticos que julgam esse gesto, não vejo como o contato pessoal poderia atrapalhar. Entretanto, o “contato pessoal” de forma alguma é condição para a escrita, para a “crítica”. São muitos os casos de textos sobre obras cujo resultado é feliz e que pouco contato tive com os artistas. O SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

Parece cada vez mais difícil encontrar profissionais que sejam somente críticos de arte. Atualmente, cada vez mais os críticos parecem exercer outras atividades em paralelo, como a de curador, professor, pesquisador, gestor cultural e até mesmo de artista. Será que ficou no passado a velha imagem do crítico de arte vivendo numa espécie de pedestal, emitindo julgamentos sem ter de lidar corpo a corpo com os personagens centrais da arte, que são os artistas? Uma boa crítica julga ou traduz? Será que para ser um bom crítico é preciso evitar o contato pessoal com artistas? Esta foi a pergunta que seLecT fez para um grupo de críticos de arte.

contato pessoal não garante um bom texto, tampouco a falta dele sinaliza um problema. Quando olho para minha trajetória, não consigo imaginá-la sem o convívio próximo com os artistas. Por meio das conversas constantes, das visitas aos ateliês, podemos medir o pulso da obra de forma mais íntegra. O que acontece é um aprendizado mútuo entre duas pontas que respiram um mesmo ar do tempo e, através da troca, buscam compreender, juntos, esse tempo em que vivem, tendo o trabalho de arte como uma lente fértil.


PAULO MIYADA CURADOR E PESQUISADOR Na realidade, prefiro definir minhas atuações como de curadoria e pesquisa. Entendo que há muitos aspectos da crítica que entram em jogo nessas tarefas, mas que a curadoria se distingue por orientar-se por um duplo compromisso: com os artistas e com os públicos. Nesse sentido, existe uma cumplicidade inerente com os artistas que vai além do “contato pessoal” e se estende em interlocução, desafio mútuo e parceria. De forma simétrica, com os públicos, também se pretende que exista diálogo, troca de informações, percepções e, eventualmente, dissenso. Por isso, sempre que possível, procuro escrever informado por conversas e convívio com os artistas, ainda que esperando traduzir uma perspectiva que não seja um decalque daquela que ele já tem sobre sua obra e sobre o mundo. Isso em nada diminui o valor dos comentários feitos sem travar contato com os artistas, mas essa não é a posição de onde prefiro escrever. Por fim, as reflexões mais vivazes sobre arte que conheço me foram apresentadas por artistas.

37

MIRTES MARINS DE OLIVEIRA CRÍTICA E PESQUISADORA De meu ponto de vista, não há regra fixa na elaboração crítica. Talvez seja possível falar de abordagens preferidas nessa construção, mas mesmo assim duvido que sirvam para todos os cenários. O contato pessoal – penso que se fala de uma conversa, entrevista – não é necessariamente uma obrigatoriedade. Afinal, como tratar de obras e artistas do passado, para os quais esse contato não seria mais possível? Seriam aproximações menores ou desqualificadas? Não acredito. Pelo contrário, essa distância permite que se valorize a condição contemporânea do crítico em relação ao que foi produzido. No meu caso, costumo escrever mais sobre exposições do que sobre obras e artistas. Mesmo assim, não estabeleço como exigência a conversa com o curador, inclusive porque penso que aspectos institucionais são tão determinantes para as mostras quanto a perspectiva autoral daquele profissional, assim como os significados que as obras podem apresentar. Considero o enunciado público como o mais importante e é no confronto daqueles envolvidos em uma exposição – arquitetura, fluxos, narrativas, textos oferecidos ao visitante, educadores e os públicos, entre outros – que coloco o meu lugar crítico. FOTOS: RAFAEL RONCATO/ ACERVO PESSOAL/ DIVULGAÇÃO, MARCELO TABACH/ RENATO PARADA


FOGO CRUZADO

CAUÊ ALVES CRÍTICO E CURADOR

Ajuda muito. Para mim, é fundamental a aproximação entre crítico e artista, para a compreensão do processo de elaboração do trabalho de arte. Todas as informações que eu puder obter do artista podem ser relevantes para a atividade crítica. Não se trata de dizer que a crítica deva apenas reiterar o discurso do artista, mas que o crítico aprende ao entender o modo como esse artista elabora suas questões. Não penso a atividade crítica como um trabalho distante, pois, na verdade, não busco distanciamento algum, ao contrário, prefiro mergulhar no trabalho do artista. Em vez de escrever sobre arte, me interessa escrever com a arte.

38

O CRÍTICO DE ARTE DEVE OU NÃO TER CONTATO PESSOAL COM O ARTISTA?

JACOPO CRIVELLI CRÍTICO E CURADOR

Eu considero fundamental discutir com o artista tanto o trabalho dele quanto qualquer outro assunto que possa surgir na conversa. Isso porque quase sempre nessa conversa acabamos falando de detalhes ou aspectos do trabalho que eu não tinha percebido. Frequentemente, o artista também acaba enxergando em sua própria obra temas ou questões que ele não estava considerando. É uma troca extremamente rica. Tudo isso, depois, acaba confluindo de alguma maneira no meu trabalho, seja um texto crítico, seja um texto de parede que acaba servindo como introdução à obra, e que tem, portanto, um papel relevante na maneira como ela é entendida pelo público.

SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

FOTOS: PAULO D’ALESSANDRO/KATIA KUWABARA


MUNDO CODIFICADO

REVISTAS DE ARTE E SUAS SUCEDÂNEAS Três roteiros de leitura para se manter informado sobre o melhor da arte contemporânea

seLecT pediu indicações das dez melhores publicações do mundo sobre arte contemporânea para Ada Maria Hennel, pesquisadora e gestora cultural brasileira radicada em Berlim, Tobi Maier, crítico e curador alemão radicado em São Paulo, e Benjamin Seroussi, curador, editor e gestor cultural francês, também radicado em São Paulo. Ada cumpriu a meta, Tobi não conseguiu ficar nos dez títulos e Benjamin incluiu nas recomendações até revistas que não existem mais. Boa leitura!

SELECT.ART.BR

SET/OUT/NOV 2017


41

A LISTA DE ADA MARIA HENNEL Ada Maria Hennel é pesquisadora e gestora de projetos culturais, graduada em Economia, Psicologia e História da Arte pela Syracuse University (EUA). Atualmente, é gestora de projetos e liaison de artistas na Galeria KOW, com base em Berlim.

AFTERALL JOURNAL

SPIKE

FRIEZE

A Afterall é publicada duas

Ensaios provocativos, meditados

Esclarecedora, inteligente e

vezes por ano e distribuída em

e respostas curtas a questões

bem desenhada, Frieze é a

todo o mundo pela University

urgentes. Publicada quatro vezes

revista “líder” em arte e cultura

of Chicago Press. Cada edição

por ano, a Spike oferece aos seus

contemporânea.www.Frieze.com

centra-se no trabalho de três a

leitores imediatismo através

cinco artistas contemporâneos

de uma abordagem editorial

selecionados, com dois ou

aberta que não tem medo de ser

mais ensaios sobre cada um.

polêmica, em minha opinião.

Também gosto muito da série

spikeartmagazine.com/

de livros da Afterall chamada One Works, em que cada publicação apresenta uma obra de arte investigada a fundo

032C

por um autor – no momento,

Não é uma revista

minha publicação preferida é a

exclusivamente sobre arte

da “Lee Lozano: Dropout Piece”,

contemporânea, e sim sobre

2014, da autora Sarah

cultura, moda e política.

Lehrer-Graiwer.

Considero a melhor que existe

www.afterall.org

para investigação desses três temas. www.032c.com MOUSSE Fundada em 2006 e publicando

TEXTE ZUR KUNST

cinco edições por ano, a

Esta é a minha revista favorita – um

Mousse é feita de entrevistas,

periódico consistente em seu rigor

conversas e ensaios sobre

intelectual e editorial de altíssima

arte contemporânea. Mousse

qualidade. Foi fundada em 1990, em

é impressa como um jornal e

Colônia, e a redação inicial era de

encadernada como uma revista.

TERREMOTO

moussemagazine.it

Gosto dessa revista, e uso como

Stefan Germer e Isabelle Graw. Desde a passagem de Germer, em 1998,

INSTAGRAM

fonte de pesquisa para práticas ao

Graw é editora-chefe com um corte

DE JENNIFER HIGGIE

redor da Cidade do México e das

rotativo de editores e consultores. A

Escritora e editora da Frieze,

Américas. www.terremoto.mx

Texte Zur Kunst serve de excelente

Jennifer Higgie apresenta/

termômetro de exposições em

posta exclusivamente artistas

espaços institucionais e comerciais

femininas, algumas pouco

relacionados à arte contemporânea.

conhecidas, com explicações

A revista tem uma forte inclinação

maravilhosas sobre suas

para a teoria e acredito ser uma

contribuições criativas.

leitura indispensável para o contexto

Geralmente, ela publica

que vivemos hoje, de uma sociedade

fotografias de arquivo dessas

ARTREVIEW

THE EXHIBITIONIST

baseada em conhecimento, em que a

mulheres e seus trabalhos.

Revista boa que apresenta/

“Um periódico feito por

crítica se torna valiosa em si mesma.

www.instagram.com/

promove artistas.

curadores para curadores”.

www.textezurkunst.de

jenniferhiggie

artreview.com

the-exhibitionist.com ILUSTRAÇÕES: RICARDO VAN STEEN


A LISTA DE TOBI MAIER

OCTOBER E GREY ROOM

TEXTE ZUR KUNST

ARTREVIEW | ARTREVIEW Asia

A October foi estabelecida,

Foi fundada em Colônia, em 1990,

Fundada em Londres, em 1949,

em 1976, em Nova York, por

por Isabelle Graw e Stefan Germer.

a ArtReview é hoje uma das

Rosalind E. Krauss e Annette

Com a mudança de artistas e

revistas de crítica de arte mais

Michelson, que deixaram a

galerias alemães para Berlim, seu

antigas atuando no cenário

Curador, crítico de arte

Artforum para editá-la. É uma

escritório também foi transferido

internacional. No passado,

e doutorando na Escola

revista acadêmica especializada

para lá, em 2000. A revista é

a equipe editorial de Oliver

de Comunicações e

em arte contemporânea, crítica

publicada trimestralmente e

Basciano organizou três edições

Artes da Universidade

e teoria. Também editada

concentra-se na sua maior parte

especiais sobre arte no Brasil.

de São Paulo (ECA-USP).

pela MIT Press, a Grey Room

em exposições e tendências

Publicada em língua inglesa

(publicada desde 2000, com

artísticas no eixo Berlim, Paris,

quatro vezes por ano a partir de

quatro números por ano) reúne

Londres e Nova York, dando

Xangai, sua edição ArtReview

artigos acadêmicos e teóricos

visibilidade a um grupo enxuto

Asia oferece a possibilidade

dos campos da arquitetura, arte,

de artistas que surgiram na cena

de entender melhor os

mídia e política.

de Colônia ou são influenciados

acontecimentos na arte daquele

http://www.mitpressjournals.org/loi/octo

por ela. Cada edição de Texte Zur

continente. www.artreview.com

http://www.mitpressjournals.org/loi/grey

Kunst é apoiada por um número de obras de artistas produzidas em edição limitada. www.textezurkunst.de

ARTFORUM A Artforum International Magazine foi fundada em 1962,

ZUM

em São Francisco, e desde 1967

Editada pelo crítico e curador Thyago Nogueira, a ZUM é uma

é editada em Nova York. Com dez números publicados por

STARSHIP

ano, a revista é atualmente

Fundada por Ariane Müller

redigida por David Velasco e

e Martin Ebner, em Berlim,

SPIKE

Moreira Salles. Suas edições

inclui críticas de exposições,

no fim da década de 1990, a

Originalmente publicada em

trazem conteúdo sobre obras

filmes e música contemporânea.

Starship existe como revista

Viena, a Spike tem segunda

de fotógrafos internacionais

Serve como plataforma para

e editora, acompanhando de

sede em Berlim, onde organiza

consagrados, como Jeff Wall

vozes distintas da crítica de arte,

perto o desenvolvimento da

exposições, palestras e

ou Thomas Demand, tanto

como Benjamin Buchloh, Claire

cena artística da capital da

lançamentos. O foco é na

como projetos especiais sobre o

Bishop ou Daniel Birnbaum, e o

Alemanha. Recentemente, o

produção de arte da Europa

trabalho de artistas brasileiros,

seu site na internet providencia

corpo editorial foi ampliado com

Central. Sai quatro vezes por

como Mario Ramiro (O Gabinete

amplo conteúdo com críticas

contribuições da curadora Nikola

ano. Edições especiais em

Fantástico no #11) ou Aleta

e previews sobre exposições

Dietrich e dos artistas Gerry

formato de pôster acompanham

Valente & Ivana Bentes (Vida e

internacionais.

Bibby e Henrik Olesen.

as revistas.

morte de @ex_miss_febem no #12).

www.artforum.com

www.starship-magazine.org

www.spikeartmagazine.com

revistazum.com.br/

SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

revista de crítica de fotografia, publicada pelo Instituto


43

FLASH ART

MOUSSE

FRIEZE

TERREMOTO

A Flash Art foi fundada por

Formada em 2006 por Edoardo

Fundada por Amanda Sharp,

A revista, com base na Cidade

Helena Kontova e Giancarlo

Bonaspetti, em Milão, a fim de

Matthew Slotover e Tom

do México, foi fundada pela

Politi, em Milão, durante 1979.

afirmar uma voz alternativa

Gidley, em Londres, durante

curadora francesa Dorothée

Publicada atualmente pelo

à Flash Art, a revista Mousse

1991, a Frieze inicialmente deu

Dupuis, em 2015, ocupando

crítico italiano Michele D’Aurizio,

rapidamente estabeleceu-se

visibilidade aos artistas do

um vácuo na crítica de arte

a edição mais recente trabalha

como plataforma importante

grupo YBA, como Damien Hirst,

na América Latina. Contando

a temática da inteligência

de crítica de exposições (em

Tracey Emin ou Sarah Lucas.

com amplo número de

artificial e uma nova coluna

formato impresso e online)

Desde então, o foco tem sido

contribuidores, Terremoto é

pesquisa as atitudes, os gostos

tanto como parceira de

cada vez mais internacional

uma voz importante da crítica

e as perspectivas que moldaram

publicações editadas com

e, com a fundação da feira de

de arte com foco nas Américas.

uma ampla seleção de coleções

artistas e instituições de arte

arte homônima em Londres e

A publicação tem distribuição

únicas na Itália. Recentemente,

contemporânea.

Nova York, o grupo também

grátis nas capitais da arte na

a Flash Art também fundou uma

www.moussemagazine.it

desenvolveu atividades como

América do Sul.

editora de livros de artistas.

companhia de eventos.

www.terremoto.mx

www.flashartonline.com

www.frieze.com AFTERALL Fundada em 1998 por Charles Esche e Mark Lewis, Afterall é uma revista editada pela Central Saint Martins, em Londres, em colaboração com instituições de

E-FLUX | ART-AGENDA

Cingapura, Toronto e Antuérpia.

A e-flux foi fundada por Anton

OEI

Cada edição apresenta quatro

Vidokle como projeto de arte,

A sueca OEI teve seu início,

artistas, comissionando

em 1998. Hoje é uma plataforma

em 1999, como periódico para

dois textos novos sobre

de boletins diários enviada

poesia experimental. A revista

cada um. A série One Work,

para uma lista de assinantes,

publicou 76 edições com

da editora Afterall, foca em

além de plataforma para

temas que variam entre poesia

uma obra importante de arte

projetos curatoriais e palestras

concreta, filosofia, cinema e

contemporânea por meio de

organizadas na sede no Lower

sociologia especulativa. Sem

um único texto. A série The

East Side, em Nova York. A

crítica de exposições, as revistas

Critical Readers considera áreas

publicação mensal e-flux journal

temáticas destacam-se pela

importantes da prática de arte

(editada em colaboração com

profundidade da pesquisa, com

moderna e contemporânea com

Brian Kuon Wood, Julieta Aranda

média de 300 e 500 páginas. Os

reimpressão de textos-chave ou

e Stephen Squibb) comissiona

números recentes incluem uma

manifestos. A série Exhibition

e divulga ensaios desde 2008 e

edição dupla sobre a 30a Bienal

Histories publicou uma leitura da

art-agenda (editada por Filipa

de São Paulo e outras sobre o

24 Bienal de São Paulo (1998),

Ramos) que regularmente

movimento poema/processo e a

organizada por Lisette Lagnado,

nomeia e divulga críticas de

história da arte postal.

em 2015.

exposições do mundo inteiro.

www.oei.nu

www.afterall.org

www.e-flux.com

a


44

A LISTA DE BENJAMIN SEROUSSI Benjamin Seroussi, curador, editor e gestor cultural, é

HOJE

diretor-executivo da Casa do

Não sei se minha prática mu-

Povo. Mestre em Sociologia

dou, se temos menos acesso

da Arte pela École Normale

aqui no Brasil a essas publi-

Supérieure e pela École des

cações ou simplesmente se

Hautes Etudes en Sciences Sociales e mestre em Gestão Cultural pelo Sciences-Po, foi curador associado da 31a Bienal de São Paulo e diretor de programação do Centro da Cultura Judaica.

as publicações migraram para ANTES

blogs e afins como e-flux (e

Quando as coisas eram mais

suas coleções de newsletter

simples - ou talvez a minha

que enchem nossas caixas

vida apenas - eu costumava ler,

em ritmo alucinante) ou

lá na França, revistas como

hyperallergic, para citar dois

ArtPress ou BeauxArts, que

dos mais famosos que leio

seriam os equivalentes de

com frequência. O mais difícil

seLecT e Arte!Brasileiros, além

é a nossa gestão do tempo —

das internacionais como

temos cada vez menos

ArtForum, Frieze ou ArtReview.

espaço para se concentrar e

Paralelamente eu lia também

são cada vez mais publicações.

a revista do Palais de Tokyo,

www.e-flux.com

pois gostava do seu olhar mais

hyperallergic.com

preciso, da sua diagramação, das intervenções visuais que acolhia. Existiam também publicações como Purple, que mesclava arte e moda de maneira única. Fuçando em outras linguagens, sempre folhava Cahiers du Cinema, Positif, Architecture d’Aujourd’hui. www.artpress.com

artreview.com

www.beauxarts.com/le-magazine artforum.com

SELECT.ART.BR DEZ/JAN/FEV 2018

frieze.com/editorial


45

NA FRANÇA Cada vez que vou à França, DE INSTITUIÇÕES

dou uma olhada em revis-

Algumas publicações de museus

tas como 6 mois e Uzkbek &

AFTERALL JOURNAL

como Serrote, Zum (o IMS

Rica. São revistas de ensaios

Talvez essa seja a publicação que

conseguiu criar publicações

fotográficos e de investigação

mais acompanho pelo olhar atento

fundamentais para a área

que olham para o presente com

a uma produção engajada, além

cultural) e outras que deixaram

olhares variados (Uzkbek &

das fronteiras da Europa. Com

de existir como Contorno, do

Rica, por exemplo, foca nessa

olhar polonês, a revista Piktogram,

MAM da Bahia, também são

ideia tão passada de futuro).

hoje extinta, também costumava

companheiras do meu dia a dia.

www.6mois.fr

ser uma leitura precisa. A

www.revistaserrote.com.br

usbeketrica.com

italiana Mousse ganhou muito

revistazum.com.br

destaque, mas não tenho acesso

issuu.com/bahiamam/docs/

à versão papel e acabo não

revista_contorno_01_digital

lendo. A mesma coisa com a mexicana Terremoto. Talvez minha curiosidade se esgotou, pois elas se relacionam com um universo da arte contemporânea com o qual trabalho menos. www.afterall.org NA ÁFRICA

www.piktogram.org

Abrindo um pouco as fronteiras, vale citar The Chronic — revista/jornal de Chimurenga, coletivo baseado na África do Sul. NO BRASIL

Mesmo se muitos dos assuntos

Além da seLecT, vale destacar

soam distante da nossa realidade,

algumas publicações menores

há uma força crítica que me atrai.

como Amarello e Piseagrama

IRREGULARES OU AUTORAIS

www.chimurenga.co.za/publica-

mas também C.A.T., Bamboo,

Gosto também das irregulares

tions/chronice

Sem Número, entre outras. Não

e/ou autorais como os Cadernos

sou um leitor assíduo, mas as

do Videobrasil (entre as mais

leio por diversas razões: quando

consistentes de todas) e outras

procuro alguma coisa específica

menores como Contravento

(uma resenha, uma critica em

(sobrevivente interessante de

particular) ou se o tema da

uma tradição de publicação

edição me interessa em

que alunos da FAU costumavam

particular. Sendo menores,

produzir) e Recibo (a mais

tem uma voz mais clara.

inesperada de todas, realizada

www.selec.art.br

quando der pelo Traplev).

EM CASA

www.amarello.com.br/impresso

site.videobrasil.org.br/

Este conjunto cria um grande

http://piseagrama.org

publicacoes/caderno

retalho que me motiva a editar

catmagazine.com.br

www.edicoesaurora.

minhas próprias publicações,

@bambooinstagram

com/?s=contravento

como o Nossa Voz na Casa do

www.facebook.com/revistasn/

issuu.com/recibo

Povo. casadopovo.org.br/nossavoz


PORTFÓLIO

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PAULO BRUSCKY O ARTISTA QUE ESCREVE “Sempre fiz o que quis, como quis, onde quis, quando quis. Nunca submeti meu trabalho a nada, nem à censura. Arte não foi feita para pedir permissão a nada”, vaticina

MÁRION STRECKER

“SEMPRE FUI FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FAÇO O QUE ME DÁ NA TELHA. JÁ FUI PRESO TRÊS VEZES. SOU O ARTISTA MAIS RECUSADO DO BRASIL.” Dito assim, não dá para desconfiar que o autor dessas

frases é um renomado artista com 50 anos de carreira, projeção internacional e obras em acervos de instituições como a Tate Modern (Londres), o MoMA (NY), o Guggenheim (Bilbao) e agora também o Centre Georges Pompidou (Paris), onde está com exposição de mais de 100 obras, em cartaz até abril de 2018. “Não faço obra por encomenda. Vendi minha primeira obra recentemente”, conta o artista pernambucano Paulo Bruscky, nascido em 1949. Desde 2008, ele é representado pela Galeria Nara Roesler. “A edição dos livros e a galeria têm me levado muito para o exterior, isso ajudou bastante na divulgação. Eu nunca tive ansiedade de nada, mas é bom alcançar isso em vida”, disse ele à seLecT, por telefone, na semana em que montava a exposição no Pompidou, com ajuda de sua filha Raíza e um assistente da curadora Catherine David, que estava em viagem. Bruscky começou a carreira publicando desenhos em jornais, na adolescência, antes de estudar jornalismo. Aos 17, começou a expor e ser premiado em salões de arte. Aos 19, trabalhava em pesquisa no então SELECT.ART.BR

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Mapa de Paris com a inscrição Cett Ville A Été Fumigée Contre L’’Arte, trabalho de 2017 da série Dedetizado Contra a Arte, de Paulo Bruscky


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FOTO: CORTESIA DO ARTISTA


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À esquerda, Arte Correio Silence, Homenagem a John Cage (1993); acima, Arte Correio de 1985 com o carimbo Hoje, a Arte É Este Comunicado, de Paulo Bruscky

Instituto Joaquim Nabuco, quando foi preso numa passeata. “Aí me demitiram como comunista”, conta ele, que nunca foi filiado a partido algum, embora tenha enorme preocupação política, muitas vezes expressa em sua obra. O convite virtual de sua exposição no Centre Pompidou é um poema visual sobre desaparecidos políticos, da série Pelos Nossos Desaparecidos, dos anos 1970. Ele havia participado do movimento poema/processo no fim dos anos 1960. Diz que tem mais amigos da literatura e da música do que das artes visuais. “Eles entendem mais o que faço.” No começo dos anos 1970, Bruscky tornou-se um expoente da arte postal, que ele prefere chamar de Arte Correio e sempre defendeu como modalidade de arte “antiburguesia, anticomercial e antissistema”. Logo articulou-se com o movimento internacional de arte postal e manteve intensa correspondência com membros dos grupos Gutai e Fluxus. “Arte é feita para circular” é uma de suas máximas. “A Arte Correio surgiu numa época em que a comunicação, apesar da multiplicidade dos meios, tornou-se mais difícil, enquanto a arte oficial, cada vez mais, acha-se comprometida pela especulação do mercado capitalista, fugindo a toda uma realidade para beneficiar uns poucos: burgueses, marchands, críticos e a maioria das galerias que exploram os artistas de maneira insaciável”, escreveu em texto original de 1976, reeditado inúmeras vezes e disponível no Canal Contemporâneo. “Na Arte Correio, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia.” SELECT.ART.BR

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“Na Arte Correio, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia”

Acima, O Que É Arte? Para Que Serve? (1978), registro de ação realizada por Paulo Bruscky na Livraria Moderna, no Recife

SEM PERMISSÃO

Bruscky organizou com Ypiranga Filho a 1ª Exposição Internacional de Arte Correio no Brasil, em 1975, no Recife. A 2ª Exposição, no ano seguinte, no edifício-sede dos Correios, foi fechada pela censura. É também dos anos 1970, em plena ditadura militar, sua participação no Salão dos Nus, no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, em Olinda. Seus trabalhos eram roupas de mulher jogadas, atiçando a curiosidade do público. Ou então uma foto intitulada Exposição De Uma Pessoa Vestida, Sendo Vista Por Uma Pessoa Nua, Sendo Vista Por Várias Pessoas Vestidas (1978). A foto, claro, trazia uma pessoa nua vendo a imagem de uma pessoa vestida pendurada na parede. “Teve o Salão dos Nus mais de uma vez, mas terminou logo por causa de censura”, diz ele. Bruscky foi fotógrafo, como o pai, e chegou a ser correspondente fotográfico de uma agência norte-americana. Também manteve uma coluna semanal sobre artes visuais num jornal de Pernambuco. Foi quando cursava a faculdade de jornalismo que o artista prestou concurso para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Entrou. Uma vez formado, fez concurso para o cargo de técnico de comunicação social. Também passou. E assim se sustentou como funcionário público a vida toda. “Me aposentei como técnico”, conta. “É por isso que tenho tanto trabalho com coração. Porque, no hospital, fiquei amigo de médicos de várias áreas. Sentimentos: Um Poema Feito Com o Coração, meu eletrocardiograma, de 1976. Venho trabalhando FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA NARA ROESLER


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desde 1972 com eletroencefalograma como obra. Isso é uma droga, é um trabalho que fiz com caixa de remédio. Usei radiografia. Fiz trabalhos com poesia visual com coisas de chumbo penduradas no meu corpo. Isso tudo, para mim, foi muito rico”, conta. Como tinha meu emprego para me garantir, sempre fiz o que quis, como quis, onde quis, quando quis. Nunca submeti meu trabalho a nada, nem à censura. Arte não foi feita para pedir permissão a ninguém. Só é arte se ela não se submeter a nada”, afirma. Além de colaborador da imprensa, Bruscky tornou-se um anunciante sui generis, publicando classificados. Seus anúncios já serviram para procurar edifício que abrigasse a Sede Oficial para Suicídios, anunciar projetos como um Concerto Celulasonial (com sons de 100 celulares tocando ao mesmo tempo), Pintura Bifocal (com pintores e público usando lentes bifocais), Arte Paisagem (10 mil bolas brancas nos arrecifes de Genipabu, RN), Disco Antropofágico (desaparece ao ser tocado) e Air Art (composição de nuvens coloridas para o céu de Nova York). O anúncio de jornal mais recente foi no Libération. O Céu de Pompidou é o nome do projeto. “Foi inventada uma tinta em Londres que você pinta de dia e, quando começa a escurecer, ela vai acendendo. A intensidade é de acordo com o céu estar mais claro ou mais escuro. Vou arrumar um patrocínio, vou pintar toda a área externa do Pompidou e vai ser uma surpresa para o pessoal que fica sentado ali, brincando. Quando for escurecendo, eles vão ver, é brilhoso, fica parecendo um céu, fica SELECT.ART.BR

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Anúncio classificado publicado no jornal francês Libération sobre o projeto Le Ciel du Pompidou, criado em 2017 durante estada de Paulo Bruscky em Paris


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Bruscky gosta de dissecar e subverter qualquer mídia com que trabalha; jornalista, adora meios de comunicação e fazer experiências com novas tecnologias

Acima, o artista em seu ateliê no Recife; atrás dele, sua obra Alto Retrato (1978), fotografia. À direita, poema visual Brasil: dePUTAdo$ (1997) FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA NARA ROESLER


PORTFÓLIO


À esquerda, a expressão Hoje, a Arte É Este Comunicado aparece por uma semana, em 2013, em letreiro do Cinema São Luiz, no Recife, numa ação realizada em parceria com Márcio Almeida; abaixo, Ensaios, objeto de 2009

luminoso, fica feito um céu de várias cores, o público vai ser pego de surpresa”, contou, entusiasmado. TEMPO À FRENTE DA CRÍTICA

É em cadernos, que ele chama de Banco de Ideias, que Bruscky vai anotando suas fartas ideias. Algumas ideias ficam no caderno por anos até serem materializadas, como A Plateia, o filme que ele ainda não fez. Outros são projetos que vão se desdobrando no tempo, na geografia ou na forma. Em Paris, em outubro, continuou a criar sua série Dedetizado Contra a Arte, que já tinha feito aparição relâmpago em setembro, durante a última ArtRio. “Eu tô dedetizando monumentos e museus, artistas do passado”, conta. “É uma série grande para uma exposição grande, que eu vou fazer, talvez, no Recife.” Texto e humor são componentes recorrentes em seu trabalho. Bruscky também gosta de dissecar e desvirtuar qualquer mídia com que trabalha. Assim desenvolveu uma série de Ferrogravuras, que são gravuras feitas com um ferro de engomar roupas. Ou o Poema de Repetição, em cujo áudio ele repete o título do poema por longos oito minutos. A reflexão sobre o que é arte é outro assunto recorrente em sua obra. Hoje, a arte é esse comunicado – esta é uma expressão utilizada em diversos trabalhos de Bruscky, a começar por carimbos em arte postal, inclusive num múltiplo que “descomemorou” os 50 anos do golpe de 1964. A frase também apareceu no letreiro de um cinema no Recife, em 2013, numa parceria com o também artista Márcio Almeida. Em palestra na ArtRio 2017, Paulo Bruscky disse espontaneamente que, quando começou sua carreira, no Recife, simplesmente não havia críticos em atividade na cidade. A observação soou como o lamento de um artista interessado em interlocução. Ledo engano. No dia seguinte, questionado, Bruscky respondeu que “ainda bem” que não havia críticos para atrapalhar. Em trabalho de 1978, ele reuniu numa caixa antiga muitos pares de óculos igualmente antigos, com o rótulo O Olhar dos Críticos de Arte. Soa uma provocação, para ressaltar que os artistas vivem num tempo à frente da crítica. Hoje, Bruscky acumula uma obra imensa, criada com técnicas e materiais tão variados quanto cartões e cartas, carimbo, fotografia, vídeo, xerox, fax, jornal, CD, livro, performance e instalação, para citar algumas. Coisas encontradas na rua também servem como material. “Arte, para mim, é uma forma de ver, não só de fazer”, diz ele, que já assinou descartes encontrados em caçambas de lixo. Ele mantém no ateliê, no Recife, uma coleção estimada em 70 mil itens, entre trabalhos próprios e outros. É dele a maior coleção de arte postal do Grupo Fluxus existente na América do Sul, por exemplo. Esse arquivo pôde ser visto durante a 26ª Bienal de São Paulo, em 2004, sob o nome O Ateliê Como Arquivo. A experiência foi traumática para o artista. “Foi o ateliê todo para a Bienal, piso, móveis, tudo. O vazio e a solidão foram grandes. Eu não quero mais passar sem o meu eu por nenhum período.” Um projeto, já apresentado duas vezes ao Itaú Cultural e ainda sob análise, é a digitalização do seu fabuloso arquivo. FOTOS: À ESQ. MÁRCIO ALMEIDA; ABAIXO, CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA NARA ROESLER

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CURADORIA

BERNARDO MOSQUEIRA

CRÍTICA INSTITUCIONAL: PRODUÇÃO DE ARTE-CRISE NA LUTA CONTRA A BARBÁRIE Expor engrenagens políticas e ideológicas das instituições culturais, questionar sua função e criticar a submissão da arte ao mercado são procedimentos das obras de artistas desde meados do século 20 e podem nos inspirar insurgências e novas formas de viver “CALMA E SILÊNCIO. Um gesto fundamental que aqui foi feito ilumina a cultura e as ambições das pessoas que almejam

controlá-la de uma maneira ou de outra. Isso quer dizer que a cultura é algo obediente.” Esta frase, que poderia ter sido escrita no último mês sobre as tentativas de controle do sistema das artes no Brasil por diferentes grupos conservadores, é, na verdade, como Marcel Broodthaers iniciou a carta A mes amis, escrita em 7 de junho de 1968. Reverberando as manifestações políticas que aconteciam pela Europa naquele ano, Broodthaers participou da ocupação do Palais de Beaux Arts de Bruxelas contra as grandes instituições e a excessiva aproximação entre arte e mercado. Foi a partir desse cenário que Broodthaers criou sua primeira ficção de museu, a instalação da Section XIXe siècle, no Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, que funcionou na própria casa de Broodthaers por mais de um ano. Até a 5ª documenta de Kassel, em 1972, quando esse trabalho se encerrou, o Musée seria materializado com diferentes formatos que ironizavam o funcionamento dos museus europeus.

Corpobra (1970), em que Antonio Manuel apresenta o próprio corpo como obra SELECT.ART.BR

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FOTO: LEO ELOY/FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO


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À esq., Enquete do MoMA criada por Hans Haacke para a exposição Information, em 1970; à dir., O Porco (1967), de Nelson Leirner, enviado ao 4º. Salão de Arte Moderna de Brasília e aceito

Apenas no dia da abertura Haacke revelou ao museu o teor da pergunta que explorava a relação da Guerra do Vietnã com a família de Rockefeller, ex-presidente do MoMA

SELECT.ART.BR

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A obra de Broodthaers, ao lado de outras de artistas como Daniel Buren, Hans Haacke e Michael Asher, compõe aquilo que se entende normalmente como a primeira geração da Crítica Institucional, expressão criada pelo historiador da arte Benjamin Buchloh, em um artigo da revista October, em 1989. Nesse texto, Buchloh definiu a Crítica Institucional como o tipo de trabalho, derivado do conceitualismo, interessado em expor as engrenagens políticas e ideológicas das instituições culturais, questionando muitas vezes sua função. Na histórica exposição Information, no MoMA de Nova York, em 1970, Hans Haacke propôs um trabalho que consistia numa pesquisa com os visitantes do museu, chamado MoMA Poll. Haacke apresentaria duas caixas de votação, as cédulas para responder Sim ou Não a uma questão sociopolítica e um gráfico com o resultado. Apenas no dia da abertura Haacke revelou ao museu o teor da pergunta: “O fato de o governador Nelson Rockefeller não haver denunciado a política do presidente Nixon na Indochina será uma razão para você não votar nele em novembro?” A pergunta explorava a relação entre a Guerra do Vietnã e a família Rockefeller e expunha as relações profundas entre o museu e a política norte-americana. O trabalho levava em consideração que o governador já havia sido presidente do MoMA anteriormente e


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que, no momento da exposição, o cargo era ocupado por seu irmão David Rockefeller, que exigiu a retirada do trabalho da mostra. O diretor John Hightower defendeu o artista, manteve a obra na mostra tempo suficiente para que se tornasse um trabalho icônico da Crítica Institucional e depois – fatalmente – foi demitido. A família Rockefeller foi uma das fundadoras do MoMA e suas relações com a política ajudaram a fazer daquele museu um dos grandes espaços de propagação ideológica norte-americana. O trabalho de Haacke apontava justamente para o fato de que o espaço do museu instituidor do “cubo branco” não era neutro.

Mesmo que a versão mais disseminada pela historiografia da arte seja a de que os trabalhos de Crítica Institucional surgiram inicialmente no Hemisfério Norte no fim dos anos 1960, é possível narrar outra historiografia em que sua gênese tenha sido simultânea em diferentes lugares do mundo com suas diferentes especificidades. Na América Latina, muitos países enfrentavam ditaduras militares, tinham mercado de arte incipiente e contavam com números menores de instituições realmente robustas e estruturadas. As urgências daquele tempo fizeram com que grande parte dos trabalhos de Crítica Institucional se opusesse não ao museu, mas à ditadura. O interesse muitas vezes não era criticar as instituições, mas incluir a crítica nesses espaços. Alguns trabalhos, como os de Cildo Meireles, se realizavam ao levar para dentro da instituição a tensão característica da atmosfera daquele momento. Em 1970, Antonio Manuel inscreve-se no Salão de Arte Moderna, do MAM-Rio, propondo o próprio corpo como obra. Tendo sido recusado, despiu-se na abertura da mostra, num protesto que era, enfim, o próprio trabalho. Vera Lúcia Santos, uma mulher jovem e negra, também se despiu catarticamente, mas a historiografia apagou sua presença de textos e imagens. Durante semanas, as capas dos jornais brasileiros estampavam manchetes como

FOTOS: JAMES MATHEWS ! MOMA E ISABELLA MATHEUS


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À esq., still do vídeo Little Frank and His Carp (2001), de Andrea Fraser; à dir., pôster Benvenuti alla Biennale Femminista (2005), das Guerrilla Girls para a Bienal de Veneza

“Homem nu no museu causou escândalo”, “Streap-tease”, “Nudez não fechou a mostra no MAM” e “Adão e Eva no MAM”. Alguns anos antes, Wesley Duke Lee, Geraldo de Barros e Nelson Leirner haviam fundado o Grupo REX, que apresentava discurso crítico e bem-humorado contra museus, bienais e o mercado. O grupo chegou a abrir o próprio local de exposições onde faziam ações que ironizavam a si mesmos e a outras instituições, a Rex Gallery & Sons, que durou menos de um ano. É curioso relacionar isso com o fato de que os pais de Leirner estavam envolvidos na fundação do MAM-SP e que seu pai chegou, inclusive, a ser diretor desse museu. O encerramento das atividades do Grupo REX, em maio de 1967, deu-se com o happening histórico Exposição Não-Exposição, em que a galeria foi aberta pela última vez ao público após anúncios no jornal informando que os interessados poderiam utilizar as ferramentas oferecidas para levar qualquer um dos 40 trabalhos de Leirner que estavam presos às paredes. Em menos de dez minutos, uma multidão depredou a galeria e levou todas as obras. No mesmo ano, Leirner inscreveu um porco empalhado com um pernil pendurado no pescoço no 4º Salão de Arte Moderna de Brasília, foi aprovado, e questionou publicamente nos jornais as razões pelas quais o júri (formado por Mário Pedrosa, Frederico Moraes, Walter Zanini, Mário Barata

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e Clarival do Prado Valadares) havia aceitado o trabalho. É interessante que, anos depois, em 1986, Mário Pedrosa diria que “a arte, uma vez que assume valor de câmbio, torna-se mercadoria como qualquer presunto”. Na história da Crítica Institucional, se houve um primeiro período histórico em que os artistas estavam majoritariamente em oposição direta às instituições, num segundo momento, porém, passaram a se entender como parte delas. Dessa forma, nos anos 1980 e 90, as críticas tornam-se menos “contra” e mais “a partir” do contexto institucional. Andrea Fraser, uma das artistas mais fundamentais desse momento e, também,


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FOTOS: CORTESIA ANDREA FRASER E GUERRILLA GIRLS


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A crítica, como se sabe, é a produção de uma crise, não é uma solução nem a construção de uma nova ética

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grande estudiosa desse tipo de proposição artística, afirma que, para causar transformações efetivas, é preciso que o artista se entenda como parte formadora do sujeito das instituições. Fraser cria verdadeiras torções desnaturalizando formas de se relacionar dentro do sistema das artes. No vídeo Little Frank and His Carp (2001), Fraser é filmada no átrio do Museu Guggenheim de Bilbao enquanto desenvolve uma relação erótica com o edifício a partir da audição do áudio-guia original do museu, que utiliza expressões relativas à sexualidade para tratar da arquitetura do local. É interessante imaginar que o importantíssimo texto “Looking at museums from a feminist perspective”, da filósofa alemã Hilde Hein, é escrito pouco menos de uma década depois, em 2010. Há formas mais e menos diretas de se fazer Crítica Institucional. As Guerrilla Girls, por exemplo, têm discursos com premissas e exigências bem claras, assim como as sufragistas, que, no começo do século 20, enquanto lutavam pelo direito feminino ao voto na Inglaterra, atacavam obras de arte que apresentassem imagens de mulheres nuas ou subjugadas – principal assunto do lindo trabalho Elementos de Beleza: Um Jogo De Chá Nunca É Somente Um Jogo De Chá, de Carla Zaccagnini. Já o trabalho de Park McArthur presente na 32ª Bienal de SP, Sometimes You’re Both (2016), é bem mais sutil. A artista desenvolveu colunas-recipientes de aço inoxidável que aparentemente


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À esq., pôster As Vantagens de Ser uma Artista Mulher (1988), das Guerrilla Girls: à dir., obra de Park McArthur na 32 a Bienal de São Paulo

eram idênticas, mas cuja altura do fundo mudava de uma para a outra, tornando o conteúdo mais ou menos acessível, dependendo das condições físicas da pessoa. Dentro das caixas, caso fosse alcançada a superfície, encontrar-se-iam embalagens com luvas cirúrgicas ou protetores para dedos. O trabalho dá, de maneira bastante discreta, visibilidade à questão da acessibilidade, mas com uma enorme pregnância simbólica capaz de iluminar reflexões sobre o encontro com o outro. Assim como no fim dos anos 1960, quando surgiu a Crítica Institucional, vivemos hoje um momento de radicalismos em que forças libertadoras e

conservadoras discutem as funções e disputam o controle das instituições culturais do País. Parece ser muito proveitoso para o sistema das artes como um todo encarar-se da maneira específica e reflexiva característica desse tipo de proposta. Passados mais de 40 anos de um mercado de arte fortalecido no Brasil, um abismo está aberto entre a produção dos artistas e os movimentos urgentes do País. Segundo dados do IBGE de 2009, 96% dos brasileiros não frequentam museus e 93% nunca foram a uma exposição de arte. É fundamental pensar sobre quem é o nosso outro, com quem queremos estar e como podemos estar juntos. Porém, a crítica, como se sabe, é a produção de uma crise, não é uma solução nem a construção de uma nova ética. É difícil afirmar que a arte pode mudar a sociedade, assim como é difícil afirmar que não pode. Uma certeza que se pode ter é de que a arte necessariamente se relaciona com a capacidade humana de criar o que não havia antes e, dessa forma, inspirar a potência transformadora do homem. O pensador alemão Ernst Bloch, com sua filosofia da esperança, trata da importância de sermos capazes de enxergar o futuro, as reais potências do ainda-não-realizado, para que possamos, a partir daí, transformar o mundo. Em tempos como o nosso, precisamos criticar e ir criativamente além da crise para vislumbrar novas formas de viver, e criar juntos um cenário de mais escuta, justiça, respeito e liberdade.

FOTOS: GUERRILLA GIRLS E TIAGO BACCARIN/ESTÚDIO GARAGEM/FUNDAÇÃO BIENAL DE SP


PORTFÓLIO

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SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2017


REGINA VATER A MULHER MUTANTE Na afirmação do corpo, obra pioneira de Regina Vater engaja-se em debate renovado sobre o feminismo PA U L A A L Z U G A R AY

FOTO: PAULA ALZUGARAY


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TINA AMÉRICA (1976) É UMA REFERÊNCIA QUANDO SE DISCUTE FEMINISMO POR MEIO DA ARTE BRASILEIRA. HOJE, QUANDO A DEMANDA DE POSICIONAMENTO POLÍTICO DA ARTE É TOTAL, ESSA OBRA GANHA DUPLA EXPOSIÇÃO, EM DUAS GRANDES INSTITUIÇÕES. Ela é uma das

peças-chave da mostra Oxalá Que Dê Bom Tempo, panorâmica da obra de Regina Vater, no MAC Niterói, até 18/2/18. No Masp, onde integra Histórias da Sexualidade, Tina América ganha voz no núcleo Performatividades de Gênero, engajando-se em um debate renovado sobre o feminismo. Lida à luz da teoria queer de Judith Butler, as 12 personagens femininas interpretadas por Vater desafiariam noções normativas de sexualidade e identidade de gênero por meio da performance. Tina América foi realizada por Vater ao mudar-se para os Estados Unidos, com o prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão de Arte Moderna de 1972. Essa obra contém uma energia de libertação que começou a ser gestada no fim dos anos 1960, quando a artista, vivendo no Rio de Janeiro, sob o regime militar, realizou a série Nós, como forma de protesto e representação do estado psicológico da sociedade brasileira. A força libertária que a levou a “desatar nós e reatar laços” em pinturas, gravuras e uma performance na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, aparece também em Mulher Mutante (1969), escultura interativa apresentada na 10ª Bienal de São Paulo. A obra, que havia sido perdida, foi reeditada pelo MAC-Niterói. “Na versão original eram várias obras, todas iguais, com as quais o público podia interagir com o corpo feminino de diferentes maneiras”, diz Raphael Cardoso, cocurador da mostra Oxalá Que Dê Bom Tempo, ao lado de Pablo León de La Barra. O corpo deitado, sensual e colorido, era uma crítica. “Pelo fato de ela ser um objeto manipulável fica clara a sua condição de dependência de um agente ativo externo. A mulher como propriedade do outro é uma situação que até hoje se perpetua”, diz Regina Vater à seLecT. SELECT.ART.BR

DEZ/JAN/FEV 2018

“A mulher como propriedade do outro é uma situação que até hoje se perpetua”, diz Regina Vater

Na dupla anterior, a escultura interativa Mulher Mutante (1969-2017). Acima, Tina América (1976), performance fotográfica registrada com apenas um rolo de filme. À dir., silk-screen da série Tropicália (1968)


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FOTOS: MARIA DA GRAÇA/ LUIZ FERREIRA


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Nova versão da capa pensada para o álbum Tropicália ou Panis et Circensis (1968), de Caetano Veloso e companhia, realizada com Bruno Faria a partir da memória da versão original desaparecida

No entanto, no atual momento histórico, algumas teorias feministas depois, Mulher Mutante (1969-2017) expressa um pioneirismo nos assuntos relacionados à performatividade de gênero. Afinal, com seus membros móveis, é um objeto que performa e não se cristaliza em uma só forma. “Esta é uma leitura que só vem enriquecer a obra, e a partir dela talvez tenha vindo a se desenvolver na Tina América”, reconhece Vater. A MULHER SEM CABEÇA

Mulher Mutante foi realizada na época em que Regina Vater trabalhava na série de gravuras Tropicália (1968-1969). “Em Tropicália, o corpo feminino aparecia sem cabeça, inserido na paisagem tropical, numa estética quase pop”, diz. “Ali era onde eu procurava exprimir nossa vitalidade ensolarada, inspirada em nossa estética popular, digerindo e regurgitando Wesselmann, a quem eu muito admirava. Alguém falou, na ocasião de minha mostra na Petit Galerie, que não ter cabeça era um testemunho ao fato de as mulheres daquela época serem proibidas de pensar.” Dessa série resultou um desenho pensado para a capa do álbum Tropicália ou Panis et Circensis (1968), de Caetano Veloso e companhia, que acabou sendo preterido por uma versão de Rubens Gerchman. Esta é mais uma obra desaparecida que volta à luz, em nova versão realizada conjuntamente com Bruno Faria, com quem desenhou uma nova capa para o álbum a partir da memória guardada da versão original. O trabalho integra a mostra Versão Oficial, de Bruno Faria, no terraço do MAC-Niterói, concomitantemente à mostra Oxalá Que Dê Bom Tempo. SELECT.ART.BR

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Acima, capa do disco de Chico Buarque, Calabar (1973), censurada durante o regime militar brasileiro. À dir., detalhe do livro de artista X-Range, publicado originalmente em 1977 e reeditado pela Ikrek


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FOTOS: PAULA ALZUGARAY/ DIVULGAÇÃO


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SELECT.ART.BR

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Regina Vater expressa pioneirismo nos assuntos relacionados à performatividade

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de gênero

À esq., Vide o Dolorido (1983). À dir., Vater volta-se para as relações humanas na série de fotografias Comigo Ninguém Pode (1981)

Outra capa de disco de autoria de Regina Vater que não circulou, desta vez por censura ao conteúdo político e musical do vinil, foi Calabar, de Chico Buarque. Essa obra foi também resgatada por Bruno Faria e integra a instalação Introdução à História da Arte Brasileira, composta de 88 vinis. À boa onda de resgates junta-se a primeira apresentação, em 35 anos, da videoinstalação Vide o Dolorido (1983), com imagens gravadas na comunidade do Cantagalo, no Rio, e também a reedição do livro de artista X-Range, pela Ikrek. Publicado originalmente, em 1977, pela Galeria Artemúltiple, de Buenos Aires, o livro é composto de fotografias do ambiente doméstico de artistas como Hélio Oiticica, John Cage, Lygia Clark e Vito Acconci. “Nada melhor que a casa de um indivíduo para conter as marcas de sua existência, pois essa casa/ninho em que ele vive torna-se um cosmo em miniatura”, escreveu a artista em 1977. X-Range seria a semente de um novo corpo de obras, voltado para a afetividade, as relações humanas e o meio ambiente. Uma dimensão delicadamente explorada na série fotográfica Comigo Ninguém Pode (1981), em que a planta que, segundo a artista, “funciona como um avatar do povo brasileiro – se corta, ela renasce” – é documentada como a guardiã das portas das casas da zona norte à zona sul, do Rio de Janeiro a São Paulo. FOTOS: PAULA ALZUGARAY/ REGINA VATER/ CORTESIA MAC-NITERÓI E GALERIA JAQUELINE MARTINS


H I ST Ó R I A DA C R Í T I CA D E A RT E

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DOS TUPINAMBÁ É possível fazer uma crítica da crítica que, em vários momentos, apresentou (e ainda o faz)

AOS HUNI KUIN: uma interpretação da arte contemporânea alinhada à defesa de uma pretensa brasilidade,

ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA de um caráter decididamente brasileiro conferido aos trabalhos e não ao meio no qual são produzidos

EM RISCO

A N A AV E L A R E A N A M AG A L H Ã E S

SELECT.ART.BR

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NO CONTEXTO DE UM FRANCO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO, NO QUAL SE DISCUTEM AS TEORIAS COLONIAIS E O MULTICULTURALISMO, E EM QUE SE PROCURA REAVALIAR O LUGAR DOS TERRITÓRIOS DITOS PERIFÉRICOS, COMO PODEMOS DISCUTIR A ARTE QUE É PRODUZIDA NO BRASIL? COMO OS ARTISTAS BRASILEIROS SE INSEREM NO CIRCUITO DAS EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS? Existi-

ria uma arte contemporânea brasileira e a que serve esse adjetivo? O que acontece hoje com circuitos entendidos como periféricos dentro do Brasil, onde programas que buscaram mapear e incentivar a produção fora do eixo revelaram novas proposições? Como estão sendo reavaliadas a historiografia e a crítica de arte, diante de questões de gênero e da revisão mais do que necessária do racismo por aqui? Essas foram algumas questões que lançamos ao propor para a casa seLecT o curso Arte Contemporânea Brasileira: dos Tupinambá aos Huni Kuin. O título é uma provocação que veio diante do trabalho apresentado por Ernesto Neto nesta edição da Bienal de Veneza. A trajetória de Um Sagrado Lugar começou na exposição Histórias Mestiças, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, em 2014. Dali, Segredo Sagrado adquire elementos mais rús-

Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977-2004), de Anna Bella Geiger

FOTO: CORTESIA GALERIA MENDES WOOD DM


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ticos e fibras naturais para circular em cidades europeias, em 2015, e finalmente chegar ao Arsenale em Veneza, em 2017. Nesse momento, estava em jogo a alteração da legislação de terras indígenas no Brasil e, diante disso, a crítica tomou posições antagônicas. Alguns discutiram as questões que ameaçam as comunidades indígenas. Outros falaram de seu constrangimento em assistir àquela encenação no contexto de uma mostra cuja origem são as exposições universais – colonialistas por excelência, conhecidas por seus zoológicos humanos. O caso foi pertinente para iniciarmos o curso com uma discussão desse assunto brasileiro, presente ao longo de toda a história da arte no Brasil, fosse para projetos de identidade nacional ou para enfatizar os aspectos de originalidade daquilo que os artistas produziam. De tal modo essa questão nos atravessa que é possível vê-la emergir em vários trabalhos de artistas brasileiros contemporâneos. Os Tupinambá, do título, remetiam a dois lados da moeda dessa narrativa. Essa tribo do tronco Tupi-Guarani, hoje extinta, ocupava grandes extensões da costa do descobrimento do Brasil e foi das primeiras que atravessaram o Atlântico, em meados do século 16, para encenar uma dança canibal no cortejo que os ricos mercadores de tintura de tecidos de Rouen patrocinaram em homenagem ao rei da França. Eles reemergiram como imagem para a arte brasileira à época da 24 a Bienal de São Paulo, quando a antropofagia, retomada do manifesto de Oswald de Andrade, foi empregada curatorialmente para propor uma leitura da arte contemporânea internacional. A imagem do índio brasileiro também aparecia num artigo de Mário Pedrosa, em seu exílio parisiense, nos anos 1970, publicado na revista brasileira Versus. Discurso aos Tupiniquins ou Nambás (1975) toca no problema da mercantilização da arte no Primeiro Mundo e nos aconselha a nos distanciar da imitação dos “ismos”. Há certa ponta de esperança nisso, já que Pedrosa apostava no que chamou de quarto reino: a arte das comunidades autóctones, cuja potência poderia romper o circuito de financeirização e consumismo da arte. Esse ensaio anuncia seu projeto do Museu das Origens, no qual o moderno e o contemporâneo e a produção dita artesanal, de cultura popular e indígena, comporiam o grande diferencial de nossa cultura visual. SELECT.ART.BR

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Certa narrativa de arte no Brasil constitui-se através da promoção de artistas, conceitos e obras que circularam em exposições no exterior CONTRADIÇÕES DO BRASILEIRO

Essa digressão sobre o título provocador do curso revela as contradições que ainda cercam esse adjetivo brasileiro que está sempre posto ao lado daquilo que os artistas produzem. Entretanto, complica-se com o fato de que, há pelo menos três gerações, muitos artistas nascidos aqui fizeram suas carreiras fora do País, ainda que tocando no assunto brasileiro. É o caso da artista paulista Inés Lombardi, cujo trabalho sobre o legado arquitetônico modernista brasileiro foi apresentado, em 2015, ao lado da retrospectiva de Ernesto Neto, no Kunsthalle de Krems, Áustria, país onde ela se formou e vive até hoje. Assim, adentramos outro tópico de discussão nas aulas: como certa narrativa de arte no Brasil constituiu-se através da promoção de determinados artistas, conceitos e obras que circularam em exposições no exterior. Nesse sentido, procuramos reavaliar o legado das vertentes construtivas e sua retomada nas figuras de Lygia Clark e Hélio Oiticica. A circulação de certos nomes e obras aponta para dois momentos em que há uma concentração


À esq., instalação Um Lugar Sagrado (2017), de Ernesto Neto para a 57 a Bienal de Veneza; acima, trabalho de Inés Lombardi sobre o legado arquitetônico modernista brasileiro apresentado no Kunsthalle de Krems, Áustria, em 2015

de promoção da arte brasileira em mostras em outros países: os anos 1960 e o início do século 21, os quais marcam um arco narrativo preciso, determinante do que o ambiente internacional conhece e coleciona hoje. Saímos de uma organização cronológica para tratar dessa narrativa sob a perspectiva da história das exposições e do colecionismo das grandes instituições fora do País. Essa chave de análise da história da arte contemporânea brasileira nos revelou como ela é vista aqui e no exterior e como nos havemos com o processo de globalização, no qual o exotismo não parece ter sido superado. HISTÓRIA(S) DA ARTE

Na segunda parte do curso, vislumbramos uma reavaliação da historiografia da arte no Brasil, através de alguns estudos de caso. Assim, analisamos a produção dos anos 1970 de Anna Maria Maiolino e Anna Bella Geiger, que ganha contornos potentes se contemplada pela abordagem feminista. Para tanto, o ponto de vista de Griselda Pollock é fundamen-

tal quando enfatiza a contemporaneidade das discussões sobre crítica de arte feminista, ao propor reescrever essa história a partir de abordagens que levem em conta “o significado das diferenças” num contexto de inúmeros fatores sociais, econômicos, psicológicos, ideológicos etc. Nesse sentido, In-Out (Antropofagia), da série Fotopoemação (1973-2008) de Maiolino, aponta para o tema célebre da antropofagia, mais uma vez, recuperado no contexto contemporâneo principalmente pela figura de Oiticica. Na obra de Maiolino, temos o ponto de vista de uma artista que procurava dialogar com essa herança modernista local, da qual, ao mesmo tempo, era excluída por sua condição de estrangeira e mulher. Na mesma direção, em Brasil Nativo / Brasil Alienígena (1977-2004), Anna Bella Geiger critica a apresentação estereotipada e alegórica de uma noção de identidade brasileira oficial nos anos 1970, por meio da emulação de situações nas quais indígenas desempenham atividades cotidianas registradas em postais. Tanto Maiolino (vista como estrangeira) quanto Geiger (mulher, branca) apresentam comentários da realidade local, mas discutem a situação da mulher de maneira ampla e, sobretudo, jogam com construções da identidade brasileira das quais são excluídas. Por fim, em tempos de censura às exposições, seria impossível não comentar as poéticas de gênero. É o caso do vídeo Sergio Simone (2007-2009), da artista baiana Virgínia de Medeiros, e Autorretrato (2005), de Peter de Brito, de São Paulo, que podem ser lidos por meio da ideia de Judith Butler de que o comportamento do indivíduo indicaria seu gênero. Medeiros acompanha a transformação da transgênero Simone de volta à identidade masculina de Sergio, em consequência de um delírio decorrente de uma overdose de crack. Já Brito, é ele mesmo transformado em personagens nas capas de revistas femininas e de variedades, acompanhado de manchetes que ironizam padrões de beleza e de comportamento contemporâneos. Se, como afirma Nestor García Canclini, a contemporaneidade é composta de diversos relatos que dialogam entre si, cabe perguntar se não há uma urgência do pensamento sobre arte brasileira a partir de outros recortes, visando ampliar o território dessas muitas artes contemporâneas nacionais. FOTO: ANDREA AVEZZÙ E OLIVER OTTENSCHLÄGER

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ENSAIO

QUI ÊTES-VOUS, POLLY MAGGOO?*

A emergência do curador como eixo de articulação epistemológica das variadas experiências artísticas acaba por explodir o campo crítico e relativizar papéis autorais historicamente sedimentados

BERNARDO JOSÉ DE SOUZA

PENSAR A CRÍTICA SIGNIFICA PENSAR A VIDA E A POLÍTICA, PENSAR A CULTURA COMO ELEMENTO ESSENCIAL À ESTRUTURA SEMÂNTICA QUE ORIENTA TODO E QUALQUER EXERCÍCIO INTELECTUAL. Pensar a arte e, por

consequência, criticar a produção artística exige uma mirada mais ampla sobre o conjunto de relações sociais e econômicas a impulsionar as dinâmicas de trabalho num mundo onde o balanço de forças políticas e fluxos de informação determinam a tomada de posicionamentos éticos ou mesmo estéticos. Neste exercício um tanto aventureiro, alinhavo uma série de pensamentos reveladores de um curador cuja trajetória se conformou em lapsos, tão espontânea e entrecortada quanto recheada de experiências que ora acenavam numa direção, ora noutra, resultando numa formação intelectual avessa aos dogmas defendidos por esta ou aquela academia. Mas, se, por um lado, a ausência de uma educação formal em arte me remove a prerrogativa de abordar o assunto sob a perspectiva de quem domina, exaustivamente, o cânone e a extensa produção intelectual que dele deriva, por outro, me permite decantar informações e processá-las não como público incauto, mas, sobretudo, na condição de quem SELECT.ART.BR

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*Filme dirigido por William Klein, em 1966, que explora com sarcasmo as relações de poder no mundo da moda, as veleidades artísticas do fashion designer e o papel da crítica e da mídia na construção de mitos. Ao lado, still do filme .


entende a arte como uma espécie de prisma, de veículo para a reflexão política; vejo a arte como resultado de um conjunto de aspirações e sintomas de sociedades cujas distintas dinâmicas culturais exigem atenção tão específica e fracionada quanto generalista, isto é, nos demandam a capacidade de articular questões que estão mais além da exclusiva produção artística, quer em termos formais, discursivos ou mesmo afetivos. A arte é pública, ao público se dirige e, por essa razão, ele deve estar no centro de qualquer posicionamento crítico, não para que sirva de medida para a criação – importante frisar –, mas para que esteja incorporado ao esquema maior de uma análise conjuntural. Sem embargo, o crítico de arte não deve estar a serviço de um programa ideológico específico, sob pena de solapar a dimensão transformadora da criação artística, embora tenha a obrigação de contemplar a macroestrutura como baliza de suas análises formais ou políticas. Uma vez que o artista emancipado, livre, independente – uma utopia? – não estaria a serviço de causa única, o crítico tampouco


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deveria curvar-se à tentação de relativizar o espectro político de quaisquer manifestações culturais. Não há arte sem biografia, sem contexto social, em suma, sem crítica. E justamente por entender que, desde meados do século 20, a prática artística está umbilicalmente relacionada à produção crítica, vejo a arte como construção coletiva, como resultado do conjunto de agentes formuladores de espaços de criação e visibilidade conectados a esferas tão mais invisíveis quanto solertes das instâncias de valoração e veiculação da arte. No afã de projetar um novo mundo, amparado na ideia de progresso e de futuro, a arte moderna encontrou SELECT.ART.BR

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na crítica não apenas uma detratora, mas, sobretudo, uma potente aliada no processo de rechaço a toda forma reconhecível de passado – a emergência de um dado movimento significava a desconstrução dos anteriores, num constante exercício de fazer tábula rasa daquilo que havia para logo instaurar uma nova revolução, a qual, via de regra, supunha a formulação de discursos totalizantes, compreensões definitivas e estratégias quase absolutas de ação. Diante da desmaterialização da obra de arte nos anos 1960 e do paralelo esfacelamento das utopias engendradas ao longo dos séculos 19 e 20 – processo iniciado em maio


O crítico não deve estar a serviço de um programa ideológico específico, sob pena de solapar a dimensão transformadora da criação artística

tempos recentes, um caldeirão político-econômicopoético condimentado com frações discursivas que remetem ao passado e ao futuro em ritmos alternados, configurando um panorama contemporâneo que ora exige a revisão da História mediante a crítica política, ora nos demanda a projeção de cenários futuros, por mais precários que esses futuros distópicos se nos possam dar a ver. Eis que, na impossibilidade de articular uma ideia consequente de processo histórico – mesmo porque esse não é o seu papel –, a arte agencia simbolicamente um conjunto de questões políticas que vêm ganhando expressão através do movimento de atores cujo papel crítico e institucional se confunde, mais e mais, na figura central do curador. A PRODUÇÃO DA HISTÓRIA

Projeto Pergunta, do coletivo chileno Mil M2, para a Casa França Brasil, sob curadoria de Pablo León de la Barra

de 1968 e levado a cabo com a queda do Muro de Berlim –, o fazer artístico passa a se constituir mediante uma ampla rede de associações críticas e políticas que tão somente fazem sentido quando pensadas à luz de outras disciplinas ou práticas socioculturais. Nesse sentido, a emergência do curador como eixo de articulação epistemológica das variadas experiências artísticas – sejam políticas ou afetivas, institucionais ou econômicas – acaba por explodir o campo crítico e relativizar papéis autorais historicamente sedimentados. Canais de expressão variados, vozes dissonantes e interesses mercadológicos velados forjaram, em

O curador de arte contemporânea incorpora, a um só tempo, a escrita e a análise estética, conjuntural e política realizada pelo crítico, as veleidades de historiador – haja vista sua capacidade de produzir história ao desenhar um determinado recorte expositivo num dado espaço institucional – e o condão mercadológico de um marchand, ou mesmo de uma instituição cultural, sempre que exibe determinado trabalho sob a chancela deste museu ou daquela galeria. Como não bastasse se imiscuir em todas essas esferas da cadeia artística, envolve-se, em alguma medida, na própria criação da obra de arte mediante uma série de expedientes que são prerrogativas desse “altíssimo escalão” do mundo da arte, quais sejam: comissionar obras de porte, feições e problemáticas bastante específicas (em função das condições estruturais e programáticas de um determinado projeto), realizar mostras cujas premissas discursivas e forma final obedecem a um determinado plano por ele divisado, e acompanhar vida e obra de artistas cujas ideias e trajetórias são ampla e/ou intimamente debatidas. Na esteira do processo de concentração da atividade crítica nas mãos do curador identifico ao menos dois notáveis possíveis padrões: a crítica esvaziar-se em resenha por mera reserva de mercado – como ocorre com frequência – ou a crítica assumir o mais que complexo e orgânico papel de tratar da vida, dos afetos, da política e da criação como expressões maiores de um tempo no qual não há mais autores absolutos, mas redes de colaboração que se vão construindo, politicamente, diante de uma missão pública maior: a ideia de transformar nossa percepção do mundo e construir uma sociedade livre e democrática. FOTO: PABLO LEÓN DE LA BARRA

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E N T R E V I S TA / G E O R G E S D I D I - H U B E R M A N

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“NUNCA PERGUNTE O QUE É UMA IMAGEM” De passagem por São Paulo, filósofo francês fala sobre a política das imagens e sobre a indestrutibilidade do desejo de insurgência

PA U L A A L Z U G A R AY F OTO PA U L O D ’A L E S S A N D R O

O EXÍLIO, A IMIGRAÇÃO, A FANTASMAGORIA, O CINEMA, A POLÍTICA E A PSICANÁLISE ESTÃO ENTRE OS FOCOS DE INTERESSE DO FILÓSOFO E HISTORIADOR DA ARTE GEORGES DIDI-HUBERMAN. Mas no vasto e vertiginoso espectro de sua

obra composta de 50 ensaios e livros – nove deles traduzidos para o português – não seria necessariamente imprudente afirmar que tudo se resume a uma palavra: imagem. Afinal, é sobre a dimensão política da imagem como ferramenta de conhecimento que se estruturam seus ensaios e suas curadorias, entre elas Atlas – Como Carregar o Mundo em Suas Costas? (MNCARS, 2013), L’Empreinte (Centre Georges Pompidou, 1997) e Levantes (Jeu de Paume, 2016), que integra a programação do Sesc Pinheiros, em São Paulo, até janeiro de 2018. Herdeiro intelectual de Aby Warburg (1866-1929), o filósofo francês reelabora em suas exposições o projeto de teoria desenvolvido pelo historiador alemão no início do século 20, segundo o qual a transmissão da memória coletiva se dá, de geração em geração, por meio de imagens que sobrevivem ao tempo. Em seu livro sobre o autor – A Imagem Sobrevivente. História da Arte e Tempo dos Fantasmas Segundo Aby Warburg (2002) –, Didi-Huberman aponta que as imagens são como “sintomas” (no sentido freudiano da palavra), que sobrevivem e se deslocam temporal e geograficamente, reativando-se e modificando-se. SELECT.ART.BR

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Na exposição Levantes (leia crítica na página 103), imagens da insurgência, da insubordinação, da emancipação, do desejo e de outras forças que nos sublevam sobrevivem em obras de autores de tempos e territórios diversos – de Man Ray e Victor Hugo a Artur Barrio; de Rosa Luxemburgo a Nuno Ramos. Nesta entrevista à seLecT durante a montagem da exposição, Georges Didi-Huberman fala sobre os sintomas e os signos de nosso tempo. No texto de introdução do catálogo de Levantes você pergunta: “Qual será o destino dos povos, se confundirmos o estrangeiro com o inimigo?” No Brasil existe, hoje, o desejo de uma minoria extremista de criar cercas em torno de museus e obras de arte. A campanha


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Didi-Huberman, na abertura de Levantes, no Sesc-Pinheiros

de violência e difamação que ocorre contra a liberdade de tocar em temas como sexo, homossexualidade ou nudez me induz a refazer sua pergunta com outro sujeito: qual será nosso destino se os artistas forem considerados inimigos? É uma bela pergunta. Eu diria que esse encerramento do qual você fala é catastrófico em dois sentidos: ou queremos isolar a arte, de forma que ela fique inoperante, ou a arte em si quer se isolar, para ficar tranquila com ela mesma. As duas formas são uma catástrofe. Aqui no Sesc, é a primeira vez que faço uma exposição em um lugar onde, no andar de cima, temos tratamento dentário para quem não tem dinheiro. É a primeira vez que faço uma exposição em um lugar onde as crianças jogam, onde há dança, esportes... estou muito tocado por isso.

Tudo isso é muito interessante. E, também, porque este é um lugar em que a entrada é gratuita. Isso é muito importante para mim. Então, a resposta à sua questão é que, se os artistas se tornassem inimigos, seria uma catástrofe. Ao mesmo tempo, você sabe que a arte, hoje, é extremamente valorizada sob o plano do capitalismo. Ou seja, o mercado de arte é um mercado muito importante. Então, existem dois perigos de encerramento: que a arte se posicione como algo que não precisa de ninguém, a não ser dela mesma, ou que as pessoas considerem a arte uma inimiga. É um desafio para quem trabalha com arte quebrar a ideia de que é diferente... O desafio é de aceitar que o estrangeiro está no interior de nós.


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“No interior da poesia há um estrangeiro político. Sempre. No interior da política seria bom que houvesse poesia e que as palavras de ordem das manifestações fossem poéticas. Porque, então, nos lembraríamos mais delas, como lembramos de uma canção”

Estamos cercados de imagens de levantes a serviço do obscurantismo, como uma imagem viralizada na internet em que um agressor ameaça uma pessoa de outra religião com um taco de beisebol, no qual se lê a palavra “diálogo”. Qual é a sua leitura dessa imagem? Se a palavra diálogo está escrita sobre um taco de beisebol, isto é, de entrada, de uma ironia atroz. Mas, se ele mesmo fez a foto, ele é responsável por mostrar como funciona essa face atroz. A imagem é mais forte que o seu protagonista. Porque, um dia, essa imagem o acusará. Mas a resposta é muito simples. Nunca devemos nos perguntar “o que é uma imagem”, “o que é um levante”, “o que é a mulher”... é preciso que nos perguntemos que uso farei de uma imagem ou de um levante. Se um filósofo te diz o que é uma imagem, desconfie (risos). Isto é, existem imagens para o pior e para o melhor. Há levantes para o bem e para o que não é tão bom. Por exemplo, a marcha de Mussolini sobre Roma, fascista, não deixa de ser um levante popular. Na minha curadoria, há toda uma parte sobre braços que se levantam. Os braços podem se levantar dessa forma (comunista) ou desta (nazista). Então, o que quero dizer é que devemos fazer, sempre, a escolha do uso que faremos de uma coisa. Não há um valor sobre o levante, não há um valor sobre as imagens. Diante do levante da direita, você enxerga alguma saída para o impasse dos movimentos de esquerda? Como SELECT.ART.BR

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a arte, a filosofia e a política podem se retroalimentar e, talvez, ajudar a reinventar as esquerdas? Hum (risos)... Você me coloca uma questão como se eu fosse um profeta. Eu sou apenas um filósofo. E, por ser um filósofo que trabalha sobre as imagens, preciso ser muito modesto em relação às ações reais, à história e à situação política. Então, não posso fazer nenhuma previsão, eu não gostaria de me exprimir sobre uma questão que me angustia. Na Europa, também, a esquerda passa por um momento de destruição inacreditável, mas eu não tenho a competência – não sei quem teria – de dizer como podemos escapar da destruição da esquerda. Vou fazer um trabalho bem modesto, dentro da estética, da história e, evidentemente, da política, que é mostrar às pessoas de hoje – como ao jornalista que me fez uma entrevista utilizando o celular como ferramenta, e passou o tempo inteiro falando das novas mídias, mas eu lhe disse: “Olhe essa folha escrita por Baudelaire em 1848. Você é um filho de Baudelaire, ele não está tão longe de você”. O tema principal desta exposição é que o desejo de se manifestar, de se insurgir, nunca vai morrer. É indestrutível. Mas é preciso complementar que esse desejo se alimenta da memória e não da destruição do passado. É preciso fazer um bom uso da história que nos desperta um desejo para o futuro. É isso que conta. Atualmente, temos a tendência de esquecer a memória histórica, o que é uma maneira de esquecer o seu desejo. Se a esquerda está em processo de destruição, nada pode ser totalmente destruído. Mas, se esquecemos nossa história, nos tornamos fatalistas em relação à situação presente. Se você sabe que houve a Comuna de Paris, mesmo se a Comuna foi um erro, essa memória te dá o desejo de fazer outra. No texto do catálogo, você questiona se a dimensão poética das imagens consegue se constituir enquanto gestos de levante. Você escreveria um texto crítico, a posteriori, avaliando se as imagens expostas dão conta de exprimir o levante? Não, eu não seria capaz de escrever um texto crítico que teria como objeto a minha própria exposição. Nem teria interesse. Prefiro fazer um texto crítico sobre uma obra que admiro. Uma exposição sobre o levante não pode ser narcisista (risos). Mas a sua pergunta é sobre a relação entre a poesia e a ação, duas palavras da filosofia grega, poiesis e práxis. Ah, evidentemente, são coisas distintas, mas, como eu disse anteriormente, tudo o que é estrangeiro está no nosso interior. No interior da poesia há um estrangeiro político. Sempre. No interior da política, seria bom que houvesse poesia e que as palavras de ordem das manifestações fossem poéticas. Porque, então, nos lembraríamos mais delas, como lembramos de uma canção. Então, poesia e política estão muito ligadas. E eu me interesso muito por esse viés. Esta exposição, cada vez que a mostro, e esta é a quarta vez, em locais totalmente diferentes, devo fazer uma montagem diferente. Com obras novas, como esta de Viveiros de Castro, que não estava em Paris. A cada vez, uma nova montagem, com novas correlações, cria um novo pensamento. E isso me dá muito prazer. Porque deixa de ser definitivo.


“Para mim, o Parangolé é superimportante, por sua poética do corpo, e do drapeado também. Você sabe que Warburg gostava muito desse tema. As dobras dos tecidos são importantes, porque acompanham os movimentos, os gestos” Eduardo Viveiros de Castro, Nildo da Mangueira em H.O., 1979, filme de Ivan Cardoso

A exposição é um texto? É menos que um texto. É algo que desaparecerá dentro de três meses, portanto, é uma experiência. E o texto existirá para sempre. E você não se interessaria em fazer durar essa experiência na forma de um texto crítico? É fato que, na França, a exposição fez muito sucesso, mas pessoas muito interessantes foram muito críticas. Muito me interessa discutir com esses críticos. Voilá. Mas eu mesmo não sou capaz de julgar minha exposição. Em que medida as imagens da exposição, ao apresentar fontes, naturezas e temporalidades diversas, obedecem a uma metodologia de aproximações utilizadas no Mnemosine Atlas de Aby Warburg? Em outras palavras, a exposição pode ser comparada à dinâmica da memória? Sim. Esta exposição é sobre a dinâmica da memória. Como eu disse, o desejo é a dinâmica da memória. E a relação com Mnemosine de Warburg é absolutamente evidente, porque esta exposição é a continuação de outra, que se chamava Atlas, que esteve no Museu Reina Sofía, em Madri, e, depois, em dois outros museus na Alemanha, e que era exatamente sobre a montagem das imagens como ferramenta de conhecimento, como você coloca. Os dois catálogos são

quase um só, para que um dia possamos compreender que esta exposição é a continuação da Atlas. Você diz que a itinerância propicia uma constante reformulação da exposição, com novos aspectos levantados sobre os levantes. O que surge em São Paulo? O que emerge... deixe-me refletir. De um lado, o sertão e, do outro, a dança. De um lado, a violência e, do outro, a graça. Estou muito feliz com a foto de Viveiros de Castro. Porque, em Paris, tínhamos Hélio Oiticica, mas era muito caro trazê-lo e, para mim, o Parangolé é superimportante, por sua poética do corpo. E do drapeado também, você sabe que Warburg gostava muito desse tema. As dobras dos tecidos são muito importantes, porque acompanham os movimentos, os gestos. E podemos dizer que, como esta é uma exposição de imagens – não é de levantes –, é uma exposição de imagens de levantes. E nessas imagens há corpos. E esse é o objeto principal da exposição: o gesto. Este é um tema muito Warburguiano, também. Warburg chamava-o de Pathosformel, ou fórmula de pathos. Por ser uma exposição sobre o gesto, não deveria incluir a performance como mídia? Sim, claro. Em Paris, tivemos performance. Mas o problema é que todos os dançarinos e todos os performers diriam: eu me sublevo. Seria muito difícil escolher.

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S E L E C T E D I Ç Õ E S D E A R T I S TA

Fernanda Chieco Artista realiza a sexta edição do projeto de múltiplos colecionáveis

A A R T I S TA

Fernanda Chieco (São Paulo, 1976) vive e trabalha em Bergen, na Noruega. É mestre em Fine Arts pelo Goldsmiths College, de Londres, com graduação na Escola de Comunicações e Artes da USP. Realiza exposições individuais e participa de coletivas e residências artísticas no Brasil e no exterior desde 1999. Foi contemplada com as bolsas ApARTES da Capes, Unesco-Aschberg, Artist Links Award do British Council e International Bursary from the Arts Council of Ireland. Suas obras integram coleções públicas e privadas, dentre elas o Museu de Arte do Rio, Zabludowicz Collection, Brazil Golden Art, Lodeveans Collection, Coleção Sérgio Carvalho e Coleção A. Hertzog.

Trafficking for Time Trade #26, 2017 Técnica: Impressão off-set sobre papel Alvura Suzano 250 m2 de pintura acrílica sobre pano. Dimensão: 20 x 27,5 cm. Tiragem numerada: 18 mil

Patrocínio


1 / 18000



A OBRA O múltiplo que circula nesta edição da seLecT é a reprodução de uma pintura sobre capa de encosto de cabeça de companhia aérea. A obra pertence à mais recente série de Fernanda Chieco, Trafficking for Time Trade, composta de pinturas em tinta acrílica sobre suportes variados, como cobertores, toalhas, guardanapos e jogos americanos, provindos de meios de transportes aéreos, aquáticos, terrestres, ferroviários e espaciais. A escolha dos objetos utilizados não se dá por apropriação direta, mas por transações entre a artista e o público, envolvendo uma moeda fictícia, o Icecoin.

O PROCESSO Trafficking for Time Trade é uma série processual, iniciada em Olafsfjördur, na Islândia, em 2015, com data indeterminada para sua conclusão. A série elabora a ideia de “tráfico de tempo”, articulando conceitos de permanência e deslocamento. O trabalho é realizado em cinco fases. A primeira etapa é dedicada à colheita dos materiais, que se dá por meio de negociações entre artista e público. Os objetos apropriados e adquiridos em viagens são trocados pela Icecoin – moeda fictícia emitida pela artista em tiragem única e limitada a 86 unidades numeradas. Uma Icecoin compra uma manta ou coberta. A segunda etapa do trabalho consiste na pintura de temas que documentam ambientes ou elementos diretamente ligados ao tráfico internacional de tempo. A terceira etapa, denominada Debut, consiste em uma primeira exibição da obra em espaços públicos ou privados, e sua documentação em fotografia. O trabalho final consiste em uma obra de arte, uma imagem documental e um certificado de autenticidade, produzidos pela artista.



R E P O R TA G E M

CENSURA | AUTOCENSURA MORALISMO CONTRA A ARTE

“VOCÊS NÃO VÃO ME TOCAR”, disse Maikon K, quando um policial militar levantou a mão em sua direção. O artista paranaense dava início à performance DNA de DAN, no projeto Palco Giratório no Sesc-DF, em julho passado, quando foi interrompido. Um grupo de PMs rasgou a peça de plástico onde realizava a ação. Uma chave de braço depois, Maikon estava em uma viatura policial, sem sapatos ou documentos, escoltado por duas motos em direção a uma delegacia. Para não permanecer em uma cela, o artista assinou um termo circunstanciado de ato obsceno. No dia seguinte, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e o secretário de Cultura, Guilherme Reis, telefonaram para se desculpar. “Não cabe censura à arte”, escreveu a secretaria em nota. Mas, se isso é verdade, por que vemos tantos casos em 2017? Maikon K foi convidado pelo festival de teatro Cena Contemporânea a voltar a Brasília em setembro e realizar sua performance. Juntamente com o fotógrafo Kazuo Okubo, da Fotona, participou também de um registro de cerca de 150 pessoas nuas. Mas o que parecia um grande símbolo de vitória diante Cenas de Interior II (1994), de Adriana Varejão, um dos trabalhos censurados em Queermuseu

Artistas e curadores são atacados por realizar obras com nudez e representações de sexo e diversidade sexual, enquanto instituições começam a praticar autocensura, sob pressão de prefeitos

LUA N A F O RT ES

Maikon K realiza performance DNA de DAN na exposição de Marina Abramović, Terra Comunal, no Sesc Pompeia em 2015

FOTOS: EDUARDO ORTEGA | VICTOR TAKAYAMA


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de pressões conservadoras foi por água abaixo alguns dias depois. No dia 10 do mesmo mês, o Santander Cultural de Porto Alegre encerrou precipitadamente a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. A mostra tinha curadoria de Gaudêncio Fidélis, deveria terminar no início de outubro e contava com mais de 270 trabalhos que, sobretudo, tratavam de diversidade, seja sexual, seja religiosa ou cultural. Entre os artistas estavam Candido Portinari, Leonilson, Lygia Clark e Adriana Varejão. Diante de protestos, ameaças físicas a funcionários e um rumor que estipulava 20 mil clientes perdidos, a instituição deu Queermuseu por encerrada. Além de críticas moralistas e de calúnias, apontaram-se a falta de classificação etária e o fato de a exposição ter sido realizada por meio da Lei Rouanet. Foram 37 mil avaliações negativas na página do Facebook do Santander Cultural, somando as pessoas que protestaram contra a exposição com aquelas que criticaram seu cancelamento. Artistas se mobilizaram com a campanha 342 Artes, contra a censura e a difamação. Um abaixo-assinado chegou a mais de 70 mil assinaturas, clamando pela reabertura da mostra. Surgiram cidades e espaços culturais interessados em remontá-la. O secretário de Cultura de Belo Horizonte, Juca Ferreira, disse ver com bons olhos receber a exposição, mas logo foi inibido pela posição contrária de Alexandre Kalil, prefeito da cidade. Na mesma onda, quando o Museu de Arte do Rio (MAR) demonstrou interesse em receber Queermuseu, a ordem contrária veio do prefeito Marcelo Crivella, que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Apesar de o Conselho Municipal do Museu divulgar nota a favor da remontagem no MAR, logo a organizaSELECT.ART.BR

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150 pessoas posam nuas para a Fotona de Maikon K e Kazuo Okubo, em protesto à censura

ção social (OS) que administra o museu, chamada Instituto Odeon, soltou outra nota cedendo ao pedido do prefeito. Mas a mostra deve acontecer no Parque Lage. Em outubro, o governo do Estado do Rio de Janeiro e o curador assinaram compromisso. Resta o desafio de arrecadar a verba para realização. RIDÍCULOS E AUTORITÁRIOS Para Luiz Francisco Carvalho Filho, advogado, escritor e ex-diretor da Biblioteca Mário de Andrade, a atitude de Crivella foi uma censura informal. “Museus devem ser independentes de governantes, porque governantes, de esquerda e de direita, costumam ser ridículos, autoritários e medrosos em matéria de liberdade de expressão”, disse Carvalho Filho à seLecT. Mas não só sobre a prefeitura recaiu sua crítica. “A censura é tão grave como a autocensura: uma OS que acata a vontade de um prefeito, por motivação moral, é igualmente ridícula e perniciosa”, completou. O cenário ganhou outra dimensão a partir da abertura do 35º Panorama da Arte FOTO: KAZUO OKUBO


“O que é crime é a incitação ao ódio. E é isso que esses movimentos de censura fazem. Já a peça faz o oposto”, diz Natalia Mallo, diretora da peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu

Brasileira do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. A performance La Bête, realizada pelo artista carioca Wagner Schwartz, em 27 de setembro, movimentou as redes sociais. A proposta da ação era fazer uma releitura dos reconhecidos Bichos de Lygia Clark, estruturas de metal com dobradiças que permitem a articulação por parte do público. O artista despido posicionava-se no chão do museu e fazia de seu corpo o objeto passível de dobraduras. O MAM tomou os devidos cuidados e sinalizou que havia nudez no

trabalho. Cabia ao público escolher entrar. Foi exercitando esse direito que uma mãe levou sua filha para ver o trabalho. Mas a imagem da menina tocando as mãos e os pés do artista viralizou nas redes e acusações de pedofilia brotaram como ervas daninhas. Ao ser questionado sobre a legalidade da performance, Carvalho Filho afirmou: “Não há ilegalidade. O nu não é ofensivo. A obra pode ser avaliada como de mau gosto, mas a lei e os governantes não podem impedir a exibição de nada”. Mesmo assim, manifestantes chegaram a agredir funcionários do MAM. Até o prefeito de São Paulo, João Doria Jr., resolveu se meter, postando um vídeo em rede social acusando o museu de mostrar “cena libidinosa”. Um abaixo-assinado pedindo o fim da Lei Rouanet foi criado. E parlamentares propuseram ao Ministério da Cultura (MinC) reproduzir no âmbito da Lei Rouanet veto à apresentação de trabalhos de arte e exposições que “vilipendiem a fé religiosa, promovam a sexualização precoce de crianças e adolescentes ou façam apologia de crimes ou atividades criminosas”, cláusulas que já constam do Código Penal. Para o advogado, “não é papel do MinC criar embaraços para a produção artística em nome da moralidade e das religiões”. Em nota publicada no início de outubro, o MinC defendeu a expansão do sistema de classificação indicativa para exposições, mas esclareceu: “Não cabe ao MinC deliberar sobre o conteúdo dos projetos; haveria o risco de censura e dirigismo estatal”. Enquanto essa movimentação acontecia na capital, uma peça era impedida de ser apresentada em Jundiaí, interior de São Paulo. O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu traz a figura de Jesus interpretada pela atriz transexual Renata Carvalho. Programado para acontecer em setembro, no Sesc Jundiaí, o espetáculo foi suspenso por liminar e considerado um ato desrespeitoso. O Sesc, no entanto, que já havia recebido a peça em 2016 na capital paulista, recorreu da decisão e a Justiça decidiu autorizar a montagem. “O que aconteceu em Jundiaí gerou outras tentativas similares, mas todas elas – em Porto Alegre e Belo Horizonte – com sentenças favoráveis a nós”, conta Natalia Mallo, diretora da peça, à seLecT. “Mas, no balanço geral, o que aconteceu foi positivo. Acendeu um debate necessário e denunciou publicamente uma má prática jurídica”, continua. “O que é crime é a incitação ao ódio”, afirma a diretora. “E é isso que esses movimentos de censura fazem. Já a peça faz o oposto. Nossa Rainha Jesus perdoa até seus opressores e aqueles que a violentam diariamente.” Frestas – Trienal de Artes | Entre Pós-Verdades e Acontecimentos também não saiu ilesa. Os trabalhos da mostra foram além do espaço expositivo do Sesc Sorocaba e se espalharam pela cidade. A artivista Panmela Castro realizou o grafite Femme Maison na lateral do edifício da Secretaria de Cultura, reproduzindo uma pintura de sua autoria que integra o acervo do Museu de Arte Urbana de Berlim. A figura representada contesta estereótipos femininos e apresenta um desenho que se assemelha a uma vagina, o que ocasionou duros ataques antes mesmo da inauguração da mostra. Não houve, porém, recuo da Trienal. “Estamos perplexos com o ódio tipicamente fascista e comentários ignorantes impetrados contra manifestações artísticas diversas, que discutem o mundo com toda sua complexidade”, disse a curadora da exposição, Daniela Labra, à seLecT. AUTOCENSURA Em outubro, na porta do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, grupos conservadores protestaram contra a exposição Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina, de

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Desenho encoberto pela Unifor, parte de uma série com 32 outros

“A origem desta crise é o comportamento gerado pelos algoritmos das redes sociais, que colocam em contato apenas aqueles que se afinam entre si”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural

Pedro Moraleida. Outra vez com alegação de pedofilia, manifestantes tentaram impedir pessoas de visitar a mostra. Diante da pressão, a Fundação Clóvis Salgado, responsável pelo espaço cultural, decidiu proibir a entrada de menores de 18 anos, mesmo acompanhados dos pais. A mesma decisão foi tomada pelo Museu de Arte de São Paulo para a exposição Histórias da Sexualidade, com curadoria de Adriano Pedrosa, Lilia Schwarcz, Pablo León de la Barra e Camila Bechelany. O museu, depois de dois anos de pesquisa e planejamento, abriu a exposição apenas para maiores de 18 anos. O curador Moacir dos Anjos achou a medida excessiva. “Em um país onde o sexo consensual pode ser legalmente praticado aos 14 anos, onde se pode casar – com SELECT.ART.BR

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consentimento dos pais – aos 16 anos e onde se pode escolher o presidente pelo voto com a mesma idade, proibir o acesso à exposição para menores de 18 anos me parece, em alguma medida, uma capitulação àquelas forças mais regressivas que estão operando com violência no País”, afirmou à seLecT. “Nós que achávamos que os direitos sociais e civis estavam garantidos, não estavam”, disse a antropóloga Lilia Schwarcz, uma das curadoras da exposição. “É com muita tristeza que nós, curadores do Masp, tivemos de avaliar uma exposição com advogados. Em que mundo a gente vive, quando os curadores têm de passar a limpo suas exposições não por motivos artísticos, mas por critérios moralistas e normativos?” Quase três semanas depois da inauguração, o MASP voltou atrás na probição de que menores de 18 vissem a exposição mesmo acompanhados de responsável. Um dia antes, o Ministério Público Federal havia divulgado uma nota técnica esclarecendo que a classificação etária em exposições de arte é meramente indicativa. Outro ponto importante na nota do MP: a nudez não erótica não torna o conteúdo impróprio para crianças de nenhuma idade. CENSURA EM UNIVERSIDADE Na abertura de Histórias da Sexualidade, a classe artística reuniu-se no vão livre do museu para protestar contra a censura. A manifestação #TodosPelaArte congregou cerca de 300 pessoas, entre curadores, galeristas, artistas e intelectuais. Entre os presentes estava o curador Ivo Mesquita, que na mesma semana enfrentava a censura em uma exposição sua. Dessa vez, o caso foi na Universidade de Fortaleza, em 17 de outubro, na abertura da mostra XIX Unifor Plástica. Dois desenhos da série Todas as Coisas Dignas de Serem Lembradas, de Simone Barreto, foram encobertos pela instituição. A artista respondeu FOTO: FILIPE ACÁCIO


pelo Facebook: “Propuseram que eu tirasse o desenho, trocasse ou virasse a página do caderno. Ou isso ou nada. Isso pra mim é inegociável! A minha obra é sobre o corpo da mulher, sobre o meu corpo, sobre desejo, sexualidade. Virar a página desse caderno é virar a página pro nosso corpo”. Por isso, ela decidiu retirar seu trabalho da exposição. Com ela, outros artistas também abandonaram a mostra. “Eu estou pasmo, surpreso, chocado de perceber que uma universidade faz censura”, disse o curador à seLecT. Ele considera a exposição encerrada. O que permaneceu em exibição não era mais fruto de sua curadoria. As mensagens que se espalharam por camisetas, cartazes e adesivos durante a manifestação do meio artístico no Masp indicam que a categoria não pretende ceder e está preparada para o diálogo. “Fazer arte. Ver arte. Gostar de arte. Não gostar de arte. Sem medo. Sem censura”, era uma das mensagens. Em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras cidades, a bandeira #CensuraNuncaMais foi levantada repetidas vezes. Reforçaram o protesto o artista chinês Ai Weiwei, que veio para a Mostra de Cinema de São Paulo, e a banda U2, em turnê no Brasil, entre muitos outros artistas que têm se manifestado em shows, espetáculos teatrais e vídeos em redes sociais. “A origem desta crise é o comportamento gerado pelos algoritmos das redes sociais, que colocam em contato apenas aqueles que se afinam entre si”, disse à seLecT Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. “Mas os algoritmos estão atravessando a rua e os museus têm de dialogar com isso. O que aconteceu com o Santander e o MAM tem de ser usado como aprendizado por todos nós”, continua. “A classe artística tem o desafio de encontrar o ponto de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a defesa da criança e do adolescente. Ela tem de liderar esse debate na sociedade”, afirma Saron.

CENSURA ALÉM DA DITADURA Alguns casos em que a arte teve de ceder à repressão ABRIL, 2006 - MÁRCIA X - CCBB-RJ Desenhando com Terços, trabalho de Márcia X que usa terços católicos para desenhar pênis, foi retirado da exposição Erótica – Os Sentidos na Arte, devido a reclamações de grupos religiosos.

SETEMBRO, 2010 - ROBERTO JACOBY - 29ª Bienal de SP Bienal retira a obra A Alma Nunca Pensa Sem Imagem, do artista argentino Roberto Jacoby, por orientação do Ministério Público. A instalação propunha representar as eleições presidenciais brasileiras de forma fictícia. A curadoria da Bienal diz ter sido surpreendida pela obra, que faria campanha em favor de Dilma Rousseff. A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo afirmou que a exibição da peça poderia caracterizar crime eleitoral.

NOVEMBRO, 2011 - NAN GOLDIN - Oi Futuro Flamengo, RJ Oi Futuro cancela exposição da artista norte-americana Nan Goldin, selecionada em 2010 por edital de patrocínio, por desaprovar parte de seu conteúdo. Fotos da série Balada da Dependência Sexual, um de seus trabalhos mais celebrados, não seriam próprias para menores.

ABRIL, 2014 - GRUPO ERRO - Rua XV, Florianópolis Policiais militares interrompem o espetáculo Hasard e ameaçam os atores de prisão. A peça continha cenas de nudez e foi considerada pela PM atentado ao pudor, apesar de o Grupo Erro afirmar que não existia conteúdo sexual na ação.

JUNHO, 2015 - BRETT BAILEY - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo O espetáculo Exhibit B, do diretor sul-africano Brett Bailey, foi cancelado. A notícia da apresentação da peça foi recebida com muitos protestos por remontar aos zoo humanos realizados com negros na Europa no séculos 19 e 20, mas seu cancelamento foi atribuído a um corte de verba.

OUTUBRO, 2016 - TRUPE OLHO DA RUA - Praça dos Andradas, Santos A companhia de teatro Trupe Olho da Rua apresentava a peça Blitz – O Império Que Nunca Dorme, contemplada pelo edital Proac em 2014, quando foi interrompida pela Polícia Militar sob queixa de contravenções contra símbolos nacionais, apreensão de objeto, desobediência e resistência. O ator e diretor da peça Caio Martinez Pacheco foi detido e obrigado a prestar depoimento.

SETEMBRO, 2017 - ALESSANDRA CUNHA / ROPRE - Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul Na exposição Cadafalso, obra batizada de Pedofilia é apreendida pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente sob a denúncia de apologia da pedofilia. A pintura buscava justamente denunciar crimes dessa categoria.

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H I ST Ó R I A DAS E X P OS I Ç Õ ES

NÓS, OS BUGRES

DAS BAIXAS LATITUDES

E ADJACÊNCIAS

M I C H E L L E FA R I A S S O M M E R

SELECT.ART.BR

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À esq., still do filme Catiti Catiti (1978), de Lygia Pape

Os projetos das exposições não realizadas Alegria de Viver, Alegria de Criar (1977), de Lygia Pape e Mário Pedrosa, e Museu das Origens (1978), também de Mário Pedrosa, são tentativas de inserção de narrativas indígenas e afrobrasileiras na história da arte no País. Lidos em conjunto, lançam a pergunta: como reconhecer o que é nosso, sendo nós essa imensa maioria de outros que residem abaixo da linha do Equador?

EM 1970, DURANTE A DITADURA MILITAR NO BRASIL, MÁRIO PEDROSA (1900-1981) É ACUSADO DE DIFAMAÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO SOBRE TORTURAS NAS PRISÕES DO PAÍS E, EM JULHO, SUA PRISÃO PREVENTIVA É DECRETADA. Entre 1970 e 1973, o crítico exila-se no

Chile. A pedido de Salvador Allende, reúne um importante acervo de arte moderna e contemporânea para o Museu da Solidariedade, convocando artistas à doação de obras em apoio à revolução socialista em curso. Não são realizadas valorações estéticas: solidariedade não se recusa. Após o golpe chileno, Pedrosa segue para Paris. Em 1975, em breve passagem pela Cidade do México, realiza a comunicação Arte Culta e Arte Popular, baseada em sua experiência chilena, e, no ano seguinte, palestra no encontro Arte Moderna e Arte Negro-Africana: Relações Recíprocas, organizado pela Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), em Portugal. Em 1976, publica Discurso aos Tupiniquins ou Nambás, texto crítico que converge para a política da cultura no engendramento de uma nova arte daqui como estratégia avessa à perpetuação do espírito colonialista na América Latina. “O que é isso senão uma revolução? Sim, uma revolução. A única realmente suscetível de mobilizar os povos da maioria da humanidade. A única positivamente concebível como tarefa histórica do homem do vigésimo primeiro século”, escreve Mário Pedrosa, em 1976. É nesse contexto que, um ano depois, o crítico retorna ao Brasil e encontra Lygia Pape (1927-2004) já conectada às matrizes brasileiras em sua prática artística.

FOTO: FERNANDO DUARTE


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CATITI CATITI DE LYGIA PAPE

O canto Tupi da Lua Nova Catiti Catiti ecoa nas evocações da natureza ameríndia que é daqui no Manifesto Antropófago de 1928. No fim dos anos 1970, a flecha antropofágica atinge Lygia Pape na realização do filme Catiti Catiti (1978) e nos escritos na dissertação Catiti-Catiti, na Terra dos Brasis (1980), dedicada a Mário Pedrosa e ao recém-falecido Hélio Oiticica (1937-1980). “Como bons descendentes dos povos primeiros dessa terra dos brasis – os tupinambá – devoraremos tudo, deglutiremos todos os bispos sardinha que encontrarmos, e devolveremos, ou melhor, já começamos a devolver, há muito, nossa profunda fúria de criação nova”, escreve Lygia Pape, em 1980. Alegria de Viver, Alegria de Criar é anunciada por Lygia Pape e Mário Pedrosa, em 1977, como “a grande exposição de arte dos povos indígenas do Brasil em todos os seus aspectos decisivos, não só da atualidade como de seu tempo histórico”. Com previsão de abertura para fevereiro de 1979, a exposição contaria com a “colaboração viva e indispensável dos índios xinguanos”, ocupando os três andares do MAM-RJ. O projeto estruturava-se em três partes: a primeira dedicada à arqueologia, a segunda configurada pelo “ambiente da floresta, em todas as suas atividades da cultura material e a passagem ao mito e à cultura espiritual”, e a terceira enfatizando as cerimônias, danças e músicas indígenas brasileiras. O projeto previa, ainda, a realização de um filme-documentário sobre a exposição, uma publicação e conferências. A sinopse do filme apontava para o “empréstimo” do manto tupinambá – que os holandeses retiraram de Pernambuco por volta de 1644 e que, atualmente, integra o acervo do Nationalmuseet, em Copenhague, na Dinamarca. Para as locações do filme estavam previstas viagens para sítios indígenas na Paraíba, Piauí, Xingu e Rio Uaupés, entre outros. A equipe do projeto era configurada pelos antropólogos Heloísa Fenelon, Eduardo Viveiros de Castro e Tereza Bauman; a arqueóloga MáSELECT.ART.BR

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Na pág. anterior, Manto tupinambá, retirado de Pernambuco por volta de 1644 e que está hoje no Museu Nacional da Dinamarca. À esq., o Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade

ria Conceição Beltrão; Maureen Basilliat e Claudia Andujar como responsáveis pela iconografia; Aloísio Carvão como programador visual e Darcy Ribeiro como consultor geral. “O índio é um bloco extremamente importante na construção do que atualmente chamamos de Brasil”, disse Mário Pedrosa sobre as motivações para a realização do projeto. Na madrugada de 8 de julho de 1978, um incêndio de proporções catastróficas atingiu o MAM-RJ e a exposição foi cancelada. MUSEU DAS ORIGENS

Em reunião do Comitê Permanente pela Reconstrução do MAM-RJ, Mário Pedrosa propõe o Museu das Origens. O projeto expositivo era configurado por cinco museus: Museu do Índio, Museu do Inconsciente, Museu de Arte Moderna, Museu do Negro e Museu de Artes Populares. Os cinco módulos, “independentes, mas orgânicos”, segundo o crítico, articulam-se como círculo, como se vê no desenho do autor. Os acervos existentes no Museu do Índio, criado em 1953, e no Museu do Inconsciente, fundado em 1952 pela doutora Nise da Silveira, se-

riam incorporados à grande exposição. Já o Museu do Negro seria constituído a partir de peças trazidas da África e de obras criadas no Brasil, principalmente oriundas dos cultos religiosos. O Museu de Artes Populares seria composto de peças recolhidas em várias regiões do Brasil. Para o Museu de Arte Moderna, Mário Pedrosa integrava as diversas gerações modernas adicionando, ainda, uma sala de arte neoconcreta, salas latino-americanas, salas europeias e da América do Norte e um espaço para exposições temporárias. O Museu das Origens incluía cursos teóricos e de aprendizados práticos voltados às discussões sobre história da arte, antropologia cultural com seções especializadas de cultura urbana, comunidades rurais, comunidades tribais, festas urbanas e carnaval. Considerados a partir de uma perspectiva de estudos expositivos no Brasil, ambos os projetos apontam para ações descolonizadoras e para a construção da história da arte daqui. No hoje, esse depois, nos tempos sombrios do contemporâneo, as exposições que incorporam narrativas indígenas e afro-brasileiras ainda lutam para encontrar a saída da cozinha na casa-grande e senzala. A escritura da história da arte no híbrido Brasil é tarefa do presente: uma aspiração social libertária que persiste para os homens do século 21 e está em aberto para nós – plural. *O título é uma alusão a duas citações: uma referência de Mário Pedrosa presente no texto Discurso aos Tupiniquins ou Nambás, de 1976; e o título de um capítulo da dissertação de mestrado de Lygia Pape, Catiti-Catiti, na Terra dos Brasis, de 1980. FOTOS: CORTESIA MUSEU NACIONAL DA DINAMARCA E REPRODUÇÃO

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476 ITÁLIA 399 ESTADOS UNIDOS 338 FRANÇA 225 ALEMANHA 100 HOLANDA 39 ESPANHA 30 OUTROS

PAÍSES COM MAIS ARTISTAS CITADAS/CITADOS (NASCIMENTO)

BRUNO MORESCHI

A HISTÓRIA DA _RTE

P R OJ E TO

PAÍSES NÃO CITADOS Aruba / Afeganistão / Angola / Andorra / Emirados Árabes Unidos / Armênia / Antártida / Antígua e Barbuda / Burundi / Burkina Fasso / Bangladesh / Bahrein / Bósnia-Herzegovina / Belize / Bolívia / Brunei / Butão / Botsuana / República Centro-Africana / Camarões / Chipre / Congo / Ilhas Cook / Comores / Cabo Verde / Costa Rica / Ilhas do Mar de Coral / Curaçao / Chipre do Norte / Chipre / Djibuti / Dominica / Equador / Eritreia / Estônia /Etiópia / Fiji / Micronésia / Gabão / Faixa de Gaza / Guiné / Gâmbia / Guiné-Bissau / Guiné Equatorial / Granada / Guatemala / Guiana / Honduras / Jamaica / Jordânia / Glaciar de Siachen / Cazaquistão / Quênia / Quirguistão / Camboja / Kiribati / São Cristóvão e Nevis / Kosovo / Kuwait / Laos / Libéria / Líbia / Santa Lúcia / Liechtenstein / Lesoto / Mônaco / Moldávia / Madagascar / Maldivas / Ilhas Marshall / Malta / Myanmar / Montenegro / Mongólia / Moçambique / Mauritânia / Maurícia / Malawi / Malásia / Namíbia / Nova Caledônia / Níger / Nicarágua / Niue / Nepal / Nauru / Omã / Palau / Coreia do Norte / Paraguai / Catar / Ruanda / Saara Ocidental / Arábia Saudita / Sudão / Senegal / Cingapura / Ilhas Salomão / Serra Leoa / El Salvador / São Marinho / Somalilândia / Somália / São Tomé e Príncipe / Eslováquia / Suazilândia / Seicheles / Síria / Chade / Togo / Tailândia / Tadjiquistão / Turcomenistão / Timor-Leste / Tonga / Trinidad e Tobago / Tuvalu / Tanzânia / Uganda / Uzbequistão / Vaticano / São Vicente e Granadinas / Vietnã / Vanuatu / Cisjordânia / Iêmen / Zâmbia


A seguir alguns dos resultados da pesquisa. Informações mais completas, no site do projeto: historiada-rte.org.

Com tiragem de 13 mil exemplares em português e 2 mil em inglês, um panfleto com as principais conclusões é distribuído gratuitamente ao longo de 2017 na entrada de museus do Brasil e de outros países. O que diretores/ diretoras e curadores/curadoras dos museus têm a dizer sobre o cenário aqui apresentado? Que ações concretas estão sendo tomadas para que os acervos que coordenam deixem de ignorar as produções artísticas de mulheres, negras e negros, indígenas e não europeus, por exemplo?

Coordenado pelo artista Bruno Moreschi e com uma equipe formada pela curadora Ananda Carvalho, o designer Guilherme Falcão, os pesquisadores Gabriel Pereira, Amália dos Santos, Pedro Vada e um conselho formado pelas professoras Caroline Freitas, Claudia Mattos e Vera Benedito, a pesquisa durou um ano e mensurou o cenário excludente da História da Arte oficial estudada no País.

Selecionado pelo Rumos Itaú Cultural 2015-2016 e com apoio do Goethe Institut São Paulo, A HISTÓRIA DA _RTE apresenta dados sobre 2.443 artistas de 11 livros* comumente utilizados em cursos de graduação de Artes Visuais no Brasil.

— 10 autores; 2 autoras; 9 europeus e europeias; 3 estadunidenses; brancos e brancas. Total de 4.405 páginas pesquisadas.

A HISTÓRIA DA ARTE Ernst H. Gombrich, LTC, 2000 ARTE MODERNA Giulio C. Argan, Companhia das Letras, 1992 ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA HISTÓRIA CONCISA Michael Archer, Martins Fontes, 2001 ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA INTRODUÇÃO Anne Cauquelin, Martins Fontes, 2005 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA HISTÓRIA DA ARTE Heinrich Wölfflin, Martins Fontes, 2015 ESTILOS, ESCOLAS & MOVIMENTOS: GUIA ENCICLOPÉDICO DA ARTE Amy Dempsey, Cosac Naify, 2005 GUIA DE HISTÓRIA DA ARTE Giulio C. Argan e Maurizio Fagiolo, Editorial Estampa, 1994 INICIAÇÃO À HISTÓRIA DA ARTE Horst W. Janson e Anthony F. Janson, Martins Fontes, 2009 TEORIAS DA ARTE MODERNA Herschel B. Chipp, Martins Fontes, 1995 TUDO SOBRE ARTE Stephen Farthing, Sextante, 2010 HISTÓRIA DA CIDADE Leonardo Benevolo, Perspectiva, 2009

*

Mesmo com 16 edições (1950 a 1999), Gombrich jamais alterou significativamente o texto principal de A História da Arte. Em 1966, ele acrescenta uma seção final (“Uma História SemFim”) sob a justificativa de “que a situação mudou radicalmente desde que a minha A História da Arte foi publicada pela primeira vez” (p. 638). É nesse acréscimo que ele finalmente cita Marcel Duchamp – de forma negativa e avisando que espera “sinceramente não ter contribuído para essa moda” (p. 601). Em um conjunto de notas finais, também inclui um pequeno comentário genérico sobre novas abordagens na História da Arte. Esse texto (p. 643) ocupa duas linhas em tamanho menor que o texto original, considera a discussão sobre o papel das mulheres na arte como algo menor (“questões recentemente ventiladas”) e cita dois livros sobre o assunto, sem mais detalhes. 2 ARTISTAS MULHERES NEGRAS (0,08%) Barbara Chase-Riboud Lorna Simpson

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IMAGENS DOS LIVROS CONTÊM HOMENS (18,9% NUS OU SEMINUS – DESSES, 48,2% JESUS)

1.060

108 MULHERES (6,9%)

OUTROS (35,9%)

IMAGENS DOS LIVROS CONTÊM MULHERES (44,3% ESTÃO NUAS OU SEMINUAS)

1.458 HOMENS (93,1%)

1.566 PINTORES (64,1%)

6 SEM INFORMAÇÃO

215 MULHERES (8,8%)

2.222 HOMENS (90,9%)

2.443 ARTISTAS

DAS QUAIS

22 ARTISTAS NEGRAS E NEGROS (0,9%)

2.443 ARTISTAS


A U T O C R Í T I C A / F R E S TA S - E N T R E P Ó S -V E R D A D E S E FAT O S

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FORA DO MAPA DA ARTE DANIELA LABRA

A curadora reflete sobre desafios e imprevistos envolvidos no processo de realização da Trienal Frestas 2017, em Sorocaba A proliferação de grandes exposições periódicas internacionais, como bienais, trienais e afins, é um fenômeno crescente desde a década de 1990. Até então, além da Bienal de São Paulo (1951), poucas eram as mostras não europeias nesses moldes. Em 1984, a Bienal de Havana foi a primeira focada em artistas latinos e, em 1995 e 1997, a África do Sul realizou a Bienal de Johannesburgo. Hoje há mais de 150 eventos do tipo no mundo e a dita bienalização responde tanto a demandas de maior produção e consumo de arte contemporânea, aliadas à criação de cursos de arte, centros culturais e feiras, quanto ao desejo de inserção, visibilidade geopolítica e ganhos econômicos das cidades anfitriãs. A Trienal Frestas, realizada pelo Sesc local, é uma iniciativa da instituição e, portanto, não é uma Trienal de Sorocaba. Esse fator define o estatuto do evento e seus objetivos: oferecer uma boa programação com ações de formação de público e capacitação profissional na área artística fora dos grandes centros, mais do que inserir, política e culturalmente, a cidade no mapa internacional das artes. Isso libera o curador das pressões e expectativas das políticas locais, embora também seja um empecilho para negociar obras em espaço urbano, sua manutenção e permanência, uma vez que o apoio público é mais burocrático do que logístico. Tal fato inviabilizou propostas que necessitavam de estrutura e mão de obra fornecida pelo município, como algumas inicialmente pensadas para ocupar marcos da cidade, como construções da antiga EF Sorocabana e a icônica ruína da Basílica de São Lucas (a Aranha do Vergueiro), abortadas por falta de apoio extra para segurança, iluminação e limpeza. Ainda assim, conseguimos apresentar um circuito de intervenções urbanas que foi bem-sucedido. Uma trienal jovem e não oficial da cidade é identificada internacionalmente como mais uma grande exposição em localidade estranha, o que atrapalhou o contato e a exibição de alguns artistas de peso inéditos no Brasil, blindados por galerias lamentavelmente arrogantes. Por outro lado, contamos com a parceria de estabelecimentos, instituições e colecionadores fundamentais para apresentar obras de Francesca Woodman, On Kawara, Susan Hiller, Wanda Pimentel, Diango Hernandez e Teresa Margolles, entre outros. A curadoria discutiu a impossibilidade de definir Verdade tanto na arte como nos discursos políticos globais, tão manipulados por fake news, memes e dispositivos robóticos. Foram escolhidas propostas e obras, muitas comissionadas, de 60 artistas de diferentes países e gerações que lidam com ambiguidades formais, disciplinares e conceituais, em temas ligados a questões de gênero e sexualidade, performatividade, situações SELECT.ART.BR

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políticas, problemáticas urbanas e narrativas históricas contraoficiais, entre outros. Desse modo, construímos um corpo de obras de arte que colocou em xeque a noção de verdadeiro em várias instâncias culturais e sociais, e também apresentou uma gama de singulares procedimentos de pesquisa em arte. Nos comprometemos com uma mostra plural e potente em suas perspectivas poéticas e críticas, que narrasse as idiossincrasias do Brasil e do mundo atual com projetos inéditos, sendo alguns processuais. Muitos tiveram forte cunho contestatório e político, e geraram situações de tensão internamente, ora pelo conteúdo que poderia constranger a instituição e a equipe, ora por embates que dificultavam atender aos procedimentos engessados da realização de uma trienal. Imprevistos como materiais não adequados, performances inesperadas, conteúdos polêmicos e decisões artísticas insubordinadas criaram conflitos e tensões, desafiando a curadoria no seu forçoso papel de mediadora e fazendo o próprio Sesc pensar em estratégias de posicionamento e diálogo com artistas. Um dos casos foi a rede de arte-ativismo O Nome do Boi, criada só para o evento com artistas militantes e multimídia, arte-educadores, professores e outros, para pensar a deterioração da política brasileira desde o impeachment (ou golpe) contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Algumas ações da rede, articuladas sem conhecimento da instituição e até da curadoria, causaram previsível desconforto, atingindo alas conservadoras da política e da sociedade local. Houve receio entre a equipe da exposição de que a rede ganhasse destaque sensacionalista na mídia e provocasse reações de ódio, gerando escândalos que ofuscariam a totalidade do projeto de Frestas. No entanto, suas ações impactaram de início, mas depois não tomaram maior volume, posto que foram abrandadas pela própria desmoralização pública do governo federal.


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Gordura Trans (2017), de Miro Spinelli: pesquisa sobre a subjetividade e potencialidade do corpo gordo sem identidade de gênero marcada traz crítica aos discursos que restringem a identidade à biologia

A Trienal Frestas 2017 discutia fake news, mas promoveu fatos reais e, pouco antes da abertura, um vereador pastor entrou com ação no Ministério Público contra o grafite sobre o universo e o corpo feminino de Panmela Castro, acusando-o de criminoso e ofensivo às “mulheres de bem”. Rapidamente o caso caiu no ridículo, mas antecedeu a onda de moralismo acéfalo contra obras e museus que tomou o País do faz de conta. O desafio de organizar uma mostra pujante no interior, onde o circuito de artes e de centros culturais é ínfimo, foi muito positivo, mas há ainda bastante público por atrair; o investimento alto e o esforço esmerado de tantos profissionais envolvidos merecem ser contemplados. Arte é para todos e, na diversidade de uma mostra como esta, tal afirmação é uma verdade de fato.

Frestas – Trienal de Artes Entre PósVerdades e Fatos, até 3/12, Sesc Sorocaba (Rua Antônio Cândido Pereira, s/nº, Jardim Faculdade, Sorocaba, SP) e outros locais da cidade. www.frestas. sescsp.org.br

FOTO: MÁRION STRECKER


A U T O C R Í T I C A / S Ã O PA U L O N Ã O É U M A C I D A D E - I N V E N Ç Õ E S D O C E N T R O

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DA ARQUEOLOGIA DO FUTURO: SOBRE PROJETAR UMA RUÍNA LENO VERAS

O curador repensa o papel da exposição que trata a cidadania como condição ameaçada, no sesc 24 de maio, em são paulo São Paulo, exclusivamente no ano de 2017, tomando como escopo somente instituições de grande porte/aporte, já conta com significativa quantidade de exposições cujas investigações se debruçaram sobre a constituição desta megalópole enquanto corpo social. Distintas e diversas, tal qual as realidades da cidade, essas mostras suscitam perceptos e afectos que erigem o desvario de se decifrar uma Pauliceia, dando continuidade à sua práxis autorreferencial. Muito embora cada uma das proposições aporte à discussão vozes idiossincráticas, observantes desde os múltiplos campos do conhecimento donde vertem, a observância dessa reiterada propaganda indicia proselitismo. Como integrante do coro que entoou esse jingle polimórfico, odiosa ode, trago aqui algumas reflexões proporcionadas por esta pólis, e suas políticas, cultivadas ao longo da peripécia de realizar uma mostra a seu respeito. Com vista ao desafiador convite a uma autocrítica, proposto pela editoria da presente publicação, lancei-me à aventurança de refletir acerca do que foi possível fazer por meio da curadoria em defesa da cidadania, questão central para a exposição, entendida como exercício consciente da condição de cidadão. Tendo em mente a etimologia do verbo criticar – advindo do radical grego krinein, cujo significado pode ser aferido como desconstruir ou fragmentar (originado em krisis; julgamento ou separação) – e os vertiginosos desdobramentos das notícias pós-verdadeiras de nosso tempo, assumo o risco. A exposição em foco inaugurou no coração da capital paulista um novo equipamento cultural, cuja arquitetura é de Marta Moreira e Paulo Mendes da Rocha, com curadoria também binomial, compartilhada com Paulo Herkenhoff. Como forasteiros SELECT.ART.BR

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na Paulistânia, bem como outros tantos imigrantes que habitaram, mesmo que de modo transitório, e construíram, tampouco de maneira permanente, esta metrópole, fomos orquestrados por sua sinfonia. A região central paulistana concentra situações-limite que coabitam, com suas riquezas e pobrezas extremas, em convergências dissonantes, sendo a pulsação das vias sempre oxigenada pelos transeuntes que circulam nesse sistema. Trata-se de um território em contínuo choque de interesses, a partir do qual as lógicas de inter-relação entre Centro e periferia, à luz do embate de Milton Santos contra essa dualidade, se enredam por entre cercas e grades. Eis o problema norteador desta análise, posto que, ao empreendermos o estudo dos conceitos de Cidade e de Centro, vêm à tona que as lógicas de constituição de centralidades são, antes de tudo, mecanismos de poder. O foco no questionamento sobre a Cidadania como condição ameaçada pela dinâmica gentrificadora da urbanidade contemporânea, distanciada de uma ética do comum e impregnada pela desigualdade social, se faz imprescindível. O que pode, então, efetivar um enunciado que se propõe como disparador de um debate sobre as dinâmicas de exclusão, a partir da constatação primária de que o acesso aos espaços expositivos se dá de maneira restritiva e excludente? É preciso atentar para o perigo de transformar indivíduos socialmente marginalizados em fetichizações da sujeição expostas como que em vitrine nos prédios envidraçados que servem de espelho somente àqueles do lado de fora. Nos propusemos a reunir discursos de autorrepresentação e discursividades dissidentes, em busca de uma práxis em que se levasse em conta os regimes de (in)visibilidade engrenados também, e talvez, sobretudo, no sistema operativo das artes. Arrisco afirmar que fomos bem-sucedidos no esforço de constituir um panorama que abrange mais do que a propaganda infundada da


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“locomotiva do País”, por mais restrito que ele tenha sido, mas isso é pouco. Apesar de que tenha sido essa nossa destinação, decerto poucas são as práticas ali presentes habilitadas para atuar como entradas, ou saídas, e de fato capazes de tornar porosa a exposição, como plataforma para a articulação. O que incorre na problemática a partir da qual os usos de tais dispositivos comunicacionais têm sido questionados, o da alegorização, que a um só tempo reitera a diferença, em repetição, mimetizando-se como denúncia esvaziada. Posicionamentos capazes de apontar novos caminhos éticos, as proposições artísticas de Giselle Beiguelman e Raphael Escobar, desenvolvidas em interlocução direta com a curadoria de “São Paulo Não É uma Cidade”, são obras capazes de dar a ver as políticas massivas de aniquilação de pessoas em situação de rua e uso de drogas levadas a cabo pelo próprio Estado, por meio de ações que se configuram como verdadeiras antíteses dos direitos humanos. Odiolândia, obra essencialmente imaterial – videoinstalação composta de comentários de ódio encontrados nas redes sociais, cujos conteúdos atacam desde nordestinos a muçulmanos, passando por homossexuais e militantes do MovimenSão Paulo Não É uma to Sem Terra – nos defronta com posicionaCidade – Invenções mentos assustadoramente facínoras retirados do Centro, curadoria especificamente de um canal midiático pelo Paulo Herkenhoff qual o atual prefeito da cidade anuncia dese Leno Veras cabidas e irresponsáveis ações policialescas. Sesc 24 de Maio, Rua 24 Estratégia de Cuidado, obra estritamente made Maio, 109, São Paulo terial – fundição e distribuição de cachimbos SP, até 28/1/18 www.sescsp.org.br de cobre com piteiras de silicone nos territórios da Cracolândia, em resposta ao caráter

À esq., Odiolândia (2017), de Giselle Beiguelman, com frases de redes sociais contra nordestinos, muçulmanos, homossexuais e integrantes do MST; acima, Estratégia de Cuidado (2017), de Raphael Escobar, cujo projeto é distribuir 400 cachimbos de cobre com piteiras de silicone para usuários de crack na região conhecida como Cracolândia, no Centro de São Paulo

calamitoso da escabrosa ausência de uma abordagem de saúde pública que contemple a necessidade de uma política de redução de danos diante da epidemia de doenças ocasionadas pelo consumo do crack – que nos confronta com a ultrajante desumanização desses sujeitos desassistidos. Esses vetores atravessaram as paredes do espaço expositivo, como outros muitos museologicamente preparados para a conservação do status quo, e elucidam o caráter de urgência de uma responsabilização direta, para além de simbologias e representações, que precisamos adotar na luta contra a retomada conservadora engendrada por grupos que, paradoxalmente, têm como prefixo o radical neo, tais como os neoliberais e os neopentecostais. Irrompe por entre as linhas o que não pode mais calar: expomos ou impomos? Em tempos de levantes diante da ascensão fascista, é preciso curar-se para curar. FOTOS: MAYA MESSINA/ BIANCA ALCÂNTARA


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CRÍTICA SÃO PAULO

MULHERES RADICAIS EM CONTEXTOS IDEM MÁRION STRECKER

Acima, Sorriso de Menina (1976), da brasileira Amelia Toledo; à dir., trabalho da série Women Under Fire (1980), da americana nascida no México Isabel Castro

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Exposição em Los Angeles ilumina a radicalidade e o feminismo na arte contemporânea com obras de 120 artistas mulheres e coletivos que atuaram na América Latina e nos EUA entre 1960 e 1985 Esta é uma das melhores exposições do ano e ficará para a história, pelo fôlego da pesquisa, habilidade da curadoria, atualidade da temática e importância das artistas. Se não der para ir a Los Angeles este ano, em 2018 será mais fácil ver a exposição, pois ela virá para a Pinacoteca de São Paulo. A mostra é fruto de uma pesquisa que durou sete anos e foi curada pela britânica-venezuelana Cecilia Fajardo-Hill e pela argentina Andrea Giunta, autora do ensaio Gênero e Feminismo: Perspectivas Desde a América Latina, de 2008. As 120 artistas foram escolhidas pela enorme contribuição no campo da arte contemporânea, apesar de terem recebido pouca atenção acadêmica sobre suas produções e o contexto social, cultural e político em que suas obras se desenvolveram. O radicalismo em questão diz respeito tanto à temática das obras quanto à forma com que as artistas resolveram se expressar, muitas delas pioneiras em linguagens como a videoarte e a performance, por exemplo. Racismo, machismo, violência, maternidade e censura são alguns dos assuntos explorados nas obras. Entre as 120, há algumas artistas mais conhecidas, como Lygia Clark e Ana Mendieta. Do Brasil são 23, como Wanda Pimentel, Amelia Toledo, Anna Maria Maiolino, Lygia Pape, Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Regina Silveira,


Lenora de Barros e Márcia X, para citar algumas. Da Colômbia são 14; da Argentina, 18; e assim por diante. A pesquisa começou em 2010 e a ideia original era abrir a mostra dois anos depois. Mas o projeto cresceu em escala e complexidade, requerendo extensa pesquisa em arquivos e muitas viagens para conhecer artistas, fazer entrevistas e selecionar os trabalhos. O objetivo da curadoria foi empreender um estudo histórico de trabalhos pioneiros que, devido à exclusão das perspectivas globais e também locais, ficaram pouco visíveis. Um dos trabalhos de maior impacto na exposição é Me Gritaron Negra (1978), registro de uma performance de Victoria Santa Cruz (19222014), nascida em Lima, Peru, numa família de artistas, músicos e intelectuais negros. Na performance que envolve narração, música e dança, a artista conta um episódio biográfico. Quando era uma criança pequena, ouviu falatório na rua até que gritaram para ela: Negra! Ela descobriu assim a “triste verdade” que escondiam dela até aquele momento. Conta o quanto pensou sobre isso por anos, enquanto ouvia aquela palavra – Negra – ressoar em sua cabeça. E basta por aqui. É possível ver o vídeo no YouTube. Victoria fundou com o irmão a primeira companhia de teatro negra do Peru em 1958, para a qual escreveu, coreografou e atuou. Inventou um método pedagógico de autodescoberta e recuperação da cultura baseada no ritmo interno e o que ela chamava de memória ancestral. Seu objetivo sempre foi acordar a consciência e o orgulho negro no Peru. Nos anos 1960, estudou teatro e coreografia em universidades em Paris e foi aluna de Eugène Ionesco e Maurice Béjart, entre outros. Visitou a África, tornou-se também uma designer de figurinos e voltou para Lima em 1966, quando fundou o grupo Teatro y Danzas Negras del Perú, com o qual fez turnês internacionais e recebeu prêmios. Foi também diretora de outras instituições culturais e foi

À esq., Y Con Unos Lazos Me Izaron (1977), da colombiana Sonia Gutiérrez; abaixo, still do registro em vídeo da performance Me Gritaron Negra (1978), da peruana Victoria Santa Curz

Radical Women: Latin American Art, 1960-1985, até 31/12/17, Hammer Museum, 10899 Wilshire Blvd, Los Angeles, www.hammer.ucla.edu e www.pacificstandard­ time.org

professora universitária em Pittsburgh. É só um exemplo do que há para descobrir na exposição. Radical Women faz parte do evento Pacific Standard Time: LA/LA, uma iniciativa da Getty Foundation com dezenas de outras instituições de arte no sul da Califórnia. O evento propôs-se a fazer uma vasta e ambiciosa exploração sobre o diálogo da arte latino-americana e latina com Los Angeles. No rastro do evento, mais de 60 catálogos e livros já foram publicados. FOTOS: DIVULGAÇÃO


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SÃO PAULO

INCÔMODOS QUE NÃO

Trabalho do artista angolano Kuta Ndumbu, dentro da instalação Museu do Estrangeiro (2015-2017) de Ícaro Lira, contrasta com a parede dos atêlies do Sesc Pompeia

QUEREM CALAR DANIELA BOUSSO

Escapar ao cubo branco não é tarefa simples. Sesc Pompeia deveria repensar a adequação dos seus espaços para a arte A 20ª edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil reforça o seu propósito de dar voz à produção artística não legitimada pelo sistema hegemônico. O festival visa prover um campo sensível singular e oferecer relevância simbólica, tradição de anos de empenho do Videobrasil. Com 50 artistas e mais de 70 obras, abrange exposição e cinco programas de filmes e vídeos. África, Mundo Árabe, Oriente, América Latina e Leste Europeu configuram o Sul Global, expandido em ações de performances, encontros com curadores e artistas e aulas abertas. Seis eixos conceituais tentam explicar a exposição: cosmovisões, ecologias, reinvenção da cultura, políticas de resistência, histórias invisíveis e SELECT.ART.BR

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20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil Até 14/1/2018, Sesc Pompeia (Rua Clélia, 93, São Paulo, SP) www.festivalsescvideo­ brasil.org.br

outros modernismos. Desnecessários e esquematizados no guia que a mostra oferece, subjazem ao conjunto das obras, não evidenciados. Lugar-comum em mostras, temas como dor e opressão, pós-colonialismo, ruínas, nacionalismos, violência, militarismos, diversidade sexual e étnica, separatismos e meio ambiente estão em foco. Subjetivações singulares e instigantes aparecem nas obras de Ana Elisa Egreja, que mimetiza os discursos do grafite, transformando-os em matéria pictórica pronta para figurar no mercado de arte. Ou em Monira Al Qadri, que traz OR-Bit 1 (2016), em 3D, que flutua a partir de um sistema de ímãs. Ícaro Lira apresenta Museu do Estrangeiro (2015-2017), minicuradoria que integra artistas imigrantes da cena paulista, como Kuta Ndumbu (Angola), Shambuyi Wetu (Congo), Sara Ajlyakin (Síria). Pena que a obra esteja deslocada do eixo central expositivo, nas oficinas que resultam em espaço periférico da mostra. Os cinco programas de vídeo valem a pena, oferecem curtas e longas, como o do libanês RoyDib, Beit el Baher (2016), retrato das contradições e ambiguidades existenciais em um mundo que oscila entre a tradição islâmica e a atualidade. Mas esforços curatoriais podem se perder no Sesc Pompeia. A instalação do turco Koken Ergun sofre. Projetada para ser um ambiente imersivo, tornou-se decorativa com excesso de luz e sons que invadem a instalação, como vozes de crianças que correm enlouquecidas pelo espaço de convivência do Sesc. No segundo dia em que visitamos a mostra, o Programa 2 de filmes havia sido cancelado sem aviso. Verificamos que o Sesc Pompeia está em obras. Se considerarmos o espaço generoso do galpão Videobrasil, resta indagar por que a mostra, de grande porte, deve estar espremida em um espaço em reforma. Seria interessante a instituição repensar como dar à arte um tratamento específico. Talvez arte e lazer não possam estar num mesmo espaço, sem que a arte sofra pela inadequação do modo como está sendo mostrada. Eis aí um incômodo que não quer calar.


SÃO PAULO

LEVANTES DENTRO DE QUADROS PAULA ALZUGARAY

Quando a liberdade é ameaçada por vozes extremistas, um projeto sobre a insurgência torna-se necessário, embora careça de radicalismo O filósofo Georges Didi-Huberman observa que o historiador Aby Warburg preocupou-se, em sua obra, muito mais com a melancolia do que com o levante. No ensaio Através dos Desejos (Fragmentos Sobre o Que nos Subleva), ele aponta o que teria faltado a Warburg e sobrado em Walter Benjamin: o caráter destrutivo de um anarquista. A lamentação, escreve o filósofo, ocupa lugar central na historiografia de Warburg, materializada no painel 42 de seu Atlas Mnemosine. Toda a erudição do filósofo espraia-se no curador. Levantes, a curadoria de Didi-Huberman que o público paulistano tem a satisfação de usufruir até janeiro de 2018, tem a densidade de um ensaio. Cada uma das cerca de 200 obras expostas equivaleria à citação de um diferente autor. A organização espacial das obras em cinco dimensões de levantes – por conflitos, por palavras, por gestos, por elementos, por desejo – confere à mostra uma qualidade narrativa. Levantes é, indubitavelmente, a espacialização de uma pesquisa teórica, em que imagens de manifestações, revoluções e lutas políticas de todos os tempos atravessam a exposição como uma espinha dorsal. Mas, ainda que Didi-Huberman aponte que esta é uma exposição de imagens de levantes e não de levantes propriamente ditos (leia entrevista à pag. 78), é inevitável especular em que medida a representação – artística, literária ou documental – dá conta da potência do ato original que inspira a pesquisa. Estamos falando, afinal, do que nos

Frame do vídeo Idomeni, 14 mars 2016. Fontière Gréco-Macédonienne (2016), de Maria Koukouta, que aborda a migração síria na Europa

Levantes, até 18/1/2018, Sesc Pinheiros, Rua Paes Leme, 195, SP www.sescsp.org.br

subleva, nos tira do chão, do que se agita e irrompe das profundezas. Como a dança de Nildo da Mangueira com os Parangolés de Hélio Oiticica, fotografada. Ou um combate entre capoeiras do Rio de Janeiro desenhado por Rugendas em 1835. As imagens da exposição confirmam: o levante é uma questão essencialmente corporal. Por isso, surpreende que o projeto que mais se aproxima da performance seja o vídeo Vigília Carandiru (2016), de Nuno Ramos, exposto na fachada do Sesc apenas na noite de abertura. Surpreende mais ainda que o corpo do espectador esteja minimamente desafiado nessa exposição, cujo partido curatorial é bastante linear na escolha de linguagens e suportes – que não tendem a infringir formatos tradicionais. Nesse aspecto, a curadoria acaba por alinhar-se menos à destruição de Benjamin e mais à melancolia de Warburg. Quando a liberdade de expressão é ameaçada por vozes extremistas, um projeto como este torna-se necessário. Mas falta-lhe, talvez, radicalismo para infringir limites – de corpos, de instituições. Como fez o neoconcretismo de HO, saindo do quadro. Como fazem refugiados, representados no vídeo de Maria Koukouta, que documenta a tentativa de travessia da fronteira greco-macedônica. Sem dúvida um ponto alto da mostra, o vídeo é a realização da frase “sempre haverá uma criança que pule o muro”, que embasa o núcleo de levantes impelidos por “desejos (indestrutíveis)”. FOTO: PAULA ALZUGARAY


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1a BIENALSUR

TÃO GRANDE QUE SÓ PODE SER VISTA PARCIALMENTE LUISA DUARTE

Universidade argentina organiza cem exposições simultâneas, de Buenos Aires a Tóquio; os elos com a pesquisa distante do mercado e o cruzamento de fronteiras a partir do Sul são aspectos que merecem ser mantidos e desenvolvidos Este será um olhar parcial da 1ª Bienal Internacional de Arte Contemporânea da América do Sul (Bienalsur), pois reflete parte das mostras sediadas em Buenos Aires. Ao todo são cem exposições simultâneas, em 32 cidades de 16 países, da Argentina ao Japão. Organizada pela Universidad Nacional de Tres de Febrero (Untref), a Bienalsur conta com o reitor Aníbal Jozami (colecionador há 40 anos) como diretor-geral e Diana Wechsler como diretora artístico-acadêmica. Parte das exposições traz assinatura curatorial, mas a maioria é resultado de editais internacionais. Os organizadores criaram uma medição que afere Buenos Aires como sendo o quilômetro zero e Tóquio o quilômetro 18.370. O Sul é o ponto de partida da Bienal, mesmo que esta se espraie pelo mundo. Sabemos que pensar o hemisfério abaixo do Equador como local de enunciação vem sendo um leitmotiv há alguns anos tanto para artistas quanto para curadores, lembremos da última documenta de Kassel e o mote “Sul como estado mental”. A presente exposição, entretanto, não tem um tema central. Prova disso é a variedade de mostras vistas em dois dias de visita à capital argentina: um belo desfile de Ronaldo Fraga no Museu da Imigração, uma versão SELECT.ART.BR

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Detalhe da instalação Janelas do Tempo (2017) de Dias & Riedweg

1a Bienalsur De Buenos Aires a Tóquio, até 31/12 www.bienalsur.org

da mostra itinerante Take Me – I’m Yours, curada por Hans Ulrich Obrist e Christian Boltansky, inúmeras intervenções públicas, entre as quais a de Regina Silveira na fachada do Centro Cultural da Recoleta, e a de Pedro Cabrita Reis na entrada da Faculdade de Direito. Chama atenção, também, a instalação da dupla Dias e Riedweg na mostra Arte, Tiempo y Naturaleza, no Centro Cultural Mutref, no antigo Zoo de BA. Em Janelas do Tempo (2017), seis projeções mostram o ponto de vista de diferentes locais emblemáticos da capital argentina, captando, com uma câmera parada, 24 horas em sequência. Em jogo de edição, os artistas nos dão a ver diferentes tempos e velocidades dentro de uma mesma imagem. Vale mencionar ainda a coletiva La Mirada Que se Separa de los Brazos, de forte acento político, no emblemático Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, espaço dedicado a manter viva, através da arte, a lembrança das tragédias da ditadura argentina. Mostras de escala monumental não fazem mais sentido em um mundo marcado pelo excesso de informações, no qual predomina uma atenção dispersa. Mesmo que feita de inúmeras pequenas mostras, concentrar esforços e reduzir a escala pode ser saudável para o futuro da Bienalsur. Mas os elos com as universidades, com pesquisas distantes do ambiente do mercado, e a busca por cruzamento de fronteiras a partir do Sul são aspectos que merecem ser mantidos e desenvolvidos. FOTO: PAULA ALZUGARAY


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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


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SÃO PAULO

João Modé cria pequeno jardim e ocupa a Sala de Vidro do MAM-SP com a instalação Land (2014-2017)

FRAGILIDADE AO ATRELAR ARTE DE HOJE AO PASSADO DANIELA BOUSSO

O 35º Panorama não sinaliza outras questões que emergiram na arte contemporânea, para além dos seis aspectos ressaltados por Hélio Oiticica O 35º Panorama – Brasil por Multiplicação trouxe 20 artistas para o MAM-SP, com linguagens e poéticas conflitantes em evidência, “para fazer frente às narrativas hegemônicas das instituições”, escreve o curador Luiz Camillo Osório. Vídeos, fotografias, instalações, performances, palavra escrita, dança e arquitetura desenham os plurais da contemporaneidade artística. Imaginários diversos assinalam polaridades como selva e metrópole, centro e periferia, natureza e cultura. Essas palavras-chave, comuns à maior parte das mostras no planeta, são tratadas nesta edição como um traço identitário brasileiro particular, na esteira do texto Esquema Geral da Nova Objetividade (1967), de Hélio SELECT.ART.BR

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35º Panorama da Arte Brasileira – Brasil por Multiplicação até 17/12. Museu de Arte Moderna de São Paulo. Parque do Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - Portão 3) www.mam.org.br

Oiticica. Naquele momento, o artista ressaltava seis aspectos da arte brasileira: vontade construtiva, tendência para o objeto, participação do espectador, abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos sociais e éticos, tendência para proposições coletivas, ressurgimento e novas formulações do conceito de antiarte. Cabe indagar se hoje há uma arte que podemos chamar de brasileira do modo indicado pela curadoria. E, se houvesse, essa busca identitária estaria apenas ao redor das características apontadas por Oiticica? O partido curatorial fragiliza-se ao atrelar a arte de hoje ao passado. Não há dúvida de que os desígnios de Oiticica foram devidamente incorporados pelas gerações de artistas que se seguiram a ele. Mas o tempo passou e outras questões emergiram na nossa arte. Concernem a problematizações locais sim, mas são, sobretudo, globais. O 35º Panorama traz obras atuais e potentes, como a videoinstalação Compasso (2014), de Karim Ainouz e Marcelo Gomes, ou Land (2014-2017), trilha florestal de João Modé, que merecem leituras mais contemporâneas. Gênero, revisão do passado colonial e ambiguidades marcam discursos de obras de artistas como Clarice Hoffmann e Lourival Cuquinha, o coletivo Mahku – movimento dos artistas Huni Kuin. Finalmente, a arte dos próprios indígenas incorporada em uma mostra institucional é um acerto da curadoria. Resta só um incômodo: como “fazer frente às narrativas hegemônicas institucionais e abrir espaço para a arte”, se o assunto central que reverbera desta mostra é a censura? Após manifestações do meio artístico aos brados de Somos Todos MAM, em resposta à censura truculenta do MBL à performance La Bête, em que Wagner Schwarz atuou nu na abertura da mostra, o vídeo-registro da obra estava desligado. Segundo informações no museu, assim permanecerá. FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


CINEMA

INSTINTO SELVAGEM PAULA ALZUGARAY

Palma de Ouro em Cannes, The Square explora a vida dentro e fora do cubo branco O humor é uma ausência lamentável na arte contemporânea. Quando o artista se utiliza desse recurso com habilidade e a devida complexidade, o trabalho pode atingir nuances libertadoras. Este é o caso de Manifesto (2015), de Julian Rosefeldt (leia crítica na página

110). Mas, quando o humor é usado com sarcasmo para falar do caráter hermético da arte contemporânea, é fácil cair em clichês – o que acontece, por exemplo, em A Grande Beleza (2013), na cena que retrata o teatro do absurdo em que se transforma um ato performático. The Square, filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2017, poderia cair na vala comum das piadas que usam a ignorância como combustível. Mas, ao contrário do que afirmam resenhas publicadas em jornais brasileiros, que atribuem ao roteiro do diretor sueco Ruben SELECT.ART.BR

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Cena do filme The Square, de Ruben Östlund

The Square Direção e roteiro Ruben Östlund, com Claes Bang, Suécia, 2017, 142 min, a partir de 4/1/2018

Östlund uma crítica ao pedantismo e/ou charlatanismo da arte, o filme dá uma inspiradora e despretensiosa lição sobre a linguagem cifrada da arte contemporânea. A história gira em torno do curador-chefe – também nomeado diretor artístico – de um grande museu. E a aula que Christian, vivido pelo ator Claes Bang, dá ao espectador versa sobre as correlações entre a arte contemporânea e a vida prosaica; e entre a ficção e a realidade. O curador, protagonista de The Square – dir-se-ia, também, do mundinho da arte – é um porta-voz não só da instituição, mas das intenções do artista. Ele é o responsável por fazer a interface entre as proposições criativas mais abstratas, ousadas e transgressoras do artista e o mais profundo desconhecimento de causa que o grande público tem do que se passa dentro do “cubo branco”. As fricções e tensões entre esses dois mundos são tratadas pelo diretor com inteligência e malícia. A relação entre o título The Square e o cubo branco, termo que define o ambiente – neutro e protegido – em que a arte acontece desde o modernismo, não é mera coincidência. Intencionalmente, ou não, a “bolha” em que a arte contemporânea se resguarda de comuns mortais ganha como metáfora a obra The Square, supostamente de autoria de Lola Arias – que não é ficção, mas uma artista e escritora que vive e trabalha na Argentina. Segundo o curador protagonista anuncia no início do filme, a obra instalada na calçada, do lado de fora do museu, convida os transeuntes ao altruísmo e à tolerância em situações de risco. Mas essa proposição é logo colocada de lado – e a bolha do mundo da arte é estourada – quando o curador tem seu aparelho celular roubado nas ruas de Estocolmo. Moral da história: dentro do quadrado da arte, onde artistas e instituições não podem ter medo de pressionar limites, tudo pode acontecer. Até o despertar dos instintos mais selvagens. FOTO: DIVULGAÇÃO


Ministério da Cultura apresenta:

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Bienal de Curitiba ’17 中国 China - país homenageado de 31 de setembro de 2017 a 25 de fevereiro de 2018 WWW.BIENALDECURITIBA.COM.BR FACEBOOK.COM/BIENALDECURITIBA

PATROCÍNIO

PAÍS HOMENAGEADO

中华人民共和国文化部 Ministério da Cultura da República Popular da China

中华人民共和国 驻巴西联邦共和国大使馆 Embaixada da República Popular da China no Brasíl

中华人民共和国 驻圣保罗总领事馆 Consulado Geral da República Popular da China em São Paulo

marca BANDEIRA/SEEC REALIZAÇÃO

Marca sobre fundo claro

Marca sobre fundo escuro

FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


CINEMA

SARCÁSTICO,

Cate Blanchett no papel da mãe conservadora reza o manifesto I Am For an Art (1961), de Claes Oldenburg

MAS INTELIGENTE MÁRION STRECKER

O que tem o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels a ver com manifestos dada, situacionistas, futuristas, surrealistas ou da arte conceitual? Nada, exceto o sentido de urgência e a vontade de convencimento. Seus autores têm uma visão crítica do presente e idealizam o futuro. Muitos manifestos têm caráter revolucionário e estão repletos de exageros. Manifestos artísticos frequentemente abusam de metáforas, com função retórica, e são escritos de maneira poética. Servem também para surpreender, fazer rir e estimular a imaginação do leitor ou ouvinte. Lido em seu tempo, um manifesto em geral faz mais sentido, pelo contexto. Lido muito tempo depois por uma grande atriz, interpretando personagem que em nada se relaciona com o original, bem, aí pode resultar em puro sarcasmo. O longa-metragem Manifesto, de Julian Rosefeldt, estreou no Brasil durante a Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro. Antes de virar SELECT.ART.BR

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Manifesto (2017), filme de Julian Rosefeldt, com Cate Blanchett, 94 min www.julianrosefeldt.com/ film-and-video-works/ manifesto-_2014-2015

filme, vinha sendo apresentado como instalação, com grandes telões em sala escura, cada um exibindo um personagem. Muitas cenas parecem ridicularizar os textos que lhe deram origem, arrancando risadas da plateia. Exemplo: uma tradicional mãe de família está à mesa com os filhos e o marido, todos de olhos fechados e mãos unidas, simbolizando a submissão do homem diante de seu Criador. A mãe, muito rígida, dá início à reza antes do jantar. Em vez de uma oração, ela recita o Manifesto de Claes Oldenburg chamado Sou a Favor de uma Arte (1961). “Sou a favor de uma arte que seja mítico-erótico-política, que vá além de sentar sua bunda num museu”, começa o texto. E prossegue: “Sou a favor de uma arte que tome suas formas das linhas da própria vida, que gire e se estenda e acumule e cuspa e goteje, e seja densa e tosca e franca e doce e estúpida, como a própria vida”. Quando um filho expressa discretamente estranhamento, é logo reprimido pelo olhar da mãe. Cate Blanchett dá um show de interpretação nos 13 papéis que representa, entre eles o de uma apresentadora de telejornal, uma artista de marionetes, uma operadora de máquina que revira sucata, um sem-teto ou uma oradora de funeral. Os textos são radicais e muito interessantes, como o Manifesto Dada, de Tristan Tzara, os Manifestos do Surrealismo, de André Breton, e os textos de Lars von Trier que embasam o movimento cinematográfico Dogma 95. Só faltou Cate Blanchett ler o Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. | Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. | Tupi or not tupi, that is the question”. FOTO: DIVULGAÇÃO


APRECIE COM MODERAÇÃO

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A MARCA

Nas planícies subequatoriais da África, as árvores de

A NOVA GARRAFA

O formato da nova garrafa é uma

Marula crescem livres e produzem frutos só uma vez por ano. Os elefantes

homenagem aos elefantes, com suas majestosas presas de marfim

africanos atravessam quilômetros para se deliciarem com as Marulas

esculpidas no vidro. O nome desta nova garrafa é ‘Jabulani’, que na língua

amadurecidas pelo sol. É lá que os encontramos e, juntos, colhemos a fruta

nativa Zulu significa ‘muito feliz’. Com tudo isso, a marca levanta uma

com mãos e trombas. Dessa fruta é feito o líquido que nós fermentamos,

importante bandeira na luta contra a extinção destes animais maravilhosos

destilamos e amadurecemos em barris de carvalho francês por 2 anos, para

- tanto no ponto de venda como na casa de cada um de nossos

então misturar com nosso creme aveludado. Amarula é 100% produzida na

consumidores.

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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


XX

CINEMA

EXCESSOS E PIEGUICES LUANA FORTES

Ao tentar retratar a artista Maria Martins, documentário tira vantagem da qualidade de sua produção e curiosa história pessoal Um documentário que propõe retratar a vida e a obra de Maria Martins esbarra num entrave. Como falar sobre o romance da artista com Marcel Duchamp sem parecer fofoca? O desafio dos diretores Francisco C. Martins e Elisa Gomes em Maria – Não Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos era justamente falar sobre a artista sem deixar que ela caísse em títulos como “amante de Duchamp”, ou “embaixatriz, esposa de Carlos Martins”. No entanto, as entrevistas realizadas no filme, com pessoas como seus familiares, o curador Paulo Herkenhoff e o diretor do Museu de Arte da Virgínia (EUA), Michael Taylor, ficam mais instigantes conforme se aproximam da vida pessoal e amorosa de Maria. O filme falhou em contrabalancear produção artística vs. intimidade. SELECT.ART.BR

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A atriz Lucia Romano lê cartas de autoria de Maria Martins, sentada em cenário elaborado com registros de obras da artista

Maria – Não Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos (2017) Direção - Francisco C. Martins e Elisa Gomes Entrevistas - Malu Mader. Atores - Lucia Romano, Celso Frateschi, 81 minutos, a partir de novembro

Considerando sua obra, que muito lidava com formas livres e orgânicas apesar de figurativas, a rigidez com que o documentário exibe cada trabalho provoca desarmonia. Fundos excessivamente brancos acompanhados de filmagens hiperpoderosas fazem parecer que nem ao ver uma escultura à sua frente seria possível enxergar tamanha riqueza de detalhes. A trilha sonora, uma espécie de clichê do jazz-música-de-elevador, completa o conjunto e adere ao requinte excessivo. Cartas e entrevistas de autoria de Maria ou Duchamp são lidas no decorrer do filme pelos atores Lucia Romano e Celso Frateschi, enquanto ambos sentam em cenários elaborados com registros de trabalhos da artista. Certas vezes olham para o papel em suas mãos, outras, para o próprio espectador. Mas o que deveria conferir um elo de ligação com o público escorre por tons teatrais e dramáticos. Ouvem-se, assim, as respostas de Maria Martins a Clarice Lispector, que soam como pieguices. Não fosse a qualidade da produção da artista e o sintoma contemporâneo de se interessar pela vida pessoal de qualquer um, Maria – Não Esqueça Que Eu Venho dos Trópicos somente deixaria a desejar. Mas, já que isso é dado de bandeja aos diretores, o mérito do documentário é escolher um assunto que intriga e entretém. FOTO: DIVULGAÇÃO


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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER


EM CONSTRUÇÃO

DE TIJOLO EM TIJOLO O CURADOR JOSUÉ MATTOS LEVANTA O CENTRO CULTURAL VERAS, EM FLORIANÓPOLIS, COM PARCERIAS E FINANCIAMENTO COLETIVO

Luminarialuz (2017), de Regina Silveira, é um dos trabalhos que compõem o Programa de Múltiplos do CCV SELECT.ART.BR DEZ/JAN/FEV 2018

Florianópolis já pode esperar por um novo centro cultural com atividades artísticas, educativas e integrativas. Com construção prevista para 2018, o Centro Cultural Veras (CCV) será articulado a partir dos núcleos arte, educação, sustentabilidade e ioga. A iniciativa é do pesquisador e curador Josué Mattos, que decidiu aproveitar a visibilidade do Prêmio Marcantonio Vilaça, que venceu em 2017 na categoria Curadoria, para levar a construção adiante. Escolheu o escritório Terra e Tuma Arquitetos Associados para desenvolver o projeto, com a colaboração de Alvaro Razuk, reconhecido por arquitetar grandes exposições de arte, como a 32ª Bienal de São Paulo. “O altruísmo do projeto e a localização privilegiada do sítio apresentam-se como uma oportunidade ímpar na história da construção da cidade”, afirmam os associados da Terra e Tuma. “Há alguns centros culturais em Florianópolis, mas que se valem de construções antigas. É a primeira vez que um arquiteto contemporâneo faz um prédio do zero para isso”, diz Mattos à seLecT. O projeto está em etapa de captação de recursos. Para isso, conta com o apoio de artistas, parceiros e patrocinadores. Durante a feira de arte PARTE, que ocorreu entre 9 e 12 de novembro, o CCV marcou presença com o Programa de Múltiplos. Jorge Menna Barreto, Regina Silveira, Sandra Cinto e Albano Afonso colaboraram cada qual com um múltiplo com tiragem de 90 exemplares. O conjunto está sendo vendido por R$ 4,5 mil. Até 10/11 haviam sido arrecadados R$ 45 mil com o programa. Outras pequenas coleções como esta estão previstas. Ricardo Basbaum também contribuiu com camisetas e obras no valor de R$ 10 mil na mesma ocasião. Além disso, o CCV desenvolveu o projeto Construtores do Veras, que busca doações para a compra de materiais necessários para a obra do prédio, que terá 1,1 mil metros quadrados. Foi dessa forma que negociaram acordos para garantir o funcionamento da parte hidráulica e elétrica do edifício. Também nos planos está realizar leilões para arrecadar fundos, com obras doadas por artistas como Laura Belém, Thiago Martins de Melo e Bruno Miguel. De apoio em apoio, assim se amontoam os tijolos que constituirão o centro cultural. Em época de injúrias direcionadas à arte, nada mais pertinente do que viabilizar um espaço artístico com seus próprios agentes. LUANA FORTES FOTO: EDUARDO VERDERAME


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