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A R T E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A

ANDREA ZITTEL ARTUR LESCHER LUCAS BAMBOZZI LAURA VINCI YAYOI KUSAMA

LIXO ELETRÔNICO A SUJEIRA DOS EQUIPAMENTOS QUE CARREGAMOS N OS B O L SOS

SALVE RIO+20 CULTURA DIGITAL , ECOLOGIA , INDÚSTRIA , SOCIEDADE E URBANISMO EM DOSSIÊ ESPECIAL

CURTO-CIRCUITO A ARTE PODE SALVAR O MUNDO? TRÊS RESPOSTAS E UMA POLÊMICA

Elemento condutor de ideias, a água é o motor e a questão do século 21 A dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima fala sobre os significados da água em seu trabalho ABR/MAI2012 ANO 02 EDIÇÃO 05 R$ 14,90

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Banco do motorista com controles elétricos e 2 memórias

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Escapamento com dupla saída e ponteiras esportivas

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Volante multifuncional: computador de bordo com 8 funções, piloto automático – Cruise Control, função Eco e controle do sistema de áudio

Transmissão automática 6 marchas com opção de trocas sequenciais e paddle shift

Cinto de segurança salva vidas.






index

ÁGUA E ARTE CILDO MEIRELES CRIOU UM SÓLIDO DISCURSO ECOLÓGICO COM ESTE PICOLÉ, QUE FEZ SUCESSO EM KASSEL

62

36 CULTURA DIGITAL

42 ARTES VISUAIS

80 ENTREVISTA

108 ARQUITETURA

114 D ES I G N

E-green 20 milhões de toneladas de eletrônicos são descartados no mundo anualmente

Ecoartistas Propostas para solucionar problemas ambientais em obras que envolvem design, arquitetura e urbanismo

Paul Watson O lobo-do-mar luta contra a caça ilegal de animais marinhos e usa uma bandeira pirata no seu navio

Laboratório urbano As favelas são essenciais para repensar soluções para as cidades, diz o urbanista Stefano Boeri

Tecnoartesanato Aproximação entre artistas e comunidades de artesãos leva arrojo criativo a um novo design sustentável

FOTO: CORTESIA GALERIA LUISA STRINA


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index 102 FICÇÃO CIENTÍFICA

20.000 léguas O mundo submarino e os desastres ecológicos são temas pioneiros da ficção científica

89 DOSSIÊ

72

Rio+20 Um raio X multimídia aponta problemas e soluções da capital do meio ambiente do século 21

MODA

De alma lavada A sensualidade a flor da pele dos tecidos molhados, lavados e escorridos

52

PO RTFÓ LIO

Artur Lescher Rios de imagens e materiais atravessam a pesquisa e os fluxos da obra do artista paulistano

SEÇÕES 12 EDITORIAL | 16 CARTAS | 21 NAVEGAÇÃO | 32 TRIBOS | 34 MUNDO CODIFICADO| 48 TERRITÓRIO 120 CRÍTICA | 122 REVIEWS | 125 SELECTS | 126 COLUNAS MÓVEIS | 128 DELETE | 129 OBITUÁRIO | 130 REINVENTE


www.lucianabritogaleria.com.br

maio - junho 2012


editorial Paula Alzugaray

12

Insípida, inodora e incolor A água é o elemento condutor das ideias da quinta edição de seLecT. Em tempos de aquecimento global, acidificação do oceano, falta de oxigênio nos mares e contaminação dos rios, a água lidera o ranking das vulnerabilidades do mundo. A água que, na origem dos tempos, determinou o posicionamento das cidades e desenhou o nosso mapa geopolítico e que hoje é sinônimo de comunicações cada vez mais fluidas e velozes precisa da nossa atenção. Como está hoje o alinhamento dos mais diversos campos da cultura em relação ao meio ambiente? Como os artistas se posicionam? Como a natureza transforma o artista e sua obra? seLecT toma parte do processo preparatório para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e concebe a edição Código Água, publicada dois meses antes do grande evento, que acontece no Rio de Janeiro, entre 13 e 22 de junho. Apesar da clássica definição, a água, na seLecT, não é insípida, nem inodora, nem incolor. A água é matéria artística, como aponta a editora Angélica de Moraes no texto “Sólido, líquido, gasoso: os três estados da arte”, e tem o amargo gosto do desaparecimento, como sugerido na obra Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido, o célebre picolé de água de Cildo Meireles, exposto na Documenta 11, em Kassel. Tem gosto de natureza em desmoronamento, como relata Felipe Chaimovich na coluna móvel “On the rocks”, que descreve a degustação de gelo glacial como atração turística dos cruzeiros na Patagônia. E, sobretudo, a água tem cor: é azul fluorescente, como emana da instalação Zero Hidrográfico, de Gisela Motta e Leandro Lima, que estão na capa dessa edição. No Portfólio, o corpo da obra de Artur Lescher pode ser comparado a um curso d’água. E, em matéria de literatura, a repórter Nina Gazire disserta sobre como a ficção científica aquática viaja do mistério das profundezas do mar à indústria de exploração da água e às catástrofes ambientais. A água nos conduz também ao mundo das comunicações fluidas e das conexões móveis. A editora-chefe Giselle Beiguelman abre os olhos para a produção de e-lixo e as ambivalências da era da mobilidade e pergunta: quanto pesa a vida sem fio? A questão traz à tona, finalmente, as perspectivas do verde e da arte pós-utópica. A repórter Juliana Monachesi passeia pelas biosferas de bolso, as unidades habitacionais autossustentáveis e as micropaisagens que irrigam as relações entre cultura e meio ambiente. E, finalmente, imbuídos do espírito ecológico e das transformações ambientais de nosso tempo, o diretor de arte Ricardo van Steen e o designer Bruno Pugens elegem como caminho tipográfico desta edição as fontes magras, com pouca tinta.

Paula Alzugaray D i reto ra d e re d a ç ã o

Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Angélica de Moraes

Juliana Monachesi

Nina Gazire

Bruno Pugens

Anna Guirro

Hassan Ayoub

Mariel Zasso

Adriano Vanni ILUSTRAÇÕES: RICARDO VAN STEEN, A PARTIR DO APLICATIVO FACE YOUR MANGÁ


marcelo silveira

chronos

23.03 > 28.04.2012 avenida europa 655 são paulo sp brasil t 55 (11) 3063 2344 info@nararoesler.com.br www.nararoesler.com.br


expediente

14

A R T E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY EDITORA-CHEFE: GISELLE BEIGUELMAN EDITORA DE ARTES VISUAIS: ANGÉLICA DE MORAES DIREÇÃO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN REPÓRTERES: JULIANA MONACHESI E NINA GAZIRE COLABORADORES

Felipe Chaimovich, Fernando Serapião, Gabriel Kogan, Ivana Bentes Oliveira, Ludovic Carème,

AN D RE A Z I T T E L ART U R LESC H E R DAN I E L LI B ES K I N D LAU RA VI N C I YAYO I KU SAM A

L I XO E L E TR Ô N I CO A S UJE I RA D OS EQU I PAM E N TOS QUE CARREGAMOS N OS B O L SOS

SA LV E R I O +2 0 CU LT U RA D I GI TAL , ECO LO GI A , I N D Ú ST RI A , SO C I E DAD E E U RBAN I S M O E M D OSS I Ê ES P EC I AL

CU RTO-CIRCUITO A ART E P O D E SALVAR O M U N D O? T RÊ S RES P OSTAS E U M A P O LÊ M I CA

Elemento condutor de ideias, a água é o motor e a questão do século 21 A dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima fala sobre os significados da água em seu trabalho

Foto: Ludovic Carème Tratamento de imagem: Leo Vas

Marcos Vinícius Faustini, Maurício Ianês, Nelson Brissac, Renata Motta, Ronaldo Lemos, Sheila Leirner, Zee Nunes PROJETO GRÁFICO

Cassio Leitão e Ricardo van Steen

DESIGNER

Bruno Pugens

ESTAGIÁRIO

Adriano Vanni

PRODUÇÃO

Anna Guirro

PESQUISA DE FOTOGRAFIA

Vera A. Esteves

COPY-DESK E REVISÃO

Hassan Ayoub

PRÉ IMPRESSÃO

Retrato Falado

CONTATO SERVIÇOS GRÁFICOS OPERAÇÕES E VENDA AVULSA

faleconosco@select.art.br GERENTE INDUSTRIAL: Fernando Rodrigues COORDENADORA GRÁFICA: Ivanete Gomes DIRETOR: Gregorio França GERENTE GERAL: Thomy Perroni ASSISTENTES: Luiz Massa, André Barbosa e Fábio Rodrigo OPERAÇÕES LAPA: Paulo Paulino e Paulo Sérgio Duarte COORDENADOR: Jorge Burgati ANALISTA: Cleiton Gonçalves ASSISTENTE SÊNIOR: Thiago Macedo ASSISTENTES: Aline Lima e Bruna Pinheiro AUXILIAR: Caio Carvalho ATENDIMENTO AO LEITOR E VENDAS PELA INTERNET: Dayane Aguiar. LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO DE ASSINATURAS: COORDENADORA: Vanessa Mira COORDENADORA-ASSISTENTE: Regina Maria ASSISTENTES: Denys Ferreira, Karina Pereira e Ricardo Souza

MARKETING

DIRETOR: Rui Miguel GERENTES: Débora Huzian e Wanderly Klinger REDATOR: Marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Eric Müller ASSISTENTE DE MARKETING: Marciana Martins e Thaisa Ribeiro

PUBLICIDADE

DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco GERENTE: Ana Lúcia Geraldi SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADM. DE PUBLICIDADE: Maria da Silva GERENTE DE COORDENAÇÃO: Alda Maria Reis COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias AUXILIAR: Marília Gambaro CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi GERENTES EXECUTIVAS: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/CAMPINAS: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (19) 3579-6800 SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/BELO HORIZONTE: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/CURITIBA: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEGRE: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIFE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/FLORIANÓPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/ VILA VELHA: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/ARACAJU: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado COORDENADORA: Simone F. Gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e Marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. Forjaz REDATOR: Bruno Módolo

ASSINATURAS

DIRETOR: Edgardo A. Zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderley Quirino SUPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TEL.EMARKETING: Anderson Lima GERENTE DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Elaine Basílio GERENTE DE TRADE MARKETING: Jake Neto GERENTE GERAL DE PLANEJAMENTO: Reginaldo Marques GERENTE DE OPERAÇÕES DE ASSINATURAS: Carlos Eduardo Panhoni GERENTE DE TEL.EMARKETING: Renata Andrea GERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen ; GERENTE DE PROJETOS ESPECIAIS: Patrícia Santana

SELECT é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. COMERCIALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 IMPRESSÃO: EDITORA TRÊS LTDA., Rodovia Anhangüera, Km 32,5 Cajamar – SP – CEP 07750-000

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cartas

Acho a revista excelente, com uma mistura inteligente de áreas culturais que faz com que o público leigo em arte acabe tendo contato com ela a partir do interesse por esses múltiplos assuntos. Sabemos que uma revista especializada em arte atrai apenas o público também especializado, o que é uma pena. Nesse sentido, acho a seLecT revolucionária. Alexandre Dias Ramos , editor da Zouk

O mais interessante neste Delete do abadá é que assistir de camarote à passagem dos trios elétricos e foliões abadazados é bastante desinteressante. Já o carnaval de rua mesmo, subindo o Pelourinho, por exemplo, é lindo, divertido, uma delícia. Não tem preço... Cecilia Pinto, via Facebook

Adoro a seLecT. Eu a leio todinha, anoto indicações de sites e o escambau. Parabéns! Linda revista! Tadeu Junglei, artista e cineasta

Não conhecia a seLecT e, por acaso, ao clicar em um link que um amigo postou no Twitter, acabei conhecendo-a. Li matérias e artigos no site e gostei da proposta da revista e do tipo de texto que vocês fazem. Emílio Baraçal, roteirista de cinema, quadrinhos e games

A seLecT é a melhor revista de arte, cultura e tecnologia editada hoje no Brasil. É uma lição à caretice de outras publicações dedicadas à cultura. Espero que vocês, no futuro, não se rendam a vampirismos que costumam abalar as melhores revistas. Alemar Rena, professor e músico

Olha só: a miniatura da capa numa propaganda de uma revista num consultório me chamou a atenção; aí fui procurar, fiquei curioso; comprei uma hoje; amanhã irei assinar - antes a Bravo! era um mal necessário, agora temos uma publicação descendo do pseudo pedestal do novo academicismo. E, sim, ganharam um leitor. João Grando, via Facebook

Gosto muito do conceito da revista e de todos os assuntos abordados por vocês. A seLecT veio somar cultura à massa! Alberto de Andrade Neto, estudante de museologia na UFSC

A ideia de ter a transcriação como assunto central torna a revista muito interessante e adaptada à nossa geração. Sou estudante de jornalismo e, sinceramente, já estava quase desistindo da graduação por ver sempre mais do mesmo nessa área. Mas a seLecT me fez acreditar que é possível fazer jorna-

FOTO: CORTESIA GALERIAS GAVIN BROWN’S ENTERPRISE E MICHAEL WERNER, NOVA YORK

lismo cultural com espaço para textos que vão além dos noticiários sobre pequenos fatos do dia a dia. Carollyne Lage,

A RT E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A

O L A F B RE U NI NG TONY B E L LOT TO JAC L E I RNE R A NTO NI M U NTA DAS CO NSTA NT DU L A A RT

DO CAIRO À CRACOLÂNDIA, O CU PAÇ Õ ES R E I N VE N TAM A P O L Í TI CA

É P R EC I SO S E R J OV E M ? PS I CAN AL I STA , D E RM ATO LO G I STA E F I L Ó SO FO RES PO ND E M

M U RA K A M I O JA PONÊS QUE BOTOU WARHOL NO C H I NE LO

estudante

Gente, vocês estão enterrando o computador pessoal? E com o tablet como coveiro? Eu acho que isso é como quando enterraram o cinema com a tevê. Ou a tevê com a internet. Está um pouco cedo para um obituário do PC. Gustavo Laet Gomes, Belo Horizonte

The Band, de Olaf Breuning

FEV/MAR 2012 ANO 02 EDIÇÃO 04 R$ 14,90

I S SN

A infantilização da cultura em tempos de Big Brother 2 2 3 6 - 3 9 3 9

ESPECIAL 3D COM ÓCULOS PARA VER IMAGENS DE NOVO FILME EM ULTRA-HD 9 7 7 2 2 3 6

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4

Esta quarta edição está sensacional. Gostei muito. Jefferson Peres, via Twitter

Adorei a capa, as matérias sobre a era do capitalismo fofinho e sobre o Murakami. Genial. Dimitri Mussard, diretor da importadora Acaju do Brasil

Nós estamos muito felizes com a cobertura da VIP Art Fair pela seLecT e queremos agradecer porque nossos visitantes do Brasil aumentaram 277% em relação à edição inaugural da feira. Jane Cohan, co-diretora da VIP Art Fair

Sou chilena, estive no Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco, onde conheci a seLecT e fiquei encantada com a publicação de vocês! María J. A. Barrera, via Facebook

Foi mal

Na página 53 da seLecT 02, os dados corretos sobre a pintura de Peter Doig são: Paragon (2006), óleo sobre linho. A obra pertence à coleção Rachofsky, de Dallas (EUA).

escreva-nos rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP cep 01246-030

revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br



colaboradores

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Ronaldo Lemos

Ivana Bentes Oliveira

Renata Motta

Fernando Serapião

Maurício Ianês

Professor visitante da Universidade de Princeton (EUA) e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, RJ. Foi curador do Tim Festival. – RIO+20 P 90

É pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ. Participa das Redes Mídias Livre, Cultura Digital e Universidade Nômade. – RIO+20 P 98

É doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e diretora do Sistema Estadual de Museus de São Paulo. – SELECTS P 125

É crítico de arquitetura, colaborador de Folha S.Paulo e editor da revista Monolito. Autor de A arquitetura de Croce, Aflalo & Gasperini (Paralaxe). – ARQUITETURA P 108

É artista visual. Participou da 28º Bienal de São Paulo. No campo da moda, trabalhou com Alexander McQueen e colabora com Alexandre Herchcovitch. – MODA P 72

Ludovic Carème

Zee Nunes

Felipe Chaimovich

Fotógrafo francês, tem o retrato como especialidade. Colabora com publicações internacionais como Libération, New York Times e The Guardian. – CAPA

Nasceu em Moçambique e veio para a Bahia aos 16 anos. Depois da carreira de modelo, tornou-se fotógrafo e diretor de desfiles da SP Fashion Week. – MODA P 72

É doutor em filosofia pela USP, curador e professor da Faap. Autor de Greenberg After Oiticica, em The State Art Criticism (Routledge). – COLUNAS MÓVEIS P 127

Sheila Leirner

Marcos Vinicius Faustini

Ana Carla Fonseca Reis

Gabriel Kogan

É crítica de arte, jornalista e curadora. Vive e trabalha em Paris desde 1991. Foi curadora-geral da 18 º e 190 bienais de São Paulo. – CRÍTICA P 120

É diretor de teatro e documentarista carioca. Autor do livro Guia Afetivo da Periferia. – RIO+20 P 93

É assessora para a ONU em economia criativa, economista e Doutora em Urbanismo pela USP. – RIO+20 P 97

É arquiteto e urbanista. Mestrando no Unesco-IHE (Holanda) sobre gerenciamento hídrico em São Paulo. – COLUNAS MÓVEIS P 126



A EMOÇÃO JÁ COMEÇOU. Confira a seguir mais uma matéria sobre os Jogos Olímpicos de Londres-2012. E acompanhe também outras informações nas versões para tablet, mobile e internet. Com a Editora Três, você já pode viver todas as emoções do maior evento esportivo do mundo. www.editora3.com.br

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ESTILO

JOGOS DA MODA Abertura das Olimpíadas vai ter uniformes assinados por estilistas famosos

As Olimpíadas são muito mais que um evento esportivo. Além de reunir torcedores e atletas, elas são também um palco de celebração da tecnologia e de indústrias que tangenciam a prática das distintas modalidades. O destaque especial fica para a área de moda. Foise o tempo em que os atletas andavam de calção tipo samba-canção e as moças com horrendos shortinhos “balonê” de gosto duvidoso. Não só os jogos tornaram-se verdadeiros laboratórios para a indústria têxtil, nos quais são testadas e aprovadas novas linhagens de fios e tecidos, como todo o design e o acabamento das roupas são hoje uma questão de estilo a toda prova. E neste ano, nos Jogos de Londres, a abertura e o encerramento do evento prometem transformarse em verdadeiras passarelas. Os atletas do país anfitrião vêm vestidos com uniformes assinados por Stella McCartney. A Itália não vai deixar por menos. Entra e sai de Armani. Os EUA vão de Ralph Lauren. Os Jogos prometem. GB PATROCÍNIO

PEÇAS DA ESTILISTA STELLA MCCARTNEY, QUE RESPONDE PELA DIREÇÃO DE CRIAÇÃO DA ADIDAS NAS OLIMPÍADAS DE LONDRES FOTOS: FRANCOIS DURAND/GETTY IMAGES E DIVULGAÇÃO


ÁGUAS

FONTES DE INSPIRAÇÃO

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Ana Maria Tavares faz elo entre projeto paisagístico de Burle Marx e bacias hidrográficas brasileiras

A água é tema recorrente nos trabalhos da artista Ana Maria Tavares. Atualmente, ela atua no projeto de uma instalação intitulada Rio Negro (Vitórias-Régias para Burle Marx), que estabelece elos entre o projeto paisagístico modernista e as bacias hidrográficas brasileiras. O novo trabalho dialoga com uma pesquisa hidrológica realizada pela artista em 2008, durante a Sonsbeek, tradicional evento relacionado à escultura, que acontece na Holanda desde 1949. Na ocasião, a artista realizou uma série de intervenções paisagísticas na cidade de Arnhem, usando como inspiração os mananciais locais. O trabalho The Secret of the Waters (for Mnemosyne) – em português, O Segredo das Águas (para Mnemosyne) –, partiu de uma investigação em busca das fontes de águas que são escassas naquela região, devido a uma série de precedentes geológicos. Com ajuda de um engenheiro de solo, foram marcados com discos de pedra os cinco mananciais encontrados. Ao fim do trabalho, a artista reuniu a comunidade da cidade holandesa em uma performance que fazia referência à lavagem da Igreja do Bonfim, em Salvador, onde os participantes carregavam, pelas ruas da cidade, uma rede feita de fitas. O trabalho foi repetido em 2009, no museu Kröller-Müller, localizado dentro do parque Hoge Veluwe National Park, em Otterlo, também na Holanda, onde a artista mapeou e marcou com grandes espelhos redondos cerca de 81 nascentes e riachos. A obra foi adquirida para a coleção permanente do museu. NG OBRA O SEGREDO DAS ÁGUAS, DE ANA MARIA TAVARES, INCLUI MAPEAMENTO DE FONTES E PERFORMANCE

JORNALISMO

PARCERIA COM A SP-ARTE seLecT participa da oitava edição da maior feira de arte do País, que traz novidades na estrutura e no espaço ocupado

Ampliada para ocupar os três pavimentos do pavilhão da Bienal de São Paulo, no Parque do Ibirapuera, a maior feira de arte do País abre ao público, dia 10 de maio, com algumas mudanças também na estrutura de funcionamento. Uma das novidades é o Núcleo Editorial, que vai sediar no terceiro andar um lounge com computadores para o público acessar o hotsite alimentado com notícias sobre a feira e entrevistas com artistas e personalidades do meio que transitam pelo local. Os conteúdos editoriais serão produzidos por um pool de revistas de arte, que conta com a participação da seLecT e inclui ainda as revistas Das Artes (RJ) e Arte Brasileiros (SP), além de Art Nexus (Colômbia) e La Fabrica (Espanha). SeLecT vai deslocar para a SP-Arte sua equipe de repórteres e redatores, para acompanhar em tempo real o que estará acontecendo por lá em termos de cultura e negócios. O hotsite estará abrigado no site geral www.sp-arte.com e funcionará a partir da abertura do evento. FOTOS: KRÖLLER MÜLLER MUSEUM E FABIOLA SALLES; CORTESIA DA WHY-WALLY HERMÈS YACHTS - ART EFACTOR Y LAB


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ARTES VISUAIS

ARTE COMO PRÁTICA AMBIENTAL CCBB de Brasília ocupa seus jardins e áreas externas com oito reflexões sobre o estar no mundo

IN-MENSA, OBRA DE CILDO MEIRELES, REPRESENTA A GALERIA LUISA STRINA NA FEIRA

S P - A r t e , De 10 a 13 de maio, das 14 às 22 horas (quinta e sexta) e das 12 às 20 horas (sábado e domingo). Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, São Paulo-SP

FOTO: CORTESIA SP-ARTE

Os ciclos sustentáveis, as formas de convivência e afetividade, o habitar em sentido amplo (incluindo o corpo e suas interfaces com o mundo), são o tema da exposição Daquilo Que Me Habita, idealizada e produzida pelo Ateliê Aberto, coletivo de artistas de Campinas (SP). A mostra reúne intervenções de oito autores nos jardins e áreas externas do CCBB de Brasília, transformando a circulação do local. Na fachada, Eduardo Srur instala Acampamento dos Anjos, barracas de camping na vertical, iluminadas a partir de dentro. Lia Chaia intervém no alto do vão livre com Esqueleto Aéreo, centenas de bandeiras recortadas nos padrões de diferentes ossos do corpo e estendidas em varais. E a dupla Cabeça Nuvem distribui no gramado de acesso ao CCBB uma divertida pista de obstáculos semelhante à usada em aulas de educação física e treinamentos militares. A curadoria, assinada por Maíra Endo e Samantha Moreira, entende a arquitetura como fluxo e a arte como prática ambiental. JM Daquilo Que Me Habita, de 24 de março a 13 de maio, Centro Cultural Banco do Brasil, SCES, Trecho 2, Conjunto 22, Brasília (DF)


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TURISMO CULTURAL 24

VIAGEM PELA LITERATURA Com escritores a bordo, barco soma papos literários a paisagens amazônicas

Imagine navegar por um dos rios mais caudalosos do planeta, o Negro, afluente do Amazonas, em confortável barco e na companhia de escritores de grande prestígio literário e inegável talento na difícil arte de entreter plateias com inteligência e simpatia. Essa ideia foi testada com sucesso em 2011 e terá sua segunda edição este ano, trazendo Ignácio de Loyola Brandão, Edney Silvestre e Valter Hugo Mãe. O projeto Navegar É Preciso é aberto à participação do público em geral e organizado pela rede de lojas Livraria da Vila. A atriz Clarice Niskier integra a lista de viajantes e vai encenar esquetes teatrais com textos literários. O grupo de percussão corporal Barbatuques se encarregará dos shows musicais. O primeiro Navegar É Preciso reuniu os escritores José Eduardo Agualusa, Cristóvão Tezza e Laurentino Gomes, entre outros. AM

LOYOLA BRANDÃO ESTÁ ENTRE OS CONVIDADOS DA VIAGEM LITERÁRIA

Navegar É Preciso, de 30 de abril a 4 de maio, Rio Negro (Amazônia)

TECNOLOGIA

MERGULHO VIRTUAL A última fronteira do Google está nas profundezas oceânicas

OCEANÓGRAFOS MAPEIAM O FUNDO DO MAR PARA O GOOGLE FOTOS: DIVULGAÇÃO E CATLIN SEAVIEW SURVEY HERMIONE LAWSON - HERMIONE@ZING.NET.AU

O Google vai lançar um equivalente do seu Street View para o fundo do mar. Sua versão submarina do projeto utiliza tecnologia desenvolvida para captura de imagens em profundidades jamais alcançadas por um robô, e poderá funcionar como uma ferramenta para pesquisas ambientais. Um protótipo do projeto, chamado Catlin Seaview Survey, foi apresentado em fevereiro no World Oceans Summit, em Cingapura. O novo serviço vai disponibilizar 50 mil panoramas e também terá um canal exclusivo no YouTube, além da transmissão ao vivo da expedição submarina no Google+Hangouts. Enquanto não chega o dia do lançamento, previsto para o fim do ano, uma amostra pode ser conferida no site do projeto: http://www.catlinseaviewsurvey.com/seaview.htm Em breve, as ilhas submarinas e cheias de cores, os tubarões-tigre e os peixes-palhaço que milhões de turistas mergulhadores vão esquadrinhar todo ano na Grande Barreira de Corais no nordeste da Austrália, estarão disponíveis para observação online, e ao vivo, no Panoramio. O projeto é resultado de uma parceria entre o Google e oceanógrafos da companhia de seguros Catlin Group Limited, com apoio de cientistas da Universidade de Queensland e da ONG Underwater Earth. JM



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URBANISMO 26 26

OÁSIS DO FUTURO Primeira cidade movida integralmente a energia solar nasce em pleno deserto árabe

São muitas as histórias sobre oásis perdidos que, no meio do deserto estéril, jorram sombra e água fresca em abundância. Em árabe, a palavra masdar significa fonte e dá nome a um projeto ousado e sem precedentes em pleno deserto de Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos. Masdar City é uma cidade planejada que está sendo construída pela Abu Dhabi Future Energy Company e subsidiada pelo governo desse país. Projetada pelo escritório de arquitetura britânico Foster and

PROJETO DE MASDAR CITY, QUE SERÁ MOVIDA A ENERGIA SOLAR FOTO: CORTESIA MASDAR COMPANY

Partners, esta será a primeira cidade carbono zero do mundo. Para que isso se torne verdade, uma usina de energia solar produzirá até 60 megawatts e será complementada pela construção de parques eólicos com capacidade de produção de até 20 megawatts. Para o abastecimento de água, uma estação de dessalinização usará o líquido do mar e também será movida a energia solar. A cidade, que abrigará até 45 mil pessoas, deverá custar US$ 22 bilhões até o término das obras, em 2025. NG



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ARTES VISUAIS

AS QUATRO ECOLOGIAS DE REGINA VATER Artista pioneira no uso das imagens técnicas ganha livro e mostra individual no Oi Futuro

OBRAS DA SÉRIE ELECTRONIC NATURES, DE REGINA VATER

R e g i n a Va t e r : A s Quatro Ecologias, a partir de 21 de maio, Oi Futuro Flamengo, Rua 2 de Dezembro, 63, Rio de Janeiro

Uma de nossas primeiras artistas dedicadas ao uso das imagens técnicas, Regina Vater, ganha, enfim, extensa mostra individual no Oi Futuro. Residente nos EUA há mais de 20 anos, Vater elaborou, ao longo dos seus 40 anos de carreira, uma obra consistente e variada que compreende fotografia, filme, vídeo, performance, instalação e uma obra gráfica experimental que inclui livro de artista, arte postal e poesia visual. À diversidade de materiais, interfaces e mídias corresponde a complexidade, em todo seu trabalho, das abordagens conceituais em pesquisas que abrangem as relações entre arte, sociedade, natureza e tecnologia. A curadora da exposição, Paula Alzugaray, também diretora de redação de seLecT destaca: “A natureza poética e ecológica de sua obra cria condições para que ela seja pensada à luz do conceito das três ecologias de Félix Guattari – social, mental e ambiental. Mas, além disso, demarca-se em sua obra, de forma pioneira, o impulso que dirige o trânsito de seu pensamento ao longo das mídias e no campo de uma quarta ecologia, uma ecologia transmidiática, operando transversalmente entre arte, natureza e tecnologia. A exposição terá obras consagradas, porém raramente expostas no Brasil, como as séries Cinematic Stills e Electronic Natures, stills de naturezas filtradas pela imagem eletrônica e midiática, além do audiovisual LuxoLixo, obra inspirada no poema de Augusto de Campos, realizada com a colaboração de Hélio Oiticica, em 1973, em Nova York. O projeto prevê ainda a edição de um livro sobre a extensão da obra da artista. GB FOTOS: JOUNI SAARISTO E MARKUS BOLLEN



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PERFIL

A LINGUAGEM É UM VÍRUS Artista belga inicia em São Paulo uma série de trabalhos com viés socioeconômico

“A água é o petróleo do futuro.” Com essa afirmação, o artista belga Trudo Engels introduz as ideias envolvidas em seu projeto Água com Gás, concebido durante o mês de residência em São Paulo, para montagem de exposição individual na Galeria Luisa Strina. “Em 50 anos, este será um tema emergencial.” A pesquisa para o trabalho expõe dados já drásticos: na Europa, as companhias nacionais de água foram privatizadas e as grandes firmas, como a francesa Perrier, estão comprando todas as empresas públicas da África. No Brasil, a Coca-Cola incorporou a fonte Cristal e vende a água com preços próximos ao do refrigerante. O projeto Água com Gás incluirá, entre diversas ações e workshops, uma instalação para purificação de água. Esse também foi o sistema da exposição Le Château, que esteve em cartaz na Luisa Strina até 10 de março. A exposição incluiu oficinas, debates e uma instalação montada com centenas de embalagens de produtos alimentícios baratos. “Não gastei nem R$ 20 mil para comprar todo esse material”, afirma ele. “É a matéria mais barata que se pode encontrar. No Brasil, assim como nos EUA, forçam as pessoas a comer junk food. A comida real é muito cara aqui. Trata-se de uma conspiração. As pessoas comem comida ruim e barata, ficam doentes e não podem pagar o médico.”

Ambos os trabalhos – Le Château e Água com Gás – integram a série G-8, em que o artista levanta temas prementes da realidade socioeconômica contemporânea: globalização, transporte, agroindústria, desemprego, imigração, água. Em novembro próximo, Engels começa no México um projeto sobre milho modificado geneticamente. “A arte tem o poder de produzir ignição nas pessoas, contaminá-las com ideias. Devemos usar ideias como vírus”, diz. Trudo Engels dirige um coletivo de 24 artistas, porém, todos são alteregos dele mesmo. “Dois de meus artistas são artivistas. Um deles trabalha destruindo sementes de soja manipulada”, afirma. Mas entre os muitos eus de Trudo Engels há também os artistas “estéticos”. “Há aqueles que usam a estética para dar um apelo visual à sua mensagem política. Chamo essa estratégia de sabotagem positiva.” Trudo Engels afirma que em 15 anos terá realizado todos os trabalhos da série G-8. O local cotado para montar o projeto Água com Gás é o Canadá, a maior potência da água mundial. Ou o deserto. PA

“A água é o petróleo do futuro” SKETCH DA OBRA ÁGUA COM GÁS, DE TRUDO ENGELS, QUE PREVÊ O ALAGAMENTO DE POSTOS DE GASOLINA



tribos do design Chaleira Mefisto

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Nemos Quase anfíbios, eles ainda vivem em terra firme, mas é no meio líquido que se realizam. Produtos de um design que evita ser solúvel, são fluidos e valem um mergulho na reinvenção da água Aquário Chumby O Chumby faz uso de plataformas digitais como Wi-Fi, tela touch screen e sensores USB. Conectadas ao computador, permitem monitorar os níveis de água e oxigênio do aquário, para o acompanhamento Lotus-Caixa de som em tempo real A designer Lim Loren da saúde do seu apropriou-se das formas peixinho. da vitória-régia para criar uma caixa de som que flutua na banheira Relógio Nixon Abyss ou na piscina, enquanto Este relógio é para mergulhadores você relaxa escutando que atingem grandes uma boa música. profundidades, com bússola para orientação em alto-mar.

Esta chaleira foi desenvolvida para um concurso de design da Electrolux que privilegiou projetos de energia limpa. A Mefisto funciona como um ebulidor que pode ser colocado diretamente no recipiente para aquecer a água sem uso de fogo ou eletricidade.

Roupa de mergulho feminina 2XU Desenvolvida para triatletas que passam muito tempo na água. O neoprene, além de manter o aquecimento natural do corpo, é um material especialmente desenvolvido para garantir flutuação e flexibilidade sem esforço.

Bubble Modern Island Esta espécie de bote-bolha é uma toalete móvel que pode ser anexada em barcos, canoas ou veleiros. Para evitar a poluição, a bolha vem com uma estação de tratamento de água que filtra os dejetos eliminados.

U-010 Projeto italiano desenhado por Marina Colombo e Sebastiano Vida, é nada menos que um iatesubmarino para viver em alto luxo até debaixo d’água. FOTOS DIVULGAÇÃO



mundo codificado Escala planetária 34

E-LIXO Escritórios e fábricas informatizados parecem ser ambientes assépticos e dão um ar de upgrade no mundo antes sujo de graxa, roldanas e litros de tinta preta. Não é bem assim. A produção desenfreada de equipamentos e a ausência de políticas de preservação ambiental relacionadas a coleta e processamento do lixo tecnológico estão prestes a criar um e-lixão planetário. PESQUISA: GISELLE BEIGUELMAN INFOGRÁFICO: RICARDO VAN STEEN E BRUNO PUGENS

Quantidade de lixo eletrônico produzida em um ano

50 milhões de toneladas = 1 trem capaz de dar a volta ao mundo

Consumo individual Sucata eletrônica gerada por um consumidor médio em toda sua vida

2080

Hoje

3,3 toneladas QUANTIDADES

8,8 toneladas Produção anual por países

Brasil

0,15

Em milhões de toneladas

China

2,6 EUA

3,3 FONTES: INTERNATIONAL ELECTRONICS RECOVERY COALITION, NATIONAL GEOGRAHIC 94, JAN. 2008,THE DIGITAL DUMP, IAMGREEN.ORG, WELLHOME.COM


IMPACTO AMBIENTAL DA COMPUTAÇÃO

E-LIXO E SAÚDE Equipamentos eletrônicos possuem componentes que não são perigosos no cotidiano. Quando esses componentes são manuseados e descartados de forma amadora, tornam-se uma ameaça à saúde e ao meio ambiente.

Consumo de energia De todos os computadores do mundo em 1 dia (das 9 às 17h00)

CHUMBO

Monitores de tevê e de computadores CRT (com tubo) contêm até 4 kg de chumbo. Afeta: rins, sistema reprodutivo e desenvolvimento mental infantil

1,7 Milhão

MERCÚRIO

de Megawatts

Presente em placas e circuitos, está associado a danos neurológicos e renais

CÁDMIO

Elemento existente em todas as baterias de notebook, é agente cancerígeno e provoca danos nos rins e ossos

PVC

Sinônimo de gabinete de PC, sua queima libera gases muito tóxicos

PRODUÇÃO X RECICLAGEM Televisão / Computador / Celular Em milhões de unidades, mercado americano

Se todos os computadores do mundo fossem totalmente desligados nesta noite economizariam energia suficiente para acender a Torre Eiffel 24 horas por dia, por

720 anos

200 100 0Peças fabricadas

Televisões 18%

Peças descartadas

Peças recicladas

Produtos para computador

Celulares

18%

10%

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cultura digital

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QUANTO PESA A VIDA SEM FIO? Artistas questionam em suas obras as ambivalências da era da mobilidade, colocando a voracidade da indústria de celulares na berlinda e revelando a materialidade das redes GISELLE BEIGUELMAN FOTO: CHRIS JORDAN. CELL PHONES #2, ATLANTA. 2005


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TODOS OS ANOS SÃO DESCARTADOS 20 MILHÕES DE TONELADAS DE ELETRÔNICOS. ISSO DE ACORDO COM AS ESTATÍSTICAS MAIS OTIMISTAS. As mais pessimistas estimam que são 50 milhões de toneladas, o suficiente para encher 125 mil Boeings 747 com traquitanas de todos os tipos. Diante desse quadro, não seria exagero dizer que nada parece ser mais urgente para alguns artistas do que colocar em discussão as dimensões políticas e sociais da economia do hardware daquilo que consumimos. Atenção especial tem sido dada aos dispositivos móveis, e não por acaso. Em nenhuma área do universo das telecomunicações a velocidade e a voracidade das transformações são tão visíveis como na indústria dos celulares. Basta lembrar que para os 7 bilhões de habitantes do planeta existem mais de 5 bilhões de celulares em uso e que a cada segundo quatro aparelhos são descartados. Calcula-se que, em média, não se fica com o mesmo equipamento nem 22 meses. Esses números impressionantes instigaram as séries de Chris Jordan Intolerable Beauty: Portraits of American Mass Consumption (2003 -2005) e Running the Numbers: An American Self-Portrait (2006). Na primeira, os celulares e seus acessórios são os protagonistas. Na segunda, eles são um dos destaques, mas outros ícones da cultura americana, como cartões de crédito, carros, sacos plásticos etc. também estão presentes. Vale frisar com relação a


cultura digital

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As novas tecnologias de comunicação expandiram a noção de cidadania, incorporando práticas de consumo ao seu exercício

MOBILE CRASH, DE LUCAS BAMBOZZI, COLOCA EM DISCUSSÃO OS JOGOS DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA, INSERINDO O PÚBLICO ATIVAMENTE EM UMA CADEIA PRODUTIVA DA QUAL ELE É SEMPRE ALIENADO FOTOS: ACIMA E NA PÁGINA SEGUINTE, CORTESIA DO ARTISTA

Jordan, no que diz respeito a Running the Numbers, que ele é um artista extremamente bem-sucedido em termos de repercussão na internet, mas que tem trabalhado de forma muito elegante e criativa os recursos de visualização na tela do computador, pois o que se vê com e sem zoom são duas coisas totalmente distintas. E olhando particularmente as imagens dos celulares é impossível não perguntar: para onde vai tudo isso? E o que nos leva a consumir tanto? Uma resposta fácil seria dizer que tudo é fruto da sedução do marketing e da propaganda. Mas isso implicaria ignorar a complexidade de viver no século 21. Afinal, mostra o antropólogo argentino radicado no México Néstor Canclini em um instigante ensaio (Consumidores e Cidadãos), as novas tecnologias de comunicação expandiram a noção de cidadania, incorporando práticas de consumo ao seu exercício.


Canclini falava de tevê a cabo, mas podemos atualizar a discussão. O direito de acesso à internet ilustra bem essa relação, uma vez que inclui a necessidade não só de acesso à infraestrutura, mas também a uma gama de produtos comerciais e equipamentos de conexão. Esses equipamentos, vale lembrar aqui, são cada vez mais os dispositivos móveis, sugerindo que o indivíduo socialmente excluído, hoje, é o imóvel. Essa é uma questão extremamente relevante em economias emergentes como Brasil, China e Índia, que migraram para a cultura de rede, pulando o momento da comunicação em grande escala via linhas fixas. Nesses países, as indústrias de móveis desempenham um papel importante não só no campo das comunicações, mas também na rápida dinâmica da obsolescência programada que anima esse mercado.

VENCER UM JOGO SEM GANHADORES Mobile Crash (2009), do artista brasileiro Lucas Bambozzi, problematiza sem paternalismo esse contexto social. Trata-se de uma instalação baseada em quatro projeções interativas que reagem à presença dos visitantes. As projeções mostram em uma série de vídeos curtos dispositivos eletrônicos, principalmente telefones celulares, sendo esmagados por um martelo. Editados em uma sequência rítmica e organizados como um jogo de 12 níveis, os vídeos tornam-se cada vez mais ruidosos e velozes, em resposta à intensidade dos gestos do público. Quanto mais nos movemos, mais rapidamente e com mais barulho símbolos de luxo são destruídos e transformados em lixo. Sem vencer partida alguma, fica-se com uma sensação de jogo ganho. Uma espécie de conquista do corpo sobre a velocidade do tempo febril da indústria, triunfo da vontade do indivíduo sobre a direção e o ritmo do processo. O resultado é uma experiência intensa e catártica, na qual a consciência social parece emergir da súbita possibilidade de participação ativa no procedimento de descarte dos dispositivos. Uma consciência, no entanto, mais próxima do estado de transe, não discursivo, e totalmente desvinculada, ou melhor, alforriada, de seu circuito comercial original.


cultura digital

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A dimensão política dos celulares não se esgota no seu uso. Há toda uma geopolítica dos dados e dos equipamentos TXH GHPDQGD XPD UHïH[¿R HP profundidade ainda por ser feita TANTALUM MEMORIAL, OBRA DE HARWOOD, WRIGTH E YOKOJI FAZ UMA HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DAS GUERRAS PELA POSSE DAS MINAS DE TANTALITA, NO CONGO, MINÉRIO ESSENCIAL PARA A FABRICAÇÃO DE CELULARES. AS GUERRAS JÁ MATARAM MAIS DE 6 MILHÕES DE PESSOAS DESDE 1998

Celulares, não custa lembrar, são muito mais que meros telefones sem fio com grande alcance. Estamos falando de equipamentos que se definem pela integração entre redes de acesso à internet em alta velocidade, transmissão e recepção de vídeos, participação em redes sociais, entre outras coisas, e tudo isso combinado com serviços e recursos locativos. São tanto um dos mais poderosos dispositivos de rastreamento e invasão da privacidade já inventados como potencializadores de outras formas de criatividade e ação política também jamais pensadas. Mas sua dimensão política não se esgota

no seu uso. Há toda uma geopolítica dos dados e dos equipamentos que demanda uma reflexão em profundidade ainda por ser feita. Tantalum Memorial (2008-2010), de Graham Harwood, Richard Wright e Matsuko Yokoji, aborda a cultura da mobilidade justamente a partir desse ângulo, fazendo uma homenagem às vítimas das batalhas pela posse das minas de coltan (ou tantalita), um dos grandes pivôs da longa guerra civil que matou, de 1998 até hoje, mais de 6 milhões de pessoas na República do Congo. Esse minério, uma mistura de columbita e tantalita, é um verdadeiro “ouro azul” e o Congo, o seu maior produtor natural. Sem ele não se fabrica nenhum celular, não importa a marca. Ele é essencial, por sua alta resistência térmica, para a produção do capacitor – peça que controla o f luxo de eletricidade e basicamente impede que seu aparelho derreta. As milícias do

FOTOS: TANTALUM MEMORIAL NA 01 SAN JOSE E MANIFESTA7 (2008). HARWOOD, WRIGHT, YOKOJI


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Congo e de Ruanda se organizam em torno das partes conf litantes e o tráfico do minério é feito em escala internacional até chegar às grandes fabricantes de celulares que compramos. Em Tantalum Memorial, uma estação livre de telefone conecta refugiados congoleses em Londres com redes informais de comunicação, organizadas nas ruas do Congo. Estimula-se que as pessoas contem histórias e reportem o que está acontecendo à sua volta. No espaço expositivo, uma réplica de uma central telefônica automática do tipo eletromecânico (sistema Strowger) domina o ambien-

te. A cada vez que um depoimento é recebido pela rede de telefonia social do projeto, interruptores são acionados. O sistema automático Strowger foi usado desde sua invenção, no fim do século 19, até os anos 1990, quando se passou a usar linhas digitais. Seu grande avanço foi dispensar o intermediário humano e ligar diretamente o emissor ao receptor telefônico. Afirma-se que Almon B. Strowger, que era agente funerário, desenvolveu sua ideia porque desconfiava que as telefonistas desviavam suas ligações para um concorrente. Verdade ou não, seu sistema foi o paradigma das redes de comunicação contemporâneas. Ao recuperá-lo como elemento de mediação do Tantalum Memorial, Harwood Wright e Yokoji dão presença a essa rede de conversas, ao mesmo tempo que fazem pensar na materialidade do que as redes têm de mais brutal.


artes visuais

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$rtistas norte americanas criam oEras TXe reïetem soEre as transIormaÃÑes amEientais

A ARTE PÓS-UTÓPICA DOS ECOSSISTEMAS PORTÁTEIS J U L I A N A M O N AC H E S I

PHOEBE WASHBURN (NOVA YORK, 1973)

Caos e controle podem coexistir Galões contendo Gatorade de limão e laranja bombeiam a bebida dos esportistas para tanques com bolas de golfe, que, por sua vez, alimentam o sistema de irrigação de aquários onde narcisos são cultivados. Trata-se de um sistema fechado, “uma Torre de Tatlin pósapocalíptica e pós-idealista”, nas palavras do crítico Jerry Saltz. Segundo o também crítico Holland Cotter, a instalação de Phoebe Washburn mostrada na Bienal do Whitney Museum de 2008 era “um ecossistema floral construído a partir de restos de materiais industriais que a artista encontrou nas ruas, perto de sua casa no Brooklyn. Ela não vê seu trabalho como um gesto de conservação ambiental nem de jardinagem em estufa, mas sim como evidência de sua compulsão por guardar o que os outros descartam”. Washburn, que foi aluna de Sara Szee na Escola de Artes Visuais de Nova York, vem literalizando a metáfora de um universo autorregulado em que caos e controle podem coexistir, ao introduzir plantas vivas em ambientes autossustentáveis, segundo a curadora Anna Mecugni. É o que acontece na obra Ordenha Tola de Prado Regulado (2007), espécie de fábrica mecanizada para a produção de tapetes de grama, que são levados para murchar e morrer no telhado do museu onde a obra é apresentada.

Uma micropaisagem sobre rodas com coleira para passear, biosferas de bolso, uma fábrica mecanizada de tapetes de grama, uma estufa cujo sistema de irrigação é alimentado à base de Gatorade e unidades habitacionais autossustentáveis são algumas das soluções de três artistas norte-americanas para a complexa imbricação entre arte e meio ambiente. Elas vêm ganhando relevância no cenário internacional ao tratar a natureza como experiência portátil, ou a arte como microecossistema pessoal. Andrea Zittel, Phoebe Washburn e Vaughn Bell fazem arte pós-utópica. Elas não querem mudar o mundo, recusam o rótulo de ecoartistas, mas promovem reflexão sobre as transformações ambientais de seu tempo.


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ACIMA: ORDENHA TOLA DE PRADO REGULADO (2007): FÁBRICA DE TAPETES DE GRAMA À ESQUERDA, ENQUANTO AUMENTAVA UMA FORTE SEDE DIMINUTA, O SUCO SE PERDEU (O NASCIMENTO DE UMA LOJA DE REFRIGERANTES), INSTALAÇÃO DE 2008: UM ECOSSISTEMA MOVIDO A GATORADE. PÁGINA ESQUERDA E, ABAIXO, NUNDERWATER NORT LAB (2011): VISITANTES PODEM CHEIRAR E ESPIAR AS PLANTAS SENDO CULTIVADAS E LANCHES SENDO PREPARADOS NO INTERIOR

FOTOS: CORTESIA ZACH FEUER GALLERY, NY


artes visuais

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ANDREA ZITTEL (CALIFÓRNIA, 1965)

Crítica radical ao consumismo Na interseção entre arte, design, arquitetura e urbanismo, Andrea Zittel desenvolve unidades habitacionais sintéticas, abastecidas com o mínimo necessário para a subsistência humana. A artista também cria as próprias roupas, que são como uniformes simplificados e adequados unicamente ao clima de cada estação do ano em Joshua Tree, na Califórnia, onde vive. O local é conhecido como A-Z Oeste. Em uma trajetória artística absolutamente coerente e espartana – que já foi qualificada de sustentável e sistemática –, desenvolve obras que são intituladas como parte de uma corporação fictícia, o Empreendimento A-Z. A empresa de uma mulher só opera uma crítica radical do consumismo e defende maneiras mais gratificantes de uso do tempo e do espaço. O Instituto A-Z de Vida Investigativa “engloba todos os aspectos do dia a dia. Os móveis para a casa, as roupas e a comida tornam-se terreno de investigação em um esforço contínuo para entender a natureza humana e a construção social de necessidades”, informa o site da artista (http://www.zittel.org). As Unidades de Vida A-Z, trailers adaptados que se desdobram em módulos de uma casa, e os Veículos de Escape A-Z, unidades propícias para sonhos escapistas de isolamento e segurança, estão entre seus microecossistemas mais famosos.


Obras são crítica radical ao consumismo, com casas trailers espartanas

À ESQ., A-Z WAGON STATIONS (2011), INSTALADOS EM A-Z OESTE, NO DESERTO DE JOSHUA TREE, EUA. AO LADO, INDY ISLAND (2009), ESCULTURA DE FIBRA DE VIDRO E ESPUMA INSTALADA NO PARQUE DO MUSEU DE ARTE DE INDIANÁPOLIS, EUA. ABAIXO, UNIDADE HABITACIONAL RURAL A-Z II (2001-2004), AÇO, PAINEIS PINTADOS, TETO DE CHAPA ONDULADA DE METAL E MOBILIARIO DE ISOPOR ESCUPIDO, TAMBÉM EM A-Z OESTE

FOTOS: JESSICA ECKERT (ESQ)/CORTESIA DA ARTISTA E ANDREA ROSEN GALLERY, NY; ACIMA, CORTESIA DA ARTISTA E ANDREA ROSEN; NO ALTO, CORTESIA DA ARTISTA E INDIANAPOLIS MUSEUM OF ART

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artes visuais

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Paisagens portáteis levadas a passear como se fossem animais de estimação: humor para fazer pensar sobre o difícil convívio urbano com a natureza

NO SENTIDO HORÁRIO, A PARTIR DA FOTO ACIMA: BIOSFERAS DE BOLSO PARA ADOÇÃO (EM ANDAMENTO), VILA VERDE (2008), PAISAGEM PARA CAMINHAR (2009-2010) E NOVOS PIONEIROS (2006), COM PLANTAS NATIVAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DE WILLAMETTE, NO ESTADO DO OREGON (EUA)


VAUGHN BELL (NOVA YORK, 1978

)

Paisagens sobre rodas

Vila Verde é composta de cinco biosferas distintas, criadas com plantas nativas das montanhas Berkshires (região oeste de Massachusetts e Connecticut), terra e água envoltas em estruturas de acrílico. Já a série Montanha Portátil representa paisagens sobre rodas que devem ser levadas para passear, como animais de estimação. Entre seus projetos mais recentes destaca-se a série de performances Esta Terra É Sua/Minha Terra, que oferece às pessoas uma biosfera de bolso ou um microecossistema para adoção. Os participantes assinam um formulário de adoção comprometendo-se a cuidar da planta. “Nestas performances, assim como em desenhos e esculturas, como Montanhas Hospedeiras e Biosferas Pessoais, eu exploro a miniaturização da paisagem, a separação de um pedaço de terra do todo e a relação de cuidado e controle que essas ações englobam”, afirma a artista em declaração em seu website pessoal (http://www.vaughnbell.net). Para Bell, o derradeiro veículo de baixo impacto é mesmo o corpo humano. Atualmente, ela está envolvida com a esfera pública de atuação, como artista residente do Departamento de Trânsito de Seattle, onde vive.

FOTOS: DANA DAVIS (BIOSFERAS DE BOLSO), KEVIN KENNEFICK (VILA VERDE) E FRANZ WAEUHOF (PAISAGEM PARA CAMINHAR) / TODAS CORTESIA DA ARTISTA

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território / terras líquidas

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HOMENS AO MAR

Bairros, cidades e principados vislumbram a realização de sonhos de liberdade e de bases exploratórias em alto-mar NINA GAZIRE

O SONHO DA ILHA PRÓPRIA É UMA DAS MAIS ANTIGAS AMBIÇÕES DA HUMANIDADE. NÃO É DE HOJE QUE AS ILHAS ESTÃO ENTRE OS DESTINOS PREFERIDOS DO TURISMO DE LUXO. Mas a vida alheia ao mundo urbano e civilizado não é destino só daqueles que buscam paraísos individuais e intransferíveis. Antes de estar associada às comunidades independentes, a colonização dos oceanos já tinha sido considerada pela ficção científica e chegou a ser seriamente cogitada por governos de países como os EUA e o Japão durante a década de 1960. No ano de 1966, com incentivo do governo japonês, o visionário arquiteto norte-americano Buckminster Fuller idealizou o projeto de uma cidade flutuante que ficaria localizada na Baía de Tóquio. A empreitada resolveria, segundo Fuller, a questão da falta de espaço nas metrópoles superpovoadas do Japão e estaria livre da especulação imobiliária. As cidades flutuantes de Fuller nunca se concretizaram, devido ao seu alto custo para a época, mas estabeleceram as bases técnicas para a construção de habitações em alto-mar (seasteading), posteriormente usadas na criação das excêntricas ilhas artificiais construídas no estuário da cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Os princípios do seasteading, neologismo que combina sea (mar) com homesteading (habitação), aparecem em grandes obras como o Aeroporto Internacional de Kansai, em Osaka, no Japão, que ocupa uma ilha artificial. Mais que os custos, um dos maiores empecilhos à construção das

FOTO:

cidades flutuantes são as questões legais e a suscetibilidade às catástrofes naturais. Muitos projetos estão em áreas propensas a terremotos e furacões. Do ponto de vista legal, segundo leis estabelecidas pela convenção das Leis Marinhas Internacionais, a zona de economia de um país permanece válida em uma extensão de 200 milhas náuticas – ou seja, 370 quilômetros de distância desde o continente. Por esse motivo, o reconhecimento de comunidades livres em águas internacionais torna-se altamente suspeito. Questões como essas levaram as comunidades flutuantes a serem repensadas sob o ponto de vista da mobilidade. Muitos projetos das décadas de 1980 e 1990 idealizaram navios-cidades que teriam passe livre em águas de diferentes países, porém, obedecendo às leis locais de onde estivessem atracados, como o projeto Blueseed. Conheça esse e outros projetos que vislumbram a realização não apenas de sonhos de liberdade, mas também de bases exploratórias em alto-mar.


S E A L A N D É U M A A N T I GA BAS E N AVA L I N G L ESA Q U E AT UA L M E N T E É U M A MICRONAÇÃO

FREEDOM SHIP Freedom Ship é um projeto de cidade flutuante proposto na década de 1990. Ganhou esse título por seu estilo de vida “livre”, embora sua estrutura não corresponda à de um navio convencional, mas seja formada por uma série de barcaças interligadas. Ainda irrealizado por falta de patrocínio, o Freedom Ship deverá ser uma enorme embarcação com mais de 1 quilômetro de comprimento, capacitada para abrigar 50 mil pessoas. Além disso, o meganavio teria uma pista de pouso para aviões e helicópteros e lojas duty-free. O complexo navegaria continuamente pelo mundo, estacionando regularmente em portos de grande escala. Sua estimativa de custo era de US$ 6 bilhões em 1999 e saltou para US$ 11 bilhões em 2002. Isto justifica o alto preço das cabines, que variam de US$ 120 mil a US$ 7 milhões. Já o preço do condomínio mensal está estimado entre US$ 442 e US$ 11 mil, valores que aproximam o Freedom Ship de uma ilha resort de alto luxo para poucos.

PRINCIPADO DE SEALAND Fundado pelo ex-major britânico Paddy Roy Bates, o Principado de Sealand é uma entidade não reconhecida, localizada em HM Fort Roughs, antiga base naval da Segunda Guerra Mundial localizada a 10 quilômetros da costa de Suffolk, na Inglaterra. Desde 1967, Roy autointitulou-se rei e vive com seu filho, o príncipe Michael Bates of Sealand, além da equipe de segurança e funcionários responsáveis pela manutenção. Sealand não é oficialmente reconhecida por nenhum Estado soberano, mas possui várias operações comerciais próprias, como a emissão de moedas, selos postais e passaportes nacionais. Em 2007, o “país” foi colocado à venda. O Pirate Bay, site sueco que busca arquivos do tipo Torrent (protocolo que permite transferências de arquivos muito grandes, como filmes, de forma, rápida) tentou comprar Sealand. A iniciativa aconteceu depois que a Suécia iniciou uma dura política em defesa dos direitos autorais. Mas o negócio não chegou a ser a realizado e Sealand está atualmente empenhada no lançamento de um cassino online.

O F R E E D O M S H I P É O P R OJ E TO D E U M M EGAN AV I O CO M M A I S D E 1 K M D E CO M P R I M E N TO E CA PAC I DA D E PA RA 5 0 M I L P ESSOA S . À E SQ U E R DA , I L H A S A RT I F I C I A I S CO N ST RU Í DA S E M D U BA I N O A N O D E 2 0 0 6 FOTOS: REPRODUÇÃO

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território / terras líquidas

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BLUESEED O objetivo desse barco gigante, financiado por Peter Thiel, fundador do Paypal e sócio do Facebook, não é o de aliviar a superpopulação em terra, mas o de ajudar empresas internacionais que queiram fazer negócios nos EUA sem perder tempo com a burocracia. O barco-cidade ficará estacionado a 12 milhas da Baía de São Francisco, distância que corresponde ao fim do mar territorial americano, e poderá abrigar cerca de mil pessoas. Elas poderão dar andamento aos seus negócios desde a embarcação, enquanto esperam pelo trâmite burocrático necessário para a abertura de uma empresa nos EUA. O Blueseed será acessível por ferry e helicóptero e o aluguel de apartamentos e escritórios terá um custo de US$ 1,2 mil. Ainda em desenvolvimento como empresa startup, o projeto busca mais investidores. O início das atividades desse centro financeiro aquático está previsto para 2013.

Flutuando ao sabor dos ventos ou ancorados em alto-mar, os territórios livres são plataformas para extravagantes sonhos de consumo ou alternativa para a superpopulação dos continentes

FOTOS: BLUESEED; CORTESIA SEASTEADING INSTITUTE; REPRODUÇÃO


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TRITON CITY E TETRA CITY Depois de ter o financiamento do projeto de uma cidade flutuante no Japão suspenso, o arquiteto norte-americano Buckminster Fuller iniciou outras atividades comissionadas pelo governo americano. O Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA interessou-se pela proposta de Fuller, que propôs que as cidades flutuantes sirvam também como bases exploratórias de petróleo em alto-mar. Com apoio e consultoria da Marinha, algumas das cidades flutuantes de Fuller chegaram a ser iniciadas. Entre elas destacam-se a Triton City, que teria capacidade para abrigar 5 mil habitantes em alto-mar, e a Tetra City, que ficaria localizada na Baía de São Francisco, e cuja forma tetragonal seria resistente a terremotos.

E M P R E TO E B R A N CO, AS C I DA D E S F LU T UA N T E S D E T R I TO N E T E T R A : P R OJ E TOS P I O N E I R OS D O A R Q U I T E TO N O RT E -A M E R I CA N O B U C K M I N ST E R F U L L E R , N OS A N OS 1 9 6 0. A BA I XO, E M CO R ES , U M D OS N AV I OS P R OJ E TA D OS PA R A S E D I A R O B LU E S E E D


portfólio

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LINHA MESTRA 1R QRYR OLYUR GH $UWXU /HVFKHU R ULR Å R îR FRQGXWRU que encadeia a fruição de obras e ideias PA U L A A L Z U G A R AY

POR QUE O RIO E NÃO A MARÉ? PORQUE O RIO É A LINHA, O CURSO, O DESENHO, RESPONDE ARTUR LESCHER. O mar é tudo, é todas as formas e a ausência delas. A maré é pulsação, respiração. Renderia um outro trabalho. Mas é nos rios que Artur Lescher pensa quando se volta para tantas de suas obras, realizadas entre 1989 e 2010. Rios se apresentam como linhas e, assim, são possibilidades de desenhos, explica à seLecT. Rios (CosacNaify, 204 págs.), seu novo livro, é, portanto, uma antologia de trabalhos dinamizados por ideias de fluidez. Nesse livro-rio, as obras se organizam por associações mais orgânicas do que cronológicas e seu curso sugere como um trabalho deságua – ou respinga – no outro. De alguns anos para cá, Lescher começou a trabalhar em uma série de “rios”, feitos de diferentes matérias: metais, madeira, mo-

tores, papel. Essa produção começou em Rio (2006), Rio do Homem (2006), Rio da Prata (2006) e chegou ao Rio Máquina (2009). No caminho, o artista entendeu “que não haveria um trabalho sem o outro, assim como não tem um rio sem af luentes”. E foi assim que impregnou todo o seu processo com propriedades líquidas. Ele não usa o rio como metáfora, mas como uma lente para reler seus processos. O livro foi concebido nessa corrente. Para engrossar a correnteza, foram convidados um curador-poeta, um artista, um escritor, um designer e uma editora. Eles se encontraram em Foz do Iguaçu, local para onde rios e línguas conf luem. O resultado da conversa é um texto que, segundo Adolfo Montejo Navas, um dos interlocutores, atravessa o livro.


Linha Roja Lescher reconhece que seu engajamento com as águas brotou em Linha Roja (2005), que tem como tema a margem, a fronteira entre os meios. “Gosto da imagem de um plano encostando em outro”, diz ele na conversa em Foz do Iguaçu, editada no livro. Realizada com fitas vermelhas adesivadas nas quinas das paredes e pisos da Galeria Nara Roesler, em São Paulo, Linha Roja se faz do encontro entre as superfícies das salas. “Essa é a gramática do trabalho: ver como uma coisa influi em outra e produz algo inesperado.” Imbuídas de propriedades líquidas e permeáveis, as retas chegam a diluir-se, contaminando de vermelho todo o espaço.


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Metal Líquido Se o corpo da obra do artista pode ser comparado a um curso d’água, a instalação Linha Roja vai desaguar em uma série de trabalhos de retas articuláveis, realizada em 2010. Linha Roja tem sua maleabilidade apenas sugerida no encontro de superfícies, mas a escultura Metal Líquido (2010), feita de alumínio, já pode ser considerada fisicamente “mole”. Instalada na parede e “escorrida” até o chão, a obra apresenta-se como um esquema visual que indica a passagem de um segmento reto para outro articulável. Esse tipo de estrutura já havia sido experimentado antes em Cachoeira, apresentada na exposição Paisagem Mínima, em 2006. Metal Líquido, Cachoeira e outros articuláveis indicam que a estrutura da obra de Artur Lescher é apolínea. Não por ser reta, nem linear, nem limpa. Afinal, apesar de Apolo ter como símbolo a flecha – que tem a trajetória da linha reta –, “quando mata a serpente Píton, ele se apropria desse universo da linha oscilante”, lembra o artista.


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Rio Máquina A instalação Rio Máquina (2009) chama a atenção para a relação de concordância que existe entre os processos naturais e as linhas de montagem. Concebida a partir de uma esteira de aço encontrada em um ferro-velho, a obra encanta pela duplicidade de seu aspecto: remete tanto a uma cachoeira quanto a uma máquina rotativa de impressão de jornal. “O trabalho começou dessa visão da prensa, um pensamento totalmente programado de produção, com um fluxo. Mas essas plantas industriais funcionam imaginando um processo natural”, explica Lescher na conversa que atravessa o livro. É como se a obra resgatasse um rio sobrevivente na memória dos processos cíclicos e, portanto, rotativos.

Rio do Homem Na próxima página, o papel, o aço, o vidro e o feltro foram articulados na instalação Rio do Homem (2006) para dar conta da dimensão humanizada que os rios assumem na vida contemporânea. Hoje os rios são navegáveis, represados, desviados, controlados a serviço das necessidades da vida humana. A continuidade entre natureza e indústria é a questão levantada pelo artista ao observar que, nas cidades, ”o homem tira a natureza dos rios”. Rios passam a ser máquinas, ou seja, ex-rios.


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Memória A videoinstalação Memória (1998) é composta de sete telas, nas quais as letras da palavra memória são escritas sobre uma superfície líquida e viscosa, que apaga o que é traçado nela. A aparência efêmera das letras faz lembrar que, não fosse a memória, a leitura do vocábulo seria impossível. No livro, três telas foram reorganizadas para compor a palavra rio. No processo da obra de Artur Lescher, a liquidez da matéria abriu caminho para a palavra e despertou no escultor a consciência e a fluidez da narrativa ficcional, ela própria um rio de letras.


artes visuais

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I N STA L A Ç Ã O D I VO RT I U M AQ UA R U M , D E J OS É RU F I N O, N O CC B B - R J CRÉDITO: DIVULGAÇÃO CCBB


Os três estados da arte:

LÍQUIDO, SÓLIDO E GASOSO A água é material ou assunto para trabalhos que celebram o ambiente natural ou apontam o seu desaparecimento

ANGÉLICA DE MORAES

A BAÍA DE GUANABARA É ALIMENTADA POR MUITOS RIOS. ENTRE ELES ESTÃO OS CURSOS D’ÁGUA CONHECIDOS COMO IGUAÇU, MARACANÃ, PAVUNA, IRAJÁ, TIMBÓ, MÉIER, GUARAÍ E IMBOAÇU. O artista José Rufino coletou água da maioria deles para realizar a instalação site specific Divortium Aquarum (Separação das Águas, em latim). Reuniu também velhas carcaças abandonadas de barcos e canoas. Vertidas em dezenas de garrafas e garrafões, as águas foram depositadas em uma prateleira. Alguns frascos contêm também reproduções de desenhos da iconografia colonial da cidade. Os barcos foram dispostos no espaço expositivo como vindos de enorme onda, transpassando com violência as águas represadas nos vidros. O artista se autorretrata em escultura de resina, como marinheiro mantendo inutilmente nas mãos as cordas rotas, antes atadas aos barcos desgovernados. As águas estão a nos dizer que perdemos o controle dos nossos destinos?

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artes visuais

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Com o derretimento das geleiras, o nível do mar representado pelo Zero Hidrográfico sobe e ultrapassa a altura dos seres humanos

À D I R E I TA , GA R RA FA S Q U E INTEGRAM A I N STA L A Ç Ã O D I VO RT I U M AQ UA R I U M . A BA I XO, N E STA P Á G I N A E AO L A D O, I N STA L A Ç Ã O C I N É T I CA Z E R O H I D R O G R Á F I CO

A obra, instalada, até 22 de abril, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, ganha potência extra quando se observam o prédio e a direção da “invasão” dos barcos em relação ao porto do Rio. Rufino tirou partido dessa geografia de um modo muito eficaz. “O Rio é uma cidade perfeita para esse trabalho porque está implantada em estuário para onde convergem várias nascentes e onde ainda existe lagoa, baía e mar”, frisa ele. Dessa forma, Rufino dá sequência a uma produção que sempre envolve uma escavação no tempo das coisas e dos lugares, para conferir-lhes a fundura da arte. Não por acaso, aliás, graduou-se em geologia e doutorou-se em paleontologia antes de ingressar no circuito das exposições.


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AC I M A , E L E M E N TO D ESA PA R EC E N D O/ E L E M E N TO D ESA PA R EC I D O, D E C I L D O M E I R E L ES : E F I CA Z L I B E LO ECO L Ó G I CO

Apresentada pela primeira vez em 2002, na Documenta de Kassel (Alemanha), a obra de Cildo Meireles denominada Elemento Desaparecendo/Elemento Desaparecido (picolé de água) tornou-se rapidamente um clássico entre os clássicos da extensa e fundamental produção do artista. O picolé, distribuído em carrocinhas, significou o aluguel de uma fábrica de sorvetes, a criação de uma logomarca e até mesmo a contratação de rede distribuidora do gelado, que era oferecido no entorno dos espaços expositivos e também pelas ruas da cidade, no percurso entre um local e outro da mostra. Ação performática e conceitual que remete, aliás, a Inserções em Circuitos Ideológicos (1970-1975), série de obras que abriu as portas do MoMA para o artista, na

coletiva Information, marco zero de seu merecido e duradouro prestígio internacional. Com embalagens de formatos e cores diversas, o picolé é feito só com água. Insípida, inodora e incolor. Ao ser comido ou ao se desfazer no calor, o picolé exibe no palito a inscrição “Elemento Desaparecendo”. Ao final, surge a inscrição “Elemento Desaparecido”. Um libelo sobre o aquecimento do planeta e os efeitos perversos do consumismo que substitui, com vantagens, toneladas de retórica vazia de certos discursos ecológicos.

A dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima criou a instalação cinética Zero Hidrográfico, para refletirmos sobre a elevação do nível dos oceanos em razão do derretimento das geleiras, consequência do aquecimento do clima provocado pela poluição. Mas esse objetivo político não abriu mão da sedução visual. A primeira impressão é hipnótica. Na penumbra azulada, como em tanque de aquário marinho, vemos uma malha de tubos de luz fluorescente azul, articulados em superfície ondulante. Ficamos mergulhados no azul, revestidos de cor. Os artistas utilizaram o código topográfico de cotas numéricas de medição traduzidas em linhas e pontos, organizados em malha, convenção científica para representar as superfícies e suas diversas altitudes. Operação simbólica perfeita em sua contundência. O Zero Hidrográfico é o nível do mar, índice a partir do qual são medidas todas as altitudes dos acidentes geográficos da terra. Com o derretimento das geleiras, esse zero hidrográfico vai subir e ultrapassar a altura dos seres humanos. A instalação é parte integrante da individual da dupla Motta/Lima, em cartaz na paulistana Galeria Vermelho até 5 de abril. Muitos vão lembrar de ter visto Zero Hidrográfico na mostra Água na Oca, coletiva

realizada em 2010 no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Fez enorme sucesso de público, especialmente entre a criançada. O que demonstra, com clareza meridiana, que a boa arte não precisa de bula para ser comunicada, precisa apenas de eficaz materialização de ideias para comunicar por si mesma.

FOTOS: À ESQUERDA, DIVULGAÇÃO CCBB E CORTESIA GALERIA VERMELHO; À DIREITA, NO ALTO, CORTESIA GALERIA LUISA STRINA


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Atitude de voltagem poética semelhante encontramos na obra No Ar, de Laura Vinci , instalação site specific realizada para a inauguração da Casa da Imagem, novo museu municipal paulistano dedicado a preservar e expor um precioso acervo de mais de 150 anos de imagens fotográficas da cidade de São Paulo. A obra de Laura Vinci está em exibição desde novembro do ano passado e até este mês de abril no Beco do Pinto, ruela lateral à Casa da Imagem, sediada no centro histórico da capital paulista, a poucos passos do Pátio do Colégio. No Ar é feita tão somente de vapor d’água. A artista instalou, sob as grades de escoamento de água da chuva da escadaria do local, um sistema de vaporização que produz forte cerração. Essa névoa se expande como a bruma que costuma frequentar a madrugada ou o anoitecer das regiões frias ou montanhosas. Em sentido inverso à garoa paulistana, hoje tão rara diante do aquecimento de uma megalópole sem suficiente cobertura de árvores. A bruma remete à memória incrustada naqueles anFOTO: NELSON KON

tigos prédios dos arredores e, em especial, à memória irradiada desde o acervo de fotos do novo museu. Mas, como a produção de vapor é intermitente e dura apenas três minutos por vez, Laura Vinci dribla o que seria um clima meramente nostálgico e instala o desconforto da ausência, da desmemória. Aponta o que não mais está. Ou não mais se vê, mas se ouve. Um sistema de som simula o marulho das águas de um rio subterrâneo, soterrado sob o calçamento e que, no passado, fluía diante dos olhos da população.

AC I M A E AO L A D O, I N STA L A Ç Ã O N O A R , D E L AU R A VINCI, QUE UTILIZA CO M O C E N Á R I O O C E N T R O H I ST Ó R I CO D E S Ã O PAU LO

Laura Vinci dribla o clima nostálgico da obra ao prever a ação de vapor intermitente, que cria o desconforto da ausência e da desmemória


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perfil / Gisela Motta e Leando Lima

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A ÁGUA COMO ELEMENTO DE CRIAÇÃO Gisela Motta e Leandro Lima têm ao longo de toda sua produção um diálogo estreito e criativo com o elemento essencial à vida FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS E GALERIA VERMELHO


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A PALAVRA ÁGUA TORNOU-SE CENTRAL NA VIDA DA DUPLA DE ARTISTAS GISELA MOTTA E LEANDRO LIMA DESDE QUANDO, NO FIM DOS ANOS 1990, ESTABELECERAM UM LOCAL DE TRABALHO EM ÁGUAS DA PRATA, MUNICÍPIO PAULISTA NA DIVISA COM MINAS GERAIS E SEDE DE UMA FAMOSA FONTE DE ÁGUA MINERAL. “A água está nos nossos trabalhos não só como tema e preocupação ecológica, mas também como material e solução para a produção de certos resultados”, esclarece Leandro, o mais falante da dupla. Gisela é mais observadora, só intervém para comentários breves e certeiros, que ajudam a esclarecer o contexto. Os dois artistas têm e construíram muito em comum. Ambos são paulistas nascidos em 1976, começaram a criar em dupla desde quando eram colegas de turma (1996 a 1999) no curso de Artes da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). A experiência foi tão intensa que os fez propor um trabalho de conclusão de curso também em parceria e esta se ampliou para a vida de casal e a experiência de pais de Tye, de 3 anos. A família vive em uma ampla casa situada em rua tranquila e arborizada no Alto da Lapa (São Paulo), a 15 minutos (na veloz moto de Leandro) da Galeria Vermelho, que os representa e apresentou até 5 de abril uma individual da dupla. “Sempre fizemos juntos os nossos trabalhos, embora, por exigência da escola ou, depois, da galeria, a gente te-

O BEIJO (2004): VIDEOINSTALAÇÃO EM QUE A DUPLA DE ARTISTAS SE RETRATA IMPEDIDO DO ENCONTRO AMOROSO PELO ÂNGULO DE 90 GRAUS DA ESQUINA DE PAREDES ONDE AS IMAGENS SÃO PROJETADAS


perfil / Gisela Motta e Leando Lima

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nha começado assinando em separado”, conta Leandro. A partilha durou pouco. “Logo vimos que não dava para demarcar autorias.” Gisela diz que as obras “sempre têm três verdades: a minha, a do Leo e a do trabalho”. Seja por afinidade ou necessidade expressiva, volta e meia usam água ou tratam de água em seus vídeos e fotografias. A primeira peça dessa fértil série foi Azul. DXF (1998/2002) A sigla DXF significa drawing extended format, formato de arquivo digital que, desde o título, estabelece do que se trata: simulacro de água criado no computador. A presença humana é sugerida pela ondulação da água no que seria a quilha de um barco, que não aparece. A imagem é impressa em papel fotográfico, para confundir ainda mais simulação e realidade. Além da instalação cinética Zero Hidrográfico (comentada na página anterior), Gisela Motta e Leandro Lima têm em O Beijo (2004) e Água Dura (2011) outras duas obras de relevância dentro da produção focada no tema/elemento predileto. Em Água Dura, a palavra “dura” sinaliza o questionamento da permanência das coisas e o quanto elas se dissolvem no tempo. “É um trabalho que pode ser expandido para 15 metros lineares de projeção em looping, com três projetores em FOTO: CORTESIA DOS ARTISTAS E GALERIA VERMELHO

ACIMA: AZUL.DXF (1998/2002): SIMULACRO DE ÁGUA CRIADO NO COMPUTADOR E IMPRESSO EM PAPEL FOTOGRÁFICO, CONFUNDE AS FRONTEIRAS ENTRE REALIDADE E INVENÇÃO; NA PÁGINA AO LADO, LEANDRO E GISELA, NA FRENTE DA INSTALAÇÃO CINÉTICA ZERO HIDROGRÁFICO

“Nossa obra sempre tem três verdades: a minha, a do Leandro e a do trabalho”, diz Gisela sobre a criação compartilhada


full HD sincronizados”, conta Leandro. Uma versão menor desse trabalho é impressa em papel fotográfico, como stills. Em ambas as versões, imagens ícones do consumo massivo como contêineres e prateleiras abarrotadas de mercadorias vão sumindo lentamente pela ação de um líquido que dissolve cores e contornos. Além de frequentar o campo da arte tecnológica, o trabalho da dupla sabe estabelecer um diálogo inteligente com a História da Arte, seja com as características pictóricas da aquarela (Água Dura), seja atualizando para meios eletrônicos temas recorrentes na escultura, como a temática de O Beijo, já visitada por autores como Rodin e Brancusi. No excelente O Beijo, videoinstalação realizada sobre um ângulo de 90 graus (esquina de parede), há duas imagens projetadas simultaneamente de um casal que nunca consegue se tocar, embora esteja muito próximo, molhado e cercado de água. “Nossas discussões de relação geralmente viram obras”, diverte-se Gisela. O diálogo amoroso, aliás, constitui toda uma série de trabalhos de grande qualidade de invenção e execução da dupla de artistas. Reflexos de um casal unido na arte e na vida. AM FOTO: LUDOVIC CARÈME


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Encharcados, os tecidos viram peles, acariciando o corpo e envolvendo-o em rituais de água e purificação

Fotos Z E E N U N E S , edição de moda M A U R Í C I O I A N Ê S

VESTIDO PRETO DE LÃ MAX MARA R$ 2.600, PULSEIRA DE PRATA TYFFANY & CO. R$ 3.715, SAPATO DE COURO E CRISTAL CHRISTIAN LOUBOUTIN R$ 11 MIL


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VESTIDO REGATA OFF WHITE NEW ORDER E VESTIDO DE PLÁSTICO ESTAMPADO NEW ORDER (AMBOS PREÇO SOB CONSULTA), COLAR USADO COMO PULSEIRA TALENTO R$ 930 CAMISETA AMARELA DE MALHA CANTÃO R$ 99


moda

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BODY DOURADO DE LUREX NEW ORDER (PREÇO SOB CONSULTA), CASACO UMA R$ 360 VESTIDO DE SEDA DIANE VON FUSTEMBERG R$ 1.500 PULSEIRA HERMES R$ 2.540 E COLAR TALENTO R$ 930


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BODY TULE OSKLEN R$ 197, VESTIDO COM DETALHE DE TULE OSKLEN R$ 447, CASACO AZUL CANTÃO R$ 239 VESTIDO LARANJA LONGO EM MALHA OSKLEN R$ 367, CARDIGÃ LONGO DE MALHA OSKLEN R$ 447, PARKA PRETA LOUIS VUITTON R$ 4.650 COLAR TYFFANY & CO. R$ 2.755.00

ASSISTENTES DE MODA - PALOMA VILLAS BOAS E TICA BERTANI, ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA - SÀNDOR KISS, CAIO PORTO E RENAN VITORINO, PRODUÇÃO-EXECUTIVA - ANNA GUIRRO, MODELO FABIANA MAYER (WAY MODEL), BELEZA - HELDER RODRIGUES (CAPA MGT),ASSISTENTE DE BELEZA - VIRGINIA PIMENTA, TRATAMENTO DE IMAGEM - LEO VAS, ESTÚDIO - BURTI HD


entrevista

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V E L HO L OBO - D O MA R FOTO: JO-ANNE MCARTHUR/SEA SHEPHERD


Há 35 anos navegando e patrulhando os sete mares contra a caça ilegal de animais marinhos, o capitão Paul Watson usa uma bandeira pirata e inventa técnicas radicais de interceptação de navios. Ele não acredita em encontros do tipo da Rio+20, mas deve participar do evento N I N A G A Z I R E E PA U L A A L Z U G A R AY

O CAPITÃO PAUL WATSON FOI O PRIMEIRO ATIVISTA A SE COLOCAR COMO ESCUDO HUMANO ENTRE ARPÕES E BALEIAS

FAMOSO PELAS TÉCNICAS DE GUERRILHA INVESTIDAS NA PROTEÇÃO DA VIDA SELVAGEM E DA BIODIVERSIDADE MARINHA, O CAPITÃO PAUL WATSON JÁ INTERCEPTOU CENTENAS DE NAVIOS EM 35 ANOS DE ATIVIDADE. À frente da Sea Sherperd Conservation Society, rede internacional com braços em 20 países, conseguiu proezas como desativar a máfia das barbatanas de tubarão das Ilhas Galápagos e a proibição do comércio de produtos derivados de focas pelo Parlamento Europeu. Em sua coleção de bravas campanhas contabiliza o salvamento de milhares de baleias, em mares ocidentais e orientais. Mas não apenas isso. Agora a equipe da Sea Sheperd (Pastor do Mar) também intercepta aviões. Em fevereiro último, impediu que a Hong Kong Airlines transportasse golfinhos vivos do Japão ao Vietnã. Paul Watson nasceu numa vila de pescadores no Canadá há 62 anos. Sua trajetória como ativista ecológico começou aos 11, resgatando castores presos em armadilhas. Aos 18 foi cofundador do Greenpeace e participou de sua primeira missão, na ilha Amchitka, no Alaska, em protesto contra testes nucleares. Era o mais jovem membro do grupo. “A preocupação com a ecologia começou no fim da década de 1960, com os movimentos militantes. Naquela época, uma pessoa mediana não sabia o que a palavra ‘ecologia’ significava”, diz Watson, que afirma ter acompanhado a diminuição progressiva da diversidade marinha desde os anos 1950. “Tomei consciência bem cedo de que, se os nossos oceanos morrerem, morreremos também.” É por isso que hoje ele passa dez meses por ano em alto-mar. E foi de lá que conversou com seLecT.

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entrevista

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O SENHOR JÁ FOI CASADO TRÊS VEZES E SEMPRE CONCILIOU AS ATIVIDADES DOMÉSTICAS COM AS CAMPANHAS: TODAS AS SUAS ESPOSAS TRABALHARAM COM O SENHOR EM ALTO-MAR. A SEA SHEPHERD ENCORAJA SEUS MEMBROS A ENVOLVEREM SUAS FAMÍLIAS NAS ATIVIDADES DA ORGANIZAÇÃO? CAPITÃO PAUL WATSON: Atualmente não estou casado. Finalmente aprendi que a vida de casado e o ativismo em alto-mar não combinam muito bem. Mas tenho uma fi lha maravilhosa do meu primeiro casamento e a amizade de uma vida inteira com minha primeira esposa. Ocasionalmente temos casais trabalhando conosco e os pais que querem trazer seus fi lhos só podem fazê-lo sob a condição de eles terem mais de 18 anos. COMO LHE OCORREU CRIAR A ESTRATÉGIA DE COLOCAR OS MILITANTES DA SEA SHEPHERD ENTRE AS BALEIAS E OS ARPÕES? Tive essa ideia em 1974. Em 1975, Bob Hunter e eu fomos as primeiras pessoas a nos colocar como escudos humanos entre baleias e armas. Estávamos lendo muito sobre Gandhi e acreditávamos que um baleeiro não sacrificaria a vida de um ser humano para caçar uma baleia. Mas rapidamente descobrimos que Gandhi não funcionava no nosso caso. Foi por isso que resolvi desenvolver uma estratégia mais agressiva de não violência, afirmando que poderíamos obstruir, molestar e danificar equipamentos e armas usados para matar animais marinhos. Nossa estratégia não é a de ferir pessoas, mas de preveni-las de cometer violência contra outras espécies. O LOGO DA SEA SHEPHERD É UMA CAVEIRA CERCADA DE SÍMBOLOS LIGADOS AO MAR. A SEMELHANÇA COM A TRADICIONAL BANDEIRA PIRATA NÃO É MERA COINCIDÊNCIA. FALE-NOS SOBRE A ESCOLHA DESSE SÍMBOLO. Não foi a frota naval britânica a responsável pelo fim da pirataria no Caribe do século 17. Suborno e corrupção possibilitaram que a pirataria crescesse. A pirataria no Caribe foi finalizada por Henry Morgan, ele mesmo um pirata. Foi o pirata John Paul Jones quem fundou a marinha naval americana e o pirata Francis Drake derrotou a armada espanhola. Esses piratas eram cooptados sem se submeter à burocracia. Além do mais, as crianças adoram a bandeira pirata. Ela é provocativa e certamente chama a atenção. FOTO: REPRODUÇÃO E CORTESIA SEA SHEPARD PRESERVATION SOCIETY

EM 35 ANOS DE ATIVIDADES NO MAR, QUAL FOI A MISSÃO MAIS DIFÍCIL DE EXECUTAR? Tivemos muitas missões difíceis, alguns diriam até impossíveis. Descobri que a paciência é o segredo. Persistência é a chave, nunca desista. Levamos anos para atingir nossos objetivos. Gastamos mais de 30 anos para acabar com o mercado de pele de focas. Temos combatido o massacre de golfinhos no Japão, desde 2003; a caça às baleias nos oceanos do Sul, desde 2002; e as baleias-piloto, também conhecidas como baleias-caldeirão, nas Ilhas Faroe, no Atântico Norte, desde 1983. Já nos bateram, fomos alvo de armas de fogo, tivemos nossas vidas ameaçadas e até fomos parar na cadeia. Isso é o que fazemos e o que nos torna bons. Não consigo dizer qual missão foi a mais difícil, porque todas foram igualmente árduas. A ANTÁRTIDA, AS GALÁPAGOS, O JAPÃO E O MEDITERRÂNEO ESTÃO ENTRE AS MAIORES ÁREAS DE ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO HOJE. O QUE MUDOU NESSES LUGARES? Nos oito anos que estamos atuando na Antártida, os índices de matança diminuíram significativamente. Na última estação, os japoneses usaram apenas 17%

Participei de conferências sobre biodiversidade e o que vi foi muita conversa e pouca ação. A mudança vem com imaginacão, iniciativa, coragem, paixão e superação de barreiras burocráticas


PAUL WATSON TEM O PIRATA COMO ÍDOLO E MODELO: “AS CRIANÇAS ADORAM A BANDEIRA PIRATA; ELA É PROVOCATIVA E CERTAMENTE CHAMA A ATENÇÃO”

da cota permitida para a caça de baleias. Conseguimos alcançar o nosso objetivo e isso teve enorme influência econômica nas frotas japonesas. Algumas até faliram. Hoje elas estão endividadas e dificilmente vão se recuperar. Eles retornaram esse ano apenas porque receberam um subsídio de US$ 30 milhões dos EUA, retirado do fundo destinado à recuperação por causa do Tsunami no ano passado. Nas Ilhas Galápagos, instalamos um sistema de vigilância Automatic Identification System (AIS – sistema de monitoração de curto alcance utilizado em navios e serviços de tráfego) para identificar embarcações de pesca ilegal na reserva marinha. Também utilizamos uma matilha para farejar nadadeiras de tubarões e organizamos uma equipe de rádio e advogados para dar consultoria. No Mediterrâneo, denunciamos o esquema de corrupção que quase extinguiu o atum-de-nadadeira-azul. Em Taiji, no Japão, reduzimos a matança de baleias pela metade nos últimos dois anos. No último verão, patrulhamos as costas das Ilhas Faroe e nenhuma baleia-piloto foi morta durante o tempo que estivemos lá. E O BRASIL, VOCÊS JÁ REALIZARAM ALGUMA CAMPANHA POR NOSSAS ÁGUAS? NÓS TEMOS A MAIOR COSTA DE MAR DO MUNDO, COM UMA BIODIVERSIDADE DIFERENTE DE OUTROS MARES. A Sea Shepherd Brasil foi fundada em 1998. A organização no País tem sido coordenada por brasileiros e tem se oposto à pesca ilegal, à matança de golfinhos e o resgate de animais em vazamentos de óleo. A Sea Shepherd também tem sedes no Chile, na África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Temos grande interesse em atuar nos mares do Sul. COMO A SEA SHEPHERD SE POSICIONA EM RELAÇÃO À CONFERÊNCIA RIO+20, QUE ACONTECERÁ EM JUNHO NO RIO DE JANEIRO? Participei de uma conferência sobre biodiversidade em Estocolomo, na Suécia, em 1971 e, 20 anos depois, da Eco-92, no Rio de Janeiro. O que eu vi foram políticos se reunindo para conversar sobre questões para as quais nunca realmente deram atenção. Muita conversa e pouca ação. A mudança vem com imaginação, iniciativa, coragem, paixão de indivíduos; vem da superação de barreiras burocráticas governamentais. Eu devo participar do encontro de 2012, mas não tenho nenhuma expectativa de mudança ou progresso.


curto-circuito

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Confira o aumento da proporção de obras com motivação ecológica na comparação entre as primeiras edições da década de 1990 e a versão mais recente das três principas mostras de arte contemporânea do mundo

21ª(1991)

45ª(1993)

54ª(2011)

Veneza

19,6 36,1

29ª(2010)

São Paulo

12,5 25,7

FONTE: CATÁLOGOS DAS EDIÇÕES DE 1991 E 2010 DA BIENAL DE SÃO PAULO, CATÁLOGOS DAS VERSÕES DE 1993 E 2011 DA BIENAL DE VENEZA, E GUIAS DA DOCUMENTA IX (1992) E DA DOCUMENTA XII (2007)


J U L I A N A M O N AC H E S I

A arte pode

salvar IXª(1992)

XIIª(2007)

Documenta

17,2 31,8

o mundo ?

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O cientista social Miguel Chaia, a dupla de artistas Dias&Riedweg e o filósofo Nelson Brissac ponderam sobre a arte socialmente engajada e os encadeamentos possíveis entre arte e crise ambiental

PARA INVESTIGAR SE A ARTE PODE MUDAR O MUNDO OU ATÉ TRANSFORMAR O PLANETA, como defendem os artistas que trabalham na interseção entre arte e ecologia, seLecT reuniu as opiniões de três protagonistas na construção do pensamento artístico no Brasil, atuantes nas dimensões da investigação teórica ou prática. Um deles é o cientista social e professor da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP Miguel Chaia, pesquisador da dimensão política da arte. Também falamos com a dupla Mauricio Dias e Walter Riedweg, que acabam de realizar a videoinstalação Cold Stories & Glory Holes, na qual relacionam os anos da Guerra Fria com o problema mais recente do aquecimento global. Ouvimos ainda o filósofo Nelson Brissac, criador e coordenador do projeto Arte/Cidade, pioneira intervenção curatorial em larga escala no ambiente urbano e autor de Paisagens Críticas: Robert Smithson – Arte, Ciência e Indústria (2011). NO BRASIL VIMOS RECENTEMENTE MOSTRAS COMO ECOLÓGICA (2010), ÁGUA NA OCA (2010) E INTEMPÉRIES – O FIM DO T E M P O ( 2 0 0 9 ) , Q U E A B O R DA RA M A C R I S E A M B I E N TA L D E S D E V Á R I O S P O N T O S D E V I S TA . R E V I S TA S E S T R A N G E I R A S C O M O ARTNEWS E ARTREVIEW VÊM DEDICANDO AMPLA COBERTURA A EXPOSIÇÕES EM T O R N O D E Q U E S T Õ E S A M B I E N TA I S . A N A T U R E Z A E S T Á N A M O D A?

M I GU E L C H A I A A natureza instiga os artistas. Na história da arte, ela marca presença significativa a partir do Renascimento, quando a pessoa humanizada, o indivíduo, toma o lugar da figura divinizada nas pinturas. Com isso, o entorno do ser humano ganha maior significação. Abordar a natureza foi uma conquista, um giro revolucionário, propiciado pelo humanismo que também afeta as artes. A partir de então, a natureza sempre se manteve como campo de interesse de vários artistas, modificando-se apenas a interpretação cultural dessa dimensão da vida. DIAS&RIEDWEG A arte não entra em moda alguma. Ela exprime a essência de alguma coisa, senão não é arte. Tampouco achamos que as artes cubram de maneira acentuada os problemas ecológicos com os quais nos confrontamos. Há, sim, belas expressões pontuais sobre o tema, como o vídeo do Superflex com um McDonald’s sendo inundado. Dá nojo ver aqueles hambúrgueres de carne duvidosa nadando na água imunda da loja, assim como dá satisfação ver, enfim, um McDonald’s sendo destruído. Esse trabalho apresenta uma vingança ecológica e econômica, mas de modo algum vemos isso como tendência. Nem o mercado nem a produção cultural absorvem de fato as preocupações ambientais em que vivemos. Não compartilhamos desse otimismo. N E L S O N B R I S S AC A crise ambiental justifica essas exposições. Mas, do ponto de vista da arte, devemos distinguir conceitualmente as coisas. A linha que vem da land art é muito diferente da abordagem que enaltece a preservação da natureza. Os pós-minimalistas dos anos 1960 e 1970, sobretudo Robert Smithson, entendiam a natureza como dominada por processos intensos e caóticos (avalanches, inundações, erupções). Para eles, a paisagem não é um cenário idílico e estável, mas uma contínua mutação. As intervenções industriais, como a mineração, só acrescentam desequilíbrios numa paisagem naturalmente turbulenta. A arte deve trabalhar com esses processos naturais e industriais e não tentar apaziguá-los. Não foi Smithson quem disse que uma mina a céu aberto é tão bonita quanto as cachoeiras do Niágara?

NELSON BRISSAC

“A paisagem não é um cenário idílico e estável, mas uma contínua mutação. A arte deve trabalhar com esses processos e não tentar apaziguá-los”


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QUATORZE ANOS DEPOIS DA ESTÉTICA RELACIONAL (NICOLAS BOURRIAUD), DEZ ANOS DEPOIS DE UM LUGAR DEPOIS DO OUTRO (MIWON KWON) E SEIS ANOS APÓS A VIRADA SOCIAL (CLAIRE BISHOP), COMO VOCÊS AVALIAM A ARTE SOCIALMENTE ENGAJADA QUE DOMINOU O HORIZONTE DAS PESQUISAS ARTÍSTICAS NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO 2 1? QUE TRANSFORMAÇÕES ELA TROUXE PARA O CAMPO DA ARTE E O CAMPO MAIS AMPLO DA VIDA?

M I GU E L C H A I A Não considero que a arte engajada tenha dominado o horizonte de pesquisas artísticas no início do século 21, mesmo porque ela não suporta o peso de uma pesquisa efetiva, porque deve ter leitura imediata e funcionar sem mediações. A dimensão política da arte atingiu seu ponto alto no início e em meados do século 20, com a visão crítica do dadaísmo, surrealismo e situacionismo, além da estetização produzida pelo nazismo e o comunismo. A arte engajada do início do século 21 é uma arte de atitude marcada ainda pela continuidade das esperanças dos movimentos contra a guerra e pela cidadania dos anos 1960, mas afetada pela Sociedade do Espetáculo, no sentido dado por Guy Debord, o que reduz o significado da própria ação política. Mas não se pode deixar de considerar que essas práticas apontam para o crescimento de coletivos ou grupos ativistas nas artes e mostram que a verve crítica continua vibrante num campo artístico dominado pelo mercado. DIAS&RIEDWEG Arte boa é sempre engajada numa ideia poética bem apresentada, e isso sempre move as coisas de um lugar para outro. Nesse sentido, muitas obras produzidas com integridade e força poética atingem de fato ressonâncias políticas. Mas é difícil definir essas ressonâncias como frutos de arte engajada. São frutos de boa arte, de bom trabalho de percepção e tradução de ideias. Difícil dizer se as poéticas e aparentemente inofensivas caminhadas registradas nos vídeos e desenhos de Francis Alÿs são mais ou menos engajadas do que os brilhantes vídeos e colagens feministas de Martha Rosler. N E L S O N B R I S S A C A chamada arte engajada acabou obtendo alguns ganhos, como a legitimação de práticas auto-organizadas, fora do

DIAS&RIEDWEG

“Nem o mercado nem a produção cultural absorvem de fato as preocupações ambientais. Não compartilhamos desse otimismo”

circuito das instituições culturais, e, sobretudo, as ações instrumentais da própria população. Equipamentos urbanos como carrinhos de catadores de papel e soluções construtivas promovidas em favelas foram descobertos pelos artistas, que passaram a dialogar com esses procedimentos, alargando muito o campo de atuação da arte. Mas essa abordagem também foi rapidamente absorvida pelo mercado e pelo politicamente correto, tendo sido às vezes esvaziada de sua dimensão crítica e reduzida a lugar-comum. PODEMOS PREVER UMA VIRADA AMBIENTAL COMO MARCA DA ARTE DA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO 2 1?

MIGUEL CHAIA A ecologia não é apenas um tema forte das artes plásticas, mas também das diferentes áreas da sociedade. Ecologia é o grande tema da atualidade, pautado por organismos internacionais e até pelo menor grupo escolar. Faz parte do pensamento hegemônico. A arte ecológica é desdobramento de estratégias institucionais dos mais diversos interesses, que podem instrumentalizar a arte. Por outro lado, os artistas são cidadãos e seres preocupados com a sobrevivência do planeta. Não é uma marca da arte na atualidade, mas indício de como a arte acompanha as questões do seu tempo. DIAS&RIEDWEG AssimDIAS&RIEDWEG como já vivemos inúmeros deslocamentos de conceitos, crenças, hábitos e leis na sociedade, viveremos por muito tem-


curto-circuito

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pesquisa científica e tecnológica, alguns artistas estão experimentando com o comportamento da matéria em condições-limite e o desenvolvimento de novos materiais. A relação com a ciência e a indústria é que deve marcar a criação artística no futuro próximo. Uma chance para, trabalhando em cooperação, descobrir novos processos e materiais, mudando a escala e o escopo dos projetos de arte. COMO VOCÊ LIDA COM A EMERGÊNCIA DESSE ASSUNTO? A ECOLOGIA TEM IMPACTO SOBRE SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS?

MIGUEL CHAIA Acho instigante refletir sobre a dimensão política da arte, sempre presente em menor ou maior grau na produção artística. Nesta época de ativismo crescente, de rebeliões árabes e ocupações norte-americanas, vejo a arte como um eixo de entrada para melhor indagar sobre o mundo.

MIGUEL CHAIA

“A arte ecológica não é uma marca da arte na atualidade, mas indício de como a arte acompanha as questões do seu tempo. A arte é um eixo de entrada para melhor indagar sobre o mundo” po os mais inesperados efeitos causados pelas interferências do progresso e da indústria sobre o planeta e a vida humana. Apenas começamos a entender e a relacioná-los com suas origens. Muito disso ainda fica no território da ignorância e, em nome do capital, provavelmente assim ficará por muito tempo. N E L S O N B R I S S A C No campo da arte, acho que o mais importante é a retomada da questão da matéria, saudável contraponto ao predomínio do imagético computacional. Instigados pela

DIAS&RIEDWEG Em Cold Stories & Glory Holes, uma videoinstalação que fizemos recentemente e ainda inédita no Brasil, relacionamos os anos da Guerra Fria com o aquecimento global, por meio de centenas de horas de imagens de arquivo. NELSON BRISSAC No momento, desenvolvo um projeto com o escultor José Resende, na Mooca (bairro paulistano), que lida com vagões ferroviários sucateados. Só no estado de São Paulo existem mais de 40 mil vagões abandonados, às vezes em áreas de mananciais. A remoção de resíduos sólidos de áreas urbanas é um dos problemas ambientais mais críticos. Os vagões são inertes e pesados. Sua remoção é muito dispendiosa, só viável para reciclagem industrial do aço. A proposta é fazer experimentações estruturais enquanto os vagões forem sendo desmontados e retirados.

A ARTE PODE MUDAR O MUNDO?

M I G U E L C H A I A A arte não pode mudar o mundo, mas pode, sim, criar outro mundo. Por outro lado, um conjunto de artistas pode fazer parte do esforço, associando-se a outros projetos, para tentar transformar a realidade social. Aí então a arte passa a ser portadora de um adjetivo. D I A S & R I E D W E G Da mesma forma simples que uma pedra quando jogada na superfície de um lago causa marolas, a obra de um criador causa ressonâncias em sua época. A arte pode questionar os parâmetros que nos orientam e pode, sim, mudar o estado das coisas. Afinal, o ato de criar é, no mínimo, o de libertar uma ideia e, por vezes, libertar uma atitude. N E L S O N B R I S S A C A arte, por si só, não pode mudar o mundo. Essa crença acaba muitas vezes colocando os artistas a serviço de interesses políticos ou imobiliários, que buscam usar a arte para legitimar suas próprias atividades. Mas a arte tem, como nenhuma outra forma de expressão, a capacidade de tocar o nervo do seu tempo, o ponto crítico das situações urbanas, sociais e culturais, servindo de catalisador para reflexões, críticas e práticas alternativas. A arte pode, então, apontar para outras configurações possíveis.


© JOHANNES MANN/CORBIS/CORBIS (DC)/LATINSTOCK

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O Rio de Janeiro é

o protagonista da conferência da ONU e centraliza o debate ecológico contemporâneo. A diversidade das transformações sociais, econômicas e culturais que a cidade vive é retratada desde múltiplos pontos de vista desse dossiê. Ele compõe um mosaico daquilo que está mudando a cara do Rio e do mundo todo


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Futuro O principal evento do Brasil nos próximos anos não é a Copa nem as Olimpíadas, mas a Rio+20, a conferência global sobre o clima. Sem os primeiros o mundo vai “tale e quale”. E sem que a Rio+20 seja levada a sério, não temos futuro

MAIS IMPORTANTE DO QUE A COPA E AS OLIMPÍADAS RONALDO LEMOS

FALAR DE FIM DO MUNDO EM 2012 É POP. SOBRAM IMAGENS DE PRÉDIOS DESABANDO, MONUMENTOS INDO AO CHÃO, INUNDAÇÕES E EXPLOSÕES. Mas o “fim do mundo” é muito menos dramático. Ele é lento e sofrido e afeta primeiro quem não tem dinheiro. Chegamos a 7 bilhões de pessoas. E com isso a constatação (compartilhada até pela China!) de que o mundo simplesmente não tem recursos para expandir o modo de vida ocidental para todos os seus habitantes. Como disse Hermano Vianna no seu seminal texto O Direito de Querer Menos, se todo mundo quiser viver no padrão ocidental, viajando de avião, comendo carne, checando e-mails e sonhando com ao menos um carro na garagem, os recursos globais já eram. Não é um modelo viável. A questão é saber o que fazer com o fim da ilusão de que todo o planeta pode virar “Ocidente”. O alarme não vem só dos economistas, mas de gente como Peter Thiel, o megainvestidor que primeiro apostou no Facebook. Ele está desencantado justamente com o que fez dele um milionário: a inovação. Diz que o único setor que ainda apresenta algum tipo de invenção relevante é a Tecnologia da Informação. Os demais estão estagnados. Não há sinais de outra revolução verde no horizonte. Nem de que a nossa matriz energética vai mudar. Até a corrida espacial já foi para o espaço. Estamos presos ao único planeta que temos. Com isso, a solução é repensar o que significa desenvolvimento. Como diz Eduardo Viveiros de Castro: “Desenvolvimento para quê? Para a obesidade?” Mais do que ninguém, o Brasil precisa enfrentar essa questão. É só olhar a nossa lista de exportações: soja, minério de ferro, petróleo. Em síntese, dependência brutal da China. A Rio+20 é o momento de o País ajudar o mundo a pensar como quer se desenvolver. Podemos mostrar que é possível, democraticamente, superar os vícios do século 20, dentre eles o petróleo. Dar um salto tanto tecnológico quanto de modos de vida. Ambos igualmente essenciais para o futuro do planeta.


NA SÉRIE A ARTE SALVA, DE 2012, EDUARDO SRUR PINTA COLETES SALVA-VIDAS SOBRE OS MAIORES MONUMENTOS DO PLANETA


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Intervenção ambiental Eduardo Srur lança alerta mundial sobre meio ambiente em série de aquarelas e prepara intervenção no Rio de Janeiro

ARTE PARA SALVAR O MUNDO

PA U L A A L Z U G A R AY

EDUARDO SRUR É UM ARTISTA DE INTERVENÇÕES URBANAS QUE, CADA VEZ MAIS, SE VOLTA PARA ENFOQUES AMBIENTAIS. Ele ganhou projeção quando instalou 20 garrafas PET infláveis e gigantes nas margens do Rio Tietê, em São Paulo, em 2008. Nos últimos anos, as garrafas circularam por rios, lagos e represas, como a Guarapiranga, chamando a atenção para o tamanho do problema que as cidades brasileiras enfrentam com o lixo e a poluição das águas. “Tenho, especialmente, um desejo de realizar as PETs na Lagoa Rodrigo de Freitas durante a Rio+20, juntamente com uma ação educacional no local. Mas estão surgindo outras ideias interessantes”, avisa Srur. Sua última intervenção em grande escala foi em dezem-

bro passado, nos espelhos d’água do Congresso Nacional, em Brasília, em referência a outras formas de poluição, dessa vez a corrupção em escala política. Acompanhado de 300 voluntários – a maior parte de estudantes da UnB –, ele instalou 360 boias salva-vidas adesivadas com a frase “A Arte Salva”. O trabalho desdobrou-se depois em uma série de aquarelas, em que o artista intervém sobre os maiores monumentos do planeta, pintando sobre eles coletes salva-vidas. “Minha produção rompe as fronteiras do sistema artístico e as obras têm uma mensagem direta e engajada com questões atuais da sociedade. O meio ambiente e a forma como lidamos com a paisagem urbana são uma delas. O artista, no Brasil, tem de ter um papel mais político e de formação. Faço isso antes da Rio+20 e vou continuar fazendo depois do evento”, diz.

INTERVENÇÃO SOBRE OS MAIORES MONUMENTOS DO PLANETA: (DA ESQ. PARA A DIR.), THE MOTHER LAND, SÃO FRANCISCO, ESTÁTUA DA LIBERDADE E USHIKU DAIBUTSU


FOTO: BRUNO ITAN

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NOS ESTUDOS CULTURAIS E REPRESENTAÇÕES ESTÉTICAS SOBRE FAVELAS, FREQUENTEMENTE ESTA É VISTA SOB O PONTO DE VISTA DE “O OUTRO LADO DO MUNDO, AQUELA QUE NÃO FAZ PARTE DA CIDADE, AQUELE LUGAR CARENTE, MAS DE PUREZA FUNDANTE DA CIVILIZAÇÃO, COM COMBINAÇÃO EXPLOSIVA DE CAOS E ALEGRIA”. Ou até mesmo como “um lugar que não se relaciona com os melhores atravessamentos do mundo contemporâneo, porém folclórico e ao qual devemos levar processos civilizatórios”. Apesar de esse núcleo duro de pensamento ter virado senso comum até mesmo nas rodas de bar mais esclarecidas, um delicado atravessamento vem inventando um novo lugar que pode embaralhar as visões. A potente conexão entre território, jovens e cultura digital em algumas favelas cariocas traz um vento que abre brechas e forja novos movimentos do pensamento, expressão e possibilidades de existência. Num primeiro momento, as lan houses, com seus games e possibilidade de acesso ao Orkut, dispararam capacidades expressivas desses jovens em avatares e leituras visuais com montagens de fotos. Entretanto, a intimidade desses sujeitos com as máquinas expressivas da cultura digital vai além e tem produzido potência estética em diversas operações de espaço/tempo que eram vistas apenas como identidades de um modo fixo de viver. Um bom exemplo disso é o Passinho do Menor. Os jovens filmam suas danças na rua, corredores, quintais, na frente das lans e colocam os vídeos no YouTube, onde recebem acessos expressivos. Misturando frevo com funk, os pequenos vídeos desorganizam a ideia de centro do discurso imagético. Ali temos, ao mesmo tempo, intervenção no território, videodança, apropriação tecnológica e diversas outras categorias que asseguram atualidade diante dos arautos da distinção. A potência dessa expressão vem aproximando esses jovens performáticos de artistas contemporâneos, agitadores culturais e também da indústria do entretenimento, que percebem na Batalha do Passinho (rodas de disputas de danças realizadas pelos jovens na cidade) uma possibilidade de modulação dessa invenção como produto. A notícia boa é que, mesmo lentamente, essas e outras novidades operadas pela juventude das favelas estão tirando-a do lugar clássico de eterna aprendiz das artes e ofícios, defendido ainda por algumas cabeças preguiçosas. Apesar de serem considerados atores sociais inorgânicos, esses jovens vêm mostrando possibilidades de intensidade e expansão da cultura, nessa relação com o mundo digital. Agora são as mochilas falantes e os bonés com caixas de som que invadem performaticamente esquinas e recreios. É a linguagem interferindo na vida e no território.

Cultura digital

Mochilas falantes e bonés com caixas de som invadem performaticamente esquinas e recreios. É a conquista do território pela linguagem

PASSINHO DO MENOR M A R C U S V I N Í C I U S FA U S T I N I

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Indústria Petróleo do pré-sal carrega inovação industrial, revitalização urbana e potencializa o Rio como laboratório de arte e ciência

LABORATÓRIO COGNITIVO N E L S O N B R I S S AC

ESTÁVAMOS ACOSTUMAMOS A VER O RIO DE JANEIRO COMO UM BALNEÁRIO, MEIO GRACIOSAMENTE DECADENTE, MEIO VIOLENTO, DESDE QUE DEIXOU DE SER A CAPITAL DO PAÍS. Mas agora a cidade está empenhada na recuperação da sua área central, na construção de novos equipamentos culturais e esportivos e na reintegração social e urbana das favelas. Essa transformação está sendo impulsionada por um intenso processo de industrialização. É isto que está dando suporte econômico para boa parte das obras e para a geração de empregos para aquela população antes marginalizada. No Rio, o petróleo

do pré-sal carrega a inovação industrial e a revitalização urbana. Do outro lado da Baía de Guanabara, em Itaboraí, a Petrobras e a Braskem estão construindo um complexo petroquímico (Comperj) que vai gerar seus produtos a partir de gás natural, oriundo do pré-sal. Mais ao norte, o grupo de Eike Batista está implantando o porto do Açu, um complexo industrial que receberá siderúrgicas (Wisco e Ternium), terminal de minério (Anglo American), fábrica de equipamentos para a área de petróleo e energia (GE), estaleiro e fábrica de cimento (Votorantim). Ao sul, na Baía de Sepetiba, estará instalada a mais nova usina siderúrgica do Brasil, a CSA (Thyssen). Ao lado, o porto de Itaguaí abriga terminais da Vale, da CSN e da Usiminas, além de área de armazenamento de contêineres. Na cidade, na Ilha do Fundão, a Petrobras e diversas empresas de ponta estão estabelecendo um parque tecnológico de pesquisa em petróleo, gás e energia, além de meio ambiente e Tecnologia da Informação. Mais de dez centros de pesquisa vão reunir empresas como a Siemens, Halliburton, Usiminas, EMC Computer Systems e GE (General Electric). Ali está instalado o LabCog, o Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia da Coppe-URFJ, que tem o maior computador de uso público da América Latina. O LabCog possui também uma Cave, caverna de visualização em que é possível manipular (em ambiente imersivo) imagens em 3D de altíssima definição. Esse é um dispositivo indispensável para o trabalho no pré-sal, pois, devido às grandes profundidades marítimas, todas as operações têm de ser feitas por ferramentas robóticas, demandando acompanhamento remoto. Disponibilizado para experimentos, esse equipamento poderá servir a artistas, arquitetos e outros criadores.

FOTO: NOOSFERA PROJETOS ESPECIAIS. ARQUITETO JOSÉ WAGNER GARCIA

LABCOG - LABORATÓRIO COGNITIVO - NA ILHA DO FUNDÃO, NO RIO DE JANEIRO, É CENTRO DE PESQUISA CIENTÍFICA DE PONTA QUE REFLETE IMPACTO TECNOLÓGICO DO PRÉ-SAL


Economia criativa

SOLUÇÕES INVENTIVAS ANA CARLA FONSECA

O RIO DE JANEIRO PODE SE BENEFICIAR DAS EXPERIÊNCIAS E SOLUÇÕES VIVENCIADAS POR OUTRAS CINCO CIDADES

Ao longo das duas últimas décadas, várias cidades em diferentes continentes ganharam visibilidade internacional após terem sediado um projeto emblemático, de cunho esportivo (Olimpíadas, Copa do Mundo, Jogos de Inverno) ou cultural (construção de um equipamento convertido em ícone). Muitas vezes associados a objetivos de puro marketing urbano, esses projetos revelam-se impulsionadores de desenvolvimento social, econômico, cultural e turístico, quando submetidos a um olhar mais detido e criterioso sobre os processos que engendram. Analisando em profundidade os processos movidos pela organização da Copa, das Olimpíadas e dos museus internacionais, catalisando um debate acerca das oportunidades que serão abertas ao Brasil nos próximos anos, o livro Cidades Criativas, Soluções Inventivas discute o ambiente construído para franquear as formas de parceria público-privada (PPP), os arranjos institucionais, o crescimento de negócios e a mudança de mentalidade que devem permear nossas dinâmicas, se quisermos colocar os grandes projetos a favor das cidades – e não o contrário. A obra busca também aprendizados por meio da análise de cinco experiências: Olimpíadas de Barcelona 1992, Olimpíadas de Londres 2012, Copa da África do Sul 2010, Museu Guggenheim Bilbao e Bibliotecas-Parque da Colômbia. Os capítulos foram escritos por profissionais envolvidos com os projetos, em seus países de origem. Como as cidadessede, em especial o Rio de Janeiro, poderão beneficiar-se dos grandes projetos e quais as oportunidades franqueadas à economia criativa dessas cidades? É para discutir essa questão fundamental que Cidades Criativas, Soluções Inventivas vem à luz, em versão digital e gratuita. Que venham novos debates! Cidades Criativas, Soluções Inventivas – O Papel da Copa, das Olimpíadas e dos Museus Internacionais (Edição Garimpo de Soluções e SP Turis, apoio Sesi), disponível em www. garimpodesolucoes.com.br e www.criaticidades.com.br

FOTO: © JOHANNES MANN/CORBIS/CORBIS (DC)/LATINSTOCK

Livro analisa como a Copa do Mundo e as Olimpíadas podem alavancar o desenvolvimento social, econômico e cultural das cidades

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Urbanismo

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TASSO MARCELO/AGÊNCIA ESTADO

ELEVADOR DO CANTAGALO SERVE 10 MIL MORADORES DO MORRO E GEROU FLUXO TURÍSTICO

O RIO JANEIRO NÃO É EXATAMENTE UMA CIDADE, MAS UMA ESPÉCIE DE UNIVERSO PARALELO. Um giro permanente entre tudo que é uma coisa e é outra também. A clássica oposição montanha e mar é só um de seus traços paradoxais característicos. Ser metrópole intensa com cara de férias, outro. Mas existem vários. Um ponto de vista privilegiado para esse horizonte de complexidade são os elevadores implantados no Morro do Cantagalo, em Ipanema, há dois anos. Com capacidade para transportar até cem pessoas distribuídas em suas duas torres, estão diretamente ligados à estação General Osório do metrô e integram o complexo Rubem Braga, que envolve transportes, obras arrojadas de engenharia e Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Olhando o morro de cima do Mirante da Paz, a 54 metros de altura do solo, é impossível não imaginar o impacto social que uma obra dessas teve e tem no fluxo diário dos moradores da comunidade do Cantagalo, onde vivem 10 mil pessoas, que desciam e subiam o penhasco em degraus íngremes. Impossível não pensar também na proximidade entre um dos metros quadrados mais caros do mundo e a favela. Nesse entrecruzamento, a arquitetura pós-tudo das torres convert-se em um espelho retrovisor do passado recente do Brasil. Basta contemplar os edifícios antes luxuosos, erguidos entre os anos 1960 e 1970, com vista para o mar e que na sua impossibilidade de convivência com as favelas, a quem literalmente dão as costas, e logo se transformaram em prédios murados, de janelas entrincheiradas, retrato explícito de ataque e contra-ataque e vice-versa duas vezes. Sem propriamente remediar nada, nem exatamente corrigir pontualmente algo, outro urbanismo está se impondo aí nesses elevadores. É um fenômeno que tem relação com o processo de pacificação que turbinou o empreendedorismo, dinamizando a economia interna nas comunidades e se explicita em uma constelação imobiliária, implicando a diminuição, em 45%, da diferença entre o imóvel mais caro e o mais barato na cidade. Como o teleférico do Morro do Alemão e outras ações que vêm ocorrendo no Rio de Janeiro recentemente, é um urbanismo plug-in, que se conecta às coisas, estabelecendo a possibilidade de as ligações existirem e não fazendo as ligações. Impõe o desafio de pensar dinâmicas socialmente justas e criativamente produtivas, que se façam a partir dos novos fluxos que as conexões desse trânsito emergente, e cada vez mais intenso, geram. A Matrix tropical vai decolar.

Elevadores do Morro do Cantagalo são marco do urbanismo plug-in. 'HVDî R DJRUD Å SHQVDU dinâmicas a partir dos QRYRV ï X[RV TXH DV conexões de seu trânsito promovem

A MATRIX TROPICAL GISELLE BEIGUELMAN


FOTO E MONTAGEM: QUITO

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Espaço público PROJETO DE MEMORIAL DA PAZ INCLUI ESCULTURAS CINÉTICAS

O artista carioca Raul Mourão projeta um memorial da paz para o Complexo do Alemão

NA CADÊNCIA DO MORRO PA U L A A L Z U G A R AY

RAUL MOURÃO NASCEU NO RIO HÁ 44 ANOS E HÁ PELO MENOS DEZ DESENVOLVE UM TRABALHO ARTÍSTICO EM INTENSA SINTONIA E DIÁLOGO COM O ESPÍRITO DAS RUAS DE SUA CIDADE. A estética dos botecos, as quadras de futebol de praia, os ambulantes e as grades de segurança – marcos identitários das grandes cidades brasileiras – são seus objetos de trabalho. Mesmo com essa intimidade toda, o artista nunca havia realizado trabalhos em comunidades. Mas, desde que os morros vêm sendo ocupados pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), ele já integrou dois projetos. “Isso tem a ver com as mudanças que estão acontecendo no Rio, que está se reintegrando e perdendo sua condição de cidade partida”, diz Mourão. Em 2011, ele instalou duas esculturas cinéticas monumentais na exposição Travessias – Arte Contemporânea na Maré, coordenada pela ONG Observatório de Favelas, e atualmente está trabalhando com a Secretaria de Segurança do Estado do Rio na concepção de um memorial da paz no Complexo do Alemão. “Inicialmente, o secretário (José Mariano) Beltrame me encomendou um marco escultórico como um memorial da paz. Após visitas ao local, fotos, vídeos, sobrevoos e entrevistas com moradores, percebi que uma simples intervenção artística não causaria impacto e daí surgiu a ideia de um parque no topo da Serra da Misericórdia”, conta o artista. Criação conjunta entre Raul Mourão e o escritório de arquitetura RUA, de Pedro Rivera e Pedro Évora, o parque terá uma área verde e espaços de lazer, esporte, cultura e educação ambiental, além de dois mirantes voltados para o maciço da Tijuca e para a Baía de Guanabara. O acesso será pelo teleférico do Alemão, que entrou em funcionamento em dezembro do ano passado. O projeto inclui a instalação de esculturas em chapa de aço, desdobramentos das das obras Balanço Maré, expostas na Favela da Maré, em 2011. A interação desses objetos com os moradores do Alemão é garantida, afinal eles são manipuláveis e irresistíveis. Desafio é do governo do estado em sintonizar o projeto sociocultural do parque com os interesses da população, correspondendo às suas reais necessidades. Coisa que o Centro Cultural Bela Maré, onde foi realizado o Travessias, iniciou bem no Complexo da Maré, desprezando as “representações centradas no paradigma da carência, precariedade e criminalização”, segundo definiu Jailson de Souza e Silva, coordenador do Observatório de Favelas.


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Globalização

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PETER TSAI PHOTOGRAPHY / ALAMY / GLOW IMAGES

Disputadas pela Nike, pela TV Globo e pelo Estado, as favelas cariocas são quilombos urbanos conectados e laboratórios de produção subjetiva

A CIDADE BETAGLOBAL: MENINOS NEGROS-LOUROS I VA N A B E N T E S

A FAVELA DA ROCINHA INTEGRA UM NOVO MAPA-MÚNDI DO PAÍS

O RIO DE JANEIRO ESTÁ EM DISPUTA. A CIDADE QUE SEMPRE FOI UMA METANARRATIVA SOBRE O BRASIL PASSA POR PROFUNDAS TRANSFORMAÇÕES NOS ÚLTIMOS ANOS QUE A COLOCAM NO CENTRO DO CAPITALISMO 2.0, COGNITIVO, AFETIVO E COMUNICACIONAL. Rio, Cidade Betaglobal, está no centro de uma disputa simbólica. A passagem do Brasil fordista, nacional-desenvolvimentista para a periferia global, em que as bordas invadem o centro e que tem de se reinventar não pela falta nem pelo negativo (violência, pobreza, crise da cidade), mas pela potência. Duas megaoperadoras simbólicas atuam nesse imaginário: A Central Única das Favelas (Cufa), com uma rede de atividades


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extensa em todo o Brasil, e o AfroReggae. Duas das mais bem-sucedidas experiências de transmutação simbólica da cidade, capazes de juntar numa mesa de negociação ex-traficantes, polícia, governo, banqueiros, mídia e universidade. Com estratégias intuitivas e paradoxais, são experiências de transição entre o “movimento”, a narcocultura da favela e do tráfico, e os movimentos sociais e culturais, apontando para uma nova forma de “corporação social” que vai hackeando o papo do social e do cultural das empresas, dos governos, da mídia. Hackeando e sendo usados pelas corporações, mas inventando, errando e acertando, criando condições de possibilidade para o surgimento de novos movimentos. São apenas o lado mais visível (que alguns desqualificam como “king ONGs”) de uma mutação subjetiva que se espalha por centenas de coletivos, Pontos de Cultura, produtores culturais, Agências como a “Redes para a Juventude”, “Observatórios” de favelas, DJs, formadores livres, agitadores e outros sujeitos do discurso que tomam posse da cidade. Favela é a força do Rio! Não mais os pobres assujeitados e “excluídos” de certo imaginário e discurso, mas uma ciberperiferia, a riqueza da pobreza (disputada pela Nike, pela Globo, pelo Estado) que transforma as favelas, quilombos urbanos conectados, em laboratórios de produção subjetiva. A carne negra das favelas, os corpos potentes e desejantes, a cooperação sem mando, inventando espaços e tempos outros (na rua, bailes, lan houses, lajes), estão sujeitos a todos os tipos de apropriação, exatamente como qualquer um de nós. É que as favelas não são fábricas de pobreza, mas o maior capital nas bolsas de valores simbólicas do Rio de Janeiro e do País, pois converteram as forças hostis máximas (pobreza, violência, Estado de exceção) em processo de criação e invenção cultural.

As favelas não são fábricas de pobreza, mas o maior capital nas bolsas de valores simbólicas do Rio de Janeiro e do País O Rio é um termômetro da difícil e paradoxal tarefa de calibrar essa euforia pósLula, do presidente Macunaíma que turbinou a perifa com os “gestores de subjetividade”, que revertem e monetizam a potência das favelas e periferias para o turismo, corporações, bancos e agenciadores da “economia criativa” e do consumo. A disputa é outro “comum”, é repudiar a guerra contra os pobres (remoções, criminalização, repressão). É afirmar uma diferença radical: a dos garotos e garotas das favelas dançando e colocando toda a sua energia e intensidade nas disputas pelos becos, lajes, praças e compartilhando e inventando coreografias geniais para a “dança do Passinho” em vídeos pela internet. É ver a resignificação do funk pelas meninas, que transformam o discurso sobre cachorras e popozudas em reivindicação neofeminista sobre a posse do seu corpo e o comportamento sexual libertário e desabusado da periferia. Minhas últimas resistências estéticas ruíram depois que vibrei com “Os Hawaianos”, no Complexo do Alemão. Os meninos negros-louros que rebolam até o chão, as gírias, a inteligência popular brasileira reinventa o Brasil Canibal, versão 2.0, local, global, fabulando um mapa-múndi do País, desconcertante. Feijão, ex-dono de boca e chefe do tráfico em muitas favelas do Rio, hoje coordenando o Centro Cultural Wally Salomão do AfroReggae, no meio da favela, foi meu cicerone em Vigário Geral. Ele nos levou para conhecer a “Faixa de Gaza” local que faz a divisa entre Vigário Geral e Parada de Lucas, duas favelas que ficaram mais de 25 anos em guerra. Conta histórias incríveis, fala do seu passado, narra de forma performática o que afinal era ter “poder” e estar entre os inimigos nº 1 do Brasil, mesmo com um exército de meninos às vezes sem dentes, desnutridos e assustados. De tanto contar as histórias de crime, resignificadas por uma carreira atual de gestor cultural e ator de filmes (fez o traficante Tiziu em 5x Favela, Agora por Eles Mesmos), Feijão, de forma lapidar, sintetizou a radicalidade da disputa simbólica vinda das favelas cariocas; um ex-traficante fabulador de histórias, que num insight genial e constituinte, entre risadas, se autoproclama: “Hoje eu sou o Monteiro Lobato daqui”.


dossiê

INVESTIMENTOS ATÉ 2016 R$

3,2 bilhões

R$

2,8 bilhões

Urbanização das favelas

R$

1 bilhão

Despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas

R$

1 bilhão

Construção do Arco Metropolitano

R$

0,9 bilhão

Revitalização da zona portuária 100

Ampliação do Aeroporto Tom Jobim

R$

0,9 bilhão

Museus MAR - Museu de Arte do Rio, Museu do Amanhã e o novo prédio do MIS-RJ renovam a paisagem e a cultura da cidade

EM BREVE, TRÊS NOVOS ÍCONES

INFRAESTRUTURA R$

88 bilhões

é o valor que será investido apenas em projetos de infraestrutura

O Rio de Janeiro terá, até 2014, três novos museus, que vão transformar de modo radical o circuito de mostras da cidade e o status cultural carioca na agenda internacional de eventos. Como primeiro resultado da revitalização da zona portuária junto à Praça Mauá, está com inauguração prevista para outubro deste ano (2012) o Museu de Arte do Rio (MAR), com projeto do escritório carioca de arquitetura Bernardes e Jacobsen e realização da Fundação Roberto Marinho. O investimento soma R$ 43 milhões. O MAR reúne dois prédios sob um mesmo teto em formato de onda: um palacete de arquitetura neoclássica (1916) e um edifício modernista (1940) ao lado. São 8,5 mil metros quadrados interligados por passarelas. Um dos terraços terá teleférico para ligá-lo à comunidade do vizinho Morro da Conceição. A curadoria-geral do MAR é do jornalista Leonel Kaz, ex-secretário municipal de Cultura, que planeja realizar mostras temporárias com foco na paisagem do Rio e na iconografia da cidade, com apoio de importantes coleções de arte, como as de João Sattamini e Gilberto Chateaubriand, criando diálogos com acervos do exterior.


250 bilhões

é o valor estimado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro em investimentos públicos e privados até 2016

Ainda na mesma região da Praça Mauá, em novembro, começaram a ser cravadas as estacas das fundações subaquáticas do Museu do Amanhã, projeto assinado pelo espanhol Santiago Calatrava, um dos mais importantes nomes contemporâneos da arquitetura. O Museu do Amanhã terá 15 mil metros quadrados com ambientes imersivos e interativos que farão o visitante observar o futuro da vida no planeta nos próximos 50 anos. A curadoria é do físico e doutor em cosmologia Luiz Alberto Oliveira. A data de inauguração do Museu do Amanhã está prevista para o primeiro semestre de 2014. A construção, juntamente com o MAR, faz parte do projeto Porto Maravilha, que vai urbanizar uma área de 5 milhões de metros quadrados, com investimento total de R$ 8 bilhões. Em outro ponto de grande visibilidade da cidade, na Avenida Atlântica, com assinatura do escritório norte-americano de arquitetura Diller Scofidio e orçado em R$ 70 milhões, está sendo erguido o novo prédio do Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ), parceria entre o governo estadual e a Fundação Roberto Marinho, com data-limite de abertura prevista para o segundo semestre de 2014.

4,9 bilhões

Modernização e ampliação da rede elétrica pela Light 101

R$

2 bilhões

R$

1 bilhão

R$

0,7 bilhão

Investimentos em fibras ópticas até 2016

R$

0,3 bilhão

Reforma do Hotel e da Marina da Glória

Melhorias e compra de novos trens pela Supervia

Ampliação do parque hoteleiro

MUSEU DO AMANHÃ: PROJETO DE SANTIAGO CALATRAVA PARA A REGIÃO PORTUÁRIA

ZÉ PEDRO RUSSO/SAMBAPHOTO

R$

R$

FOTO: DIVULGAÇÃO

PÚBLICOS E PRIVADOS


ficção científica

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Das selvas submarinas com lulas gigantes e tubarões anabolizados até a indústria de exploração da água e as catástrofes ambientais, a saga da literatura de ficção científica sobre o fundo do mar

NINA GAZIRE

20.000 LÉGUAS FICTÍCIAS


Enquanto Aumentava uma Forte Sede Diminuta, o Suco se Perdeu (O Nascimento de uma Loja de Refrigerantes), OBRA DE PHOEBE WASHBURN, MOSTRADA NA BIENAL NO WHITNEY MUSEUM DE 2008 103

O MITO DO KRAKEN, A LULA MARINHA GIGANTE, REAPARECE EM FILMES COMO VIAGEM AO FUNDO DO MAR E NA OBRA THE DEEP RANGE, DE ARTHUR C. CLARKE, E TAMBÉM NA EDIÇÃO DE 1926 DA REVISTA AMAZING STORIES, DEDICADA AO GÊNERO DA FICÇÃO CIENTÍFICA

JÚLIO VERNE (1828-1905) ESCREVEU MAIS DE 40 LIVROS E FUNDOU A FICÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AS VIAGENS PELO ESPAÇO. O livro Viagem à Lua é um de seus trabalhos mais conhecidos, mas talvez a produção mais visionária do escritor francês tenha sido 20.000 Mil Léguas Submarinas, de 1870, e que não tem nada a ver com viagens espaciais. Tão desconhecidos quanto o universo eram os oceanos. Sobre eles o escritor narrou a jornada guiada pelo Capitão Nemo, que comandava uma embarcação submergível movida a energia elétrica, antes nunca imaginada. O Náutilus de Júlio Verne foi o primeiro submarino pensado na história e posteriormente tornou-se uma realidade que desempenhou papel crucial durante os períodos das grandes guerras do século 20. Mas a verdade é que demorou muito para as águas inundarem as páginas da ficção científica. Foi só na década de 1950, muito depois de Verne, que elasv voltaram a ocupar com destaque o gênero literário. IMAGENS: REPRODUÇÃO


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O marco foi The Undersea Trilogy (Trilogia Submarina), de 1954, dos escritores americanos Frederik Pohl e Jack Williamson, que contava as aventuras de uma frota de exploradores marinhos formados por uma espécie de academia naval localizada em uma cidade no fundo do mar. Se em 20.000 Mil Léguas Submarinas os mares eram perscrutados como uma selva virgem, na trilogia de Pohl e Williamson a paisagem marinha era problematizada a partir de questões como a colonização do fundo dos oceanos e a exploração de seus recursos naturais. Ainda assim, serpentes e monstros marinhos dividiam o cenário com histórias detetivescas lideradas pelo herói Jim Eden. Contudo, é importante notar que a referência ao imaginário do fundo do mar como selva inexplorada é uma constante hoje na ficção científica cinematográfica e televisiva. No início da década de 1990, o diretor Steven Spielberg produziu a série de tevê SeaQuest, que narrava a história da tripulação de um submarino que era uma espécie de descendente do Náutilus de Júlio Verne. Além de explorar os potenciais recursos dos oceanos, a tripulação do SeaQuest protegia as colônias subaquáticas fundadas após um conflito mundial. A ação se passa no ano de 2032, e a série foi ao ar de 1993 a 1996. Todos os capítulos começavam com FOTOS: REPRODUÇÃO; FIRE DUDE WRAITH; ARCHANGEL E SEEBITS

a narração de Nathan Bridger, o capitão do submarino: “Século 21. A humanidade colonizou as últimas regiões inexploradas na Terra, o oceano!” Diga-se de passagem que o capitão Nathan era interpretado pelo falecido Roy Scheider, o mesmo ator protagonista dos dois filmes da franquia Tubarão (Jaws), também dirigida por Spielberg. Nesse clássico do terror oceânico, Scheider caçava pelos mares um tubarão anabolizado que destruía embarcações e devorava pessoas com apenas uma bocada.

DO FUNDO DO MAR No campo da literatura, dentro do circuito das novas gerações, o tema dos oceanos ainda parece chamar atenção. Kristine Kathryn Rusch, escritora e uma das roteiristas da série Star Trek, trata do assunto em sua série The Diving Universe, iniciada em 2009, que lança para um universo futuro as viagens de caçadores de tesouros e navios piratas da literatura do século 19. Para a autora, a justificativa da presença ainda desproporcional de histórias sobre os oceanos na ficção científica reside sobre a falta de autores interessados no assunto. “Muitos autores escreveram sobre os mares, como Herman Melville. Eu gostaria de ver mais histórias do ponto de vista científico, mas os mergu-


lhadores e oceanógrafos que conheço são muito aventureiros para sentar e escrever”, disse Kathryn Rusch em entrevista à seLecT. Mas nem só de hard sci-fi (narrativas que se apropriam com muita fidelidade das teorias científicas) as histórias são feitas. Grande parte da diversão nesse gênero está em imaginar o improvável – mas com alguma chance, nem que mínima, de acontecer. Nesse quesito os monstros marinhos, alienígenas ou não, são um espetáculo à parte. O Kraken, lula gigante que nas his-

tórias escandinavas destruía os navios e embarcações no Atlântico Norte, reaparece repaginado no livro The Deep Range (Faixa de Profundidade), de 1957, do respeitado Arthur C. Clarke, também responsável por 2001 – Uma Odisseia no Espaço. The Deep Range traz uma narrativa em que um monstro marinho semelhante à lula mítica é descoberto. Outro mito que invade a produção literária é a lenda da cidade perdida de Atlântida. Descrita originalmente como uma potência naval por Platão, por volta do século 5o a.C., há pouco consenso sobre sua veracidade, a não ser o fato de ter sido uma ilha que foi destruída. Muitos autores a imaginaram como uma civilização submersa e outros que suas ruínas estariam perdidas no fundo mar, guardando tesouros inestimáveis. Até mesmo os tripulantes do Náutilus, em uma de suas viagens em 20.000 Mil Léguas Submarinas, teriam avistado as ruínas de Atlântida. Séries televisivas como The Man of Atlantis (O Homem do Fundo do Mar), de 1977, abordaram o tema sob a perspectiva científica, onde um homem anfíbio emergia da cidade perdida.

O MITO DA ATLÂNTIDA PERDIDA, QUE ESTARIA NO FUNDO DO MAR , INSPIRA LIVROS E FILMES. CIDADES INUNDADAS POR CATÁSTROFES TAMBÉM ESTÃO NO IMAGINÁRIO DO GÊNERO

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ficção científica

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Foi somente a partir da década de 1960 que os oceanos e a questão da água como recurso de subsistência entraram na pauta

PLANETA ÁGUA Se, na primeira metade do século 20, novas descobertas científicas sobre o espaço influenciaram a popularização de publicações e revistas, como a Amazing Stories (Histórias Surpreendentes) – dedicada inteiramente à publicação de contos do gênero –, foi somente a partir da década de 1960 que os oceanos e a questão da água como recurso de subsistência entraram na pauta. Nessa época, inúmeros autores começaram a se preocupar com questões ligadas à ecologia e à preservação dos recursos naturais. Em The Drowned World (Mundo Inundado), escrito por J.G. Ballard em 1962, os continentes norte-americano e europeu submergem depois do derretimento das calotas polares. A história tem como protagonista o biólogo Dr. Robert Kerans, que luta contra as hostilidades ambientais causadas pela catástrofe climática. Gêneros mais recentes como Steampunk – cujas obras


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O CLÁSSICO 20 MIL LÉGUAS SUBMARINAS, ESCRITO POR JÚLIO VERNE EM 1870, GANHOU VERSÃO CINEMATOGRÁFICA EM 1954, DIRIGIDA POR ROBERT FLEISCHER E ESTRELADA POR KIRK DOUGLAS

são retratadas de acordo com a estética vitoriana dos tempos da Revolução Industrial britânica – também têm se dedicado a realizar uma produção que esteja concatenada com as causas ambientais. “A ideia é levar a sério o bordão punk do ‘faça você mesmo’ e buscar soluções para os problemas ambientais”, explica o catarinense Romeu Martins, jornalista e escritor do gênero Steampunk. O escritor britânico Alastair Reynolds, autor da série Revelation Space, abandonou suas histórias transcorridas em planetas longínquos para publicar a trilogia Poseidon’s Children (Crianças de Poseidon), em FOTOS: REPRODUÇÃO; ÉDOUARD RIOU; COLETTE E WALT DISNEY STUDIOS 1954

2012. No primeiro livro da série, Remembered Blue Earth (Terra Azul Relembrada), o autor descreve um futuro utópico em que o continente africano surge como uma rica potência política e tecnológica. Questões como o meio ambiente e a influência dos negócios de uma rica família queniana e a indústria de exploração da água não ficam de fora. “Acho provinciano quando especialistas dizem que a África nunca será um continente desenvolvido. O título da série Poseidon’s Children, que se refere ao deus dos mares na mitologia grega, fala justamente sobre essa capacidade que os africanos têm de sobreviver às secas, inundações e tempestades”, explica Reynolds em entrevista à seLecT. Com previsões improváveis ou não, seu exemplo é uma contrapartida para um campo da literatura que durante muito tempo se contaminou com teorias pessimistas e menosprezou a importância da água para a espécie humana. Sem ela não chegaríamos nem na estratosfera. Colaborou Fábio Fernandes


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FAVELA: MODERNA OU CONTEMPORÂNEA? Arquitetos de todo o mundo participam de mostra itinerante em São Paulo e se dividem entre ver a favela dentro do ideário moderno ou em considerá-la um novo modelo de urbanização e sociedade FERNANDO SERAPIÃO IMAGEM: RAINER HEHL


SIMULAÇÃO NA PAISAGEM DA SERRA DA CANTAREIRA. EM SÃO PAULO, DE CONJUNTO HABITACIONAL ASSINADO PELA EQUIPE DA ETH, PRINCIPAL FACULDADE DE ARQUITETURA SUIÇA, LIDERADA POR RAÍNER HEHL

ATUALMENTE, SÃO PAULO É UM LABORATÓRIO URBANÍSTICO PARA SOLUÇÃO DAS FAVELAS. Se essa frase pode causar espanto na maioria dos paulistanos – que certamente desconhecem essa informação –, para os mais importantes técnicos do mundo que se debruçam sobre o tema a notícia não é nova: Harvard, Columbia, ETH e outros polos universitários de ponta estão acompanhando com atenção os desdobramentos do trabalho que envolve mais de 50 equipes de arquitetos – alguns dos quais destacados escritórios paulistanos, como MMBB, Brasil Arquitetura e Una. A prova de que a cidade está na vanguarda do pensamento urbanístico para solução do problema da favela – que atinge um quinto da população mundial – é o projeto Jornada da Habitação – São Paulo Calling, que inclui exposição e debates. “Eu nunca vi uma exposição como esta”, afirmou Joseph Grima – editor da revista italiana Domus, bíblia italiana da arquitetura e do design. Em sua primeira visita ao Brasil, Grima veio acompanhar o lançamento do projeto que durante cinco meses – de janeiro a junho – vai percorrer cinco favelas, promovendo trocas de experiências entre brasileiros e profissionais que enfrentam o mesmo problema em outras sete cidades, como Nairóbi, Medellín e Mumbai.

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Por trás da São Paulo Calling está o italiano Stefano Boeri – arquiteto, curador e atual secretário da cultura de Milão. Durante uma tarde no fim de janeiro, Boeri conversou com seLecT. Segundo contou, para se fazer uma intervenção em área de ocupação irregular deve-se “adaptar o conhecimento técnico às regras da favela – ou seja, você tem de saber as razões porque ela nasceu, como cresceu e se desenvolveu”. A afirmação é uma evidência de que as coisas mudaram desde o auge da arquitetura moderna – leia-se, primeira metade do século 20, quando se acreditava que para resolver o problema habitacional bastava construir conjuntos mamutes nas periferias dos grandes centros, usando peças pré-fabricadas para desenhar lâminas compridas, com poucos andares sob pilotis. A crença nessa fórIMAGEM: BRASIL ARQUITETURA

PROJETOS DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS REÚNEM O OLHAR ESTRANGEIRO - QUE PODE SER FOLCLÓRICO E ROMÂNTICO - E O OLHAR NACIONAL, QUE NÃO CONSEGUE SE DESVENCILHAR DO PARADIGMA MODERNO


mula fazia parte do ideário da arquitetura moderna: ao construir milhares de habitações necessárias na Europa devassada pela Segunda-Guerra, foram colocadas em prática as teorias desenvolvidas por arquitetos e urbanistas da primeira metade do século 20. Distantes no espaço (mas não no tempo), os brasileiros deram contribuições significativas para o debate. Aqui, o problema não era a guerra, mas pressões de migração interna da zona rural e pobre para os grandes centros em desenvolvimento. A obra-prima da contribuição brasileira para o debate foi o célebre conjunto Pedregulho, no subúrbio carioca, perpetrada por Affonso Eduardo Reidy, que também desenhou o MAM-RJ. Trata-se de um conjunto com 328 apartamentos dispostos em lâminas diferentes, além de creche, escola, área esportiva e centro comercial – com direito a painéis de Portinari e jardins de Burle Marx. O destaque do conjunto é o maior prédio, uma serpentina de 260 metros de extensão que se adapta à topografia de forma graciosa e precisa. Apesar de ter sete andares, essa lâmina não possui elevador: o acesso se dá através de uma passarela que conecta o prédio ao terreno no terceiro piso: quem está para baixo desce, para cima, sobe. De lá para cá, o pensamento urbanístico se transformou: o problema mostrou-se cada dia mais gigantesco e as esperanças de acabar com todas as favelas ficou no passado. Assim, ecoando ideias de Jane Jacobs – que para proteger o Village nova iorquino escreveu um dos principais manifestos antimodernos da história – Vida e Morte de Grandes Cidades (editora Martins Fontes), os urbanistas compreenderam que o ambiente construído de forma irregular poderia ter algum valor. Hoje, em linhas gerais, eles acreditam que as favelas estão consolidadas. Então, o que fazer? Prover infraestrutura (água, esgoto, luz, asfalto etc.), regularizar a situação fundiária e remover apenas as construções que estão em área de risco (encosta, beira de córrego etc.). Com isso tudo, os urbanistas acreditam que podem transformar as favelas em bairros de uma forma espontânea, pois, com a regularização, há uma tendência natural que o ambiente melhore, uma vez que a comunidade percebe aquela situação como definitiva e não mais temporária. De uma forma geral, a parte mais significativa desse processo é invisível: fotos de infraestrutura dificilmente rendem votos. As cerejas do bolo continuam a ser os novos blocos habitacionais que aparecem como elemento forte no contexto. Contudo, é justamente nesse ponto que ocorre o paradoxo desse processo: se os urbanistas IMAGEM: EDUARDOCOLONELLI, ESCRITORIO PAULISTA DE ARQUITETURA

acreditam que a acupuntura pode transformar as favelas, a maior parte dos arquitetos (que desenham os prédios) ainda tem como paradigma a lâmina moderna do Pedregulho. Na leva recente de projetos paulistanos, exemplos não faltam – lâminas na encosta, com entradas em meio nível, tal como fez Reidy – como na favela do Bamburral, criada pela Brasil Arquitetura, ou na do Real Parque, de Eduardo Colonelli – que desenhou a reforma da Pinacoteca junto com Paulo Mendes da Rocha. Não falta pressão do contratante para que o desenho dos blocos entre em sintonia com a proposta urbanística: “O arquiteto paulista ainda é muito moderno”, opina Elisabete França, que responde na prefeitura pelas intervenções nas favelas e a grande responsável por esse laboratório. “Não acreditamos

ACIMA, PROJETO DE BLOCO HABITACIONAL PARA A FAVELA DO REAL PARQUE, EM SÃO PAULO, REALIZADO POR EDUARDO COLONELLI. NA PÁGINA À ESQUERDA, PROJETO DA BRASIL ARQUITETURA


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na hipótese de mimetizar a favela”, disse Edson Elito, responsável pelo conjunto de quase mil apartamentos, construído em Paraisópolis. O conflito torna-se mais evidente quando confrontamos os projetos de blocos de apartamentos – ainda no papel – criados por estrangeiros para São Paulo. Neste caso, dois exemplos são simbólicos, ambos criados por suíços. O primeiro é da safra de Christian Kerez, um dos mais interessantes arquitetos da atualidade. Para desenvolver um conjunto localizado na favela do Jardim Colombo (atrás do colégio Porto Seguro), Kerez passou semanas numa das mais privilegiadas zonas de São Paulo, acompanhando o líder comunitário – que não fala inglês nem alemão, tentando entender a espacialidade do lugar. O resultado são dois volumes que se mimetizam na paisagem, incorporando a linguagem existente. O outro projeto é de uma equipe da ETH (a principal faculdade de arquitetura da Suíça), liderada por Rainer Hehl. Vencedor de um concurso aberto FOTOS:CHRISTIAN KEREZ; RAINER HEHL

PARA REALIZAR PROJETO PARA FAVELA PAULISTANA, KEREZ PASSOU SEMANAS NA COMUNIDADE PESQUISANDO O ESPAÇO – o maior realizado no país –, o projeto, localizado nas franjas da Serra da Cantareira, dispõe os novos blocos de forma concentrada em torres de plantas quadradas. O volume externo, revestido com diferentes tipos de tijolos aparentes, revelava individualidade das diferentes unidades, algumas dúplex. Entre o olhar estrangeiro – que pode ser folclórico e enxergar certo romantismo na pobreza – e o olhar nacional – que não consegue se desvencilhar do paradigma moderno –, esse processo, para ser completo, pede uma terceira via que dialogue com a espacialidade da favela.


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ACIMA E NA PÁGINA À ESQUERDA, PRIMEIROS ESTUDOS DE CONJUNTO HABITACIONAL PROJETADO PELO ARQUITETO SUÍÇO CHRISTIAN KEREZ PARA A FAVELA DO JARDIM COLOMBO, EM SÃO PAULO. À ESQUERDA, MAQUETE DO PROJETO DE EDUARDO COLONELLI PARA A FAVELA DO REAL PARQUE


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TECNOARTESANATO Economia criativa e tecnologia social unem-se em Sergipe para requaliîcar a cultura artesanal J U L I A N A M O N AC H E S I

NO EXTREMO SUL DO POLO TURÍSTICO DA COSTA DOS COQUEIRAIS (COMO É CHAMADO O LITORAL DO ESTADO DE SERGIPE), O MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA DO ITANHY PODE PARECER UMA LOCALIZAÇÃO INUSITADA PARA UM CENTRO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COM FOCO SOCIAL. Mas foi por isso mesmo que o Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI) decidiu transferir sua sede de São Paulo para lá, em 2009. O povoado do Crasto, com 2 mil habitantes, é uma vila de pescadores reconhecida como uma comunidade quilombola. Entre diversos outros projetos nas áreas de educação, saúde e economia criativa que possui em andamento na região, o IPTI pretende construir ali um museu vivo. Plantado no mangue, o empreendimento deve coroar, em 2016, a empreitada de consolidar um centro de referência em tecnologias sociais, por meio do desenvolvimento e aplicação de conhecimento científico e tecnológico e da interação com as comunidades, marcas da atuação do IPTI desde 2003.

CROCHÊ DE TIRAS DE COURO, CRIAÇÃO DA COOPA-ROCA, DA FAVELA DA ROCINHA


Com o know-how de projetos como o Cultura Digital, que realizou para o Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, contando com parcerias com especialistas internacionais como Bronac Ferran e Roger Malina, o IPTI concebeu um modelo de desenvolvimento local estruturado na relação entre arte, ciência e tecnologia, que foi denominado The Human Project. “Pensamos que arte, ciência e tecnologia, atuando juntas, poderiam constituir um modelo alternativo viável de promoção de desenvolvimento sustentável, especialmente para regiões desprivilegiadas”, conta Saulo Faria Almeida Barretto, responsável pela área de Relacionamento Institucional e Novos Negócios. O passo seguinte foi a identificação desse local propício para a implantação de um projeto voltado para economia criativa, saúde e educação, ou seja, uma experiência real do The Human Project, e a escolha recaiu sobre Santa Luzia do Itanhy – um dos municípios mais pobres do Brasil e que possui o segundo mais baixo IDH de Sergipe. Quando se transferiu para o Crasto, o IPTI diagnosticou que a economia local baseava-se na agricultura familiar e na pesca, e que a atividade artesanal encontrava-se desestruturada. A primeira ação do instituto foi identificar as tipologias do trabalho artesanal, das tramas com fibras vegetais e araticum (raiz do man-

Os produtos de design artesanal que ilustram esta matéria foram garimpados pela curadora Adélia Borges e analisados no livro Arte + Artesanato, que acaba de ser publicado pela editora Terceiro Nome, de SP

TAMANDUÁ-MIRIM QUE, ASSIM COMO O GATO-DOMATO-GRANDE, NO ALTO, INTEGRA A COLEÇÃO DO PROJETO BICHOS DO MAR DE DENTRO, DA REGIÃO DA LAGOA DOS PATOS (RS); ACIMA, COLARES DE FIBRA DE TUCUM, TINGIDOS COM CORANTES NATURAIS EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, NO AMAZONAS FOTOS: À ESQUERDA, CELSO BRANDÃO; À DIREITA: ROGÉRIO ASSIS

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O caminho brasileiro, defende Adélia Borges, está na aproximação entre designers e comunidades de artesãos, que teve início na década de 1980, e hoje FRQîJXUD XP novo contexto de criação compartilhada no Brasil

guezal que se parece com madeira-balsa) aos tecidos, para iniciar o trabalho de requalificação. Atualmente, os artesãos reunidos na Associação dos Artesãos de Santa Luzia do Itanhy fazem objetos que têm padrão de qualidade do melhor design brasileiro contemporâneo: o processo de formação (profissionalização e qualificação) levou 14 meses e consistiu em aprimorar a qualidade dos produtos, mantendo a identidade local e tendo por objetivo uma inserção global. Segundo Renata Piazzalunga, cofundadora do IPTI e pesquisadora responsável pela linha de projetos relacionados à economia criativa no instituto, “a pesquisa que antecedeu a implementação do projeto identificou o baixo capital social da região. Não existe colaboração: o nível de confiança é muito baixo e a forma de comando ainda é herdeira do coronelismo, ou seja, os moradores estão acostumados à exploração. Percebemos que a relação entre as pessoas também se encontrava desgastada: a maioria deles não tem iniciativa”. Para promover essa dupla requalificação, do artesanato e da cooperação, foram organizadas, dentro do projeto Cultura em Foco, a partir de 2009, diferentes oficinas que trabalharam desde a sensibilização dos participantes para aspectos pouco valorizados da cultura local até treinamento básico em administração, para habilitar os artesãos a definir as metas de trabalho e participar dos processos de difusão da marca e comercialização.

APROPRIAÇÃO DA TECNOLOGIA SOCIAL

SAIA DE FACE DUPLA DA MARCA AMARIA, DE MUZAMBINHO (MG), MOSTRA TRABALHO DE PATCHWORK COM RETALHOS DE TECIDO FEITO EM TEAR MANUAL E BORDADO COM FIOS TINGIDOS COM RESTOS DA COLHEITA DE CAFÉ; NA PÁGINA AO LADO, NO ALTO, MESA MANDALA, PROJETADA POR CLAUDIA MOREIRA SALLES, COM CENTRO FEITO DE PALHA TRANÇADA EM PARNAÍBA (PI); E POLTRONA MULTIDÃO, DE FERNANDO E HUMBERTO CAMPANA, FEITA COM BONECAS DE PANO PRODUZIDAS EM ESPERANÇA (PB) FOTOS: À ESQUERDA, NORIO ITO; À DIREITA: MARIANA CHAMA

No processo de mapeamento das fibras, além daquelas que já eram utilizadas pelos artesãos para confeccionar cestos, vassouras e instrumentos para a pesca, foram identificados outros tipos de palmeiras e capins como matéria-prima. Kelley Brian White, designer norte-americano residente no Brasil, especialista em fibras naturais, foi convidado em 2010 para desenvolver um modelo de persiana de fibras vegetais para ser confeccionado pelos artesãos de Santa Luzia. Desde então, ele presta consultoria à associação e já desenhou luminárias e jogos americanos para serem produzidos pelo grupo. “Percebemos que projetos como esse acabam gerando uma relação muito sofisticada entre o artesão e os recursos naturais locais (no caso, a palha), com um impacto positivo na consciência ambiental. Antes eles desprezavam a palha e hoje veem a matéria-prima de outra maneira; em parte isso tem a ver com a renda que ela gera para as famílias, mas, por outro lado, também tem a ver com a questão estética, a beleza dos produtos gerados pelo trabalho deles, e o reconhecimento do mercado e das pessoas”, diz Barretto.


“Projetos como esse acabam gerando uma relação muito VRîVWLFDGD entre o artesão e os recursos naturais locais, com um impacto positivo na consciência ambiental”, DîUPD 6DXOR Barretto, do IPTI

Além de Brian White, o projeto conta com a consultoria do Estúdio Nada Se Leva, que desenvolveu uma padronagem de fuxico sofisticada para confecção de mantas e almofadas pelo núcleo de tecidos na Associação Cultura em Foco. O estúdio paulistano revisitou o fuxico criando um pixelado de pied de coq, pied de poule e tartan. O núcleo começou com três mulheres de Santa Luzia do Itanhy, que recentemente convidaram outras artesãs para ampliar o projeto (para dar conta da crescente demanda). No fim de fevereiro, a coleção de luminárias Fellicia teve seu lançamento nacional em showroom em São Paulo. Fellicia é o nome da empresa, criada em 2011, que comercializa os produtos da associação. O modelo de negócio desenvolvido pelo IPTI prevê que a comercialização não precisa ser feita pelos produtores, que nem sempre têm perfil de vendedores, ainda mais em um mercado global. Desse modo, a divisão de trabalho está hoje formatada para que a produção seja feita por integrantes da Associação dos Artesãos de Santa Luzia do Itanhy, a estrutura para captação contínua de recursos siga a cargo do IPTI e as vendas e o atendimento aos clientes sejam realizados pela loja virtual Fellicia (www.fellicia.com.br).

À DIREITA, BUBBLE CHAIR (2011), DE RODRIGO ALMEIDA E GUTO REQUENA, FEITA DE PLÁSTICO BOLHA; ABAIXO, AS ESCULTURAS HERCULE (2011) E LA MONÉGASQUE (2011), DE JOANA VASCONCELOS

APROXIMAÇÃO ENTRE DESIGN E ARTESANATO TEM HISTÓRIA Praticamente inaugurando uma bibliografia brasileira séria a respeito de design artesanal, Adélia Borges, autora de Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro (editora Terceiro Nome, 240 págs., R$ 80), explica logo na introdução de seu livro a dificuldade de aproximar design de artesanato: o antagonismo histórico, no Brasil, entre esses dois campos. Temas como o artesanato e a identidade brasileira, afirma, eram “rechaçados em bloco pelo pensamento predominante no establishment do design”, nos anos 1970. A obra apresenta um problema que eclode nos anos 1960 – a importação acrítica de ideias da Bauhaus e o estabelecimento de uma metodologia funcionalista na “fundação” do design brasileiro – e para o qual se vislumbram saídas possíveis apenas no fim da década de 1990, com a implantação do Programa Sebrae de Artesanato e a criação do projeto Artesanato Solidário. As duas iniciativas de revitalização do artesanato somam-se à aproximação entre designers e comunidades de artesãos que tivera início na década anterior – com o protagonismo de profissionais

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design

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O IPTI desenvolve tecnologias sociais para combater problemas crônicos de saúde pública e aprendizagem, o que traz melhorias à vida de toda a comunidade e, por extensão, à cultura do artesanato

LUMINÁRIAS FELLICIA, FRUTO DA PARCERIA ENTRE O DESIGNER KELLEY BRIAN WHITE E A ASSOCIAÇÃO DOS ARTESÃOS DE SANTA LUZIA DO ITANHY (SE)

como Renato Imbroisi e Heloísa Crocco, Janete Costa e Maria Teresa Leal – na conformação de um novo contexto, que a autora é perspicaz em circunscrever como “o caminho brasileiro”.

SIGNIFICÂNCIA CULTURAL Um movimento de revitalização fez-se necessário por duas razões, segundo a autora. Por um lado, a produção manual sofreu uma perda de significância cultural, quando as tradições artesanais perderam espaço para produtos industriais importados da China: “Os artesãos passaram a repetir as formas industriais e/ou adotar estereótipos em sua produção. (...) Cenas de neve e fofos ursos-polares, para não falar dos gnomos e de toda a dinastia de Patópolis, grassavam nos mais variados suportes artesanais, da cerâmica aos bordados e pinturas nos panos de prato”, escreve. Por outro lado, o modelo fundante do design de produtos no Brasil provocou a cisão entre os dois universos, com perda para ambas as partes. A autora, que dirigiu o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, entre 2003 e 2007, e concebeu, em 2008, o projeto do Pavilhão das Culturas Brasileiras, identifiFOTOS: DIVULGAÇÃO


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ca seis eixos principais no processo de revitalização: melhora das condições técnicas, potencialidades dos materiais locais, identidade e diversidade, construção das marcas, artesãos como fornecedores e ações combinadas entre estes e os designers. Um capítulo é dedicado a cada um dos eixos no livro.

RELAÇÕES DELICADAS Sobre as duas posturas de interferência no design das peças (mínima possível, para preservar as tradições, ou radical, para adequar a produção às demandas de mercado), ponto nevrálgico do assunto abordado no livro, Adélia Borges toma o cuidado de não defender um modelo “correto” absoluto. Cita como exemplar de “ancoragem das referências formais dos objetos na realidade local” o projeto desenvolvido pelo Laboratório Piracema de Design, em Inhamus (Ceará), que consistiu em realizar oficinas para as bordadeiras locais redescobrirem em seu entorno as particularidades da vegetação do sertão e da composição das fachadas coloridas. Mas termina o capítulo dedicado ao tema, o mais longo do livro, Relações Delicadas, defendendo parâmetros éticos, metodologias baseadas em compartilhamento e o respeito aos “signos que resistem há tempos” e “por todo o sistema de símbolos que se encerra num objeto”, que implica não levar aos artesãos nenhum projeto pronto nem limitar a ação de consultoria a uma oficina breve que não tem continuidade. “O designer tem de ter humildade. Ele não tem a prerrogativa do bom gosto ou da capacidade projetual. Não é por ter frequentado uma faculdade que ele será melhor ou terá um senso estético mais apurado”, escreve.

MUSEU NO MANGUEZAL A experiência do IPTI em Sergipe pode servir como exemplo de envolvimento ético entre os propositores de projetos de revitalização do artesanato e a comunidade local. Isso porque o instituto não apenas se transferiu para a região em que pretendia atuar, como vem desenvolvendo projetos que focam problemas sociais crônicos que também afetam, indiretamente, o desenvolvimento do artesanato. “O IPTI opera segundo uma espiral evolutiva: projetos desencadeiam novas ações e fortalecem a capacidade de apropriação local”, defende Saulo Barretto. Em abril de 2010, o instituto foi qualificado como OS estadual, cujo objeto da parceria com o governo de Sergipe é “aplicar o conhecimento científico e tecnológico para o diagnóstico e a produção de inovações tecnológicas de interesse social”, explica ele. Naquele

LUMINÁRIA PET, DE NIDO CAMPOLONGO, CONSTRUÍDA COM MATERIAL FORNECIDO PELA COOPERATIVA DE COLETA SELETIVA COOPERAACS

momento, teve início a primeira parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Santa Luzia do Itanhy, o projeto Educação Inclusiva, que consistiu no desenvolvimento de um software que funciona como um quiz para identificar problemas neurocognitivos que dificultam a aprendizagem. Ao desenvolver uma tecnologia social de apoio ao ensino, amparada no que há de mais avançado no conhecimento contemporâneo das neurociências, o projeto participativo (que envolve as equipes da Secretaria de Educação e dos diretores e professores de seis escolas de Santa Luzia do Itanhy) verificou, entre os 336 alunos atendidos em atividades complementares, que a partir do oitavo atendimento ocorre uma significativa melhora do desempenho desses alunos. O Hb, um projeto voltado para a saúde que engloba as 22 escolas municipais e uma escola estadual de Santa Luzia, identificou que 27% dos alunos sofrem de anemia. Em implementação piloto, o equipamento para detecção nos níveis de hemoglobina no sangue que foi desenvolvido com baixo custo identificou e tratou crianças com anemia, provando que o processo de controle é viável e pode ser reaplicado. Já o Museu Guigó de Arte, Ciência e Tecnologia, espaço científico-cultural idealizado pelo IPTI para ser construído em pleno manguezal, com passarelas de observação científica para estudantes da região e também com grande potencial turístico, está na etapa de captação de recursos para a primeira fase, aprovada pela Lei Rouanet, que envolve um concurso internacional de arquitetura e pesquisa para conteúdo da instituição. Ao que tudo indica, o Centro de Arte Contemporânea Inhotim, em Brumadinho (MG), finalmente vai ter “concorrência” à altura no Nordeste.


crítica 120

SHEILA LEIRNER,

DE LONDRES

SESSÃO DE ACUPUNTURA Em retrospectiva na Tate Modern, Yayoi Kusama faz ponte entre a arte psicodélica dos anos 1960 e a arte virtual do século 21

FOTOS: OSCAR BALDUCCI, JOAQUÍN CORTÉS/ROMÁN LORES

Quem perdeu a grande exposição de Yayoi Kusama no Centro Georges Pompidou, em Paris, no ano passado – e agora teve de atravessar o Canal da Mancha, como eu, para recuperá-la na Tate Modern –, não ficará frustrado. O trabalho pioneiro de mais de seis décadas dessa artista, nascida em 1929, compensa plenamente o esforço. Concebida como uma série de ambientes de imersão, a mostra desenrola-se numa sequência de salas surpreendentes, cada uma delas dedicada ao aparecimento de uma nova postura estética. A maior parte possui tal intensidade alucinatória e tamanha acumulação de pormenores que, no final, não é apenas a sua visão única do mundo que se desvela aos nossos olhos. É a nossa própria capacidade de deslumbramento que ela põe à prova. O nome Yayoi Kusama evoca uma imagem e uma


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Yayoi Kusama, até 5 de junho. Londres, Inglaterra

www.tate.org.uk/modern

lenda. A imagem é a das flores, do símbolo Paz e Amor e da frase “Faça amor, não faça a guerra” que ela assumiu, nua, na manifestação coletiva contra a guerra do Vietnã, no jardim do MoMA, em Nova York, e nos happenings escandalosos, às vezes pornográficos, que provocaram a imprensa americana tanto quanto Andy Warhol o fez. A lenda é aquela da loucura, uma vez que ela sempre admitiu que sua obra foi determinada por alucinações de infância, e que, a partir de 1977, a motivaram a decidir viver em um hospital psiquiátrico de Tóquio. Ao contrário da loucura, porém, esse trabalho – apesar de ter recebido intensas descargas psíquicas e simbólicas – é invariavelmente desenvolvido com um formidável controle de meios. Objetos, pinturas e instalações possuem resultados múltiplos, lúdicos e terapêuticos, como as salas com espelhos deformantes e efeitos mágicos à maneira dos parques de diversões. Ela fabrica ilusões com a lucidez de uma artista conceitual. Possui a justa obsessão, que termina quando o projeto chega ao fim. Nenhum trabalho excede a artista e os próprios limites. Sua obra faz a ponte entre a geração “bicho-grilo” e aquela de Mariko Mori, que nos é mais próxima, e entre a arte psicodélica e o virtual. Passeia entre business e loucura, marginalidade e mídia. Kusama, que se consagra hoje à pintura, começou com ela nos anos 1950 sobre um fundo de surrealismo. Em Nova York, onde viveu de 1958 a 1973, experimentou a abstração e o monocromatismo, sempre fugindo do formalismo. Em 1962, entrou na fase obscena das esculturas/tentáculos erécteis como falos e das esculturas/tubérculos torcidos. Durou pouco. Em 1963, enveredou por ambientes onde aparecia geralmente nua. Na Factory, estúdio de Andy Warhol, sobre a ponte do Brooklyn, e no MoMA, Kusama foi, na segunda metade dos anos 1960, uma das principais personagens da chamada body art, muito mais engajada do que a própria Yoko Ono. A exposição na Tate reenvia o espectador ao período glorioso das orgias urbanas ambulantes e das pinturas corporais. Naquela época, a sacerdotisa da nudez tornou-se também uma estilista de coleções para as noitadas da burguesia liberada. Na primavera de 1969, ela abriu a própria butique de roupas, com flores que mostravam seios, ventre e nádegas. Essas roupas podiam ser vistas nos happenings, depois documentados e legendados pela artista como verdadeiras fotonovelas: amor, sexo e beleza. Kusama, que esteve próxima de artistas como Joseph Cornell e Frank Stella, foi amante de Donald Judd e

sempre evitou ter outras referências se não dela própria e de suas alucinações. Muito embora não tenha escapado da influência da pop, op e arte psicodélica. Pode-se dizer também que sua obra tem parentesco com Niki de Saint-Phalle e com o Groupe de Recherche d’Art Visuel, ou Grupo de Pesquisa em Artes Visuais (GRAV), bastante conhecido em Nova York, do qual faziam parte Julio Le Parc e outros artistas cinéticos. Há ainda tanta coisa a dizer sobre o percurso incomum dessa artista nascida em Matsumoto, no coração das montanhas japonesas da ilha de Honshu... Mas o mais importante é o que resta desse caminho: o desejo sem igual de autoconhecimento para escapar de si mesma e dotar as formas (bolinhas ou não) de uma energia vital capaz de transformá-la em terapeuta. Nunca fiz sessão de acupuntura, mas saí da exposição com a sensação de ter passado por uma, em escala gigante.

À ESQUERDA , INSTALAÇÃO I NF I NI T Y MIRRORED ROOM (201 1 ); ABAI XO, KU SAMA FASH I O N , NEW YO R K ( 1 970)

À ESQUERDA: LUCY DAWKINS/TATE PHOTOGRAPHY; A DIREITA: YAYOI KUSAMA STUDIOS INC./THOMAS HAAR


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ARTES VISUAIS

SEM DISCIPLINA, SEM PAREDES NEM MEIOS-TERMOS JULIANA MONACHESI, de Nova York Trienal do New Museum e Bienal do Whitney reúnem artistas que reinventam velhos ícones para novos tempos

“Ingovernáveis”, título da Trienal 2012 do New Museum, em Nova York, nomeia com clareza o que move a geração de artistas que ali expõem, assim como na Bienal do Whitney, que acontece concomitantemente no tradicional museu do Upper East Side. No New Museum, uma narrativa em giz sobre a parede pintada de preto destrincha a memória coletiva da África do Sul pós-apartheid (Kemang Wa Lehulere). FOTO: JULIANA MONACHESI/ESTÚDIO SELECT

ESCULTURA DE ADRIÁN VILLAR ROJAS E, NA PAREDE À DIREITA, INSTALAÇÃO DE AMALIA PICA: DOIS PONTOS ALTOS DA TRIENAL DO NEW MUSEUM

A refinaria de petróleo improvisada, feita com base em tecnologias populares de destilação utilizadas no México para fazer tequila ou mezcal, produz gasolina no meio do museu (José Antonio Vega Macotela). Os desenhos de um artista fictício, criados enquanto ele aguarda clientes chegarem à loja de sucos do pai ou o serviço de internet cronicamente lento do Líbano funcionar, retratam o tédio produtivo dos ingovernáveis (Mounira Al Solh). Próximos aos trabalhos do sul-africano, do mexicano e da libanesa, estão outros feitos por uma chinesa (Hu Xiaoyuan), uma brasileira (Cinthia Marcelle) e um anglo-egípcio (Hassan Khan), e as obras restantes desse primeiro andar de exposição são assinadas por artistas nascidos em Lima, Cairo, Maceió, Helsinque e Mumbai. Esta é a cara da exposição periódica que o museu mais antenado de Nova York criou em 2009 para contar ao público o que se passa no mundo da arte contemporânea. E quem visita esta segunda edição da trienal descobre que a afetividade e o desejo de edificar novos emblemas para novos tempos governam as decisões estéticas de jovens artistas ao redor (mais nas beiras que no centro) do globo.


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É também do mexicano Vega Macotela o trabalho mais perturbador desta mostra: Time Exchange (2008-2010), em que o artista troca parcelas de tempo com prisioneiros da cadeia de Santa Martha Acatitla, município próximo de La Paz. Em troca de presenciar os primeiros passos do filho de Super-Ratón, por exemplo, o preso catalogou as bitucas de cigarro de sua cela. O registro das tarefas cumpridas por Macotela é exposto ao lado da obra produzida pelos prisioneiros. Parte dessa série foi exibida na 29a Bienal de São Paulo, em 2010. No piso superior, a colagem e seus desdobramentos atuais protagonizam as obras de Julia Dault (Canadá), Dave McKenzie (Jamaica), Mariana Telleria (Argentina) e Abigail DeVille (EUA). Cada um à sua maneira encena cosmologias da existência contemporânea. A prestidigitação dos cânones da escultura moderna por Dault, a lógica não linear de associações construídas com delicadeza por McKenzie ou com extrema precisão por Telleria, e o buraco negro de DeVille – que empresta sua imagem caótica ao cartaz de divulgação da trienal – são tentativas de colocar de pé uma arquitetura provisória e subjetiva do nosso tempo. O terceiro piso é protagonizado pela monumentalidade das obras do argentino Adrián Villar Rojas e do vietnamita Danh Võ, frágeis entretanto em sua matériaprima ou seu discurso, ecoando a marcante curadoria Unmonumental, que aconteceu no New Museum em 2007. Escultura de Rojas, feita de argila crua e que já apresenta rachaduras incontornáveis, e o trabalho de Võ, que reproduz o contorno da Estátua da Liberdade em pedaços, contrastam com a sutileza da obra Eavesdropping (2011), de Amalia Pica, uma sequência de copos d’água de cores diferentes, organizados por tonalidade, que vigiam os acontecimentos ocultos pela parede do museu: a única que restou, aliás, já que a exposição não faz uso de painéis. Há poucos painéis também na Bienal do Whitney. E inquietações semelhantes perpassam o discurso dos artistas reunidos nesta 76a edição da mostra do Whitney Museum of American Art. Os trabalhos de Kai Althoff (Alemanha), LaToya Ruby Frazier (EUA), Richard Hawkins (EUA), K8 Hardy (EUA), Cameron Crawford (EUA), Nicole Eisenman (França) e Sam Lewitt (EUA) destacam-se entre obras que empreendem uma arqueologia da cultura material e do imaginário recentes de uma sociedade sufocada pelas próprias mazelas sociais, desperdícios e devastações.

ARTE

EXCESSO DE BAGAGEM ANGÉLICA DE MORAES O convívio de meios tradicionais com eletrônicos está entre os acertos mais nítidos do Rumos Artes Visuais 2011/2013

A atual edição do Rumos Artes Visuais, com o subtítulo Convite à Viagem, apresenta um dos mais consistentes conjuntos de trabalhos da história do evento. Não por acaso, é também a edição que retoma boa parte das origens bem-sucedidas da sua estrutura de funcionamento. Quando realizado pela primeira vez, há 12 anos, esse pioneiro mapeamento da arte contemporânea estabeleceu uma curadoria central compartilhada e informada por curadores-adjuntos, escolhidos nas regiões culturais em que atuavam. Embora a instituição tenha sofrido amnésia seletiva ao esquecer esse DNA do projeto, e apresente o conceito de viagem como novidade desta edição, pelo menos salvou a criança ao jogar a água do banho fora. Retomou parte de um modelo de prospecção que respeita e valoriza as diversidades regionais, estabelecendo interlocução com curadores referendados por atuação local, capazes, portanto, de conhecer o melhor da produção artística recente. DETALHE DA INSTALAÇÃO E PERFORMANCE PEDRA, DO ARTISTA CARIOCA PONTOGOR

Rumos Artes Visuais, 2 0 1 1 /20 13 , até 22 de abril, Itaú Cultural, Avenida Paulista, 149 www.itaucultural.org.br

FOTO: DIVULGAÇÃO


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Algumas edições do Rumos Artes Visuais foram especialmente mal prospectadas (medíocres até) quando pilotadas apenas a partir do eixo Rio-São Paulo e por curadores ETs. Sim, aqueles que descem do disco voador com a missão impossível de fazer escolhas em poucos dias, a partir de uma realidade quase desconhecida. deixando um rastro de exclusão de difícil justificativa nos fatos. Desta vez, o curador-geral Agnaldo Farias cercou-se de bons talentos da nova geração de curadores como Felipe Scovino (RJ) e Gabriela Motta (RS), que abriram espaço para um dos acertos desta edição: o convívio de meios tradicionais com eletrônicos. A lista de boas obras é grande e tem destaques como Guilherme Teixeira (SP), Coletivo Gia (BA), Berna Reale (PA), Luiza Baldan (RJ) e Rafael Pagatini (RS). Foram 1.770 inscritos e 45 artistas selecionados. A maioria concentrou-se em quatro estados: Rio de Janeiro (24,4%) São Paulo (17,8%), Rio Grande do Sul (15,6%) e Minas Gerais (8,89%). A exposição integral vai itinerar para o Rio de Janeiro no fim deste ano e, em segmentos, para quatro outras cidades: Goiânia (15/5 a 1º/7), Belém (17/7 a 2/9), Joinville (18/9 a 4/11) e Recife (24/10 a 9/12). Trata-se de bem-vindo excesso de bagagem, a demonstrar que a viagem rendeu.

DA SÉRIE FOTOGRÁFICA BASE, DE WAGNER MORALES: SUBTRAÇÃO DE IMAGEM DO FAMOSO VINIL DO NIRVANA

EXPOSIÇÃO

UM OBITUÁRIO PARA A TEVÊ PAULA ALZUGARAY Wagner Morales volta-se para os primórdios da videoarte e reedita as paisagens midiáticas da cultura pop

Wagner Morales é um arqueólogo da imagem em movimento e há dez anos imprime essa marca à sua pesquisa audiovisual. Começou com apropriações e releituras de gêneros cinematográficos nos vídeos Ficção Científica, Filme de Horror, Cassino – Filme de Estrada (todos de 2003), e Filme de Foda (2006). Na individual Base, em cartaz na Galeria Transversal, em São Paulo, ele se debruça sobre um clássico do cinema de artista: a série Screen Tests (1964 e 1966), de Andy Warhol. Mas, ao contrário de Warhol, ele não retrata personalidades. Em Screen Shots (2011-2012), Morales FOTO: CORTESIA GALERIA TRANSVERSAL

Base, Wagner Morales, até 21 de abril, Galeria Transversal, Rua do Bosque 206, São Paulo

retrata oito televisores abandonados na calçada, à espera do lixeiro. O diálogo travado entre os dois trabalhos, ainda que sutil e indireto, é notável. As relações de correspondência começam com a técnica utilizada. Os Screen Shots foram filmados em Super-8 – mídia corrente nos anos 1960 – e depois transferidos para vídeo, conferindo às imagens dos aparelhos de tevê descartados uma aura vintage. A câmera demora-se em cada aparelho, prolongando um olhar que esses objetos obsoletos jamais receberiam. Mais que a imagem e o timing, porém, é a estrutura criada para exibir esse trabalho que problematiza o que está sendo mostrado. Morales optou por projetar os filmes sobre a superfície de uma caixa volumosa, no formato de uma velha tevê de tubo de raios catódicos. O projetor foi escondido dentro de outra caixa idêntica. Ao colocar tela e projetor nesse espelhamento, o artista tornou evidente o sistema hierárquico de emissão e recepção que, no século 20, determinou as telecomunicações. A obsolescência desse sistema comunicacional é confirmada pelo conteúdo das projeções: aparelhos mudos e adormecidos. Nos damos conta, afinal, de que o artista produziu um obituário da televisão. Assim como a televisão de tubo e toda a sua percepção de mundo foram subtraídas da vida contemporânea, Morales produz outras operações de subtração nessa mostra. Na série fotográfica Base (2011-2012), o artista manipula as imagens de dez famosas capas de discos de rock e pop das últimas décadas, eliminando tipografia e figuras humanas, em favor da valorização da paisagem de fundo das fotografias. Já no curta-metragem Thierry (2012), projetado em preto e branco em grande dimensão, há a subtração do sentido da visão do protagonista, um cego andando pelas ruas de Paris. “Ser cego na cidade mais vista e conhecida do mundo é algo que penso dizer muito de nossa condição atual”, observa o artista, um arguto observador da paisagem midiática e cultural contemporânea.


selects / meio ambiente

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Renata Motta CLIQUE VERDE

Le i de Resí du os Só l i dos

R i o +2 0

b i t .ly/cz ACVI

bit .ly/sIcwJG

Sem ser um profissional, especialista ou ativista da área ambiental é possível (e recomendável) compreender o impacto que a tecnologia (e seus resíduos) tem na vida cotidiana contemporânea. Um bom ponto de partida são estes sites:

Marco hist ór ico d a gest ã o a m b ie nt a l no B ras il, e m que e m e rge m os conce itos da log í st ica reve rs a e d a res p ons a bilid a de co mpa r t ilha d a

A pós 2 0 a nos d a Eco- 92, q u e in tro d u ziu a ideia de dese nvolvimento sustentável e e m e rg iu o te m a do aq u e cime n to g loba l, a com unida d e in te r n acio n al volt a a re unir- se no Rio d e Jan e iro

2 011 G reen Scrapb ook

E lixo M a ps

I n fogr á f i cos

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bit .ly/ bzzgG5

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As top environmental search trends

Para saber onde descartar o seu lixo eletrônico: de pilhas a computadores, de celulares a geladeiras

2 5 infog r á f icos pa ra e n te n d e r o lixo e let r ônico

Gambiologia

D es i gn su sten t á vel

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Make a ball, make a dream

Por 10 euros você recebe as instruções para construir a sua cadeira de pallet, com design inglês

Earth Hour

Lixoeletronico.org

Renata Motta

b it . ly/x tt K j z

b i t .ly/ 1Yd h B0

Movimento global contra as mudanças climáticas. Hora do Planeta 2012: 31 de março, às 20h30 (hora local)

Blog com referências e informações sobre lixo eletrônico no Brasil e no mundo

Não basta Reduzir/Reciclar/Reusar; precisamos de arte, criatividade, inovação e design, ressignificando o cotidiano

É doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e diretora do Sistema Estadual de Museus de São Paulo


colunas móveis / urbanismo

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GABRIEL KOGAN CIDADES-CANAIS As águas podem condenar uma cidade ao insucesso ou ao triunfo e as características hídricas de cada lugar são fundamentais para a relação entre o homem e a paisagem. O trabalho humano transforma a natureza, tornando o espaço habitável As chamadas cidades-canais, que se desenvolveram a partir da transformação das águas em rios artificiais para transporte, lazer, abastecimento e drenagem, adquiriram diversas formas ao longo da história. Veneza, Amsterdã e São Paulo, que nunca se assumiu como tal, são exemplos radicais da relação próxima entre as águas e os estabelecimentos humanos.

Veneza As origens incertas de Veneza remontam aos povos que fugiam da expansão dos hunos no século 4º. As ilhas ofereciam um lugar ao mesmo tempo protegido e desafiador para ocupação. O desenvolvimento da cidade forçou uma densa construção de edifícios em 117 ilhas e 177 canais. O tecido urbano é um emaranhado labiríntico de estreitas vias, pontes e canais de água salgada que funcionam como verdadeiras ruas. Se por um lado, as águas tornam a cidade única, por outro, constituíram um grande problema. Sem água doce, os primeiros moradores utilizavam o lençol freático para conseguir água potável. A solução deu lugar a um sistema sofisticado de cisternas que captavam a água da chuva nos pátios e praças e que, depois de fi ltrada pelo solo, poderia ser obtida nos poços. Veneza é ainda hoje insalubre, mesmo depois de grandes obras de saneamento. A qualidade da água nos canais é péssima e as mudanças climáticas ameaçam a cidade com inundações cada vez mais frequentes. Uma cidade que, assim como todas as outras, luta contra ás águas, mas tira delas o sentido de sua existência.

Amsterdã Chamada de Veneza do Norte, Amsterdã estabeleceu-se em uma área inóspita. O terreno precisava ser drenado e as inundações dos rios forçaram a construção de uma barragem, que deu nome à cidade. Ela é um desenho concêntrico de canais que formam verdadeiras avenidas fluviais e o tecido urbano volta-se para as águas. Os canais eram tanto usados para abastecimento como para drenagem e transporte. Como em grande parte da Holanda, alguns pontos da cidade estão abaixo do nível do mar, necessitando de um sofisticado sistema de diques, canais e FOTO: FERNANDO DONASCI/FOLHAPRESS

bombas para garantir o lugar habitável. A cidade-canal holandesa conferiu uma forma urbana para a construção do território da região, fazendo das águas o principal elemento paisagístico e econômico da cidade.

São Paulo Chamada pelos índios de Piratininga, ‘peixe seco’, por causa das constantes inundações que levavam os peixes a morrer na várzea, São Paulo é uma metrópole fluvial. Centenas de rios convergem num sistema natural complexo. O crescimento acelerado voltou a cidade de costas para as águas e o resultado pode ser drasticamente sentido a cada chuva de verão. As margens dos rios nunca receberam nenhuma atenção urbanística. Ao contrário, foram sempre confinados entre avenidas e em canais tratados como esgotos, quando não canalizados sob as ruas. Não foi por falta de projetos que São Paulo nunca assumiu sua vocação como cidade-canal. Na década de 1920, o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito propôs um projeto para o Rio Tietê, que previa uma grande área livre para as águas e margens. O projeto dos rios urbanos foi politicamente negligenciado. Muitas das principais questões de São Paulo, no presente e no futuro, passam pelas questões hídricas. Quem sabe um dia São Paulo passe a ser conhecida como a Veneza do Sul.


colunas móveis / turismo

FELIPE CHAIMOVICH ON THE ROCKS

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Em cruzeiro de Punta Arenas, no Chile, até Ushuaia, na Argentina, bebe-se uísque com glaciares e descobrem-se os meandros do sabor e da história geológica da água em estado sólido O gelo é propagandeado pela indústria do turismo como atração singular da visita aos glaciares sul-americanos. No trajeto até as colossais formações, serve-se uísque com pedras das geleiras centenárias. Assim, contemplamos o desmoronamento de paredes inteiras de cristal azul chupando pedaços dos escombros, num suave torpor. A viagem é feita por água. Chega-se aos glaciares em pequenos botes, que também trazem o serviço de bebidas. No final da excursão, são oferecidos chocolate quente e uísque, que podem inclusive ser tomados juntos. Mas a peça ornamental desses bufês ao ar livre é sempre o balde de gelo repleto de pedregulhos irregulares. Os glaciares são formados pela compactação de neve. O acúmulo de sucessivas camadas expulsa o ar pela pressão: o bloco forma-se quando a porcentagem de ar na água sólida cai de 90 para 20. O processo torna o glaciar dinâmico, pois está sempre mudando de forma, seja retrocedendo, seja avançando. O gosto pela neve compactada levou ao desenvolvimento de diversas tecnologias que permitissem conservá-la ao longo das estações quentes. Nos parques palacianos e em algumas cidades europeias, havia as neveiras cônicas enterradas no solo, nas quais se depositavam neve e gelo no inverno, para o abastecimento das cozinhas ao longo do ano. Com a popularização das geladeiras, os cubos de gelo tornaram-se onipresentes. Entretanto, a pressão a que a neve é submetida nos glaciares diferencia seus fragmentos do gelo doméstico. Como a água vai sendo compactada aos poucos, o ar é concentrado em esferas, o que deixa a parte sólida do gelo muito dura. Ao derreter, os pedaços de glaciar formam múltiplas concavidades irregulares e pontas, que, chupadas, se convertem em áreas de fértil exploração para a língua. No roteiro de Punta Arenas até Ushuaia, o navio chileno Stella Australis, de 2010, prepara duas degustações de glaciar ao longo dos cinco dias de navegação pela Patagônia. A primeira é feita após uma caminhada pela Baía de Ainsworth e o uísque é servido a 10 metros de uma família FOTO: © PAUL SOUDERS/CORBIS/CORBIS (DC)/LATINSTOCK

de elefantes-marinhos indiferentes aos humanos. A segunda é feita diante do glaciar Pia, que, como a maioria dos glaciares, está diminuindo. Vemos, pelas formações vegetais que avançam lentamente sobre o solo rochoso da região, que os períodos de glaciação foram muitos, marcados por mudanças na temperatura do planeta. O atual aquecimento da superfície da Terra soma-se como mais um momento em uma longa história de eventos visíveis nas camadas geológicas, expostas aos turistas afeitos a caminhadas. Antes de regressar ao conforto do barco, somos aquecidos por um gole rápido, seguido do contato com a pedra de gelo dura e irregular que teima em não se acabar. No ano do centenário do naufrágio do Titanic, provar o gosto da geleira guarda algo de fi m dos tempos. Mas, ao deixar o Pia e entrar na Avenida dos Glaciares, no braço noroeste do Canal de Beagle, vemos que os ciclos milenares do gelo têm sua própria dinâmica. O frio na boca do estômago diante de uma natureza catastrófica é temperado pelo sistema de open bar do cruzeiro.


delete

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Sacolinha biodesagradável

ANGÉLICA DE MORAES

Delete coletivo faz encalhar nos supermercados a venda de sacolas supostamente verdes Quanto tempo levará para aquela grossa embalagem de amaciante de roupas ser lanche para minhocas? Não menos que os cem anos das sacolas, claro, que nunca poderão sair do elenco de vilãs. Ambas são feitas de derivados do petróleo. Pensem no tamanho do problema: apenas 10% do lixo urbano de São Paulo, a sexta cidade mais populosa do planeta, é reciclado. Foi aí que alguém teve a tal ideia que, no jargão publicitário, costuma ser identificada como “fora da caixa”. Mas muito focada em outra caixa: a registradora, claro. Qual a ideia? Uma campanha de educação ambiental. Ah, sim: que também colocasse à venda, por R$ 0,19 a unidade, sacolas biodegradáveis, feitas de amido de milho, recicláveis pela Mãe Terra em seis meses ou, se jogadas nos lixões comuns, em dois anos. O rebanho, digo, os consumidores, no entanto, surpreenderam. Ninguém compra as tais preciosas sacolas verdes. Encalhe monumental. Ação “delete” em grande escala. Como o Ministério Público e o Procon exigem que os supermercados ofereçam alternativas sem custo, todos correram para as caixas de papelão. As mais biodegradáveis de todas, aliás. As embalagens de amido de milho são apenas biodesagradáveis, pois joga-se no lixo o que poderia ser alimento.

Aos desavisados pode parecer que os donos de supermercados no estado de São Paulo oscilam entre dois comportamentos antagônicos. Acordo firmado entre eles determinou que seria suspensa a distribuição gratuita de sacolinhas de plástico para os clientes acondicionarem suas compras. Um discurso ecológico parecia bem ensaiado para fazer o rebanho, digo, os consumidores aceitarem mais esse pastoreio. Mas, como notaram algumas ovelhas negras, aquelas mais observadoras, a tal campanha se fazia nas grandes redes com enormes cartazes de... plástico! Plotados com mensagens alertando para o sufocamento do planeta, que seria causado tão somente pelas sacolinhas. Notaram mais: no entorno desses cartazes, especialmente na área de material de limpeza (ó ironia), fervilham atentados ecológicos sob a forma de embalagens plásticas rígidas.

DA SÉRIE A PLASTICIDADE DA NATUREZA MORTA, DE ALBERTO SIMON FOTO: CORTESIA DO ARTISTA


obituário

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Lâmpada incandescente (1879-2016) Ícone de ideia e solução ao longo do século 20, a lâmpada incandescente tornou-se um estorvo ecológico que tende a ser para os nossos netos uma lembrança que não deixa saudades

Mas os anos passaram, as pesquisas no campo dos materiais evoluíram e a demanda de equipamentos plugados aumentou sobremaneira. Com isso, a velha grande ideia de um bulbo de vidro com um filamento incandescente tornou-se um verdadeiro sinal de obscurantismo para qualquer ser minimamente ecorresponsável. A Comunidade Europeia, o Brasil, a Venezuela, a Argentina, a Austrália, a Malásia e os EUA já decretaram sua morte. Por aqui, estima-se uma economia na escala de 10 terawatts/hora (TWh/ano) até 2030. Os prazos para que as últimas incandescentes se apaguem é 2016. Aos nossos netos ficam as imagens do Lampadinha, como para nós ficaram as dos lampiões de que nunca tivemos saudades. GB FOTO: DIVULGAÇÃO


reinvente

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OFICINAS DE CRIAÇÃIO PROMOVIDAS PELO COLETIVO METARECICLAGEM

Metamorfose em rede Coletivo propõe rede de afetos e uso NINA GAZIRE crítico das tecnologias

O prefixo grego “meta” significa movimento para além, mudança. E, quando ocorrem mudanças, crescem as possibilidades de encontros e trocas frutíferas. Esse é o objetivo da rede auto-organizada Metareciclagem, que há dez anos reúne interessados em novas perspectivas tecnológicas, arte, educação, hacktivismo e inclusão digital. E já que na natureza e na sociedade nada se perde e tudo se transforma, o grupo trabalha com reinvenções e reciclagens. O recondicionamento de computadores foi a primeira das ações do Metareciclagem, que centra sua filosofia na facilitação ao acesso de softwares livres. “Uma das primeiras coisas que fizemos foi restaurar computadores inutilizados e instalar o Linux para usar nos nossos projetos e facilitar o acesso de outras pessoas”, explica Felipe Fonseca, um dos FOTOS: CAMILA CUNHA/CAMPUS PARTY E COLETIVO METARECICLAGEM

idealizadores e articuladores do coletivo. Reciclagem não é exatamente a única reinvenção do Metareciclagem, que atualmente constitui-se como um aglomerado de outras redes, no qual cada núcleo é denominado “esporo”, como metáfora para polinização que procura terreno fértil nas trocas de ideias promovidas digitalmente e em encontros ocasionais. A polinização deu certo. O Metareciclagem reúne diferentes coletivos espalhados Brasil afora, conectados via internet e alinhados sob a bandeira da livre organização e da reinvenção da transformação social com o uso da cultura digital. “Somos, acima de tudo, uma rede de afetos e pessoas tentando fazer um acesso crítico da tecnologia”, sintetiza Fonseca. www.metareciclagem.org


Oito Arte empreendimentos culturais



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